Diálogos particulares com a BNCC

Diálogos particulares com a BNCC

Escolas privadas interpretam a Base à luz dos contextos em que estão inseridas e criam estratégias para implementá-la a partir de seus respectivos projetos educativos. 

Texto: Lara Silbiger

No exato momento em que a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) foi aprovada, em 17 de dezembro do ano passado, foi dada também a largada para que cada rede e escola do país (públicas e privadas) se alinhe às novas diretrizes obrigatórias. O prazo para implantação termina em 2020, quando as referências que definem os direitos de aprendizagem devem enfim permear os mais diversos aspectos da vida escolar — do projeto pedagógico e currículo à formação de professores, materiais didáticos e instrumentos de avaliação. 

Nessa corrida, além de fôlego, as escolas precisam de um bom planejamento para cruzar a linha de chegada. Os primeiros passos se resumem a entender o que é a BNCC, fazer uma revisão dos respectivos currículos e PPP (Projetos Políticos Pedagógicos) e criar um sistema de governança que envolva os professores nos eventuais ajustes e transformações. 

Nas escolas públicas, esse processo é liderado pelas redes, muitas das quais têm unido esforços para (re)elaborar seus currículos. Já as privadas gozam de autonomia para dialogar com a Base e promover as mudanças que julguem necessárias para aproximá-las do norte traçado pelo documento oficial. “Embora a BNCC dite as habilidades e competências que o aluno precisa desenvolver, ela não diz como isso deve ser feito. Portanto, quem vai determinar a estratégia, a carga horária e as disciplinas é a própria instituição, a partir do seu projeto educativo”, explica Solange Petrosino, gerente de Serviços Educacionais da Editora Moderna. 

Dessa forma, o processo de implementação vai ganhando seus próprios contornos em cada uma das 71,4 mil escolas de Educação Básica espalhadas pelo Brasil. “Na prática, a BNCC será observada de acordo com a interpretação dos colégios e sua forma de fazer Educação”, conclui Ademar Batista Pereira, presidente da Fenep (Federação Nacional das Escolas Particulares).

Ainda assim, colocar as diretrizes nacionais em prática, em menos de dois anos, não será uma tarefa simples. “O grande desafio do gestor da escola particular é concretizar as referências da Base no dia a dia dos alunos”, afirma Esther Carvalho, diretora-geral do Colégio Rio Branco, de São Paulo (SP). Tende a levar vantagem, porém, quem já estava de olho nas tendências mundiais da Educação. “As escolas que já se preocupavam com a inovação e com os pressupostos globais que a Base trouxe – como formação integral, cidadania global, regionalização e competências socioemocionais – certamente terão mais facilidade de se ajustar”, afirma Solange, da Moderna. 

Para acompanhar esse processo na rede privada, a Educatrix entrevistou os gestores de quatro escolas que já estão a todo vapor com a implementação da BNCC. Confira os depoimentos a seguir.  

COMPREENSÃO DA BASE NA PRÁTICA 

  • “O primeiro passo para a implementação é fazer uma interpretação correta da BNCC, que não é uma meta e muito menos um currículo. Entender sua potência e abrangência enquanto política pública é o primeiro grande desafio. Depois, é preciso compreender que não se trata de uma lista de conteúdos. O que o documento prevê é o que a criança deve aprender, sob a perspectiva dos direitos de aprendizagem.  
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  • Nesse contexto, é imperativo também entender o que é competência – capacidade de mobilizar conhecimentos escolares e intervir na realidade – e definir os conhecimentos com os quais instrumentalizar o aluno. Em suma, não são conceitos simples de ser assimilados. Muito menos quando se tem em conta que, até pouco tempo, o currículo era tido como uma mera lista de conteúdos. Hoje, porém, sabemos que ele é um instrumento que traduz o conjunto de experiências intencionalmente delineadas pela escola para concretizar as referências estabelecidas no PPP (Projeto Político Pedagógico), bem como as orientações da BNCC. 
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  • Outro aspecto fundamental é desmentir o mito de que a Base exige que todos aprendam a mesma coisa. A implementação é muito mais complexa e demandou traduzir a Base para o projeto pedagógico de cada escola. 
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  • No Colégio Rio Branco, a primeira etapa desse processo exigiu uma análise profunda da BNCC. Para começar, colocamos lado a lado os princípios que ela traz com o nosso PPP e o planejamento do Colégio. Desse pareamento, resultaram as diretrizes da nova versão do projeto pedagógico, que refinará aspectos ligados aos direitos de aprendizagem e ao trabalho baseado em competências. É possível também que haja mudanças no regimento escolar a partir de 2019, com uma nova organização didática dos períodos letivos. 
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  • Além disso, dissecamos a BNCC para entender como ela se encaixa no nosso currículo, onde se adequa e que novidades traz para o colégio. Com isso, foi possível constatar que os alvos que perseguimos há anos – desenvolvimento de competências e visão interdisciplinar – estão de fato alinhados à Base.  
  •  
  • Não estamos falando de conceitos novos, mas sem dúvida de difícil implementação. Por mais que falemos em metodologias ativas, mudar o mindset dos professores em uma escola de 150 anos, como a nossa, é um processo longo. Para isso, investimos em formações continuadas que abordam o ensino investigativo, ampliam o repertório de ferramentas pedagógicas que favorecem as metodologias ativas e incentivam a aprendizagem colaborativa. Além disso, estruturamos um processo de apoio aos professores e acompanhamento.  
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  • Quanto aos currículos do Ensino Fundamental, que ainda estão em análise, podemos apenas adiantar que teremos ajustes de localização das expectativas de aprendizagem. Já na Educação Infantil, o que mudará no currículo serão as nomenclaturas. A concepção em si deve manter-se muito próxima à que já tínhamos – calcada no uso de múltiplas linguagens, brincadeiras e na ideia da ‘criança potente’. 
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  • Em linhas gerais, esses são os ajustes nos quais estamos trabalhando enquanto aguardamos as publicações oficiais da Diretoria de Ensino do estado, a quem respondemos.”
  • Esther Carvalho, diretora-geral. 

ESTRUTURA DE GOVERNANÇA

 

 

  • “No Colégio São Luís, entendemos a implantação da BNCC como um movimento de mão dupla. De um lado, a escola deve analisar sua proposta pedagógica e matriz curricular à luz do que a Base propõe. De outro, também precisa contextualizá-la no âmbito de sua própria proposta pedagógica. Sob essa lógica, estamos trabalhando na revisão curricular desde 2017. Esse processo é liderado pela direção-geral e levado a cabo pelo chamado GT (Grupo de Trabalho) de Currículo, formado por educadores – docentes e não docentes – de todos os segmentos. 
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  • Sob a coordenação da direção acadêmica, o GT se reúne uma vez por semana. Suas reflexões sobre a BNCC e encaminhamentos são socializados mensalmente com todo o corpo docente, que tem papel consultivo. Em paralelo, uma assessoria externa dialoga periodicamente com os professores e com o próprio GT. Já as aprovações finais ficam por conta do Conselho Diretor da Escola.  
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  • A BNCC, porém, não impõe grandes desafios para o colégio. Já tínhamos um currículo bastante abrangente em termos de conteúdo. O que vemos agora são oportunidades de enriquecer o que já fazíamos e oferecer aos estudantes mais alternativas de acesso ao conhecimento. Para isso, temos ampliado nossos horizontes e nos debruçado sobre currículos – inclusive internacionais – de filosofia humanista, cuja foco é a formação integral da pessoa. A partir desse benchmark, passamos a organizar nossos conteúdos de maneira mais integrada e a incorporar à matriz de competências gerais e habilidades em todas as dimensões, não apenas na intelectual. Nosso prazo para terminar a elaboração da nova matriz (até o 9o ano do Ensino Fundamental) é outubro de 2018. Para o Ensino Médio, é junho de 2019.  
  •  
  • Na mesma direção, caminha a formação continuada dos professores. Com foco na epistemologia e na didática, as metodologias ativas, que favorecem todas as dimensões da aprendizagem, são a tônica dos encontros, organizados a partir de reflexões individuais e coletivas sobre a prática. Quanto aos materiais didáticos que o Colégio adota, ainda vamos avaliar se há necessidade de mudanças para o próximo ano letivo. Cabe ressaltar que a análise da adequação das obras à nossa proposta pedagógica e aos documentos oficiais de Educação já faz parte da rotina anual. Neste ano, em especial, vamos atentar para o alinhamento dos conteúdos didáticos às exigências da BNCC.” 
  •  
  • Sônia Magalhães, diretora-gera

FORMAÇÃO DE PROFESSORES 

  • “Graças ao fato de termos acompanhado a construção da Base desde o princípio, com participação ativa nas reflexões junto a sindicatos e outras organizações educacionais, nosso trabalho pedagógico já estava voltado para os direitos de aprendizagem e o desenvolvimento de habilidades e competências.  — De acordo com a Lei 9.610/98 é proibida a reprodução total ou parcial desta website, em qualquer meio de comunicação, sem prévia autorização.
  •  
  • Na Educação Infantil, por exemplo, a BNCC legitimou nosso olhar diferenciado para o binômio Cuidar e Educar, que sempre privilegiou os processos de alfabetização e letramento desde os estágios iniciais do desenvolvimento cognitivo. Além disso, o documento veio ao encontro da forma como exploramos os direitos de aprendizagem: com práticas pedagógicas que imprimem intencionalidade ao conviver, brincar, participar, explorar, conhecer e expressar-se.  
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  • Ainda assim, temos alguns desafios pela frente. O maior de todos é garantir que os professores e as equipes pedagógicas tenham pleno entendimento da BNCC e das mudanças que se fazem necessárias para implementá-la na Rede. Uma delas é a atualização do PPP, com um olhar renovado para a identidade do Sagrado frente às demandas de um ensino progressista. A nova versão da proposta pedagógica, que será finalizada até 2019, deve fortalecer a gestão democrática e envolver toda a comunidade educativa nas transformações que estão por vir.  
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  • Para um futuro próximo, vemos também oportunidades na construção de práticas mais inovadoras de ensino. Para promover a autonomia dos educandos, vamos privilegiar o conceito de Aprender a Aprender e o Ensino Híbrido. Os primeiros passos nessa direção já foram dados na Rede por meio da apresentação geral da Base, com momentos especialmente dedicados a esse propósito durante a formação continuada. Agora, a próxima etapa é discutir formas de colocar o aluno no centro da aprendizagem, bem como refletir sobre novas práticas metodológicas e tecnologias educacionais que contribuam para esse fim.  
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  • Quanto ao currículo do Ensino Fundamental, este deve sofrer ajustes para minimizar a fragmentação do conhecimento entre um ciclo e outro. Para isso, pretendemos ampliar – de forma orgânica e progressiva – a inserção de situações complexas no dia a dia do educando.  Outro aspecto que merece atenção é o aprofundamento das práticas de leitura, escrita e oralidade.  
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  • No Infantil, por sua vez, os currículos tendem a ser tornar mais consistentes tanto na organização quanto na proposição de experiências. Estas, segundo a própria Base, deverão contribuir para a criança conhecer a si mesma e ao outro e compreender suas relações com a natureza, com a cultura e com a produção científica.
  •  
  • Já em relação aos materiais didáticos, o que deve mudar são os nossos critérios de seleção. Vamos visar ao alinhamento dos conteúdos com a BNCC e também às novidades metodológicas voltadas ao ensino progressista. Os ajustes, porém, só serão feitos na medida em que a Rede identificar reais necessidades.
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  • Por fim, novos indicadores de aprendizagem passarão a fazer parte do sistema avaliativo do Sagrado, que já preza pela observação das habilidades adquiridas pelos educandos.” 

Rafael Lima, gestor pedagógico 

AJUSTES NO CURRÍCULO 

  • “O primeiro passo para lidar com a BNCC é desmitificar a ideia de que ela será implementada nas escolas. É um erro que nos induz a pensar em uma suposta massificação, que sequer tem como acontecer. A Educação não se faz assim. A proposta consiste em dialogar com a Base, identificar pontos de atrito com o projeto pedagógico e com o currículo e avaliar como ela pode contribuir para a melhoria da aprendizagem.
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  • Cabe destacar que todas essas interpretações e análises sempre vão partir dos pressupostos e premissas de cada escola. Não dá para fugir da própria história, da cultura e das relações que se formam em torno da instituição. É por isso que a leitura da Base em uma escola mais tradicional pode acabar sendo completamente diferente da leitura que fazemos no Vera Cruz, cuja abordagem é construtivista.
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  • Por aqui, as discussões estão a todo vapor. Desde fevereiro deste ano, equipes técnicas formadas por coordenadores, orientadores, assessores de área e professores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental se debruçam sobre a Base para fazer uma leitura crítica do documento e uma autorreflexão sobre nossas práticas pedagógicas.
  •  
  • Em julho, as equipes tiveram a oportunidade de apresentar para todo o corpo pedagógico do Colégio um primeiro diagnóstico das consonâncias e dissonâncias com a Base, bem como a necessidade de incorporar certos objetivos e aprofundar competências específicas. Ainda durante o encontro, cada pessoa pôde contribuir com ideias e apresentar suas demandas de formação continuada, material didático, ajustes no currículo e revisão do projeto pedagógico. Com esse raio-x de cada área e segmento, agora temos condições de traçar os próximos passos de alinhamento com a Base.
  •  
  • Alguns ajustes, porém, já estão previstos. Em Matemática, vamos antecipar o desenvolvimento do pensamento computacional para o currículo do Ensino Fundamental. Até então, apresentávamos a Matemática Computacional apenas no início do Ensino Médio e não necessariamente com o mesmo rigor no desenvolvimento das competências que a Base agora determina.
  •  
  • Em outros casos, porém, as diretrizes do documento já começam a ser incorporados no dia a dia. Por exemplo, se o assessor de Língua Portuguesa está falando de ortografia com os professores, ele já aproveita para abordar o tema sob o ponto de vista do desenvolvimento das competências definidas pela BNCC.
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  • Para o Infantil, não haverá grandes novidades. A Base traz apenas um outro jeito de organizar o trabalho pedagógico, com base nos campos de experiência. Dessa forma, o documento ratifica o que o Vera Cruz já segue: valorizar a experiência da criança e respeitar sua forma de aprender e pensar.
  •  
  • No Ensino Fundamental, o planejamento das aulas também não será muito impactado. Definir objetivos com base no desenvolvimento de competências tem tudo a ver com nosso jeito de ensinar. Menos cognitivistas e mais direcionados para a experiência da vida escolar, acreditamos que o aprendizado se dá na relação com o conhecimento, com os professores e colegas e com a experiência vivida no coletivo. 
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  • Ainda temos muito por mapear e planejar pela frente. Mas é com serenidade que vamos tomando consciência das nossas necessidades e priorizando o que precisa ser feito até 2020.”
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  • Regina Scarpa, diretora pedagógica 

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Conectar as emoções para a aprendizagem de matemática: o poder de uma boa história

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Narrativas, jogos e novas metodologias para  desmistificar o aprendizado matemático

[…] a razão de ver um vídeo de unboxing é descobrir o que há dentro do pacote. Ou seja, se revela algo, e até as crianças menores ficam curiosas pela informação (kidd e hayden, 2015).

De fato, a maioria dos animais sente o impulso de explorar seu entorno em busca de comida, refúgio e companhia. A necessidade de informação é essencial à existência. A maior parte dos pesquisadores concorda que é uma parte inata de nossa natureza (lau et al., 2018). Sentimos o impulso de descobrir. […]

Desde crianças que veem apenas mãos abrindo embalagens de brinquedos até macaquinhos que escolhem botões de recompensa e adultos que tomam pequenas decisões financeiras, o desejo de obter informação e de resolver a incerteza parece ser fonte importante de motivação. Não obstante, o que desperta a curiosidade e o desejo de buscar informação varia de acordo com o indivíduo e o contexto. Pense em uma zona de desenvolvimento próxima da curiosidade. Se a informação no entorno já é conhecida por um indivíduo, não há mistério, não há incerteza.

Se o contexto é totalmente desconhecido, é possível que o indivíduo não tenha um ponto de referência para antecipar o resultado. Uma criança pode estar encantada pensando em que brinquedo haverá na caixa, mas essa mesma criança não teria curiosidade a respeito de um câmbio monetário. As experiências e o conhecimento acumulado de cada pessoa influem em seu compromisso com a busca de informação. Por natureza, todos nos sentimos atraídos por descobrir, mas nem todos queremos descobrir as mesmas coisas.

A busca de informação e a narrativa

Apesar do exposto anteriormente, parece que todas as pessoas podem sentir fascinação por uma boa história. Jerome Bruner, entre outros, argumenta que a narrativa é um meio importante para entender o mundo (bruner, 1986; gottschall, 2013). O tradicional arco da história inicia com uma introdução ou exposição que apresenta as personagens e o contexto. Depois, há uma ação ascendente à medida que aparecem os conflitos e obstáculos. Isso nos leva a perguntar o que acontecerá. Finalmente, o clímax traz a resolução e satisfaz nosso desejo de saber. Essa estrutura temporal expõe as regras do jogo, os motivos, as causas e as consequências das ações. Explica-nos como funciona o mundo e nos prende com a incerteza do que vai acontecer depois.

A narrativa e a busca de informação têm um papel especial nas maneiras como nosso cérebro aprende e se relaciona com o mundo. As histórias, por exemplo, nos ajudam a recordar. Antes que as pessoas pudessem ler e escrever, careciam de outras ferramentas que as ajudasse a recordar e transmitir as regras sociais, as hierarquias e os rituais culturais. As histórias, os mitos e os poemas, desde a Odisseia de Homero até a Bíblia e o Popol Vuh, satisfizeram essa necessidade (foer, 2012). Os membros de um grupo se reuniam para escutar histórias com ritmos e estruturas narrativas que as tornavam fáceis de recordar. O sentido de pertencimento ao grupo agregava um elemento que afiançava as lembranças. […]

Assim como com a busca de informação, a experiência dita o que nos surpreende e o que nos interessa. As crianças pequenas, que ainda estão formulando suas definições de mundo, adoram a repetição. Querem escutar a mesma história muitas vezes (pais, recordem esses dias). Elas estão gerando confiança em sua habilidade para fazer previsões corretas e sentir segurança no que sabem. As crianças maiores, adolescentes e adultos, também podem desfrutar das histórias previsíveis, como as que são parte de uma série. Nestas, a busca de informação é sutil. Para as crianças pequenas se trata de questionar se o que aconteceu na última vez voltará a acontecer. Por outro lado, uma pessoa mais velha que assiste a uma série pode desfrutar da incerteza de como a personagem principal superará o novo obstáculo (kendeou et al., 2008).

Os bons narradores sabem como aproveitar esses traços cognitivos. Eles captam nossa atenção injetando incerteza ao já conhecido. Eles nos convidam a mundos em que nosso cérebro opera em uma região proximal de busca de informação. Sabemos o suficiente para tentar adivinhar o que acontecerá, como acontecerá ou como pode se sentir uma pessoa, mas não temos certeza. É preciso descobrir.

As narrativas mais poderosas também nos afetam emocionalmente. Não nos preocupamos somente com nossas previsões dos acontecimentos, mas também com as personagens. As histórias nos levam além da simples busca de informação: conectam e desenvolvem nossa empatia e nossa habilidade de ver o mundo pelos olhos de outra pessoa. Os investigadores chamam essa habilidade de teoria da mente (schaafsma et al., 2015).

Para que o gerador de inferências em nosso cérebro seja eficiente, é preciso que sejamos bons em interpretar os motivos de outros. Necessitamos de uma forte teoria da mente para avaliar o estado emocional de outra pessoa e prever o que ele ou ela fará em determinada situação. Precisamos ter a capacidade nos colocar no lugar do outro.

Na época de ingressar na escola, as crianças deveriam estar desenvolvendo sua teoria da mente. Envolver-se em histórias pode acelerar e expandir esse desenvolvimento (hofmann et al., 2016). E, quando se cria uma conexão emocional com as personagens, isso pode influenciar seu próprio comportamento (barraza et al., 2015). 

Na época de ingressar na escola, as crianças deveriam estar desenvolvendo sua teoria da mente. Envolver-se em histórias pode acelerar e expandir esse desenvolvimento (hofmann et al., 2016). E, quando se cria uma conexão emocional com as personagens, isso pode influenciar seu próprio comportamento (barraza et al., 2015).

[…] O mundo é um lugar rico e complexo. Muitos estímulos competem pela atenção dos estudantes. A voz do professor e o escrito na lousa podem ser dignos de atenção, mas também há uma chuva suave batendo nas janelas da sala de aula e a cadeira é um pouco incômoda. Estes são alguns dos estímulos imediatos. O estudante também pode estar pensando em eventos passados, como em uma discussão dessa manhã com seu amigo ou com seu irmão, ou pode estar sonhando com o futuro, com algo especial para comer no almoço ou em um encontro com os amigos depois da escola.

A memória de trabalho, nossa habilidade de balancear vários elementos de informação na mente, é limitada (cowan, 2016). Muitas coisas ameaçam sobrecarregá-la. Conseguir que os estudantes prestem atenção às instruções da atividade do momento é fundamental para conseguir sucesso no aprendizado. Se conseguirmos que os estudantes deem importância à aprendizagem dos conteúdos e que invistam esforço nela, melhor ainda. As histórias podem ajudar.

Incerteza de baixo risco

Quando muitos de nós pensamos em uma lição de Matemática, imaginamos algo relacionado a encontrar respostas específicas. Contudo, 8 + 3 = ? não é um problema com um nível de incerteza atrativo para despertar nosso desejo de informação. Um vídeo de unboxing nos convida a realizar uma mistura de simulações sobre qual pode ser o prêmio lá dentro. Será um adesivo? Um cachorrinho de plástico? É um jogo de adivinhação de baixo risco. E, independentemente de estarmos certos ou não, nosso cérebro nos recompensa por descobrir (kidd y hayden, 2015). A solução de problemas matemáticos como 8 + 3 = ? é de alto risco. Poderia ser 10 ou 12? O correto está bem. O incorreto está mal. Apesar de as respostas exatas serem resultados importantes na aritmética, esse tipo de problema não capta nosso impulso motivador de busca de informação.

A incerteza de baixo risco, por outro lado, pode ser introduzida facilmente nas lições de Matemática. Em vez de enfatizar o resultado, por exemplo, pode concentrar a atenção no processo. Quantas formas distintas podemos encontrar para resolver 8 + 3? Dois? Três? Cinco? Pode-se calcular 8 + 1 + 1 + 1. Ou podemos simplesmente recordar uma soma memorizada. Outra opção é decompor o 3 em 2 + 1 e usar a estratégia de somar 10: (8 + 2) + 1. Neste caso, a ação de averiguar é satisfatória por si mesma. Não é realmente importante se os estudantes encontram quatro formas de resolver o problema ou dez.

A dúvida também pode ser introduzida de maneira produtiva na definição de um problema. Há vários exemplos que apresentam tentativas de captar as redes de busca de informação dos estudantes dessa maneira. Uma estratégia pode ser apresentar uma situação sem uma pergunta. Sofia tem 50% mais seguidores em redes sociais que Héctor. Héctor tem 112 seguidores. Com isso se pode desafiar os estudantes, questionando-os: “quantos problemas matemáticos vocês acham que podemos criar usando essa informação?” ou “o que acham que o livro lhes pedirá para resolver com essa informação?”. Ambas as perguntas ativam o pensamento matemático e a curiosidade pela pesquisa.

Outra estratégia é revelar gradualmente detalhes do problema. Mostre um gráfico sem títulos nem números. O que acham que o gráfico mostra? Depois de mostrar os títulos, desafie-os a prever o problema que resolverão. Lembre-se de manter as indicações dentro do repertório de modelos mentais dos estudantes. Eles terão de saber o suficiente sobre a situação e a Matemática para poder ativar seus geradores de inferências, suas simulações preditivas do futuro. E para que não se torne algo entediante. Os estudantes têm muitos outros estímulos que prendem sua atenção (meyer, d., 2011).

O tradicional arco da história inicia com uma introdução ou exposição que apresenta as personagens e o contexto. depois, há uma ação ascendente à medida que aparecem os conflitos e obstáculos. isso nos leva a perguntar o que acontecerá.

Envolvimento emocional

Da mesma forma que as personagens de uma história trazem um elemento emocional para a busca de informação, engajar os estudantes nas atividades matemáticas pode garantir seu envolvimento. João resolveu o problema memorizando a soma. Maria o fez de outra maneira. De que maneira acreditam que ela fez? Carlos utilizou um método diferente. Ele o explicará. Vocês acham que chegará à resposta correta? Os colegas de classe de uma criança são como as personagens de uma história. Podem se identificar com eles e podem se importar com o que lhes aconteça. Realizar simulações com pessoas que conhecem ativa a parte do cérebro da teoria da mente e a empatia dos estudantes. E se um estudante inventa uma estratégia inesperada, a surpresa amplifica a atenção ainda mais. […]

O envolvimento emocional não tem de ser construído unicamente com estudantes reais da classe. As histórias fictícias funcionam também. Com certeza a ficção é comum nas aulas de Matemática, sobretudo nos problemas escritos. Esses problemas podem ser usados para situar relações matemáticas em contextos conhecidos. Paulo tinha 3 borrachas. Seu amigo lhe deu algumas e agora ele tem 11 borrachas. Quantas borrachas o amigo de Paulo lhe deu? Esse problema representa uma situação de mudança, especificamente uma situação de valor faltante. Fran ganhou vários jogos de videogame em seu aniversário. Agora tem 13 jogos de videogame. Antes de seu aniversário, tinha somente 6 jogos. Quantos jogos Fran ganhou de presente? Ainda que a informação se apresente em uma ordem diferente e com um conteúdo diferente, esse segundo problema é matematicamente igual ao primeiro: a + ? = b. Esses problemas, no entanto, não têm estrutura dramática. Não há exposição que relacione os estudantes com Paulo ou com Fran. Não há razão para que se preocupem ou para que se perguntem (ou façam previsões) o que acontecerá com eles. Os problemas escritos tendem a carecer do drama que desencadeia a busca de informação emocionalmente carregada. Isso não faz diferença para os estudantes. Não há envolvimento emocional. — De acordo com a Lei 9.610/98 é proibida a reprodução total ou parcial desta website, em qualquer meio de comunicação, sem prévia autorização.

Nossos cérebros são geradores de inferências. mantêm-se realizando simulações do que acontecerá com base em experiências anteriores.

As narrativas genuínas, com bom desenvolvimento de personagens, ação ascendente, com obstáculos significativos e consequências relacionadas a resolver esses bloqueios prometem ativar a motivação carregada de emoção da busca de informação entre os estudantes até mesmo em uma aula de Matemática. As boas histórias causam envolvimento. Crie uma história para Fran, a personagem do problema anterior.

Talvez ela viva em outro planeta. Pode ser que se sinta estranha e lute para se enturmar com seus pares. Ela se pergunta se ter um videogame popular a tornará popular. Saberá escolher o jogo certo? Pode pagar por ele? O jogo lhe trará amigos? Serão amizades genuínas? Como pode criar vínculos com as outras crianças? Ainda que a história de Fran aconteça em outro planeta, sua situação e preocupações são muito comuns. Navegar pela história é uma aventura episódica, recheada de situações matemáticas periféricas incorporadas, que desvenda o que motiva as pessoas e o desejo de aceitação social.

Se os estudantes se conectarem emocionalmente com Fran, vão se sentir motivados a descobrir o que acontecerá com ela. Vão querer escutar, ler ou ver o próximo capítulo ou episódio. Não posso garantir que possamos transformar as crianças no equivalente matemático de quem vê maratonas de séries, mas as pesquisas sugerem que, se for o caso, podemos expandir o uso da narrativa para ampliar o envolvimento muito além do que é comum em uma aula de Matemática hoje.

Normas para a aprendizagem constante

Recorde as pesquisas que sugerem que nossos cérebros são geradores de inferências. Mantêm-se realizando simulações do que acontecerá com base em experiências anteriores. Pense no estudante que tem um histórico de fracasso e até mesmo humilhação na aula de Matemática. O que acha que seu cérebro vai prever quando for realizada uma pergunta ou aplicada uma avaliação? Pode ser que o estudante esteja pensando: “Eu vou errar. Vou parecer tolo. Sou tolo. O que posso fazer para evitar essa situação?”. A ansiedade devora os recursos de atenção e deixa o estudante com menos recursos cognitivos para aplicar nas tarefas (foley et al. 2017). O medo de errar aumenta a probabilidade de que suceda. Uma resposta incorreta confirma a previsão, e isso aumenta a crença de ser incompetente em Matemática.

As normas culturais, especialmente em países ocidentais, reforçam a ideia de que algumas pessoas são boas para Matemática e outras não (foley et al., 2017). Se o pai de um aluno diz: “eu sempre tive dificuldade nessa disciplina”, isso pode tornar a competência em Matemática um traço genético. Não ter bom desempenho pode significar que o estudante não tem predisposição para a Matemática. Se for bem, significa que a pessoa tem um talento natural para a Matemática e não precisa se esforçar para ter sucesso. Ambos conceitos são errôneos e minam o esforço (hwang, reyes e eccles, 2019). O estudante que vai mal se desconecta. O estudante com talento natural evita os desafios, porque a Matemática deveria ser fácil. Esses ciclos psicológicos infrutíferos devem ser quebrados para que os estudantes se envolvam de maneira positiva na aprendizagem da Matemática.

As histórias corretas podem ajudar a promover um modelo preditivo diferente para o estudante. Mencionei pesquisas que endossam o que os publicitários já suspeitam há muito tempo: as histórias emotivas influenciam o comportamento. O que acontecerá se algumas das narrativas utilizadas para envolver os estudantes na aprendizagem de Matemática também modelarem comportamentos para se recuperarem de erros? Ler histórias de perseverança ante os obstáculos pode tornar os erros e fracassos em algo comum, convertê-los em características típicas do processo de aprendizagem (lin-siegler et al. 2016). Se até mesmo as personagens inteligentes da história cometem erros e ainda assim alcançam sucesso, talvez equivocar-se não signifique ser tolo. A empatia (teoria da mente) nos permite ver e sentir o mundo como se fôssemos outra pessoa. As personagens atraentes nas histórias conseguem essa conexão, e podemos aproveitá-la para alimentar os mecanismos de geração de inferências nas mentes dos estudantes com simulações diferentes que estimulam a perseverança e resiliência na aprendizagem.

No entanto, essas histórias têm de sair da sala de aula e chegar até em casa e à cultura em geral. Muitos pais também necessitam de novas narrativas para o ensino de Matemática. Todas as aplicações da história e a incerteza que descrevi podem desempenhar papéis fora da escola. Imagine atividades com baixa dificuldade que os pais podem fazer com seus filhos. Quantos números primos você acredita que veremos no caminho para a loja? Transforme situações cotidianas em jogos. Vejamos se podemos melhorar nosso recorde. E conecte com a emoção. Dê às crianças histórias que possam compartilhar com seus pais, incluindo suas próprias histórias de perseverança e crescimento. Que seja pessoal e que tenha impacto.

David Dockterman

é catedrático e professor da Escola de Pós-graduação em Educação de Harvard.

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O que as famílias esperam da escola?

O que as famílias esperam da escola?

Em meio às mudanças que delineiam novos horizontes para a educação, famílias refletem sobre suas expectativas quanto à influência dos professores sobre os alunos, formação integral, ensino de idiomas e religião, atividades extracurriculares, infraestrutura e classificação da escola no Enem e nos principais vestibulares. 

Texto Lara Silbiger – Foto Ricardo Davino 

A volta às aulas teve um gostinho diferente em 2019. A expectativa não girou em torno apenas dos reencontros, do planejamento das aulas ou das primeiras reuniões com os pais e responsáveis. Dessa vez, o começo do ano letivo veio acompanhado de reformas estruturais, mudanças no cenário político e, principalmente, intensas discussões ideológicas. Se o contexto já era complexo até para os profissionais da Educação, quem dirá para as famílias. De um lado, elas assistem à reformulação dos currículos e propostas pedagógicas de escolas e redes de ensino de todo o país para atender as exigências da bncc (Base Nacional Comum Curricular). De outro, tentam se familiarizar com os conceitos de competência, habilidade e formação integral e ainda se inteirar sobre a proposta da Escola sem Partido (PL 7180/14). A tudo isso, soma-se a polarização nos debates públicos, o que também obriga mães e pais a decidir de que lado ficar.

A tarefa, que não é das mais simples, exige que as famílias se aproximem das escolas para entender o que está em jogo com as novidades na Educação Básica, ou seja, quais são os riscos e as oportunidades. Nesse movimento, reelaborar as expectativas em relação aos espaços formais de ensino será inevitável.

Nesta edição, a educatrix percorreu todas as regiões do país para conversar com seis famílias que já mergulharam nessa reflexão. Todas elas foram desafiadas a imaginar como seria a escola ideal para seus filhos. Confira a seguir os principais trechos das entrevistas.

[NORDESTE] Natal (RN) 

Andre Luchessi e Vivian Nogueira são docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Eles são pais de Yasmin, 5, que estuda no Colégio Bilíngue Marie Jost, e Erik, 3, que frequenta a New Generation Canadian Preschool.

Educatrix Você considera a formação integral uma premissa da educação no século XXI?

Vivian Se por um lado as crianças têm cada vez mais acesso à informação e a estímulos para o desenvolvimento cognitivo, de outro precisam aprender a lidar com tudo isso — da ansiedade e imediatismo da era touch à conexão permanente dos pais ao trabalho graças aos conceitos de mobilidade e conectividade. Por isso, já não dá para conceber uma escola que não contemple a dimensão socioemocional do desenvolvimento. Para aprender, o aluno precisa antes estar bem psicologicamente, fisicamente e socialmente. 

Educatrix O projeto da Escola sem Partido vem ao encontro das suas expectativas?

Andre Cabe à escola formar cidadãos autônomos e com consciência política, o que não significa impor-lhes direcionamentos políticos, morais, ideológicos ou religiosos. Nesse sentido, estou de acordo com o projeto de lei quando este reconhece o aluno como sujeito vulnerável frente à influência do professor. Este precisa ter consciência do seu papel e não sair falando o que bem quiser na aula – há outros espaços para fazer isso. Não só como pai, mas também como docente, entendo que a liberdade de expressão deva caminhar lado a lado com a responsabilidade pelo que se diz e o que se faz. Outro ponto com o qual concordo é a possibilidade de a família decidir sobre expor ou não o filho a determinados assuntos na escola ou, pelo menos, de ser informada previamente de que aqueles temas serão abordados. 

Educatrix Quais valores você espera que a escola transmita?

Vivian Em linhas gerais, valores que coincidam com os da minha família: o respeito às diferenças, a valorização dos estudos como meio de desenvolvimento pessoal e profissional, a observância de regras, uma alimentação saudável com cardápios alinhados a princípios de saúde e à promoção do bem-estar e uma oferta diversificada de modalidades esportivas. 

Educatrix Qual a importância que você atribui ao ensino de idiomas?

Vivian Quero que meus filhos tenham a possibilidade de, no futuro, escolher o que quiserem ser e, sem dúvida, o inglês abrirá portas para eles. É fundamental que a escola valorize a globalização, reconheça que não existe só o Brasil como opção e apresente aos alunos outras culturas, línguas e formas de viver. É com vistas a esse contexto global que espero que a escola invista no ensino de idiomas. 

Educatrix Como deve ser a infraestrutura da escola?

Vivian O mobiliário precisa estar adequado à idade e às especificidades dos alunos. É bom que haja áreas verdes para proporcionar o contato com a natureza. Outro pré-requisito é a segurança – no interior da escola, para a prevenção de acidentes, e no exterior, para afastar a criminalidade. Quero saber que posso estacionar o carro e levar ou buscar minhas crianças com tranquilidade. 

Educatrix Destacar-se no ranking do Enem e dos principais vestibulares do país é um pré-requisito?

Andre Por si só, a boa classificação não é determinante para afirmar que uma escola seja melhor que outra. No entanto, daqui uns anos, meus filhos não terão como escapar de fazer o Enem ou outros processos seletivos para ingressar na universidade. Por isso, é inevitável que ainda usemos os rankings como parâmetro na hora de escolher — mesmo sabendo que estes não dizem muito sobre a formação que a escola proporciona.

[NORDESTE] Salvador (BA)

Rosângela Accioly é pedagoga e mãe de Nicole, 14, que estuda no Colégio Estadual de Aplicação Anísio Teixeira. 

Educatrix Qual é a proposta pedagógica ideal?

Rosângela A proposta pedagógica deve contemplar questões conceituais como diversidade, pluralidade, alteridades civilizatórias e diferença da pessoa com deficiência, bem como conhecimentos científicos – inclusive de povos cujos saberes milenares ficaram de fora do currículo oficial – e novas tecnologias. É fundamental que preveja como desdobrar tudo isso em práticas pedagógicas para os professores. 

Educatrix Destacar-se no ranking do Enem e dos principais vestibulares do país é um pré-requisito?

Rosângela Uma escola direcionada ao Enem ou ao vestibular não tem como dar conta da pessoa humana. Antes, é preciso oferecer espaços de vazão à inventividade e à criatividade para o aluno entender sua própria vocação. Muito além do mercado de trabalho, precisamos reconhecer a escola como um fator de transformação social e afetiva, envolvimento emocional e entendimento de diversidades e pluralidades. Só assim a educação será assertiva e integral. 

Educatrix O projeto da Escola sem Partido vem ao encontro das suas expectativas?

Rosângela Ao meu ver, é uma proposta ideológica de silenciamento político da escola. De silenciamento das diversidades em um lugar que é de debate, por excelência. Vale destacar também que política, na sua essência, quer dizer participação – o que não tem nada a ver com participação político-partidária. Por isso, a escola deve sempre estar disposta a contribuir com o desenvolvimento social e não pode aceitar essa mordaça à sua vocação de diálogo e pluralidade. As mazelas da sociedade e também as soluções precisam ser discutidas na escola: uma instituição libertária e cuja missão é incitar o aluno a perguntar e participar da democracia. 

Educatrix A ideologia de gênero deve ser abordada em sala de aula? Em quais circunstâncias?

Rosângela Falar de ideologia de gênero é necessário quando o tema surge espontaneamente. O professor não precisa ser propositivo, mas ele e os demais profissionais precisam estar aptos a acolher o assunto e a turma, por exemplo, se um menino vier para a aula com roupas tidas como femininas. A escola do século XXI é desafiadora justamente porque grita pela diversidade e pela diferença, algo que não deve ser visto como negativo, mas como um elemento constituidor da nossa humanidade. 

  • [FIQUE POR DENTRO]

ESCOLA SEM PARTIDO

Sem consenso para votação, a proposta da Escola sem Partido (PL 7180/14 e outros) foi arquivada no final da última legislatura. Agora cabe aos novos deputados retomar o assunto. Entre outras coisas, o projeto estabelece seis deveres do professor para apresentar de “forma justa” questões políticas, socioculturais e econômicas e para não se aproveitar da “audiência cativa dos estudantes” em temas relacionados a política, religião e moral. Também proíbe “o uso de técnicas de manipulação psicológica destinadas a obter a adesão dos alunos a determinada causa” e estipula que não haja intromissão “no processo de amadurecimento sexual dos alunos”, nem tentativa de convertê-los no que tange a questões de gênero. 

[NORTE] Macapá (AM) 

Eunubia Rodrigues é licenciada em História e professora dos anos iniciais do Fundamental na rede pública de Macapá. É mãe de Gabriel, 16 anos, que estuda na E.E. Maria do Carmo Viana dos Anjos. 

Educatrix Qual é a proposta pedagógica ideal? 

Eunubia Não vejo problema de o professor manifestar seu posicionamento se ele também respeita pontos de vista diferentes. Isso é diferente de influenciar deliberadamente os alunos ou de questionar as convicções deles. Por outro lado, também confio que meu filho seja um ser pensante e com capacidade de discernimento. 

Educatrix Como deve ser a infraestrutura da escola? 

Eunubia Uma única prova não estabelece parâmetros da qualidade da escola, nem a capacidade do aluno. Por isso, não priorizo resultados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), Olimpíadas, Enem ou vestibulares, mas valorizo o profissionalismo e o comprometimento da instituição com a formação integral do meu filho. 

[CENTRO-OESTE] Campo Grande (MS) 

Lucimar Mello é técnica de enfermagem na rede pública de Saúde. É mãe de Beatriz, 7, que estuda na Escola Municipal Elpídio Reis, Bruno, 14, que frequenta a Escola Municipal Danda Nunes, e Lucas, 19, já na faculdade. 

Educatrix Qual é a proposta pedagógica da escola ideal? 

Lucimar Em primeiro lugar, deve contemplar a formação em tempo integral para proporcionar aos alunos atividades que os tornem excelentes profissionais no futuro: aulas de informática, inglês e xadrez. Ocupar o dia de forma produtiva enquanto os pais trabalham. Na prática, a maioria não tem tempo de ficar com os filhos e “male-male” acompanha a lição de casa. Outro aspecto fundamental que a proposta pedagógica deveria prever é a capacitação dos professores, bem como a equiparação da qualidade de ensino e direitos de aprendizagem nas escolas públicas em relação às privadas. No ano passado, enquanto minha filha ainda estava aprendendo a ler na escola municipal, os alunos do 2o ano de instituições privadas já faziam até interpretação de texto. 

Educatrix Que valores você deseja que a escola transmita? 

Lucimar A formação de valores não é exclusiva da escola, mas não tem como negar que desempenhe papel importante nesse sentido. Por isso, espero que transmita valores cristãos, promova a empatia e valorize o respeito aos idosos, pais e professores. Gostaria inclusive que voltasse o ensino religioso, sem necessariamente pender para uma denominação ou outra, mas discutir o que é certo perante a Bíblia. É claro que os pais que não concordassem com tal abordagem precisariam ter o direito de autorizar seus filhos a não participar das aulas de Ensino Religioso. 

Educatrix O projeto da Escola sem Partido vem ao encontro das suas expectativas? 

Lucimar Entre outras coisas, concordo que a escola não deve incentivar relacionamentos homoafetivos e atividades sexuais precoces. Defendo inclusive que não haja aulas de educação sexual até o 5o ano do Fundamental. Já no Ensino Médio, o foco deve ser a prevenção de gravidez e doenças sexualmente transmissíveis. 

[SUL] Curitiba (PR)

Debora Menegusso é administradora de empresa e mãe de Danilo, 10, que estuda no Colégio Curitibano Adventista. 

Educatrix Qual é a proposta pedagógica ideal? 

Debora O ideal é um ensino mais prático e que não se resuma a aulas expositivas. Gostaria de uma proposta em que meu filho passasse menos tempo em sala de aula, com currículo diversificado – incluindo disciplinas “mão na massa” – e acesso mais próximo ao professor. Definitivamente, estudar não pode ser maçante.

Educatrix Destacar-se no ranking do Enem e dos principais vestibulares do país é um pré-requisito?  autorização.

Debora Não adianta focar só no vestibular, sendo que a vida é muito mais complexa que isso. Escolas que se apoiam em disciplina rígida e preparação estrita para provas de ingresso em universidades acabam sendo inevitavelmente limitadoras. Até mesmo porque há profissões e vestibulares que sequer existirão daqui a alguns anos. Mais importante é proporcionar ao aluno o aprendizado de como chegar aonde se deseja. 

  • [FIQUE POR DENTRO]

FORMAÇÃO INTEGRAL

Formação integral não é sinônimo de educação em tempo integral. Enquanto esta consiste na expansão do tempo que se passa na escola, aquela diz respeito à formação e ao desenvolvimento global dos alunos. De acordo com a BNCC, a formação integral tem como princípio norteador o acolhimento, o reconhecimento e o desenvolvimento pleno do aluno, nas suas singularidades e diversidades. Para isso, contempla o aprendizado em suas dimensões cognitiva, social, emocional e física. A Base sugere ainda que se promovam pontes entre o conhecimento e a vida.  

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES

De acordo com a BNCC, as competências consistem na “mobilização de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo de trabalho”. Já as habilidades estão ligadas às aprendizagens essenciais de cada disciplina e ano escolar. Sempre começam com um verbo para explicitar o processo cognitivo envolvido no seu desenvolvimento – por exemplo, em História, “diferenciar escravidão, servidão e trabalho livre no mundo antigo”. 

Educatrix Que valores você deseja que a escola transmita? 

Debora Basicamente, os valores éticos, morais e religiosos que minha família já traz de geração em geração. Cabe, portanto, à escola apenas reforçá-los junto às crianças.

Educatrix As atividades extracurriculares são imprescindíveis?

Debora Não acho que seja de todo ruim o professor manifestar seu posicionamento em sala de aula, pois ainda assim caberá somente ao aluno tomar a sua própria direção. Vale lembrar também que este já chega à escola com certa carga de informações — da família, dos amigos, da religião etc. —, à qual o docente poderá somente somar pontos de vista.

[SUDESTE] São Paulo (SP) 

Cristina Hassunuma é dentista e mãe de Augusto, 11 anos, que estuda no Colégio Vértice. 

Educatrix Qual é a proposta pedagógica ideal? 

Cristina Deve prever conteúdos curriculares e extracurriculares e estimular o desenvolvimento da responsabilidade e autonomia nos estudos, sem nunca perder de vista os vínculos sociais. Almejo também uma escola que atente para a educação integral, com acompanhamento individualizado da aprendizagem do aluno enquanto cidadão. Destaco ainda a necessidade de promover a formação continuada dos professores, sua inclusão na cultura digital e o uso de novas tecnologias para avaliação institucional e educacional. 

Educatrix Destacar-se no ranking do Enem e dos principais vestibulares do país é um pré-requisito? 

Cristina Figurar entre os primeiros lugares do Enem é sempre favorável aos olhos das famílias. Isso porque o resultado tende a ser consequência de um bom ensino e de métodos de avaliação adequados. Ainda assim, vale ponderar que a função da escola não pode se restringir a fazer o aluno passar no vestibular. Antes de mais nada, é preciso prepará-lo para a vida em sociedade, o que vai muito além dos muros da instituição.

Educatrix O projeto da Escola sem Partido vem ao encontro das suas expectativas? 

Cristina Sou a favor do projeto porque vai além da Educação. Tem a ver com democracia e direito à liberdade de expressão e pensamento. Por isso, os professores devem agir com ética e bom senso no exercício da profissão – sem qualquer viés de doutrinação –, de forma que os alunos aprendam a pensar de forma autônoma e crítica.

Educatrix As atividades extracurriculares são imprescindíveis?

Cristina Elas são um diferencial para a formação porque têm o potencial de despertar habilidades, talentos e criatividade, o que tende a melhorar não só desempenho em sala de aula como a socialização da criança. O ideal seria que todas as escolas oferecessem oficinas de artes e informática, curso de língua estrangeira, esportes diversos, culinária e feiras culturais.

Educatrix Como deve ser a infraestrutura da escola?

Cristina Não restam dúvidas de que uma infraestrutura física adequada com biblioteca, laboratório de ciências, auditório e quadras de esportes contribui para a aprendizagem. Do ponto de vista tecnológico, a escola também precisa oferecer dispositivos para leitura de livros digitais e acesso a jogos educativos, simulados e plantão on-line para tirar dúvidas de casa. O objetivo é potencializar a pesquisa e a interação com grupos de estudo que transcendem os limites da escola. 

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5 Indicações de leitura para você inserir tecnologias nas aulas

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Débora Garofalo - Colunista

Débora Garofalo - Colunista

Para ter um uso efetivo da tecnologia dentro da sala de aula é preciso compreender que ela sozinha não tem efeito transformador e que ela precisa ser encarada como uma propulsora a aprendizagem, capaz tornar o aprendizado significativo, envolvente e que permeia os interesses dos estudantes.

Para pensar em novas estratégias e no uso eficiente da Tecnologia na Educação selecionamos uma lista de leituras que permitem conhecer, inspirar, aprofundar e refletir sobre esses temas na sala de aula.

A lista contempla robótica, gamificação, inovação, pensamento computacional e a Internet das Coisas (IOT) que são tendências que cada vez mais estão presentes no universo e no contexto escolar. Vamos lá!

 
 

Robótica educacional: experiências inovadoras na educação brasileira

 

A obra é dos autores:  Rodrigo Barbosa e Silva e Paulo Blikstein e aborda o aprendizado da robótica educacional em escolas do meio urbano e rural, universidades e espaços informais brasileiros, contando exemplos de práticas reais para inspirar o leitor a replicar e a inserir o ensino de robótica no contexto escolar.

 

Gamificação na educação

 

Publicado pela editora Pimenta Cultural, aborda conceitos, questionamentos e aplicações da gamificação na educação, e relata dez sessões escritas por diferentes especialistas na área, sob o olhar de motivar e tornar aulas mais interativas e significativas.

 

O dilema da inovação

 

O livro foi produzido por Clayton Christensen e recomendando por Steve Jobs. Discorre sobre uma inovação disruptiva ao abordar dilemas através da inovação para alcançar novos caminhos. O livro é pautado no mundo do mercado, mas reflete o olhar que temos que ter para inovação para a vida.

 

Scratch: um jeito divertido de aprender programação

 

Neste livro, Helton Varela tem como objetivo proporcionar aos estudantes, educadores e aos curiosos por programação o primeiro passo no mundo da programação por meio do Scratch (software livre gratuito interativo).  O livro aborda a criação de um jogo de labirinto do início ao fim, ao longo do qual serão abordados os conceitos básicos em programação, de maneira simples divertida e didática.

O pensamento computacional aprimora o raciocínio lógico, a criatividade e a resolução de problemas, habilidades importantes para os cidadãos do século XXI.

 

Criando projetos com Arduino para a Internet das Coisas: experimentos com aplicações do mundo real – Um guia para o entusiasta de Arduino ávido por aprender

 

A obra aborda sobre como construir dispositivos com Arduino para o uso cotidiano e então conectá-los à internet. Dispositivos conectados permitem construir aplicações aproveitando os benefícios da conectividade, uma tendência comumente conhecida como Internet das Coisas (IoT).

O livro traz experimentos com aplicações do mundo real. Escrito por um desenvolvedor de software e arquiteto de soluções que cansou de procurar e reunir várias lições sobre desenvolvimento com Arduino enquanto aprendia por conta própria tudo sobre o assunto.
Os leitores são apresentados aos elementos essenciais da IoT. Esses princípios são então utilizados para criar uma variedade de projetos úteis.

 

E você querido professor, quais leituras tem realizado para inovar na sala de aula? Conte aqui nos comentários.

Um abraço,

Débora

Débora Garofalo é Assessora Especial de Tecnologias da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEE SP) e professora da rede pública de ensino de São Paulo. Formada em Letras e Pedagogia, mestranda em Educação pela PUC-SP, vencedora na temática Especial Inovação na Educação no Prêmio Professores do Brasil, Vencedora no Desafio de Aprendizagem Criativa do MIT e considerada uma das dez melhoras professoras do mundo pelo Global Teacher Prize, o Nobel da Educação.

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Professor, como otimizar o seu tempo nesta quarentena

Professor, como otimizar o seu tempo nesta quarentena

Débora Garofalo - Colunista

Débora Garofalo - Colunista

Com as aulas sendo mediada por tecnologia, o professor teve sua rotina de trabalho modificada, e teve que se reinventar para apoiar a aprendizagem dos estudantes. Vale lembrar que a atividade docente sempre foi muito puxada e além da sala de aula.

Uma aula mediada por tecnologia é muito diferente de uma aula presencial e requer muitos pontos de atenção, como o planejamento, produção de atividades, correções destas atividades, conversa com a turma, orientações aos pais, entre outras.

Diante deste cenário é necessário cuidar da saúde mental e otimizar o tempo para possa realizar atividades prazerosas e também dar a atenção aos seus familiares. Estamos vivenciando uma situação desafiadora em que faz necessária rever a rotina para que a mesma não seja prejudicial a saúde.

 
 

Para replicar – como otimizar o tempo

 

Reunimos algumas sugestões para te auxiliar a rever sua rotina de trabalho e otimizar o seu tempo que passa pelo planejamento, produção de atividades, orientações aos pais e familiares, flexibilização da carga horária. Vamos lá?!

 

Planejamento

 

Professor, faça um planejamento semanal de suas atividades. Programe por prioridades e prevendo tempo para a realização das mesmas, estabelecendo metas. Essa é uma ação simples e eficaz para analisar que não esteja produzindo atividades que não seriam necessárias neste momento.

 

Produção de atividades

 

É importante ouvir os estudantes, seus anseios, suas dúvidas e saber se estão conseguindo realizar as atividades propostas e principalmente saber se todos estão conseguindo acessar o conteúdo.

Essa ação contribuirá para nortear o trabalho do educador e auxiliar a equilibrar as atividades, compreendendo as dificuldades dos estudantes, focando em ações/atividades necessárias.

Orientação aos pais

 

A orientação aos pais, é importante neste momento, mas é preciso avaliar sua periodicidade, por exemplo é necessário o envio diário, é possível o seu envio semanal? Posso encontrar outras maneiras de fazê-la, como gravar um vídeo e deixar em algum suporte digital e ou encaminhar um áudio por mensagem instantânea. Planejar essa rotina, é importante para rever e equilibrar a rotina de trabalho.

 

Flexibilize a carga horária

 

É importante tecer o olhar para a flexibilização da carga horária. A aula mediada por tecnologia é muito mais cansativa do que uma aula presencial, requer condições, interatividade, além de questões de ergonomia. É preciso ter equilíbrio entre a carga horária e as atividades realizadas durante o período de aula, levando em consideração que os pais que estão apoiando a aprendizagem, estão se revezando com o teletrabalho.

Esse é um momento que nos coloca muito desafios e também nos trazem muitos aprendizados, mas é sem dúvida um período que precisamos cuidar uns do outro. Em muitos lugares a quarentena deu início na segunda metade de março e se tem se prolongado até os dias atuais, por isso, é essencial otimizar o tempo para que o trabalho não se prolongue mais do que a jornada de trabalho e o professor tenha tempo para estudar, estar com a família, realizar leituras e fazer atividades prazerosas.

Um abraço carinhoso!

Débora

Débora Garofalo é Assessora Especial de Tecnologias da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEE SP) e professora da rede pública de ensino de São Paulo. Formada em Letras e Pedagogia, mestranda em Educação pela PUC-SP, vencedora na temática Especial Inovação na Educação no Prêmio Professores do Brasil, Vencedora no Desafio de Aprendizagem Criativa do MIT e considerada uma das dez melhoras professoras do mundo pelo Global Teacher Prize, o Nobel da Educação.

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Como a sala de aula invertida pode favorecer o aprendizado

Como a sala de aula invertida pode favorecer o aprendizado

A sala de aula invertida do inglês flipped classroom aborda inverter a lógica da sala de aula convencional, em que o aluno fará a internalização de conteúdos, temas, assuntos essenciais antes da aula. E o processo continua durante e depois, junto com as aulas, para discutir conhecimentos adquiridos, tirar dúvidas de conteúdo, promover debates, tecer reflexões e depois aprofundar novos conhecimentos, entrando em um ciclo.

 
 

Na sala de aula de aula invertida o foco principal é o estudante. Desta maneira é possível trazer autoria e protagonismo aos estudantes, mas também as aulas. É preciso dar o primeiro passo para iniciar, para começar e envolver os estudantes em uma nova cultura, ao compreender que esse processo leva um tempo até os alunos ganhem essa independência e possam internalizar a sala de aula de aula invertida.

Assim, os professores podem propor preferências e também criar conteúdo para que os estudantes tenham o contato inicial, como: videoaulas, gamespodcasts, pesquisas, textos, fóruns entre outros.

 

Por todo o exposto, a sala de aula invertida pode ser um importante aliado inclusive neste período de aprendizado emergencial, com aulas mediada por tecnologia, por oportunizar caminhos para que o estudante participe ativamente do processo de aprendizagem e se engaje nas atividades propostas, deixando que as aulas seja um momento para aprofundamento do que está sendo trabalhado e discutido entre os colegas, ao aprofundar no depois, com o conhecimento pleno do tema em que o professor proporciona assuntos complementares, desenvolvendo projetos específicos, atividades individuais e em grupos, no qual estará participando como protagonista da sua aprendizagem e o professor como um parceiro e um mediador essencial para que os alunos se guiem e busquem autoria na sua aprendizagem.

Para levar a sala de aula

 

Como vimos são muitos os benefícios para aprendizagem ao adotar a sala de aula invertida ao propor o trabalho com abordagem inovadora que torna a aprendizagem mais envolvente, prática e principalmente significativa, conheça algumas sugestões de como trabalhar com a sala de aula invertida.

 

Favoreça o trabalho com as habilidades: autonomia, capacidade de resolver problemas, senso crítico, criatividade, são algumas das oportunidades de trabalho com essa metodologia. 

Priorize o protagonismo juvenil: uma das vantagens da sala de aula invertida é que o estudante tem a oportunidade de ser ativo e responsável pela aprendizagem. No início é importante que o professor indique conteúdos. Com o tempo, os estudantes se tornarão curadores e poderão escolher o melhor conteúdo que ajudará a personalizar sua aprendizagem. 

Ao estudar previamente sobre um tema e ou assunto proposto, o estudante estabelece uma rotina de estudo, se organizando, controlando o seu tempo, seguindo o seu ritmo de aprendizagem e formato respeitando o seu processo de aprendizagem.

Tempo: a otimização do tempo é uma vantagem nesse modelo, já que ao abordar o tema nas aulas os estudantes já terão acesso ao assunto de maneira antecipada, potencializando, aprofundando e enriquecendo o aprendizado em sala de aula. 

Conteúdo prático: na sala de aula invertida o estudante acessa previamente o assunto a ser abordado nas aulas, chega melhor preparado e promove debates ricos com potenciais para trabalhar com soluções e situações reais e práticas. 

 

Enfim,  a sala de aula de invertida merece estar contemplada no seu planejamento!

Um abraço carinhoso e até a próxima,

Débora

Débora Garofalo é Assessora Especial de Tecnologias da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEE SP) e professora da rede pública de ensino de São Paulo. Formada em Letras e Pedagogia, mestranda em Educação pela PUC-SP, vencedora na temática Especial Inovação na Educação no Prêmio Professores do Brasil, Vencedora no Desafio de Aprendizagem Criativa do MIT e considerada uma das dez melhoras professoras do mundo pelo Global Teacher Prize, o Nobel da Educação.

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Tudo é inovação?

Tudo é inovação?

Usada à exaustão no âmbito educacional nos últimos anos, a palavra precisará buscar origens e caminhos para tentar não se tornar um termo vazio. 

Texto Cauê Cardoso Polla 

Um discurso que exalta a inovação parece ter invadido o cenário educativo. Hoje, é praticamente impossível não nos depararmos com a palavra nos mais diversos contextos: educação inovadora, escola inovadora, inovação digital, método inovador, gestão inovadora… A repetição incessante desses termos acaba, muitas vezes, por esvaziar o seu sentido. Expressões como “educação inovadora” e “método inovador” acabam se tornando slogans acríticos. Refletir sobre o significado da inovação nos ajuda a compreender os sentidos possíveis de uma educação inovadora.  

Como podemos pensar o significado da palavra inovação? Para tal, é preciso pensar o que significa “novo”. Em uma perspectiva atual, utilizamos a palavra “novo” quando nos referimos a moderno, algo que nunca foi usado, algo que apareceu agora e que não havia antes, recente. Na história, a ideia de novo ou novidade costumava ser usada para demarcar um distanciamento em relação a uma época passada. Outra perspectiva para compreendermos o significado é buscar a origem da palavra, seu sentido etimológico. Em latim, novus significava novo, jovem, res novae era uma expressão para dizer coisas novas, principalmente no campo político. Por sua vez, este termo deriva do verbo  grego neao, e este sentido primeiro se refere ao trabalho que o agricultor fazia no terreno para torná-lo mais fértil, técnica que hoje se chama alqueive. Ou seja: para renovar a sua plantação, primeiro o solo era deixado em repouso e, depois de um tempo trabalhado para receber uma nova cultura, há algo que permanece e algo que se modifica.  

Assim, não há nada que seja absolutamente novo ou inovador, pois há sempre algo anterior que originou o novo. Do mesmo modo, na educação não há nada que não tenha sua origem na tradição, seja como um desenvolvimento, um desdobramento ou uma contestação. 

As inovações na história da educação: uma constante 

A história da educação, das práticas educativas, é marcada por uma série de inovações. Para nós, nada é mais simples do que “abrir o caderno e anotar”. Mas o próprio uso do caderno só foi possível por conta de uma série de inovações. Para fazer suas anotações, os estudantes da região mesopotâmica, por volta do século VII a. C., utilizavam tabuinhas de cerâmica; segue-se, na Grécia e Roma antigas, o uso da tabuinha de cera, que pode ser reutilizada (a cerâmica, depois de seca, não pode ser modificada). Hoje temos os mais diversos tipos de cadernos e também tablets e laptops que estudantes podem usar em sala para “anotar”. O surgimento da lousa, algo tão comum como a conhecemos hoje, para ser escrita com giz ou caneta, ou mesmo a lousa digital, só foi aparecer no século XVIII. Como era antes? 

Não só o mundo material da educação passou por inovações. Também os discursos pedagógicos e sobre educação, em suas diferentes formas, mostram como é uma constante na história o conflito entre o ‘tradicional’ e o ‘novo’.  Tomemos o exemplo da Atenas clássica no século V a.C.. A educação aristocrática, herdeira da educação guerreira antiga, era o grande paradigma pedagógico. Com o progressivo surgimento da democracia e da democratização da educação, houve uma forte reação contra a forma antiga de educar, que era vista como ruim e decadente. O grande comediógrafo grego Aristófanes, em uma de suas comédias, As Nuvens, descreve esse conflito de modo magistral. Por um lado, há aqueles que defendem os “valores antigos”, que se posicionam a favor dos valores aristocráticos da excelência moral tradicional, do aprendizado de um conhecimento transmitido por gerações, das práticas esportivas nobres; por outro, os que defendem os “novos valores”, pautados por ideias democráticas e de um tipo de filosofia que se inicia com Sócrates. Toda mudança gera uma reação, mas isso não significa que toda mudança seja naturalmente boa. É fundamental que paremos para refletir sobre aquilo que já é muito óbvio e que consideramos natural. O que hoje podemos chamar de tradicional já foi um dia “produto de uma inovação”.

O problema do novo 

Os processos educativos são quase tão antigos quanto o surgimento dos primeiros indivíduos. A necessidade de sobreviver impulsionava a transmissão de alguns saberes, por mais elementares que pudessem ser. Podemos imaginar que os primeiros caçadores, quando geravam descendentes, ensinavam a eles a caçar e providenciar comida para sua sobrevivência. Mais tarde, quando a humanidade começou a cultivar os campos e a criar animais para sua alimentação, outros saberes foram criados e transmitidos. Do mesmo modo, com o avanço de formas de civilização que se desprendiam da necessidade de sobrevivência, com o surgimento de linguagens simbólicas e de culturas, outros saberes foram sendo criados e transmitidos. Nesse movimento de passar adiante ou transmitir, diversas questões surgem. O que transmitir? E como? Se eu transmito um saber novo, distinto do que havia antes, eu o faço do mesmo modo, seguindo o mesmo procedimento? Ou novos saberes demandam novos modos de transmissão?  

A educação é fundamental, pois há sempre novas gerações que surgem, que demandam inovações no processo educativo que parecem, muitas vezes, inevitáveis”.
Hannah Arendt 

Quando dizemos aqui transmissão, não queremos reduzir o processo educativo a um simples “passar adiante”. O elemento de construção e elaboração por partes daqueles que aprendem algo novo é fundamental, e é a mola propulsora de novas mudanças para novos saberes. Mas é também inegável que muitos saberes aumentam, justapõem-se, interpõem-se, por vezes se agregam a outros, por vezes negam outros. É importante notar, contudo, que neste processo – e aqui as divergências de como ele ocorre são inúmeras – sempre há um algo, um saber, uma técnica, um determinado tipo de conhecimento (aquilo que tão costumeiramente se chama de “conteúdo” de uma disciplina escolar, por exemplo – embora essa expressão seja muito inadequada) que é recuperado ou mantido vivo do passado, e então colocado adiante, ensinado (mostrado) aos novos indivíduos.  

“A educação é fundamental, pois há sempre novas gerações que surgem, que demandam inovações no processo educativo que parecem, muitas vezes, inevitáveis”. 

Para Hannah Arendt, importante filósofa do século XX, a educação é fundamental, pois há sempre novas gerações que surgem, que demandam inovações no processo educativo que parecem, muitas vezes, inevitáveis. Esse processo vive sob o signo de uma contradição constante: há um mundo já constituído (embora, é claro, ele nunca esteja “terminado”), mundo este de valores, normas, saberes, uma cultura estabelecida. É nesse mundo que nasce a criança… ora, o que fazemos então? Como preservar a liberdade de existir da criança e suas escolhas em um mundo já constituído? O surgimento de novas gerações é o grande desafio para o processo educativo, e é nessa constante “mudança” que a inovação tem papel fundamental. 

As inovações no século xx 

Não há propriamente “inovação”. Mais correto seria falar em inovações, pois cada novo modo de fazer algo, cada nova concepção, tem suas características próprias, isto é, não se inova do mesmo modo. No campo educacional, as inovações podem ser levadas a cabo em diversas dimensões. Há inovações no campo da teoria educacional, das práticas (desde a gestão escolar até a prática docente individual), inovações no campo legal. Aquele discurso que nos referimos acima, de que “é preciso inovar”, parte de uma falsa ideia. Muito se diz que a educação é ainda muito lenta e está atrasada. Este é um preconceito tolo e superficial, pois não considera o verdadeiro caráter da educação. Educar leva tempo. Buscar modos de encurtar esse tempo é muito mais ceder a pressões sociais de modelos econômicos que devem antes ser descontruídos do que obedecidos cegamente. A constante aceleração das mudanças sociais parece demandar modos de educar que se adequem a estas mudanças. Mas a questão de fundo é: essas mudanças são boas?

Mudanças não são “inevitáveis”, mas acontecem. Frente a elas, buscam-se novas formas de agir. Na educação não é diferente, ainda mais por se tratar de um campo em constante mutação. Muito se fala hoje do protagonismo do estudante, e se costuma acreditar que isto é algo novo. Também se enfatiza o papel ativo do aluno na construção do seu próprio conhecimento. Formas didáticas como o estudo do meio estão em alta. Certamente, durante o século XX estas inovações teórico-práticas ganharam corpo. Mas basta olharmos para a história da educação e encontramos, por exemplo, em um autor do século XVI, Michel de Montaigne – que é uma referência explícita de Edgar Morin, um dos apóstolos dos novos modos de pensar a educação – proposições muito similares ao que vemos hoje. Em um pequeno ensaio intitulado Sobre a educação das crianças, Montaigne elabora colocações como esta:

Os professores não param de gritar aos nossos ouvidos, como quem derramasse o conhecimento num funil: nossa tarefa seria apenas repetir o que nos disseram. Gostaria que ele corrigisse essa prática e que desde o início, segundo a capacidade do espírito que tem em mãos, começasse a pô-lo na raia, fazendo-o provar, escolher e discernir as coisas por si mesmo. Ora abrindo-lhe o caminho, ora deixando-o abrir. Não quero que só o professor fale: quero que, quando chegar a vez de seu discípulo, o escute falar.  

É certo que as considerações de Montaigne eram muito sofisticadas e que a prática da época estava longe de ser assim, mas o que fala sobre o conhecimento, o professor e o estudante são muito contemporâneos. Se o conhecimento não é algo que pode ser “derramado” (o que era já uma ideia presente em Platão!), é porque não se trata de encher algo vazio. Ora, não é esta toda a crítica que faz Paulo Freire ao esquema da educação bancária, aquela que considera os alunos como recipientes vazios que apenas recebem passivamente “conteúdos”? Já a relação professor-discípulo não deve ser autoritária, e o professor se mostra muito mais como um guia ou facilitador do que como uma enciclopédia: ele deve levar o aluno a descobrir por si mesmo, a conhecer por si mesmo, a abrir o seu caminho sempre que possível. Além disso, o professor deve escutar o aluno. Ao lermos esse pequeno ensaio, somos levados a reconhecer que, se a prática da época não era “inovadora”, muito do que foi pensado era. 

É certo que as considerações de Montaigne eram muito sofisticadas e que a prática da época estava longe de ser assim, mas o que fala sobre o conhecimento, o professor e o estudante são muito contemporâneos. Se o conhecimento não é algo que pode ser “derramado” (o que era já uma ideia presente em Platão!), é porque não se trata de encher algo vazio. Ora, não é esta toda a crítica que faz Paulo Freire ao esquema da educação bancária, aquela que considera os alunos como recipientes vazios que apenas recebem passivamente “conteúdos”? Já a relação professor-discípulo não deve ser autoritária, e o professor se mostra muito mais como um guia ou facilitador do que como uma enciclopédia: ele deve levar o aluno a descobrir por si mesmo, a conhecer por si mesmo, a abrir o seu caminho sempre que possível. Além disso, o professor deve escutar o aluno. Ao lermos esse pequeno ensaio, somos levados a reconhecer que, se a prática da época não era “inovadora”, muito do que foi pensado era. 

O que é característico do século XX é o surgimento da informática, dos primeiros computadores até os dias correntes. Qualquer inovação nessa área dificilmente encontrará um precedente em épocas anteriores. As novas tecnologias são, certamente, um desafio para a educação. Com o surgimento da internet, o cenário se torna mais e mais complexo. Contudo, algumas considerações são necessárias. Primeiramente, quanto ao caráter de inevitabilidade: “não há volta”, “agora essa é a realidade”, “não há como fugir disso” são frases comuns que ouvimos em relação à tecnologia digital. Embora ela tenha “vindo para ficar”, é fundamental que não esqueçamos que as formas atuais são transitórias, e que novas formas surgirão. Assim, se o ensino for direcionado apenas para as tecnologias de hoje “porque elas são fundamentais para o mercado de trabalho”, corre-se o risco de tornar obsoleta a educação, assim como se tornam obsoletas essas formas tecnológicas. 

Por que não nos preocupávamos tanto em fazer os estudantes entenderem o funcionamento da televisão, da linguagem televisiva, das operações editoriais por trás das imagens que vemos, e hoje a “linguagem da computação” é fundamental e não se pode viver sem conhecê-la, e por isso os estudantes deveriam aprender desde cedo a “programar”? Advogar o uso de computadores e da linguagem computacional na educação sem uma reflexão crítica é um erro. Não se pode ensinar algo só porque aparentemente este algo é “inevitável”, pois daí se perde toda a riqueza de possibilidades que pode se apresentar. 

Olhar para trás, olhar para frente  

A educação é um processo multidimensional. Se ela não acontece apenas na escola, é nela que tem seu espaço privilegiado, e seu maior potencial. Pensar novas formas, propor novos problemas, contestar o que é dado como natural e óbvio é fundamental no processo pedagógico. Quando novas gerações são educadas no conflito crítico com gerações anteriores, o novo acontece. Uma educação com perspectiva de futuro só pode ocorrer se não se apagar todo o passado que não deve pesar como tradição morta, mas como um passado rico de lugares para pensar. Para educar inovando, é fundamental que busquemos em discursos e experiências passadas o solo a partir do qual pensamos e experienciamos o presente.  

Cauê Cardoso Polla

É professor da Faculdade de Educação, no Departamento de Filosofia e Ciências da Educação, da Universidade de São Paulo.  

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Criar estratégias que contemplem o futuro é vital para antecipar problemas e enxergar novas oportunidades de crescimento para toda a sociedade. 

Texto Fernanda Furia

A infância e a adolescência são períodos de encantamentos, descobertas e desafios. Ao longo da história da humanidade, o olhar sobre as crianças e os adolescentes se transforma constantemente e nos força a atualizar a nossa visão sobre o que continua sendo adequado e o que deve ser reconsiderado em prol do bem-estar e dos direitos das novas gerações. O pesquisador social, Mark McCrindle, descreveu a geração Alpha, nascida entre 2010 e 2025, como a primeira a crescer envolvida com tecnologias inteligentes no cotidiano. 

Assistentes virtuais, brinquedos conectados à internet e robôs companheiros que instigam sentimentos de cuidado e proteção são alguns dos inúmeros exemplos que desenham uma nova infância. Mal começamos a navegar nas águas da Quarta Revolução Industrial e já vemos os sinais da Quinta Revolução vindo ao nosso encontro. Nesta era de transições múltiplas, escutamos tantos termos técnicos que ficamos atordoados com a gama de tecnologias que prometem nos ajudar e nos desafiar ao mesmo tempo. 

A Quarta Revolução Industrial é pautada pela convergência de tecnologias avançadas, pelo avanço da Indústria 4.0 e pela quebra de paradigmas até então inquestionáveis. Segundo Klaus Schwab, do Fórum Econômico Mundial, a Quinta Revolução, por sua vez, já está sendo considerada a era da retomada da confiança nas pessoas, dos valores humanos e da preocupação em salvar o planeta. O tsunami formado pela computação quântica e pela conectividade total gerada pela rede 5G nos forçará a conviver com as máquinas e a redefinir o conceito de ética para resgatar o sentido de “ser humano”. 

Na mesma linha da Quinta Revolução Industrial, o conceito de Sociedade 5.0 criado pelo governo japonês em 2016 propõe uma organização social alimentada por tecnologias altamente avançadas com o objetivo de criar soluções focadas nas necessidades humanas. Para a maior parte das pessoas, esse cenário ainda é bem difícil de ser entendido, por isso precisamos nos informar sobre esse contexto global para entender os seus impactos nas novas gerações.  

O futuro da infância e da adolescência 

A geração Alpha é a primeira geração que está, de fato, crescendo em um ambiente tecnológico capaz de moldar a formação cerebral, social e psicológica das crianças e dos adolescentes de forma inédita na história da humanidade. As tecnologias avançadas, em suas diferentes formas, prometem trazer conforto afetivo para os seres humanos e inauguram um novo fenômeno na cibersociedade: a relação de apego entre as pessoas e as máquinas inteligentes. As pesquisas que investigam os efeitos positivos e negativos desse cenário são ainda bastante contraditórias e oscilam entre perspectivas catastróficas e otimistas. E isso é só o começo. Imaginem em qual cenário a Geração Beta, nascida entre 2025 e 2039, viverá. Para Patrick Dixon, autor do livro The Future of (almost) everything, entraremos cada vez mais na “era da criança preciosa” na qual qualquer coisa que possa ameaçar a saúde ou o bem-estar emocional das crianças será fortemente rejeitada. Isso nos leva a um outro fenômeno que está ganhando força e que deve crescer nas próximas décadas: a coparentalidade entre pais e máquinas. Segundo a empresa Zion Market Research, a indústria baby tech movimentará em torno de US$ 108 bilhões até 2024 e contribuirá para o surgimento de novas formas de parentalidade. Produtos como cintas que envolvem a barriga da mãe e monitoram o batimento cardíaco do bebê, fraldas com sensores que detectam o estado da urina da criança, babá eletrônica com inteligência artificial, tecnologias de monitoramento em tempo real e tatuagens digitais alimentarão uma geração de pais orientados por dados.

Assim como as crianças pequenas, os adolescentes também são largamente influenciados pelos ambientes e pelas tecnologias. Redes sociais e jogos imersivos com realidade virtual e aumentada ganharão força e possibilitarão que os adolescentes se relacionem em diferentes plataformas simultaneamente à procura de aceitação, pertencimento, popularidade e autoexpressão. Um exemplo é o Facebook Horizon, que deve ser lançado em 2020. Experiências como essa terão um grande poder de engajar os adolescentes, uma vez que aumentam a sensação de presença real naquele ambiente virtual. O avanço tecnológico permitirá a criação de novas realidades com diferentes camadas de interação entre a realidade e o ambiente virtual. Além disso, no futuro, as gerações Alpha e Beta precisarão se responsabilizar ativamente por importantes desafios éticos como edição de DNA, vigilância e manipulação constante das pessoas, criação de cérebros biodigitais, entre outros. Por isso, é cada vez mais urgente criarmos leis e protocolos tendo em mente o bem-estar e os direitos das crianças e adolescentes. Richard Graham, psiquiatra da infância e da adolescência no Nightingale Hospital, em Londres, referência mundial na área de dependência tecnológica, acredita que “agora nós somos cyborgs emocionais. Estamos integrando essas tecnologias em nosso funcionamento mental, social e emocional”.

O futuro da infância e da adolescência transcende o ambiente escolar, mas afeta diretamente as estratégias aplicadas ao sistema educacional. Sendo assim, os educadores e as famílias precisam entender esse cenário amplo, pois somente dessa forma poderemos formar crianças e adolescentes com visão de mundo, consciência ética, motivação para agir e desejo genuíno de melhorar a vida das pessoas e do planeta.  

Educação inovadora: formando as novas gerações 

Toda a base da educação já vem sendo questionada em vários países e as inovações em educação não são um tema novo para a maioria dos educadores. Metodologias ativas, diferentes papéis do professor, maior ênfase nas habilidades socioemocionais e uso de tecnologias avançadas em sala de aula refletem como muitas instituições de ensino já estão repensando e reestruturando as suas práticas para se ajustar aos novos tempos. Mais do que nunca as escolas exercem funções múltiplas na nossa sociedade: acolher as crianças cujos pais trabalham, ensinar conteúdos, desenvolver competências, informar os adultos, orientar os alunos sobre questões digitais e ainda ajudar na formação ética das crianças e dos adolescentes. As próximas gerações verão suas diversas habilidades e talentos sendo abraçados por novas profissões, novos formatos de trabalho e por mais de uma atividade profissional ao mesmo tempo. Esta é uma quebra de paradigma importante para a formação dos jovens e, por isso, os projetos de vida direcionados a eles devem considerar tal pluralidade. Um dos sinais interessantes é o aparecimento de cursos universitários flexíveis, nos quais o aluno escolhe assuntos de diferentes áreas de conhecimento para estudar ao longo do curso, formando um mosaico personalizado de ensino. Um exemplo aplicado dessa flexibilização é a universidade cuny, em Nova York, onde os alunos têm à sua disposição uma variedade enorme de disciplinas e podem criar um plano de graduação interdisciplinar sob medida com seus mentores. Parte do papel das escolas e das universidades será inovar com ética e incentivar projetos que estimulem os alunos a refletir de forma crítica sobre a criação, a aplicação e o uso responsável das novas tecnologias. 

Ao mesmo tempo que as escolas tendem a incorporar tecnologias cada vez mais avançadas para apoiar diferentes práticas pedagógicas, será fundamental que elas também resgatem o brincar em diferentes formatos: mais tempo de recreio para todas as idades, mais jogos, mais esportes, mais atividades artísticas, mais vivências fora da escola e mais reflexões sobre o que motiva os alunos. É inquestionável que o brincar melhora a saúde mental, promove a autonomia, trabalha questões éticas, desenvolve inúmeras habilidades socioemocionais e aproxima as pessoas. Mais do que qualquer tecnologia, o futuro da infância e da adolescência depende da segurança emocional, do afeto e da interação entre os seres humanos.

Ao vislumbrar um horizonte tecnológico ainda mais contundente como o da Quinta Revolução Industrial, como as instituições educacionais podem se preparar para receber as gerações que estão por vir? Há algumas décadas foi criado um termo que caracteriza o contexto caótico, turbulento e instável no qual as organizações estão inseridas: o mundo V.U.C.A. O acrônimo em inglês nasceu das teorias sobre liderança estratégica e significa volatilidade (Volatility), incerteza (Uncertainty), complexidade (Complexity) e ambiguidade (Ambiguity). Porém, em 2007, Robert Johansen, do Institute for the Future, lançou um olhar complementar para esse termo e nos trouxe uma visão mais prática para combater os impactos negativos do mundo V.U.C.A apresentado anteriormente. Para ele, o conceito de “V.U.C.A. PRIME” significa visão, compreensão, clareza e agilidade (Vision, Understanding, Clarity e Agility) e serve como um guia para a construção de uma nova forma de pensar e agir. 

Modelo VUCA PRIME para escolas 

Por inspiração do conceito de vuca prime, é possível transpor as ideias de Robert Johansen para o contexto da Educação e desenhar caminhos aplicáveis à infância e à adolescência, considerando algumas responsabilidades e oportunidades para as escolas. Confira a proposta a seguir, baseada no conceito de Johansen e adaptada ao contexto escolar: 

Visão (vision) 

Para lidar com um contexto imprevisível, as escolas precisam refletir com profundidade sobre a sua própria existência daqui para frente e estabelecer uma visão comum sobre os próximos passos. Qual é o propósito de uma criança ir para a escola? Qual será de fato o papel da escola? Baseando-se nessas reflexões, será possível reunir as pessoas necessárias para esse processo de transformação e para traçar os caminhos que pavimentem tais avanços.  

Responsabilidades: envolver toda a comunidade escolar na construção dessa visão, considerando o horizonte futuro e trazendo exemplos práticos e éticos que sirvam de modelo para práticas sustentáveis ao longo do tempo. Fornecer uma visão de diversidade e inclusão para que pessoas de todos os backgrounds sejam contempladas. Ajudar os adultos a desenvolver uma mentalidade global voltada para inovação.

Oportunidades: fomentar discussões e ações para que os alunos identifiquem o propósito da escola e proponham caminhos alinhados ao contexto global e às necessidades locais. 

Entendimento (understanding) 

A capacidade de compreender os fatores externos, sejam eles sociais, políticos, tecnológicos e/ou ambientais, é fundamental para a formação dos educadores. Ser capaz de enxergar simultaneamente o contexto macro e micro se tornará uma habilidade cada vez mais importante. Entender os novos comportamentos e movimentos sociais e econômicos aproxima as diferentes gerações e, principalmente, sustenta a criação de projetos e iniciativas significativos para todos os envolvidos. 

Responsabilidades: promover a capacidade das novas gerações de olhar para determinada situação de forma equilibrada, em que todos os aspectos são considerados de forma sensata e sem radicalismos. Envolver os alunos na missão de colaborar e contribuir para a resolução de problemas globais, especialmente aqueles ligados à infância e à adolescência – base para uma sociedade saudável. Promover letramento digital aliado à inteligência emocional-digital. 

Oportunidades: oferecer formações de professores que vão além da capacitação para o uso de ferramentas educacionais e de metodologias aplicáveis em sala de aula. Desenvolver jogos e atividades lúdicas para ajudar na capacidade de analisar contextos macro e micro, identificar padrões de comportamento na sociedade e refletir eticamente sobre o que nos serve e o que deve ser desconsiderado.

Clareza (clarity) 

Em tempos complexos, ter clareza passa a ser um superpoder. Simplificar o pensamento e agir de forma prática e transparente, considerando ao mesmo tempo a profundidade das situações, é um desafio que precisaremos enfrentar. 

Responsabilidades: a falta de clareza de pensamento e de visão está muito ligada ao excesso de sofrimento e às consequências geradas por diversos transtornos emocionais. Fazer parcerias com iniciativas voltadas para a saúde mental dos alunos e da equipe educacional, além de criar uma sólida rede de apoio, passa a ser uma responsabilidade também das escolas. 

Oportunidades: estimular as crianças e os adolescentes a exercitar práticas que acessem a intuição e a criatividade por meio de meditação, mindfulness, contato com a natureza e processos variados de autoconhecimento. 

Agilidade (agility) 

Diante das inúmeras mudanças no mundo, as escolas precisarão ser capazes de se transformar constantemente para responder de forma mais rápida, se comunicar melhor e antecipar cenários. 

Responsabilidades: compromisso com a atualização constante da visão, propósito e clareza de objetivos. Reflexão, adaptação, colaboração e ação serão palavras-chave daqui para frente.

Oportunidades: integrar conhecimentos de diferentes áreas para aumentar a capacidade de transitar em contextos divergentes e de se adaptar às diversas realidades com mais eficiência. Promover agilidade emocional e fomentar inteligência emocional-digital. A crescente complexidade da evolução tecnológica afetará as relações humanas de forma nunca antes experimentada pela humanidade. Por essa razão, será necessária uma rede cada vez mais forte, integrada e colaborativa entre as pessoas e os sistemas para criar estruturas saudáveis sobre as quais as crianças e os adolescentes se desenvolverão. O futuro da infância e da adolescência é responsabilidade de todos nós. 

Fernanda Furia 

é mestre em Psicologia de crianças e adolescentes pela University College London, na Inglaterra. Fundadora do Playground da Inovação – consultoria de Inovação em Psicologia e Educação. Professora de Psicologia da Inovação na FIAP (SP) e do curso de pós-graduação Formação Integral, no Instituto Singularidades (SP). Foi professora assistente na The American School, em Londres. Foi mentora do Social Good Brasil, organização de tecnologia para transformação digital. Membro da The British Psychological Society da Inglaterra. Especialista em Psicoterapia de crianças e adolescentes pelo Instituto Fernandes Figueira (Fiocruz/RJ). Pós-graduada em Atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica pela PUC-RJ. Psicóloga pela PUC-RJ. Mais de 25 anos de experiência no universo relacionado à infância e à adolescência. 

Para saber mais 

  • DAVID, S. Agilidade emocional: abra sua mente, aceite as mudanças e prospere no trabalho e na vida. São Paulo: Pensamento Cultrix, 2018.
  •  
  • DIXON, P. The Future of (Almost) Everything. Londres:Profile Books, 2015.
  •  
  • FURIA, F. Inteligência emocional-digital: o que é e como desenvolvê-la? In Revista Educatrix 13, Moderna, 2017. p. 26-29. Disponível em www.moderna.com.br/educatrix. 
  •  
  • FURIA, F.; BALDESSAR, M. J. Crescendo com as máquinas inteligentes: as crianças e as novas formas de socialização na cibersociedade. Anais da II Jornada Ibero-Americana de Pesquisas em Políticas Educacionais e Experiências Interdisciplinares na Educação, 2017.
  •  
  • SCHWAB, K. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2018. 

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EDUCAÇÃO INOVADORA 2020 | #7 Educomunicação e educação midiática