Gestão participativa que transforma o mundo e as pessoas

Gestão participativa que transforma o mundo e as pessoas

Gestão participativa que transforma o mundo e as pessoas

Nova diretora do Dante Alighieri aposta no diálogo e na participação para formar equipes autônomas, que se sintam autoras das suas jornadas.

A SALA ocupada por Valdenice Minatel, no centenário Colégio Dante Alighieri, em São Paulo, dá pistas sobre quem é a profissional que, no curso de uma carreira voltada para a inovação pedagógica, agora está à frente de uma das mais conhecidas instituições de ensino brasileiras. A porta está sempre aberta, desde as 7h da manhã. Na mesa, livros e pilhas de papéis à espera de sua apreciação. Nas paredes, diplomas de instituições renomadas. Valdenice é uma educadora inquieta, que não para de estudar – tanto que recebeu a Educatrix no calor do final do semestre letivo e às vésperas de uma nova imersão, desta vez com o renomado autor Daniel Goleman, na Universidade de Harvard.

“O desenvolvimento profissional mais pleno acontece no ambiente mais democrático, senão só gera rotatividade. Por isso, sempre quero criar equipes que se sintam mais do que partes, que se sintam autoras.”

Valdenice Minatel Diretora do colégio Dante Alighieri

Mestre e doutora em Currículo e Novas Tecnologias pela PUC-SP, Valdenice contribuiu muito para tornar uma escola centenária em um polo de inovação pedagógica. No Dante Alighieri há 25 anos, a gestora passou pelo Colégio Hugo Sarmento e pela Prefeitura de São José dos Campos, antes de chegar à IBM, no projeto Horizonte – uma das primeiras iniciativas em larga escala para difundir computadores pessoais para uso educativo. Mas foi principalmente no Dante que ela iniciou o percurso que marcou toda a sua vida profissional e onde aprendeu a liderar de forma compartilhada, em um diálogo permanente com suas equipes. Conheça sua visão sobre inovação e gestão, na entrevista a seguir.

Mestre e doutora em Currículo e Novas Tecnologias pela PUC-SP, Valdenice contribuiu muito para tornar uma escola centenária em um polo de inovação pedagógica. No Dante Alighieri há 25 anos, a gestora passou pelo Colégio Hugo Sarmento e pela Prefeitura de São José dos Campos, antes de chegar à IBM, no projeto Horizonte – uma das primeiras iniciativas em larga escala para difundir computadores pessoais para uso educativo. Mas foi principalmente no Dante que ela iniciou o percurso que marcou toda a sua vida profissional e onde aprendeu a liderar de forma compartilhada, em um diálogo permanente com suas equipes. Conheça sua visão sobre inovação e gestão, na entrevista a seguir. 

EDUCATRIX Como foram seus primeiros contatos com a tecnologia educacional?

VALDENICE MINATEL Eu fiz Pedagogia na Unicamp, e tinha aulas com a pesquisadora Afira Rippert, que então estava voltando de um doutorado com o Seymour Pappert. Ela teve o privilégio de ser contemporânea da produção dele, e trouxe esse arcabouço para a Unicamp, introduzindo o olhar da tecnologia pelo viés educacional. Recebeu críticas por isso, mas também apoio, e eu fui uma das primeiras turmas que cursou a sua disciplina. Fiquei encantada com a linguagem Logo e me fascinava a ideia de janela da mente, ou seja, de entender como a cabeça funciona enquanto programa, promovendo a aprendizagem com boas perguntas. Fiquei muito impactada.

EDUCATRIX Como foi sua aproximação com a IBM e a chegada no Dante? 

VALDENICE MINATEL Nesse período, saindo da Unicamp, fui trabalhar em São José dos Campos (SP) e continuei a fazer leituras sobre o tema. Em 1992, passei pelo Colégio Hugo Sarmento, e, quando soube de uma vaga na IBM, não tive dúvidas e me candidatei. Já queria algo mais parrudo, algo que possibilitasse uma abordagem da tecnologia a partir da escola. Essa era a grande empresa com capilaridade que trouxe um viés educacional muito forte. Lá, fazíamos formação de professores, no Projeto Horizonte. Foi uma experiência muito importante na qual aprendi, por exemplo, a trabalhar de portas abertas, o que faço até hoje. Fiquei sabendo que o Dante estava montando um Departamento de Tecnologia, preparei meu currículo e me chamaram.

EDUCATRIX Quando você chegou ao Dante, o que lecionava?

VALDENICE MINATEL Cheguei para dar aulas de Informática, ensinando linguagens de programação e noções sobre a operação das máquinas. Esse era o basicão de 30 anos atrás. Mas nessa época escolas e empresas começavam a se movimentar, construindo os protocolos de ação, construindo caminhos. Ainda havia a reserva de mercado dos computadores, que tinham custos abusivos, mas as grandes escolas já olhavam para isso, vendo sentido nesse caminho que se abria. Começavam a se integrar ao mundo digital, cada uma de um jeito. O Dante optou, em um primeiro momento, em dar aulas de Informática, em uma perspectiva mais técnica.

EDUCATRIX Mas desde então você já atua diretamente com a inovação…

VALDENICE MINATEL Sim, desde então minha vida tem sido pensar a inovação. Entrei para trabalhar em um time que estava começando, começamos o departamento juntos. No final de 1999, a antiga coordenadora se desligou e a gestão da época considerou que o coordenador de informática tinha de ser eleito pelos pares, como acontece na universidade, e não mais por indicação da diretoria. Então o grupo se reuniu e me elegeu. Já fui promovida por um ato muito democrático, que me marcou. Em 2000, eu começo a coordenação, com um voto de confiança de cada um deles, que eram 12. Mesmo quem não votou tinha clareza de porque eu estava lá. 

EDUCATRIX Imagino que essa experiência tenha também influenciado sua forma de trabalhar… 

VALDENICE MINATEL A partir daí, não havia outro caminho a não ser construir uma gestão baseada nas competências que cada um poderia entregar naquele momento. Foi um processo de reconstrução do departamento fundamentada em uma visão mais participativa. Eram muitas reuniões, e eu sempre trazia decisões para serem tomadas de forma colegiada. Foi muito bacana. Mesmo as tensões eram resolvidas de forma cocriada. É um termo novo, mas já fazíamos isso que se chama hoje de cocriação. Começamos a trabalhar e era um pessoal muito bom. Foi muito fácil inovar. Era um time que queria isso e tinha portas e janelas abertas para ir em frente. Tinham todas as condições de temperatura e pressão que favoreciam a gestão democrática e a inovação. Fiquei de 2000 a 2012 nesse lugar de coordenadora de informática, mas com uma mudança de organograma, passei a ser coordenadora geral de tecnologia.

EDUCATRIX Até hoje, é um desafio para as escolas integrar equipes de tecnologia e de educação. Como você lidou com isso no Dante? 

VALDENICE MINATEL As questões eram tratadas de forma integrada; por exemplo, o processo de matrícula. Sempre fui pedagógica, mas dava meus pitacos na área administrativa. No final de 2014, eles me dão o presente de assumir a TI também, e passo a ser coordenadora de tecnologia. Desde 2000, quando definimos o escopo de nossa ação, sempre partimos do princípio de que a tecnologia tinha que dialogar com todas as áreas. Era um trabalho de catequização mesmo. Em agosto de 2018, fui promovida a diretora de tecnologia e recebi o convite para ser diretora pedagógica logo em dezembro. A condição era de que a tecnologia não deixasse de trabalhar integrada à área pedagógica.

EDUCATRIX Essa integração muitas vezes depende de mudanças culturais importantes. Como aconteceu no Dante, para que fosse possível tomar um rumo diferente? 

VALDENICE MINATEL Você tem razão. Nas escolas em geral, a tecnologia sempre é uma área que luta para fazer parte. Aqui não, eles são garotos privilegiados. Treinávamos para ir para as reuniões, fazíamos uma projeção de futuro, um storytelling de projeto. Era mais do que resolver problemas técnicos. Nós partíamos do princípio de que era preciso entender a escola. Não se tratava de um banco, mas de uma instituição educativa. Nosso papel era focar no que importava para o Dante, e o coração de tudo o que acontece aqui é o momento em que professores e alunos se reúnem. Esse momento é único. É um momento idílico. Se um aluno fica aqui oito horas de seu dia, esse tempo precisa ser muito bom, tanto para os alunos como para os professores. Medíamos o tempo de atendimento para tentar diminuir. Chegamos a ter três minutos para a escola toda, e ainda assim sabíamos que estávamos fazendo nada menos do que se esperava. Temos que pensar sempre de forma prioritária em sala de aula. Investimos muito em coerência interna.

EDUCATRIX Como a construção dessa cultura aconteceu, na prática? 

VALDENICE MINATEL Quando me tornei coordenadora, os garotos da TI estavam no porão, quase esquecidos. A primeira condição foi colocá-los juntos. Aprendi em minha jornada a trabalhar de portas abertas. Pensei no ambiente de trabalho dessa equipe, o que significa pensar nos móveis, nos aromas, nas cores, para trazer um conforto, uma boa lembrança. É preciso ter um interesse genuíno pelas pessoas. Tem as telas, o mouse ergonômico, pequenos detalhes que mostram como nos importamos com eles. Assim se criou um ambiente muito favorável. Hoje, aqueles garotos já estão aqui há dez anos. Entraram como estagiários, desenvolveram- se e percebem o trabalho e a inovação como se estivessem construindo suas próprias startups. O aluno tem de produzir tecnologia, não é consumidor. Levei essa lógica também para o time. Temos pouquíssimas soluções terceirizadas. Desenvolvemos muito aqui. Sentimos que tudo o que está rodando eles é que criaram. Assim, começam a ser conhecidos por toda a comunidade escolar. 

EDUCATRIX O resultado é uma escola de 108 anos dando um salto à frente no campo da inovação. Mas como isso se traduz na forma de liderar?

VALDENICE MINATEL A escuta foi um treino que fizemos muito. Nunca chegamos falando em uma reunião. Sempre ouvimos, vamos entendendo o que as pessoas querem, conectando com o que já existe. Há uma inter-relação muito grande. Vamos mostrando como é a tecitura, não ditando regras. Podemos ajudar muito, mas a partir do insumo que os professores dão. A escola bancou isso. Hoje temos um time de desenvolvimento com quatro pessoas, tão grande como a de suporte. São 16 profissionais de TI, contando estagiários e trainee, mais 18 da área de tecnologia educacional. Isso é raro em escolas.

EDUCATRIX E na direção geral, é possível reproduzir essa forma de gestão?

VALDENICE MINATEL Sim, exatamente. Escuto muito, faço muitas reuniões, nenhuma decisão sai apenas de minha caneta. Estou revisitando todos os processos, quero ouvir a todos. É um tempo que estou investindo para sentar junto com cada um. Vou fazendo as perguntas e vou aprendendo. Faço isso também para que as pessoas reflitam sobre o que fazem. Sei que ainda existem aqueles que esperam que a decisão venha de mim, isso é cultural em muitos lugares. Mas eu pergunto sempre: o que você acha? Ainda tenho imagem de brava, mas, nas reuniões, quem trabalha comigo vê que eu dialogo. Estimulo ainda que as equipes se sentem e discutam sem que eu necessariamente esteja presente. Estou tentando dar essa autonomia.

EDUCATRIX Como se equilibra autoridade e autonomia em uma escola?

VALDENICE MINATEL Autoridade o organograma decide, mas autonomia se pode desenvolver. Jogo sempre com a ideia de que todos precisam pensar juntos. A descentralização não se dá da noite para o dia. A cultura organizacional tem poder grande. Temos de respeitar, e ir vendo para onde ela está se movendo e ver como se pode melhorar. O Dante Alighieri tem uma equipe muito boa, e isso ajuda. É uma equipe que gosta da escola, com ex-alunos trabalhando; assim, tudo fica mais fácil. Em todas as mudanças, sempre mantive esse modelo de decisão mais formativa: fazer parte dos meus valores pessoais. Isso é muito mais difícil quando não é mais uma maquiagem democrática. É mais fácil ser autoritário. O desenvolvimento profissional mais pleno acontece no ambiente mais democrático, senão só gera rotatividade, especialmente na área da tecnologia. Por isso, sempre quero criar equipes que se sintam mais do que partes, sintam-se autoras.

EDUCATRIX Nos dias de hoje, ter à frente da gestão profissionais de inovação é um privilégio raro, não é? Afinal, um dos maiores desafios colocados para as instituições é saber mudar…

VALDENICE MINATEL Sem dúvida, trazer alguém de tecnologia para gerir uma instituição centenária é arrojado. O desenho da gestão executiva no Dante é muito bom e trabalhar em uma instituição sem fins de lucrativos é o melhor dos mundos. Sinto- me em um lugar realmente privilegiado. É o propósito no seu estado mais bruto. Arranjei um propósito e de quebra tenho um trabalho. 

EDUCATRIX Há também o aspecto da preparação contínua. Um líder não pode parar de aprender, em um mundo que muda continuamente. 

VALDENICE MINATEL Eu acredito em liderança que estuda. Simplesmente adoro aprender. Vim de família muito simples, que via na educação a forma de fazer a virada. A escola me resgatou de um lugar que nem posso descrever. Vim de um mundo em que a educação era a única forma de ter acesso à informação. O estudo não é importante só porque prepara para a vida exterior. Ele permite que nós sigamos conquistando mundos internos cada vez mais interessantes. A jornada de conhecimento que transforma o mundo e as pessoas é sensacional.

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Competências socioemocionais: Quais as ações dos educadores?

Competências socioemocionais: Quais as ações dos educadores?

Propostas que consideram a BNCC trazem a reflexão sobre os papéis e as práticas dos educadores para o desenvolvimento das competências e habilidades do século 21.

Texto: Solange Giardino

Estamos vivendo pela primeira vez na história da educação a incerteza sobre quais serão as competências necessárias para que os nossos estudantes da educação básica sejam relevantes no mercado de trabalho. A cada segundo temos a produção de novos conhecimentos, o surgimento de novas funções e a transformação de tradicionais carreiras, assim como das habilidades necessárias para desempenhá-las.

As tarefas laborais dependem de dois tipos de competências básicas: a física e a cognitiva. No passado, competimos com as máquinas nas habilidades físicas, o que nos trouxe um maior desenvolvimento das habilidades cognitivas, que só nós, humanos, possuímos; agora, estamos sendo desafiados pela inteligência artificial, pela aprendizagem de máquinas e pela robótica.

Sabemos que será mais difícil substituir um trabalhador em atividades que exijam o uso simultâneo de várias habilidades, principalmente as que envolvam lidar com cenários imprevisíveis. Dessa forma, flexibilidade, criatividade e as competências socioemocionais serão determinantes para o desempenho do profissional do futuro.

Entre a razão e a emoção: o papel da escola

Conhecer as próprias emoções e saber lidar com elas é o que chamamos de inteligência emocional. A escola, por ser um ambiente de relacionamento social, oferece uma ótima oportunidade para lidar com as próprias emoções, entender como funcionam e como podem ser modificadas. Os professores precisam ser orientados a mediar tais situações, com o intuito de conscientizar as crianças para reduzir conflitos tanto em sua vida pessoal, como no ambiente escolar.

Já é sabido que as habilidades socioemocionais aumentam a capacidade dos alunos de aprender e melhoram consideravelmente atitudes e comportamentos para lidar de maneira eficaz e ética com os desafios diários. 

Partindo do pressuposto de que o ser humano é um ser relacional e de que precisa estar em contato com outras pessoas, criar vínculos e gerar conexões — quanto mais positivas e construtivas, mais positivas serão as emoções, ideias e atitudes —, a  escola precisa ser um espaço que transmita confiança, comprometimento, respeito e colaboração de todas as partes. Construir boas relações exige tempo e não adianta apenas o professor se esforçar para fazer dar certo. Toda a comunidade envolvida precisa contribuir e fazer a sua parte para que as relações tragam frutos positivos a todos.

Outro ponto importante das relações interpessoais é que, ao estar em contato com pessoas diferentes de nós, conseguimos ampliar nossas perspectivas de mundo e expandir nossa visão em muitos aspectos. O mesmo acontece quando estamos dispostos a compartilhar o nosso melhor e ajudar os indivíduos ao nosso redor a crescerem e se tornarem cada vez melhores.

A escola deve promover uma formação integral, desenvolvendo, além das competências cognitivas e acadêmicas, as competências socioemocionais, oferecendo um ambiente humanizado e adequado para o estabelecimento de boas relações, uma vez que o aluno educado emocionalmente possui maior motivação para aprender.

As habilidades socioemocionais devem fazer parte do planejamento de todos os componentes curriculares, e não como uma disciplina isolada, pois precisam de contexto para serem desenvolvidas. Dessa forma, é necessário considerar o envolvimento da comunidade escolar, da família e de todos os professores, que precisam inserir o desenvolvimento dessas habilidades em suas aulas e atividades.

Além do planejamento letivo, estratégias adicionais devem ser realizadas em toda a escola, incluindo proporcionar aos alunos oportunidades de participar de comitês escolares e de atuarem em papéis de liderança como modelos de pares, mentores e consultores para colegas de classe. Um comitê de alunos pode ser de grande auxílio nessa condução, desde que seja uma ação coordenada com os professores e orientadores educacionais. Esses alunos precisam ser identificados por meio de instrumentos e posteriormente formados, para que tenham uma ação efetiva.  Os jovens costumam procurar os seus pares e não um adulto para compartilhar suas dificuldades e anseios, então proporcionar rodas de diálogo e assembleias para que eles possam refletir e resolver entre si os conflitos é uma boa oportunidade de intervenção. 

Como selecionar as habilidades socioemocionais mais importantes? 

No Brasil, temos duas linhas teóricas sobre o tema que são muito difundidas: 1 a CASEL (Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning), desenvolvida por uma organização americana de Chicago, que se baseia em cinco aspectos: autoconhecimento, autorregulação, sociabilidade, competências de relacionamento e tomada de decisão responsável; e 2 a do Big Five Factors (Cinco Grandes Fatores de Personalidade), que explora outros cinco domínios: experiência, consciência, amabilidade, extroversão e estabilidade emocional.

Para definir quais habilidades socioemocionais serão trabalhadas, é preciso ter clareza sobre que aluno se quer formar. O ideal é trabalhar com poucas habilidades, priorizando as mais significativas a partir da identificação dos pontos fortes, pontos fracos e áreas de crescimento ou melhoria do público de alunos. As escolas devem escolher de comum acordo com a comunidade e com os alunos, se não possível com todos, mas com o grupo de representantes (comitê de alunos e pais). 

Ao estar em contato com pessoas diferentes de nós, ampliamos nossas perspectivas de mundo e expandimos nossa visão em muitos aspectos.

Qual é o papel do professor?

É necessário que os professores tenham formação e orientação para conseguir transformar a sala de aula, assumindo um novo papel, para que controlem seu próprio comportamento, tornando-se modelos para os alunos. Para desempenhar bem a sua função, portanto, o professor precisa começar por uma autorreflexão: quais são os seus próprios valores? Como mobilizar suas habilidades e competências socioemocionais? Aprender a lidar com as próprias emoções e refletir sobre elas é um passo fundamental.

Criar ambientes seguros e saudáveis para que os jovens possam desenvolver habilidades sociais necessárias para prosperar no seu projeto de vida não depende apenas dos professores, mas de toda a comunidade escolar, que precisa envolver todos os atores. 

Para proporcionar um ambiente no qual os alunos se sintam seguros e onde suas opiniões e preocupações sejam consideradas e levadas a sério, o professor e a escola devem focar em soluções para os conflitos, e não em punições e recompensas.

A escola dos alunos enfileirados, com foco na “pedagogia da nuca”, não permite a expressão afetiva e emocional e também não promove o desenvolvimento socioemocional. As propostas pedagógicas devem priorizar atividades altamente interativas para dar ênfase às estratégias de aprendizado cooperativo. O aluno precisa participar de conversas significativas, se envolver em problemas relevantes, trabalhar cooperativamente com os colegas, professores e comunidade e se sentir desafiado.

Em todo esse percurso, o professor tem o papel de mediar o processo. É a condução dele, com perguntas bem planejadas e intervenções previamente elaboradas, que trará o clima de apoio, cooperação e segurança de que os alunos precisam.

O professor deve conduzir a gestão da sala de aula de forma que se coloque a serviço do coletivo e que chame os alunos para uma participação ativa, compartilhada, comprometendo-os a dividir as responsabilidades em um processo orientado, em que o protagonismo e a participação pautem o diálogo.

Como avaliar as habilidades socioemocionais?

Ao incluir as competências socioemocionais no currículo escolar de forma transversal, é essencial pensar em como mensurá-las para apoiar as atitudes dos estudantes e orientar os professores sobre como agir e o que esperar das diversas situações. 

A avaliação das habilidades socioemocionais, assim como a dos trabalhos desenvolvidos por meio de abordagens de metodologias ativas e de aprendizagem por projetos, deve incluir diversas formas de avaliação, tais como autoavaliação, avaliação por pares (entre os colegas) e reflexões pessoais, mesclando as avaliações individuais com as coletivas.

As rubricas de avaliação são uma possibilidade, pois oferecem um sistema de pontuação que lista critérios específicos para o desempenho e as atitudes dos alunos, descrevendo diferentes desempenhos para cada um dos critérios e deixando claro o que se espera dos alunos no decorrer das atividades escolares. Para a elaboração das rubricas, sugerimos elencar quais habilidades serão observadas, listar seus descritores e, por fim, criar a tabela.

Trabalhar com as competências socioemocionais significa focar no desenvolvimento pleno e integral de toda a comunidade escolar, tendo a consciência de que são desenvolvidas pouco a pouco, pela vivência constante. O professor precisa considerar em seu planejamento ter a intencionalidade pedagógica de promover a expressão dos sentimentos e a reflexão sobre as ações, com o intuito de aprimorar a qualidade das relações interpessoais. À liderança escolar, cabe o papel de estabelecer indicadores para que fique claro a todos os integrantes da comunidade escolar o que é esperado e trabalhar com os professores e equipe para mediar conflitos de forma positiva. 

Solange Giardino

é consultora de tecnologia educacional com foco em metodologias ativas, cultura maker, STEAM e aprendizagem criativa. Tem experiência consolidada no desenvolvimento e na gestão de projetos por meio da implementação de recursos digitais à prática docente e desenvolvimento de projetos nas áreas de formação continuada de professores. Apple Distinguished Educator, graduada em Psicologia e especialista em Informática Aplicada à Educação pela PUC-SP e em Gestão de EAD pela FGV. Mestra em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. 

Para saber mais 

  • Movimento Pela Base Comum – Dimensões e Desenvolvimento das Competências Gerais da BNCC. Disponível em:mod.lk/edu18mpb. Acesso em: 2 mar. 2020. 
  •  
  • BENDER, W. N. Aprendizagem baseada em projetos: educação diferenciada para o século XXI. Porto Alegre: Penso, 2014.
  •  
  • CASEL. Educating hearts: inspiring minds. Disponível em:https://casel.org. Acesso em: 9 fev. 2020.
  •  
  • The Big Five Personality Traits. Disponível em:mod.lk/ed18foco. Acesso em: 9 fev. 2020. 
  •  
  • NELSEN, J.; LOTT, L.; GLENN, H. S. Disciplina positiva em sala de aula. São Paulo: Manole, 2017.

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Gestão escolar na era da BNCC

Gestão escolar na era da BNCC

Da teoria à prática: como a proposta de currículo nacional está transformando a gestão das escolas

Texto Ricardo Prado Ilustração Ricardo Davino

“A BNCC não sai mais das nossas mãos. A cada 15 dias, a equipe gestora senta junto para estudar um pouco”. É dessa forma que Virene Alves de Souza, diretora há sete anos do Núcleo de Educação Infantil Benedito Faustino Malachias, escola municipal de Canaã dos Carajás, no Pará, refere-se à Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O documento homologado no final de 2017 pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), concretizou, apesar das críticas ao longo do conturbado processo de discussão coletiva e aprovação do texto final, uma antiga reivindicação de educadores brasileiros: a proposta de um currículo mínimo, válido para todo o país, com expectativas de aprendizagem divididas por séries, capaz de nortear o trabalho pedagógico nas diferentes redes de maneira mais uniforme, sem perder de vista as especificidades regionais, como prevê a LDB (Lei de Diretrizes e Bases).

A BNCC não é um documento simples, por isso, faz sentido que a aguerrida equipe dirigida por Virene se debruce a cada quinzena sobre ela e discuta ideias e estratégias que colaborem com a formação dos cerca de 700 alunos que a escola atende. A BNCC estabelece dez competências gerais, que vão da aquisição de conhecimentos à participação cidadã na sociedade, do uso ético e responsável das tecnologias de informação e comunicação aos cuidados com o corpo e o meio ambiente, sob as quais se desdobram 117 objetivos de aprendizagem, distribuídos em 35 competências e habilidades específicas de áreas e 49 competências relativas aos componentes curriculares. Para deixar tudo ainda mais complexo, muitas vezes as competências se interpenetram entre as disciplinas. No total, a BNCC traz 1.514 enunciados sobre aprendizagem e desenvolvimento da criança e do jovem. Ou seja, muito trabalho para as escolas se prepararem e colocarem todas essas competências e habilidades em prática até 2020. 

Um documento dessa dimensão, e com pretensões igualmente grandes de influir diretamente no cotidiano escolar, bem poderia se tornar um desses calhamaços produzidos em Brasília que terminam seus dias esquecidos nas prateleiras, com pouca ou nenhuma aderência nas redes, sempre às voltas com problemas urgentes de infraestrutura e condições de trabalho. Mas o caminho da BNCC não parece ser esse. Há muita gente disposta a implementar o que está ali, que, no fim das contas, resultou no consenso possível em termos de expectativas de aprendizagem. Houve uma grande mobilização no mercado editorial, com interpretações e guias de orientação que buscam oferecer chaves de interpretação para as dez competências a serem desenvolvidas ao longo da educação básica, e possíveis caminhos didáticos para implementá-las.

A educadora Tereza Perez, da Comunidade Educativa CEDAC, organização não governamental de São Paulo que há 22 anos se dedica à formação de professores e divulgação de práticas educacionais inovadoras, é organizadora de um livro que surgiu dessa necessidade de auxílio para a reconstrução dos currículos de cada escola com base no currículo nacional. A Base Nacional Comum Curricular na prática da gestão escolar e pedagógica (Cedac/Moderna/Fundação Santillana), sugere, em cada uma das competências, diversas possibilidades de ação no âmbito da gestão escolar, no sentido de tornar mais efetivas as propostas de educação integral contidas no documento oficial.

 

Contexto Sociocultural 

Dentre as ações que uma boa gestão escolar precisa realizar, a pesquisadora enfatiza a necessidade de se observar atentamente o histórico da comunidade na qual a escola está inserida. “Incluir o histórico da comunidade no planejamento escolar não é só dizer: ‘essa comunidade era assim, passou por isso e aquilo, agora ela é dessa forma’. Esse histórico envolve a caracterização cultural, social e étnica dessa comunidade. ‘Qual é a condição de vida que essas crianças têm?’; ‘Qual é a qualidade de vida que elas têm?’; ‘Costumam ter acesso a que tipo de equipamento cultural?’. Se esse contexto sociocultural e econômico é essencial, não basta ter esse conhecimento, é preciso engajar o projeto pedagógico da escola a partir dele”, explica Tereza. “Se na escola metade dos pais e mães são analfabetos, é preciso trabalhar de uma determinada maneira, pois será preciso ter menos expectativas em relação ao acompanhamento que essas famílias possam fazer da aprendizagem de seus filhos, se não sabem ler ou não têm acesso à internet. Por outro lado, pais menos alfabetizados podem se sentir encorajados a se envolver no que os seus filhos estão aprendendo na escola. Em todos os lugares, encontramos potenciais: de pessoas, de histórias de vida, de competências diversas, que podem ser desenvolvidas dentro das ações da escola”, avalia a educadora. 

As famílias hoje se encontram muito solitárias no processo de educação de seus filhos. “A escola pode ter com esses pais um convívio tal que possa provê-los de posturas, de conhecimentos, de formas de relacionamento etc. Se eu tenho na escola não só o propósito de ensinar crianças e jovens, mas também de acolher essas famílias – e por acolhimento eu digo aceitação, conhecimento, compreensão do que vivem essas famílias – só há ganhos nesse sentido, como gestor”, analisa Tereza Perez. 

 

Pai e escola: uma relação baseada em confiança

“Sem os pais, eu não consigo fazer nada”, resume a diretora Sonia de Abreu Barga, gestora da EMEF Professora Hilda Weiss Drenche, de Itapetininga, no interior de São Paulo. Há 15 anos na direção da escola, e há 35 anos na rede municipal, ela atende 497 alunos no estabelecimento, localizado na periferia da cidade, quase na zona rural. Sem contar com vice-diretor nem com coordenador pedagógico, os dois cargos que compõem com a direção o núcleo-duro da gestão escolar, Sonia comanda uma equipe de 21 professores, cinco auxiliares de educação, quatro serventes, quatro merendeiras e uma secretária, atendendo a um público carente, em termos socioeconômicos.

Caso bastante raro na rede, Sonia está na direção da mesma escola há 15 anos, e viu muitas professoras se aposentarem, mantendo assim uma equipe estável. “Já temos clareza, e as análises indicam isso, que um diretor com mais estabilidade na escola, com mais de seis anos na instituição, com uma equipe também mais estável, funciona muito melhor, porque as relações e vínculos vão sendo criados”, observa Tereza Perez. 

Sobre a questão da instabilidade na rede pública, é “extremamente prejudicial à aprendizagem dos alunos. Há impactos na gestão escolar porque, por exemplo, se tenho um professor que tem maior competência na alfabetização, ele deve ficar nas séries iniciais, e quando há instabilidade não se consegue formar uma equipe de acordo com as competências individuais”, exemplifica a pesquisadora da CEDAC. — De acordo com a Lei 9.610/98 é proibida a reprodução total ou parcial desta website, em qualquer meio de comunicação, sem prévia autorização.

Beneficiada pela longa gestão de uma única gestora à frente da escola, a unidade que Sonia dirige se tornou um polo de ações culturais e artísticas na Vila Belo Horizonte, com reflexos na cidade de Itapetininga. A fanfarra escolar, que existe há 11 anos, já formou mais de 300 instrumentistas de percussão, e as classes de flauta contam atualmente com cerca de 100 alunos matriculados. A diretora se orgulha e conta que se esmera desde o primeiro dia de aula em conquistar a parceria das famílias. “Preciso vender o peixe da escola para as cerca de 100 famílias que chegam a cada ano. É preciso saber seduzir esses pais, porque estou à mercê da comunidade, atendo a ela. Se os pais sentem confiança na equipe da escola, então se forma uma parceria muito produtiva”, frisa. Sonia explica como funciona esse encantamento. “Chamo todos os pais à escola, dou as boas-vindas e agradeço a confiança deles em colocarem os filhos conosco. Depois, apresento quem são os funcionários, as merendeiras, as serventes, todo mundo… fazemos questão que todos sejam tratados aqui pelos seus nomes. Nesse dia, também acertamos com os pais os combinados de entrada e saída das crianças, e depois os pais entram nas salas de aula com seus filhos para uma apresentação do professor da turma. A escola enche de gente nesse dia, é muito legal”.

O dia da Feira de Ciências é outro momento em que a escola se torna o lugar mais agitado do bairro, e talvez da cidade. Trata-se de um projeto didático desenvolvido pela escola há dez anos, e que tem sua culminância no fim do ano, quando as famílias descobrem, espantadas e incrédulas, o que seus filhos aprenderam/inventaram: são experiências de física e robótica, ou representações de questões ambientais, expostas pelos próprios alunos, que se postam diante de seus estantes e apresentam seus experimentos. Tornou-se um evento aguardado o ano inteiro e que, atualmente, conta com apoio científico do Instituto Federal de São Paulo, instituição de ensino superior que direciona alguns alunos para orientar os trabalhos e pesquisas dos estudantes da escola. Para gerir o projeto didático, Sonia escolhe anualmente um professor que assume a coordenação da feira, e um professor-gerente para cada série. Essa equipe faz reuniões periódicas para conferir se o que foi planejado está sendo cumprido.

 

O círculo virtuoso do planejamento

A atenção ao planejamento faz parte do cotidiano da gestora Virene em sua escola em Canaã dos Carajás. Tudo começa com uma avaliação diagnóstica das turmas no início do ano, tabulada sala por sala, período por período, até se chegar ao diagnóstico geral. “O quadro geral nos permite ver como as crianças da escola estão em termos de aprendizagem; o recorte por turnos permite um olhar mais minucioso; quando se chega à sala, aí se individualiza. Nosso planejamento anual sempre é feito a partir do diagnóstico inicial”.

O passo seguinte é montar um Plano de Metas e Ações, contemplando os campos de experiências nas quais se inserem as aprendizagens da Educação Infantil. “Ao longo de todo ano estamos indo e vindo do planejamento ao plano de ação; depois do plano de ação para o planejamento, sucessivamente. Ao fim de cada bimestre, avaliamos o que deu certo e o que precisa melhorar”, explica Virene sobre esse movimento circular que qualifica constantemente o que foi planejado, acrescentando que a cada quinzena há um tempo de formação com os professores.

 

“Óculos humanizadores” 

“Estamos vivendo um momento em que se torna especialmente necessário usarmos ‘óculos humanizadores’, com uma lente mais humana para olharmos a pessoa ao lado”.

Delegar funções, como o caso de definir as responsabilidades de cada um no andamento de um projeto didático, propiciar um ambiente de trocas e aprendizagens entre o corpo docente e articular parcerias produtivas com diversos atores sociais ao alcance da escola estão entre as funções mais importantes de um gestor escolar. No caso da escola de Itapetininga, além do apoio dos universitários, Sonia usa e abusa dos psicólogos e assistentes sociais que a Prefeitura disponibiliza. Isso porque sua escola tornou-se uma das mais acolhedoras da cidade, e é para lá que o Conselho Tutelar gosta de mandar crianças que necessitam de alguma atenção especial. É para lá que são encaminhados alguns casos de crianças que sofreram abusos, que não se adaptaram em outras escolas da rede ou que saíram por conta de bullying. Em relação a esse problema, os alunos chegam ao lugar certo. “O bullying é uma brincadeira que machuca, esse é o nosso slogan aqui. Fazemos campanhas, de janeiro a janeiro, com a participação dos alunos do 5º ano, que criam cartazes para se comunicar com os menores. Quando há uma situação concreta, nós chamamos as crianças para conversar, em alguns casos a família também. Se um pai vem reclamar comigo, procuro resolver de imediato”, assegura a diretora.

Para Tereza Perez, se a escola estiver bem atenta ao que está acontecendo com suas crianças, em termos de relacionamentos, a tendência do bullying é diminuir muito. “O maior problema é a idealização do aluno: deseja-se um aluno que seja atento, que faça tudo o que se pede, que seja crítico, colaborativo, todos os lindos adjetivos que temos para uma pessoa ideal. Mas só dois ou três na classe se encaixarão nesse modelo. O restante passa, então, a ser criticado, e culpabilizado, junto com suas famílias, por não ser daquele jeito idealizado. E, normalmente, os mais bagunceiros, que são os líderes da classe, costumam ser brilhantes. Eles têm inovações, conseguem conduzir um grupo, e têm competências de liderança que não estão sendo valorizadas. É preciso sempre olhar para o potencial mais positivo de cada aluno. A padronização e a expectativa única nos desqualificam enquanto educadores”, observa Tereza Perez.

No caso do gestor escolar, não é diferente. Existe uma projeção, uma espécie de espelho para os próprios educadores. “Nós também idealizamos o professor ideal, o gestor ideal. É preciso lidar com as pessoas reais, com aquele diretor que pode ter várias falhas, mas que tem aspectos legais, com um coordenador que tem suas falhas, mas também tem competências. Nós estamos vivendo um momento em que se torna especialmente necessário usarmos ‘óculos humanizadores’, com uma lente mais humana para olharmos a pessoa que está ao lado. Como diz um amigo, ‘errar é humano, e pôr a culpa nos outros nem se fala!’”, finaliza a educadora.

 

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Especial Trilhas da BNCC |Deixa que digam, que pensem, que falem

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Estudar História para combater intolerância contra os povos nativos do Brasil.

Texto: Anna Rita Barreto

A aventura humana na Terra originou uma incrível diversidade de formas de ser e de se estar no mundo. Essas diferentes experiências foram expressas em sons e palavras, cujos significados traduzem saberes ancestrais. Justamente reconhecendo a riqueza da história da humanidade, a Unesco declarou 2019 como o Ano Internacional das Línguas Indígenas, tendo como intenção a preservação, a revitalização e a promoção das mais de 6 mil línguas indígenas espalhadas pelo globo.  

No Brasil, o Censo do ibge de 2010 identificou 274 línguas nativas, cada uma carregando consigo memórias, histórias e tradições específicas das mais de 300 etnias espalhadas pelo país. No entanto, os demais brasileiros pouco conhecem esse nosso poderoso patrimônio linguístico e cultural. Para muitos, todo ele se resume à figura folclórica e caricata do “índio”, construída ao longo dos séculos, inclusive com a colaboração dos livros escolares do passado. Para corrigir essa lacuna, o governo promulgou, em 2008, a lei 11.646, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura indígena nas escolas. Desde então, as coleções didáticas passaram reservar mais espaço aos povos originários e reconhecer o protagonismo indígena na formação do Brasil. 

A exigência de dedicar mais atenção ao entendimento dos povos nativos foi recentemente reforçada pela bncc (Base Nacional Comum Curricular), na qual as habilidades e conteúdos informativos buscam, entre outros objetivos, educar os jovens para as relações étnico-raciais, promovendo uma cultura de convivência respeitosa, solidária e humana entre públicos de diferentes identidades. Essa política está em consonância com demandas nacionais e compromissos internacionais de combate a toda forma de intolerância, pois, apesar da ampla difusão do mito da democracia racial no Brasil, nossos índices de violência contra minorias são alarmantes. Segundo o último Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, produzido pelo cimi (Conselho Indigenista Missionário), em 2017 foram registrados 128 suicídios, 110 homicídios e a morte de 702 crianças de até 5 anos de idade. O relatório aponta também para a persistência dos problemas relativos à demarcação e à proteção das terras indígenas, continuamente ameaçadas pela expansão das áreas de pasto e cultivo, e pela exploração de recursos naturais como minério, madeira e água.  

A proteção dos povos nativos brasileiros, de sua língua e cultura, depende do entendimento de seu modo de vida tradicional, ao qual está atrelada sua sobrevivência coletiva. Esse entendimento só será alcançado se as novas gerações se libertarem dos estereótipos cristalizados, sobre os quais se assentam os preconceitos que justificam e legitimam o ataque aos direitos constitucionais dos povos originários. Por essa razão, é de fundamental importância que os professores e professoras reestruturem seus cursos para ampliarem o tempo dedicado à história e cultura indígenas. Caso contrário, em breve, o Brasil vai ter-se apequenado e perdido parte importante se sua identidade e de sua inestimável riqueza linguística e cultural.

Anna Rita Barreto

é historiadora e mestre em História Social pela USP. Atua como professora de História e Atualidades na rede privada de ensino há 32 anos, e desde 2007 trabalha na elaboração de materiais didáticos para Ensino Fundamental 2 e Médio.

Elos entre línguas indígenas e territorialidades

Uma expedição pela questão da identidade dos povos em sala de aula.

Texto: Sergio Adas e Melhem Adas

Reconhecendo a função essencial das territorialidades para povos indígenas originários e comunidades tradicionais do Brasil, no que tange ao componente curricular Geografia, a Base Nacional Comum Curricular (bncc) dispõe sobre a temática, por meio da habilidade ef07ge03 do 7o ano do Ensino Fundamental. 

Abre-se, aqui, um amplo leque de possibilidades de reflexão, de trabalho e de aprendizagens em sala de aula relacionadas à temática. Uma delas, em sintonia com atualidades, permite-nos enquanto professores considerar com os alunos o fato de que, em 2019, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) comemora o Ano Internacional das Línguas Indígenas. De acordo com a instituição, há mais de 6 mil línguas indígenas ao redor do globo, sendo que somente cerca de 3% da população mundial fala 96% delas; ainda, estima-se que a ameaça a este elemento identitário seja tão grave que uma língua indígena desaparece, em média, a cada duas semanas. 

No Brasil, país com cerca de 300 povos indígenas originários, o Censo do ibge de 2010 registrou 274 línguas entre eles, divididas em dois grandes troncos linguísticos: Tupi e Macro-Jê. Segundo o Instituto Socioambiental (isa), existem, ainda, 19 famílias linguísticas que não se encontram agrupadas, uma vez que despidas de semelhanças para tanto.   

Mas, afinal, qual a relação entre línguas indígenas e territorialidades, e como este tema poderia nos ajudar a trabalhar o foco da habilidade supracitada da bncc? De fato, as línguas indígenas, cada qual com suas características e especificidades, constituem elemento fundamental da identidade dos povos originários tanto do Brasil como de outros países. Trata-se de aspecto da cultura estreitamente relacionado à forma como tais povos compreendem o mundo. Em outras palavras, são sistemas que abarcam saberes e conhecimentos tradicionais que vão muito além da comunicação entre indivíduos, envolvendo, por exemplo, a integração entre os membros das comunidades, a educação de crianças e jovens e a preservação da memória e da história destes povos, especialmente pelo fato de serem culturas pautadas pela tradição oral.

A tudo isso, encontra-se relacionada a noção de territorialidade. De modo geral, a cultura dos povos originários abarca forte relação com o lugar onde suas comunidades se localizam e as relações que o envolvem, inclusive, em relação à forma como dele se apropriam. Aspectos como o cultivo de vegetais e rituais que englobam o uso de elementos do meio físico natural do território que ocupam — por exemplo, um rio ou uma serra —, evidenciam a força da territorialidade para tais povos. A “terra”, como muitos deles se referem ao espaço que ocupam, é parte de seu cotidiano e os representa no que tange à coletividade e à formação de sua identidade como povo; e, portanto, também como indivíduos. As línguas indígenas, neste contexto, expressam essas características culturais identitárias.

Nessa perspectiva, podemos considerar que a onu, por meio de um de seus principais órgãos, ao ter evidenciado a importância das línguas indígenas com o objetivo de sensibilizar a população mundial para o tema, permite-nos, em sala de aula, trabalhá-lo como apoio ao desenvolvimento de uma das habilidades da bncc, promovendo ao mesmo tempo junto aos educandos a valorização e a conscientização sobre a importância de preservação da identidade linguística dos povos indígenas e de suas territorialidades, elos inseparáveis em sua luta por direitos. 

Melhem Adas 

é bacharel e licenciado em Geografia pela PUC-SP. Professor da rede pública e em escolas privadas do estado de São Paulo. Autor de obras didáticas e paradidáticas de Geografia.

Sergio Adas 

é professor e pesquisador da FFCLRP-USP. É bacharel e licenciado em Filosofia, doutor em Geografia Humana e Pós-doutorado em Educação. Desenvolve pesquisas em Ciências Humanas. É autor de obras didáticas de Geografia. 

Texto: Anna Rita Barreto

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Especial Trilhas da BNCC | Pensamento investigativo em todas as áreas do conhecimento

Especial Trilhas da BNCC | Pensamento investigativo em todas as áreas do conhecimento

Despertar a curiosidade e desenvolver o olhar crítico e questionador sobre os diversos fenômenos da vida.

“Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: — Me ajuda a olhar!”

Eduardo Galeano,

O livro dos abraços, 1989. 

Em uma época de muitas mudanças e incertezas, em que temos de lidar com os resultados e os produtos da evolução tecnológica, torna-se essencial a educação para aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender a ser, como propõe o relatório Quatro pilares da educação para o século XXI da Unesco, de 1999 (Delors, 2000). Com base nesses quatros pilares, acredito ser possível “ajudar a olhar”. 

Nossos alunos têm acesso a uma quantidade enorme de informações, mas nem sempre sabem o que fazer com elas, pois não aprenderam a “olhar”! Essas informações precisam ser dotadas de significados, de modo que os alunos possam associá-las e gerar o conhecimento a ser utilizado no cotidiano e na compreensão do mundo. Mas o que é pensamento investigativo? Como é possível ensinar a pensar?

Por muitos anos, o ensino de Ciências trabalhou mais com a transmissão do que com a produção do conhecimento, e em muitas escolas essa prática ainda persiste. Pesquisas em diversas áreas da educação e da neurociência, contudo, têm demonstrado que o estudante aprende mais ao se envolver com uma situação-problema e buscar soluções e significados para ela. 

Para tanto, o aluno precisa pensar investigativamente, desenvolvendo competências e habilidades como observar, problematizar, formular questões e hipóteses, verificar, mensurar, constatar, concluir, errar e tentar novamente. 

A prática do pensamento investigativo pode e deve ser utilizada em todas as áreas do conhecimento, não apenas nas ciências da natureza. 

Segundo o filósofo norte-americano Matthew Lipman, na obra A Filosofia vai à escola, o ensino tradicional, em que os conhecimentos são transmitidos do professor para o estudante, constitui o “paradigma-padrão”, ao passo que o ensino que trabalha com o pensamento investigativo configura o “paradigma reflexivo”. Lipman propõe que as disciplinas sejam organizadas de maneira que se complementem, fazendo com que a educação não se limite a promover a memorização das informações transmitidas e objetive “a percepção das relações contidas nos temas investigados”. A adoção do paradigma reflexivo permite investigar e problematizar os conteúdos de cada disciplina, construindo uma reflexão conjunta.  

Ao trabalhar com a proposição da solução de um problema, promove-se um enfrentamento entre os estudantes por meio do diálogo. Nesse paradigma, o importante não é o resultado final, a conclusão, e sim as descobertas feitas ao longo do processo de investigação.  O diálogo promove a reflexão e o pensamento criativo.  

Embora apresente muitas variantes, na técnica mais usual, o professor propõe um problema, que os alunos identificam e trabalham em grupos, sempre partindo de seus conhecimentos prévios. Os itens do problema são levantados, debatidos e registrados. Com base nesse registro, os alunos se organizam para investigar os itens principais em grupo ou individualmente. Em todas as etapas, o professor orienta, ajuda a organizar, faz a intermediação das discussões e propõe fontes de consulta. Todo o resultado das investigações é debatido pelos integrantes do grupo, que, juntos, aprendem a relacionar fatos e informações. 

Nesse processo, o estudante deixa de memorizar e passa a pensar, a questionar, a testar. Com o trabalho em grupo, ele aprende a respeitar as diferenças de opinião, o ritmo de trabalho e as descobertas de cada um, aprende a conviver, a colaborar com o outro. Aprende onde procurar informações e como conectá-las para encontrar respostas. A autonomia intelectual dos estudantes é valorizada.  

O professor deixa o papel de mero transmissor de informações para exercer o papel de organizador, de mediador e sistematizador dos dados que os estudantes encontraram. Com a metodologia de resolução de problemas, o professor trabalha os “quatro pilares da educação para o século XXI”, em vários momentos e de formas variadas. 

Pautada nesses pilares, a educação passa a constituir o principal instrumento para “olhar” o mundo! 

Rita Helena Bröckelmann

é bióloga e editora executiva do Editorial de Biologia e Química da Editora Moderna. 

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É preciso conhecer o professor para além do conteúdo

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Observatório do Professor reúne mais de 3 mil horas de entrevistas para retratar as alegrias e dores de educadores dentro e fora das salas de aula. 

Imagem ilustrativa

Quais fatores podem ser decisivos para transformar a prática docente? A partir de mais de três mil horas de entrevistas, a pesquisa Observatório do Professor, feita pelo Instituto Península em parceria com a PS2P – Observatório de comportamento e cultura, identificou os elementos que interferem na prática do professor que vão além da didática e do domínio do conteúdo.

De acordo com o levantamento, que buscou identificar quem é o professor fora dos muros da escola e quais são as suas angústias e paixões, os professores que conseguiram criar uma ponte de relacionamento com os seus alunos geralmente levam elementos da sua história de vida para as práticas pedagógicas. “Nos melhores exemplos que descobrimos, o professor teve que buscar referências na sua vida pessoal para encontrar caminhos para solucionar problemas que antecedem muito a questão do conteúdo e interferem no processo de aprendizagem”, explica Heloisa Morel, diretora do Instituto Península.

Para entender os professores além dos números e dados, pesquisadores foram a campo para fazer 30 entrevistas em profundidade e fizeram dez vivências presenciais com 60 horas de filmagem, além de reunir informações de 20 diários on-line, com 3 mil horas de acompanhamento remoto do dia a dia de professoras e professores de diferentes regiões do Brasil. A pesquisa também envolveu a observação de seis grupos on-line de profissionais de educação que contam com mais de 1 milhão de membros. 

Com base nessa exploração, a pesquisa identificou seis elementos que interferem na prática do docente:

  • 1 – Identidade: a força das histórias de vida e as experiências pessoais dos professores são determinantes para sua prática. 
  • 2 – Reciprocidade: as experiências educacionais positivas ou negativas podem mudar a relação deles com a educação e a figura de professores-referência podem exercer influência sobre seu desejo de se tornar educador. 
  • 3 – Afeto: o aspecto relacional tem um impacto importante na relação professor-aluno.
  • 4 – Ambiente: é considerado um elemento chave na experiência educacional 
  • 5 – Coletividade: a maior parte dos professores não se sente parte de um projeto maior de escola.
  • 6 – Reputação: os professores e especialistas entrevistados ressaltam que a escola pública é envolta por um conjunto de simbolismos e preconceitos.

“Talvez a profissão do professor seja uma das mais complexas que o país tem. Ele tem que olhar muitas dimensões, não apenas o técnico”, ressalta a diretora do Instituto Península. Ao ampliar o horizonte para considerar elementos que vão além da didática na aprendizagem, ela menciona que essas soluções reforçam a necessidade de políticas públicas olharem para o desenvolvimento integral dos professores. “Nós não vamos conseguir formar alunos para os desafios do século 21 se os professores ainda não se sentem preparados para isso. De uma forma sistêmica, o desenvolvimento integral do professor não é discutido.”

Apesar da rede brasileira de educação básica contar com mais de dois milhões de educadores, entre outros destaques, a pesquisa também identificou um sentimento comum entre boa parte deles: a solidão. Para muitos professores, há pouco espaço de diálogo e troca de experiência com os colegas. “Seu olhar sobre a educação navega entre o prazer de ensinar e a frustração de não conseguir fazer os alunos aprenderem. Muitos sentem o peso de serem vistos como os únicos responsáveis por transformar a realidade das comunidades em que atuam, sentindo-se expostos e até vulneráveis com o desafio”, destaca o Observatório. 

Além de apresentar os principais destaques da pesquisa, o Observatório do Professor reúne textos e vídeos que contam histórias de educadores de diferentes regiões do país que atuam em diferentes contextos. “Com o desenvolvimento integral do docente, o domínio dos conteúdos e uma comunidade escolar fortalecida, é possível lidar com desafios dos alunos, conectar-se a eles e garantir ambientes de aprendizagem, construindo a ponte que liga ao conhecimento e influenciando positivamente todo o sistema educacional”, conclui o Observatório a partir de descobertas e reflexões da pesquisa.

 

Texto: Portal Porvir

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Minha escola, minhas escolhas

Minha escola, minhas escolhas

Na voz dos alunos, conheça os desafios da escola para reduzir o hiato entre o que se ensina e o que eles consideram fundamental para a vida adulta.

O que se aprende na escola, de fato, prepara os alunos para o que vem depois dela? Embora a questão seja velha conhecida da comunidade escolar, ela recobra fôlego na reta final rumo ao Novo Ensino Médio. Em teoria, a partir de sua implementação, o hiato entre as expectativas dos jovens e o que lhes é oferecido tende a diminuir. “Os currículos do Ensino Médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira que adote um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais”, assegura a MP 746/2016, que inseriu o artigo 36 no parágrafo 5o da LDB (Lei de Diretrizes e Bases). Na prática, fica a dúvida: o que os estudantes consideram essencial para o seu desenvolvimento e construção do projeto de vida? A Educatrix fez a pergunta para duas alunas do Ensino Médio.

De Jacundá (Pará), a 60 km de Marabá, Eilany da Silva, 15 anos, revela que sonha em cruzar as estradas da região — empoeiradas e danificadas pelo vaivém dos caminhões de minério — para morar no exterior. Antes, quer fazer faculdade no Brasil. A carreira ainda não está definida. De acordo com a aluna da 2a série do Ensino Médio na E.E.E.M. Maria da Glória Rodrigues Paixão, da rede pública paraense, o ideal seria ter psicólogos dentro da escola para apoiar os estudantes tanto na resolução de conflitos quanto na hora de fazer boas escolhas.

A mais de 4.200 quilômetros de distância, Luiza Murta Barbosa, 17 anos, faz o último ano do Ensino Médio no Colégio Stockler, na rede privada da capital paulista. É a filha caçula de uma família de engenheiros civis. Até o ano passado, ela achava que as Exatas também eram o seu destino. Tudo mudou quando, em 2019, se deparou com um professor que a incentivou a abrir o leque de possibilidades. O ponto de partida foi o desenvolvimento de novas competências e habilidades em Comunicação. 

Ainda que as duas jovens não se conheçam e vivam realidades bem diferentes, suas histórias ganham contornos semelhantes quando se trata da construção dos projetos de vida. Dúvidas, pressões por todos os lados e expectativas de sucesso são compartilhadas por ambas. No processo de descoberta de si e busca de oportunidades que transcendam os muros da escola, as duas atribuem aos professores um papel decisivo. Cabe a eles, por exemplo, fomentar o intercâmbio de saberes, a formação de repertório e até mesmo os sonhos e a realização deles. 

Ainda que as duas jovens não se conheçam e vivam realidades bem diferentes, suas histórias ganham contornos semelhantes quando se trata da construção dos projetos de vida. Dúvidas, pressões por todos os lados e expectativas de sucesso são compartilhadas por ambas. No processo de descoberta de si e busca de oportunidades que transcendam os muros da escola, as duas atribuem aos professores um papel decisivo. Cabe a eles, por exemplo, fomentar o intercâmbio de saberes, a formação de repertório e até mesmo os sonhos e a realização deles.

A seguir, confira os relatos de Eilany e Luiza, cujas vozes direcionam nossas atenções para os protagonistas desta história: os estudantes. 

 

A escola sob perspectiva do aluno 

A terceira edição da pesquisa Nossa Escola em (Re)Construção, promovida pelo Porvir e Rede Conhecimento Social, ouviu 258.680 estudantes de 11 a 21 anos por meio de uma plataforma de escuta on-line e gratuita. De acordo com os participantes, a escola ideal deve visar à preparação para a vida adulta. Se o foco fosse prepará-los para o mercado de trabalho, 36% dizem que seriam mais felizes. Outros 30% afirmam que aprenderiam mais. Já se o alvo fosse o Enem, 39% garantem que aprenderiam mais, e 32%, que seriam mais felizes. 

Os estudantes esperam encontrar na instituição de ensino um espaço propício para descobrir suas vocações e sonhos, bem como receber orientações para fazer boas escolhas. Não é à toa que 4 em cada 10 jovens afirmam que gostariam de contar com o apoio de um orientador vocacional na escola, seja para ajudá-los a definir a profissão que irão seguir ou a graduação que cursarão. Para 27%, as orientações poderiam ocorrer durante as aulas regulares. Outros 19% preferem aulas especialmente dedicadas ao tema na grade semanal, e 12%, atendimentos individuais de mentoria.  

Em relação aos professores, a maioria dos estudantes demonstra admiração e confiança. Por outro lado, 6 em cada 10 dizem que os colegas não respeitam ou não valorizam os docentes. O relacionamento que se estabelece é considerado regular ou ruim por 50% dos jovens.

Outra demanda que apresentam é por profissionais aptos a apoiá-los em seu desenvolvimento socioemocional e pessoal. Além da figura do professor, 60% dos alunos gostariam de ter psicólogos na escola. Isso não quer dizer que os jovens não zelem por sua independência e protagonismo na vida estudantil. Poder escolher parte das disciplinas que irão cursar é uma medida bem-vinda para 4 a cada 10 alunos. Ter a liberdade de escolher a totalidade delas, no entanto, só faria 20% dos estudantes mais felizes.

 

Luiza Murta Barbosa, 17 

“À primeira vista, pode parecer estranho estudar em um colégio pequeno como o Stockler, com poucos espaços para circular. Mas, na prática, é confortável. Lembra uma cidade do interior, onde todos se cumprimentam, se conhecem e se ajudam.”  

“As turmas têm de 25 a 30 alunos, o que contribui para criar um clima mais intimista nas aulas. Muitos professores fazem projetos interdisciplinares e adotam recursos como vídeos e experiências em laboratório para deixar a teoria menos maçante.”

“Até o ano passado, não tinha a mínima ideia da faculdade que queria fazer ou da profissão que iria trilhar. Se já é difícil escolher uma roupa, quem dirá tomar decisões que mudarão o meu futuro. “

“Mas se tinha uma coisa que eu sabia (ou achava que sabia) é que pertencia às Exatas. Minhas notas eram altas e, na família, tenho vários engenheiros. Por outro lado, sempre fui aberta às oportunidades. Não por acaso, participo da maioria das atividades extracurriculares que a escola oferece.”

“O divisor de águas que me fez descobrir a paixão pela Comunicação (especificamente pela Publicidade e Propaganda) foi uma oficina de teatro em que o professor Celso Solha propôs a montagem da peça O Capeta de Caruaru.”

“Na obra, eu interpretava os gêmeos Chico e Antônio Cipriano: dois personagens masculinos, nordestinos, com características totalmente diferentes entre si e contextos ainda mais diversos. Uma missão nada fácil e que me fez entender quão essencial é ter liberdade de expressão, habilidades de comunicação e ser competente para transmitir a mensagem ao público.”

“Dessa forma, entendi que a vida é um palco e que os sonhos podem ser alcançados mediante esforço, tempo e dedicação.”

“Confesso que fiquei assustada e com medo de apostar em algo que nunca tinha sido o meu forte. Mas contei com o apoio dos projetos de autoconhecimento proporcionados pela escola e o incentivo para transformar uma mera paixão em diferenciais competitivos.”

“Entre eles, destacam-se meu repertório e entendimento de questões sociais, políticas, econômicas e de cidadania – frutos das aulas de Atualidade e das ações intencionais do colégio para dar voz aos estudantes. Hoje entendo essas iniciativas como parte de uma estratégia para formar cidadãos mais conscientes, ativos e preparados para questionar e buscar melhorias no mundo.”

“Essa, porém, não é a realidade pelo Brasil afora. A maioria das escolas já cristalizou seu papel de preparar os jovens para uma prova final de cinco horas de duração e sem nenhuma condição de avaliar a capacidade de alguém. Isso ocorre porque, em geral, o ensino se baseia em conteúdos extremamente específicos e sem conexão com a faculdade que eles querem fazer.”

“Não restam dúvidas de que a maioria dos conteúdos é essencial para construir um conhecimento acadêmico de base. Mas, com o avançar das séries, a escola deveria incentivar o aluno a ir além das disciplinas básicas e perseguir a especialização na sua jornada de aprendizado. Isso nos aproximaria do campo do conhecimento em questão e ainda nos prepararia melhor para o mundo do trabalho.”

“Pensando em um futuro próximo, o mais adequado seriam escolas cujos objetivos transcendessem a futura vida universitária e focassem no presente, com mais preparo para enfrentar o mundo e a vida em sociedade. Os projetos socioemocionais deveriam ganhar mais espaço no currículo.”

“Outro aspecto imprescindível é o olhar atento para a figura do professor. Por mais fácil que seja ter acesso aos conteúdos on-line, o verdadeiro aprendizado se dá na interação com ele.” 

Aluna da 3ª série do Ensino Médio do Colégio Stockler, em São Paulo (SP).

 

Eilany almeida da silva, 15

“Ainda não me sinto preparada para enfrentar o mundo lá fora, ser independente e ter mais responsabilidades. Mas meu sonho é morar em Toronto, no Canadá. Por isso, desde já, faço aulas de inglês na empresa onde trabalho.”

“Antes de partir, quero fazer faculdade no Brasil. Só não estou certa de qual área escolher. Pensei em Medicina, mas tenho medo de sangue. Pensei em Direito, mas já tem muita gente na área. Cheguei a pensar em História porque gosto de estudar religiões. Mas o que me encanta mesmo é a Veterinária, apesar do medo que sinto de alguns animais.”

“Ingressei na E.E.E.M. Maria da Glória Rodrigues Paixão no ano passado, quando fiz a transição para o Ensino Médio. O espaço é grande, com uma quadra esportiva, 12 salas de aula e turmas que variam de 35 a 40 alunos.”

“A grade curricular contempla sete horas/aula por dia. É bastante, mas sinto falta de mais debates e diálogos nas aulas. Os professores preferem não fazer porque esse tipo de dinâmica sempre acaba em confusão – não há respeito à opinião do outro.”

“Na prática, o Ensino Médio é bem diferente do que eu imaginava. Tem muita pressão psicológica, e vejo que isso afeta muito os alunos. Bom mesmo seria não ter provas e, no lugar delas, ter atividades e projetos avaliativos para compor a nota final.”

“Seria importante também contar com psicólogos aos quais pudéssemos recorrer quando necessário. A maioria dos alunos tem problemas psicológicos, e muitos são causados no próprio contexto escolar.”

“Mesmo não sendo perfeita, a escola exerce grande influência sobre mim. Graças a alguns professores e projetos, me tornei uma pessoa melhor e mais compreensiva. Estou aprendendo a respeitar as opiniões dos demais e a perder o medo e o nervosismo de falar em público.”

“Entre os professores que me inspiram, está a Elsamar Emerique, de Arte. Recentemente, ela ganhou um prêmio nacional de arte-educação pelo projeto “Cores do Açaí”, com o qual nos desafiou a pintar telas, usando o açaí como matéria-prima para a confecção de tintas. A experimentação, a investigação e o trabalho em equipe foram algumas das competências que desenvolvi com essa iniciativa.”

“Para o futuro, gostaria que a escola tivesse mais projetos desse tipo, com aulas práticas e espaço para os alunos se expressarem, sem medo de ser julgados. Cada professor poderia elaborar o projeto de acordo com a sua matéria e intercambiar conhecimento com as demais, com a possibilidade inclusive de levar os alunos para apresentar os resultados em outros colégios.”

“Adoraria também que algumas aulas pudessem ocorrer ao ar livre e que as de Matemática e Física incluíssem jogos didáticos que nos ajudassem a aprender e gostar do conteúdo. Muita gente ainda acha essas matérias chatas, um bicho de sete cabeças.”

“Mas, acima de tudo, desejaria que os professores interagissem mais com os estudantes, se colocando à disposição para nos ajudar com qualquer dúvida e sem tanta pressão psicológica.” 

Aluna da 2ª série do Ensino Médio na E.E.E.M. Maria da Glória Rodrigues Paixão, Jacundá (PA).

Texto: Lara Silbiger

 

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A sala de aula como contação de histórias

A sala de aula como contação de histórias

“Mar de Histórias” é a expressão usada em sânscrito (Kathâsaritsâgara) para se referir ao universo das narrativas. Ao transitar por rotas imaginárias, lembre-se da metáfora do mar: é preciso ter um caminho e manter um leme firme, mas é essencial saber que as águas podem ser muito tranquilas, mas também se transformar em verdadeiros maremotos. Esta é a aventura literária da qual fazem parte o mestre e seus alunos: é preciso coragem para trafegar por mundos imaginários, porém, as viagens serão sempre cheias de descobertas. 

Ilustração: Ricardo Davino

A capacidade de imaginar, de pensar simbolicamente e comunicar nossos pensamentos é uma característica exclusiva da nossa espécie. Os seres humanos contam histórias desde sempre; é uma forma ancestral de partilhar conhecimentos às novas gerações. Por isso, a força que uma boa história exerce sobre nós é inegável. 

Volta e meia temos lembranças saudosas das histórias que ouvimos na infância, seja em casa ou na escola, assim como guardamos carinhosamente na memória como foi a primeira leitura literária, ou nos vemos diante de uma enorme dificuldade para interromper um bom livro, cuja narrativa nos prende de uma forma muito envolvente. 

O contar histórias, ou storytelling em inglês, historicamente, sustentou-se de maneira fundamental como uma arte lúdica e um poderoso instrumento de formação da identidade cultural e socioafetiva dos sujeitos. Além de oferecer entretenimento, a contação de histórias nos permite conhecer, imaginar e refletir sobre a vida e as relações e, dessa forma, construir uma visão de mundo.

Um povo que escuta, conta e reconta as mesmas histórias possui valores e visões semelhantes, já que tais elementos são frutos da acumulação de fatos que determinada nação tem como verdade. Daí a importância que uma boa história possui para criar em nós uma sensação de pertencimento ao grupo e de identificação com o coletivo. Essa junção de histórias, valores e visões de mundo geram o “nós”, que não existe sem o “eu” e o “outro”. 

A contação de histórias é fonte de comunicação, apropriação e disseminação de conhecimentos, bem como um veículo de registro dos seres humanos no mundo. É na criação e na contação de histórias, derivadas de registros orais e escritos, que nós, humanidade, encontramos um dos mais eficientes modos de difundir nossos pensamentos e de imprimir nossas marcas. 

 

O termo storytelling 

Se a contação de histórias é originalmente uma antiga arte humana de troca de experiências, realizada por diferentes povos, em diferentes tempos e espaços, por que o termo em inglês storytelling soa relativamente novo?

Embora para muitas pessoas o conceito de storytelling pareça novo, o hábito milenar ganhou espaço como ferramenta estratégica no mundo dos negócios, sobretudo na década de 1990. Nesse período, a publicidade e a comunicação precisavam inovar para causar impacto: numa era altamente tecnológica, tornou-se essencial incorporar às estratégias de marketing elementos que gerassem empatia e maior conexão com as pessoas, além de dar mais destaque às marcas. É assim que o storytelling passa a preencher vazios de ferramentas desgastadas para reter a atenção do público e dá novos contornos à comunicação. 

Na década de 1990, o storytelling passa a ser amplamente estudado nos Estados Unidos como estratégia de comunicação. À época, os fundadores do Center for Digital Storytelling desenvolveram um processo único de treinamento e artes digitais, com forte colaboração da multimídia teatral, conhecido como o Digital Storytelling Workshop. (LAMBERT, 2020) 

Desde então, houve também a fundação do Storycenter, que estuda e dissemina as metodologias que ajudam na construção de uma boa história. Assim, o termo Digital Storytelling ganha mais espaço com a prática sendo apresentada a empresas e instituições, em âmbito mundial. 

O hábito de contar histórias por meio de pinturas, ao redor da fogueira ou numa roda de histórias na escola permanece, mas a intenção da sua criação, a capacidade de informá-las e distribuí-las mudou significativamente com a sua publicização nas mídias sociais como produto. 

O que nos interessa aqui é que o storytelling é uma estratégia rica em elementos da narrativa cuja estrutura é muito viva para a nossa sociedade e, portanto, diante do atual cenário educacional, sua apropriação na esfera pedagógica torna-se indispensável. 

 

De Aristóteles a Campbell: para além do “era uma vez” 

Contar uma história não é algo banal, assim como não é qualquer pessoa que cria uma história ou faz uma contação de forma eficaz. As narrativas pautadas no storytelling seguem uma estrutura específica de apresentação dos fatos. É possível criar histórias a partir de diferentes temas, reais ou fictícios, desde que arranjados na ordem correta e que, com eles, se saiba fazer uma boa costura. 

O storytelling como o conhecemos está pautado nas seis partes constitutivas da tragédia aristotélica: enredo (mythos), caracteres (ethe), elocução (lexis), pensamento (dianoia), espetáculo (opsis) e música (melopoiia), encontrados no livro Poética (aristóteles, [1965] 2008, p. 13), em que se apresentam as primeiras teorizações sobre narrativas. Veja a seguir:

Além dos elementos citados, a ambientação ou o ambiente físico em que as personagens atuarão merece destaque. A narrativa eficaz não ignora o cenário, já que, muitas vezes, ele fortalece as interações entre os personagens, nos conta sobre motivações e comportamentos, bem como caracteriza oportunidades ou obstáculos presentes na trama.

Assim como na estrutura narrativa aristotélica, os elementos de uma história são facilmente reconhecidos tanto na tradição oral, quanto no romance moderno ou no cinema. Como são intrínsecos a nossa cultura, é algo que cativa. Por isso, é praticamente impossível nos depararmos com estudos de storytelling que não tenham base em Aristóteles. 

No mundo contemporâneo, os roteiros de storytelling estão pautados no conceito da Jornada do Herói ou Monomito, de Joseph Campbell. O antropólogo, por meio de amplos estudos de mitos e lendas, encontrou um padrão repetido nas narrativas de diferentes povos. Esses estudos foram publicados no livro O herói de mil faces, amplamente popular por volta da década de 1980.

A seguir, temos uma síntese das doze etapas da jornada do herói de Campbell, que sustentam aquilo que o autor chamou de mito único ou monomito:

Segundo Campbell, o caminho comum da aventura mitológica é representado pela sequência: partida > iniciação > retorno. O herói começa sua aventura de mundo cotidiano em direção a uma região de maravilhas sobrenaturais, enfrenta forças fabulosas e consegue uma conquista decisiva. Ao final, ele retorna de sua emblemática aventura com uma força descomunal, com a capacidade de ofertar a seus irmãos diferentes mimos, sonhos, esperanças e materialidades. 

Em 1998, Christopher Vogler, então roteirista da Disney, redigiu um memorando intitulado Um guia prático para o herói de mil faces, como base para a construção de um método de estrutura narrativa. Nele, o autor descreve “[…] o conjunto de conceitos conhecido como “Jornada do Herói”, extraídos da psicologia profunda de Carl G. Jung e dos estudos míticos de Joseph Campbell”. 

O guia, conhecido como a Jornada do Escritor, tenta relacionar as ideias dos autores às narrativas modernas e expõe doze etapas em que facilmente observamos os elementos das estruturas vistas anteriormente: 

Apesar de ter escrito um guia, Vogler sempre fez questão de destacar que se trata de uma forma, não uma fórmula. Portanto, partimos do princípio de que as histórias têm forma, têm fórmula e intencionalidade; têm começo, meio e fim e, até mesmo essa clássica tríade, a depender do autor, pode variar.

 

Como reconhecer as etapas do storytelling numa obra

Até aqui, pudemos conhecer a constituição conceitual, histórica e metodológica do storytelling. Para facilitar a compreensão da estrutura narrativa, mostramos esquemas com uma facilitação visual que aborda o que vimos de forma prática. 

Um exercício muito proveitoso, que nos ajuda na apropriação dos conceitos, é analisar determinada obra e enquadrá-la numa lógica narrativa. A seguir, fizemos uma análise básica do filme Pantera Negra, dividindo-o nos três atos previstos por Vogler (2006). 

Que tal você escolher uma obra de sua preferência e fazer esse exercício? Você pode usar quaisquer dos esquemas apresentados ou ampliar suas pesquisas sobre as jornadas e visualizar a narrativa dentro das etapas. Depois disso, sua vida nunca mais será a mesma! 

 

O potencial educativo do storytelling: O professor como storyteller

Se você é professor, já é um contador de histórias! Ser professor envolve, mesmo que indiretamente, atuação e dramaticidade, assim como um planejamento pedagógico que tem um conteúdo a ser narrado, com começo, meio e fim. Portanto, o Storytelling está presente nas salas de aulas, mesmo fora dos momentos de contação de histórias.

Quando nós, professores, priorizamos aulas que engajam as pessoas, as convidamos a se envolverem de diferentes formas, seja na contação da fábula A cigarra e a formiga, seja numa aula sobre o impacto do CO2 na atmosfera ou a forma como se aplica a fórmula de Bhaskara na vida real. Numa “aula contada”, chamamos os envolvidos a contribuírem com perguntas e respostas, fazerem sugestões, acrescentarem ideias, tudo para que compreendam e se apropriem dos conceitos apresentados e construam novos conhecimentos. 

Desenvolvemos aulas com um conjunto de técnicas características da estrutura das narrativas. Para tanto, trazemos ilustrações, elaboramos um cenário — mesmo que apenas narrado —, alternamos o tom e intensidade da nossa fala, andamos pela sala, gesticulamos, fazemos caras e bocas, e interagimos com os alunos, esperando deles atenção e encantamento. Não raro, as aulas ministradas com esse foco viralizam, tornam-se inesquecíveis, tal como as mais conhecidas histórias! Envolver os estudantes por meio do storytelling acrescenta valor ao trabalho pedagógico, que se torna dialógico, criativo e humanizado. Com ele, é possível: 

► ampliar os espaços para rodas de conversas e interações;

► auxiliar o estudante a dar sentido e a buscar novas leituras;

► incentivar o aluno a fazer releituras e criar suas próprias histórias;

► estimular o exercício espontâneo da escrita;

► desenvolver a escuta ativa;

► despertar o desejo de interpretar textos e dramatizar ideias;

► incentivar a expressão e comunicação oral;

► desenvolver um trabalho de qualidade, com resultados positivos, independentemente do nível de escolaridade. 

Utilize o storytelling como uma prática educomunicativa para comunicar soluções, ideias e proposições. Ao colocar os estudantes diante de uma situação-problema, eles podem esboçar uma ideia, registrá-la, construir uma personagem para contar a história, mostrando, dentro de uma estrutura narrativa, a saga do herói na implementação da solução que encontraram. Para isso, precisam se perguntar: de que forma vamos comunicar a ideia? Com quais instrumentos? Quem é quem nessa produção? Que jornada é essa? 

Obviamente, dada a diversidade do universo narrativo, não há uma fórmula absoluta para o desenvolvimento da arte de contar histórias. No entanto, como vimos, há um padrão que pode ser seguido, cujas etapas devem ser adaptadas, tornando factível a possibilidade de criação de uma história única.

A contação de histórias, portanto, é uma estratégia pedagógica diferenciada e, uma vez em sintonia com a realidade da turma, suas necessidades e expectativas de aprendizagem, suas temáticas de interesse e, principalmente, suas potencialidades, otimiza o processo educativo de maneira lúdica e emancipatória. 

Já que ensino e aprendizagem caminham juntos, a contação de histórias exerce um papel fundamental no desenvolvimento intelectual e de humanização de educador e educando. Ao despertar o interesse pela leitura e escuta de textos, ao contar um conteúdo e ao provocar os estudantes a criarem suas narrativas, a imaginação é acionada, favorecendo o desenvolvimento da comunicação e de interação entre narrador e espectador. Como consequência, surge uma interação sociocultural que, por vezes, resulta no intenso e imediato interesse de ouvir e recontar histórias para o mundo a fim de preservá-lo e transformá-lo. 

 

PARA SABER MAIS 

  • ARISTÓTELES. Poética [1965]. Lisboa: Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. 
  • CAMPBELL, J. O herói de mil faces. Tradução de Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Pensamento/Cultrix, 1989. 
  • CAMPBELL, J. Os primeiros contadores de histórias. História e antropologia, 2005, v. 6 fev.-jul. 2015. Disponível em: mod.lk/0VtkK. Acesso em: 9 jul. 2020. 
  • LAMBERT, J.; HESSLER, B. Digital storytelling: story work for urgent times. 6. ed. Berkeley: Paperback, 2020.
  • PIETRO, H. Quer ouvir uma história? Lendas e mitos no mundo da criança. São Paulo: Angra, 1999.
  • VOGLER, C. A jornada do escritor: estruturas míticas para escritores [1998]. Tradução de Ana Maria Machado. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

Julci Rocha 

é fundadora e diretora da Redesenho Educacional. Mestre em Educação: Currículo pela PUC/SP, pós-graduada em gestão educacional, design educacional e educação inovadora. Licenciada em Letras pela USP. Integra o time de docentes da pós-graduação e extensão do Instituto Singularidades. Tem experiência em gestão de programas inovadores em redes públicas e privadas, com experiência em instituições importantes como Instituto Paulo Freire e Fundação Lemann. Atua na formação inicial e continuada há 10 anos, com destaque para as metodologias ativas e cultura digital.

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Um herói multifacetado

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É hora de vestir as nossas capas e enfrentar os novos tempos da educação.

Superhero Family, Parents and Kids in Super Hero Costumes Isolated on White Background. Mother, Father, Daughter and Son, Wonder Mom, Super Dad and Children Heroes. Cartoon Flat Vector Illustration

Você já parou para pensar o quanto sua vida é um conjunto de diversas histórias? Reflita por alguns segundos para imaginar um breve roteiro sobre a sua trajetória, reunindo passagens engraçadas, algumas perdas, conquistas e, sem dúvida, muitos aprendizados. Se eu lhe convidasse a ir mais além, você, sem dúvida, seria capaz de escrever uma trilogia apenas sobre a sua infância, conseguiria narrar vitórias e detalhar obstáculos que fizeram a sua jornada ser tão peculiar e exclusivamente sua. 

Nesse exercício de revisitação, pense agora em alguns ciclos vivenciados por você na educação: seja uma mudança de escola ou uma reforma educacional. Quantas vezes se viu desafiado por alguém ou por uma situação? A partir disso, quantas vezes tomou coragem para ampliar seus conhecimentos e desenvolver habilidades que o ajudassem a reverter tal situação? Quantos aliados e amigos encontrou pelo caminho? E, enfim, quantas vezes venceu o seu “inimigo” e se tornou herói de suas conquistas? 

Podemos fazer um paralelo dessas fases e etapas com a teoria do monomito ou jornada do herói, proposta pelo norte-americano Joseph Campbell em seu livro O herói com mil faces. De acordo com Campbell, histórias que marcaram gerações, como O senhor dos anéis, Star Wars, Harry Potter, Jogos Vorazes e até mesmo contos da mitologia grega têm em comum o percurso de transformação do homem comum em herói, com todas as provações que surgem no meio do caminho.

Assim como a proposta de Campbell, nossas jornadas diárias têm começo, meio e fim. Percorremos um caminho longo entre os objetivos traçados, a aceitação de novos desafios, todos os encalços para vencer cada etapa de aprendizagem para, enfim, chegar a conquistas. Em cada estágio desse ciclo, desenvolvemos competências necessárias para seguir em frente, aprendemos a reconhecer nossos aliados e a perceber outros chamados para novos desafios. 

A história do livro didático no Brasil foi assim também. Surgiu do desafio de reunir conteúdos sobre determinada área de estudo, para ser um companheiro do professor na missão de educar. No seu próprio caminho, encontrou fieis aliados que compuseram suas páginas, pensaram em seu formato e o levaram a alunos em todo o país. A cada nova turma, a cada novo ano, jovens e professores embarcavam por suas páginas e viviam grandes aventuras pelo universo do conhecimento.  

Como todo o herói, o livro sempre foi chamado a novas jornadas. Em seu caminho, ganhou cores e imagens, novos formatos, abordagens, infografias, passou por revisões e reformas ortográficas, políticas e pedagógicas, sempre se aprimorando para acompanhar as necessidades dos tempos que ainda estavam por vir. Bimestre a bimestre, ano a ano, mudança a mudança, o livro sempre contou com aliados que acreditavam em sua força e na sua importância como uma ferramenta de renovação da sociedade. 

Quando as novas tecnologias ameaçaram as folhas impressas, o livro juntou forças com seus amigos e mais uma vez soube se adequar às necessidades dos que precisam dele. Ao invés de tentar derrotá-las, adaptou-se às linguagens que o novo mundo pedia, ganhou uma nova roupagem em versões digitais, abriu espaço para barras de rolagens, interações, zooms e elementos audiovisuais que complementaram seus conteúdos, melhoraram a experiência de uso e juntaram forças na missão de formar as  próximas gerações.

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Em tempos pautados por mudanças tão imediatas e, muitas vezes, imprevisíveis, o livro permanece vivo no folhear de suas páginas ou no passar de dedos em uma tela. Ao lado de seus aliados em todo o Brasil, segue lutando por uma educação que transforma e ajudando milhares de jovens a enfrentar seus medos e acreditar em seus projetos de vida. 

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