Propostas que consideram a BNCC trazem a reflexão sobre os papéis e as práticas dos educadores para o desenvolvimento das competências e habilidades do século 21.

Texto: Solange Giardino

Estamos vivendo pela primeira vez na história da educação a incerteza sobre quais serão as competências necessárias para que os nossos estudantes da educação básica sejam relevantes no mercado de trabalho. A cada segundo temos a produção de novos conhecimentos, o surgimento de novas funções e a transformação de tradicionais carreiras, assim como das habilidades necessárias para desempenhá-las.

As tarefas laborais dependem de dois tipos de competências básicas: a física e a cognitiva. No passado, competimos com as máquinas nas habilidades físicas, o que nos trouxe um maior desenvolvimento das habilidades cognitivas, que só nós, humanos, possuímos; agora, estamos sendo desafiados pela inteligência artificial, pela aprendizagem de máquinas e pela robótica.

Sabemos que será mais difícil substituir um trabalhador em atividades que exijam o uso simultâneo de várias habilidades, principalmente as que envolvam lidar com cenários imprevisíveis. Dessa forma, flexibilidade, criatividade e as competências socioemocionais serão determinantes para o desempenho do profissional do futuro.

Entre a razão e a emoção: o papel da escola

Conhecer as próprias emoções e saber lidar com elas é o que chamamos de inteligência emocional. A escola, por ser um ambiente de relacionamento social, oferece uma ótima oportunidade para lidar com as próprias emoções, entender como funcionam e como podem ser modificadas. Os professores precisam ser orientados a mediar tais situações, com o intuito de conscientizar as crianças para reduzir conflitos tanto em sua vida pessoal, como no ambiente escolar.

Já é sabido que as habilidades socioemocionais aumentam a capacidade dos alunos de aprender e melhoram consideravelmente atitudes e comportamentos para lidar de maneira eficaz e ética com os desafios diários. 

Partindo do pressuposto de que o ser humano é um ser relacional e de que precisa estar em contato com outras pessoas, criar vínculos e gerar conexões — quanto mais positivas e construtivas, mais positivas serão as emoções, ideias e atitudes —, a  escola precisa ser um espaço que transmita confiança, comprometimento, respeito e colaboração de todas as partes. Construir boas relações exige tempo e não adianta apenas o professor se esforçar para fazer dar certo. Toda a comunidade envolvida precisa contribuir e fazer a sua parte para que as relações tragam frutos positivos a todos.

Outro ponto importante das relações interpessoais é que, ao estar em contato com pessoas diferentes de nós, conseguimos ampliar nossas perspectivas de mundo e expandir nossa visão em muitos aspectos. O mesmo acontece quando estamos dispostos a compartilhar o nosso melhor e ajudar os indivíduos ao nosso redor a crescerem e se tornarem cada vez melhores.

A escola deve promover uma formação integral, desenvolvendo, além das competências cognitivas e acadêmicas, as competências socioemocionais, oferecendo um ambiente humanizado e adequado para o estabelecimento de boas relações, uma vez que o aluno educado emocionalmente possui maior motivação para aprender.

As habilidades socioemocionais devem fazer parte do planejamento de todos os componentes curriculares, e não como uma disciplina isolada, pois precisam de contexto para serem desenvolvidas. Dessa forma, é necessário considerar o envolvimento da comunidade escolar, da família e de todos os professores, que precisam inserir o desenvolvimento dessas habilidades em suas aulas e atividades.

Além do planejamento letivo, estratégias adicionais devem ser realizadas em toda a escola, incluindo proporcionar aos alunos oportunidades de participar de comitês escolares e de atuarem em papéis de liderança como modelos de pares, mentores e consultores para colegas de classe. Um comitê de alunos pode ser de grande auxílio nessa condução, desde que seja uma ação coordenada com os professores e orientadores educacionais. Esses alunos precisam ser identificados por meio de instrumentos e posteriormente formados, para que tenham uma ação efetiva.  Os jovens costumam procurar os seus pares e não um adulto para compartilhar suas dificuldades e anseios, então proporcionar rodas de diálogo e assembleias para que eles possam refletir e resolver entre si os conflitos é uma boa oportunidade de intervenção. 

Como selecionar as habilidades socioemocionais mais importantes? 

No Brasil, temos duas linhas teóricas sobre o tema que são muito difundidas: 1 a CASEL (Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning), desenvolvida por uma organização americana de Chicago, que se baseia em cinco aspectos: autoconhecimento, autorregulação, sociabilidade, competências de relacionamento e tomada de decisão responsável; e 2 a do Big Five Factors (Cinco Grandes Fatores de Personalidade), que explora outros cinco domínios: experiência, consciência, amabilidade, extroversão e estabilidade emocional.

Para definir quais habilidades socioemocionais serão trabalhadas, é preciso ter clareza sobre que aluno se quer formar. O ideal é trabalhar com poucas habilidades, priorizando as mais significativas a partir da identificação dos pontos fortes, pontos fracos e áreas de crescimento ou melhoria do público de alunos. As escolas devem escolher de comum acordo com a comunidade e com os alunos, se não possível com todos, mas com o grupo de representantes (comitê de alunos e pais). 

Ao estar em contato com pessoas diferentes de nós, ampliamos nossas perspectivas de mundo e expandimos nossa visão em muitos aspectos.

Qual é o papel do professor?

É necessário que os professores tenham formação e orientação para conseguir transformar a sala de aula, assumindo um novo papel, para que controlem seu próprio comportamento, tornando-se modelos para os alunos. Para desempenhar bem a sua função, portanto, o professor precisa começar por uma autorreflexão: quais são os seus próprios valores? Como mobilizar suas habilidades e competências socioemocionais? Aprender a lidar com as próprias emoções e refletir sobre elas é um passo fundamental.

Criar ambientes seguros e saudáveis para que os jovens possam desenvolver habilidades sociais necessárias para prosperar no seu projeto de vida não depende apenas dos professores, mas de toda a comunidade escolar, que precisa envolver todos os atores. 

Para proporcionar um ambiente no qual os alunos se sintam seguros e onde suas opiniões e preocupações sejam consideradas e levadas a sério, o professor e a escola devem focar em soluções para os conflitos, e não em punições e recompensas.

A escola dos alunos enfileirados, com foco na “pedagogia da nuca”, não permite a expressão afetiva e emocional e também não promove o desenvolvimento socioemocional. As propostas pedagógicas devem priorizar atividades altamente interativas para dar ênfase às estratégias de aprendizado cooperativo. O aluno precisa participar de conversas significativas, se envolver em problemas relevantes, trabalhar cooperativamente com os colegas, professores e comunidade e se sentir desafiado.

Em todo esse percurso, o professor tem o papel de mediar o processo. É a condução dele, com perguntas bem planejadas e intervenções previamente elaboradas, que trará o clima de apoio, cooperação e segurança de que os alunos precisam.

O professor deve conduzir a gestão da sala de aula de forma que se coloque a serviço do coletivo e que chame os alunos para uma participação ativa, compartilhada, comprometendo-os a dividir as responsabilidades em um processo orientado, em que o protagonismo e a participação pautem o diálogo.

Como avaliar as habilidades socioemocionais?

Ao incluir as competências socioemocionais no currículo escolar de forma transversal, é essencial pensar em como mensurá-las para apoiar as atitudes dos estudantes e orientar os professores sobre como agir e o que esperar das diversas situações. 

A avaliação das habilidades socioemocionais, assim como a dos trabalhos desenvolvidos por meio de abordagens de metodologias ativas e de aprendizagem por projetos, deve incluir diversas formas de avaliação, tais como autoavaliação, avaliação por pares (entre os colegas) e reflexões pessoais, mesclando as avaliações individuais com as coletivas.

As rubricas de avaliação são uma possibilidade, pois oferecem um sistema de pontuação que lista critérios específicos para o desempenho e as atitudes dos alunos, descrevendo diferentes desempenhos para cada um dos critérios e deixando claro o que se espera dos alunos no decorrer das atividades escolares. Para a elaboração das rubricas, sugerimos elencar quais habilidades serão observadas, listar seus descritores e, por fim, criar a tabela.

Trabalhar com as competências socioemocionais significa focar no desenvolvimento pleno e integral de toda a comunidade escolar, tendo a consciência de que são desenvolvidas pouco a pouco, pela vivência constante. O professor precisa considerar em seu planejamento ter a intencionalidade pedagógica de promover a expressão dos sentimentos e a reflexão sobre as ações, com o intuito de aprimorar a qualidade das relações interpessoais. À liderança escolar, cabe o papel de estabelecer indicadores para que fique claro a todos os integrantes da comunidade escolar o que é esperado e trabalhar com os professores e equipe para mediar conflitos de forma positiva. 

Solange Giardino

é consultora de tecnologia educacional com foco em metodologias ativas, cultura maker, STEAM e aprendizagem criativa. Tem experiência consolidada no desenvolvimento e na gestão de projetos por meio da implementação de recursos digitais à prática docente e desenvolvimento de projetos nas áreas de formação continuada de professores. Apple Distinguished Educator, graduada em Psicologia e especialista em Informática Aplicada à Educação pela PUC-SP e em Gestão de EAD pela FGV. Mestra em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. 

Para saber mais 

  • Movimento Pela Base Comum – Dimensões e Desenvolvimento das Competências Gerais da BNCC. Disponível em:mod.lk/edu18mpb. Acesso em: 2 mar. 2020. 
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  • BENDER, W. N. Aprendizagem baseada em projetos: educação diferenciada para o século XXI. Porto Alegre: Penso, 2014.
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  • CASEL. Educating hearts: inspiring minds. Disponível em:https://casel.org. Acesso em: 9 fev. 2020.
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  • The Big Five Personality Traits. Disponível em:mod.lk/ed18foco. Acesso em: 9 fev. 2020. 
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  • NELSEN, J.; LOTT, L.; GLENN, H. S. Disciplina positiva em sala de aula. São Paulo: Manole, 2017.