Histórias e metodologias para transformar a sua realidade e engajar toda a comunidade escolar.
Apesar de ser um termo que ganha cada vez mais relevância na era digital, storytelling é uma prática que remonta ao início da história da humanidade e está intimamente ligada à comunicação que permitiu a nossa evolução para que nos tornássemos a espécie dominante do planeta. A sua importância é tão fundamental para a nossa existência que nossos cérebros são configurados biologicamente para prestar atenção em histórias. Por isso, desde sempre, saber contar boas histórias é uma das estratégias mais eficientes para engajar cérebros, e, consequentemente, quem eles comandam: pessoas.
Histórias existem muito antes de poderem ser registradas: uma das primeiras evidências de storytelling são as imagens das cavernas de Lascaux na França, que datam de aproximadamente 17 mil anos atrás, retratando uma variedade de desenhos de animais e algumas poucas criaturas humanoides. Essas figuras são esforços combinados de várias gerações representando os seus rituais: contando histórias, que também sugerem que o ser humano não era o foco central, e que o drama daquele período do Paleolítico acontecia, realmente, entre a megafauna – carnívoros e grandes herbívoros.
A linguagem verbal, por sua vez, pode ser rastreada em um período que vai bem mais longe, até pelo menos 50 mil anos atrás, sendo que a maioria dos linguistas acredita que a sua origem é muito mais antiga do que isso, possivelmente há mais de 500 mil anos. No entanto, para conseguir construir narrativas – portanto, histórias –, foi necessário que a linguagem verbal evoluísse de uma protolíngua para estruturas mais complexas, como a da maioria das línguas que chamamos de antigas, e que não chegam a ter mais de 6 mil anos. A escrita, por sua vez, entra em cena mais recentemente, há aproximadamente 5 mil anos, ampliando o poder de propagação das histórias.
Nesse sentido, ao longo do tempo, as formas com que as histórias eram contadas – tanto linguagens, quanto seus suportes – foram mudando drasticamente, adquirindo características adicionais conforme os avanços tecnológicos passaram a oferecer novas possibilidades para criá-las, registrá-las, reproduzi-las e propagá-las. A imagem da figura 1 mostra algumas das principais formas de contar histórias desde a Antiguidade até a era digital, em que surgem constantemente novos suportes de mídia, que continuamente acrescentam mais recursos para o espaço narrativo. Virtualmente, podemos dizer que não existem limites para expandirmos o universo ficcional – tudo pode ser utilizado e mixado para criar, registrar, contar e propagar histórias.
O processo de evolução da narrativa é decorrente da simbiose natural entre linguagens e suportes, que vão mutuamente se modificando, de forma contínua, elevando o grau de complexidade da comunicação, e, consequentemente, do storytelling. Esse caminho culmina no contexto atual, altamente transmidiático, que se desenvolveu (e continua a se desenvolver) em sintonia com a evolução da própria humanidade, que sofre, também, um aumento gradativo de complexidade.
Exemplos disso são as histórias da Marvel ou DC Comics, nas quais não apenas os personagens, mas todo o universo ficcional das séries e filmes se relacionam entre si, expandindo-se, também, nesse processo, para outros suportes: TV, cinema, jogos, etc. Nesses casos, a história passa a não caber mais em apenas uma mídia, ou uma narrativa, ou um suporte único, transcendendo-se tanto em forma quanto em conteúdo, apropriando-se, para tanto, de todas as possibilidades tecnológicas e de linguagem possíveis. Além da infinidade das potenciais inter-relações transmidiáticas que a fluidez do ambiente digital oferece, os personagens também cresceram consideravelmente na complexidade da sua construção, quando comparados com os das narrativas populares usuais do século passado, que tendiam a uma dualidade ingênua entre bem e mal, herói perfeito ou vilão eterno. Hoje, o caráter dos personagens oscila com muito mais frequência entre os extremos, de uma forma muito mais sutil e dinâmica dentro da narrativa, representando de modo bem mais verossímil a essência complexa do ser humano.
Economia da atenção, era da distração
Essa multiplicidade crescente de plataformas que o ambiente digital proporciona não apenas contribui para o aumento da complexidade das histórias, mas traz consigo duas consequências adicionais diretas na comunicação:
① explosão de conteúdos, criando sobrecarga informacional;
② fragmentação da informação, favorecendo a interrupção e a distração.
Nesse contexto, em que sofremos cada vez mais com a sobrecarga, com a fragmentação e com a dispersão informacionais, experimentamos um aumento considerável não apenas na concorrência pela nossa atenção, mas também, e principalmente, na dificuldade de conseguir extrair sentido e utilidade desse tsunami de conteúdos que nos assola continuamente. Isso tudo nos leva à Era da Distração, em que é muito mais fácil e tentador se distrair a todo momento na superficialidade desse volume gigante de informação, que nos dá a “ilusão de saber” (um dos fatores de propagação de fake news), do que gastar tempo e energia para processar significado, aprofundar conhecimento para, realmente, adquirir o “saber”. Essa é uma das grandes ironias dos nossos tempos: a riqueza informacional é cada vez mais abundante e disponível a todos, mas apenas aqueles que empenham o esforço necessário para conseguir selecionar o que realmente tem valor para suas vidas conseguem manter o foco para alcançar seus objetivos. Os demais tendem a ser levados pelas correntes dos fluxos informacionais de duas formas principais: à deriva, ou dirigidos por aqueles que sabem navegá-los.
Nesse sentido, aqueles que dominam os fluxos informacionais exercem um grande poder social – tanto para educação e evolução, quanto para alienação e manipulação. Isso não é novidade, e acontece desde sempre. A clássica estratégia panem et circenses, que surgiu na Roma Antiga, continua plenamente em uso hoje em dia para distrair e manipular massas. No entanto, se na Antiguidade romana, o poder predominante sobre os fluxos de informação era dos governantes, com o passar dos séculos esse poder foi se tornando acessível também para outros agentes, tanto que a imprensa passou a ser reconhecida como o “Quarto Poder” a partir do século XVIII-XIX, e, mais recentemente, a internet como o “Quinto Poder”. Nessa jornada, fica claro que no contexto atual, altamente distribuído e sobrecarregado de informação, o poder sobre os fluxos informacionais não está mais apenas nas mãos de quem consegue gerá-los e distribuí-los (detendo audiência), mas está principalmente nas mãos daqueles que conseguem engajar a audiência.
Assim, a partir do momento em que uma mensagem alcança determinado público, indubitavelmente, o maior desafio da comunicação passa a ser conquistar a atenção desse público e conseguir engajá-lo para que se interesse pelo nosso assunto – seja ele qual for: educação, vendas ou qualquer bate-papo mundano. Caso contrário, teremos sido apenas parte da distração e não da comunicação. Como diz o ditado popular, “você pode levar um cavalo até a água, mas não pode obrigá-lo a beber”; em outras palavras, não adianta apenas conseguir entregar uma mensagem para um público; para fazê-lo beber da nossa água, precisamos atrair a sua atenção e conseguir engajá-lo. Histórias são excelentes para isso, pois elas exercem um poder inigualável no nosso cérebro. Estudos comprovam que histórias:
► nos conectam de forma universal;
► representam a nossa maneira natural de compreender o mundo;
► tornam mais fácil lembrar e entender acontecimentos;
► podem produzir oxitocina, hormônio relacionado a confiança e empatia;
Jerome Bruner, um dos principais arquitetos da revolução cognitiva, advoga em seu livro Actual Minds, Possible Worlds que a mente possui um “modo narrativa” que não retém dados e bullet points, e que as pessoas têm 22 vezes mais probabilidade de se lembrarem de uma história do que de uma série de fatos e números.
Assim, boas histórias são extremamente atrativas para o cérebro humano, funcionando como um antídoto contra a falta de atenção. Ao mesmo tempo, histórias são ótimos instrumentos para entrega de sentido, atuando como um fio condutor que organiza fragmentos de informações e emoções, facilitando a compreensão. Por isso, histórias ajudam a explicar conceitos altamente complexos, como é o exemplo do filme Divertidamente, da Disney-Pixar, que, por meio de uma narrativa, mostra a importância científica de cada emoção no corpo humano, até mesmo a tristeza. É justamente por isso que as histórias engajam, fazendo com que estratégias de storytelling tornem-se atualmente mais relevantes do que nunca, pois aquilo que elas obtêm – atenção e engajamento – tem se tornado cada vez mais difícil de se conquistar.
Histórias são a forma primordial da comunicação humana e de representação da vida, que é formada por uma série de histórias que contamos para nós mesmos e para os outros. As histórias nos definem. Humanos vivem em um mundo de faz de conta: o que nos move não são os acontecimentos ou fatos, mas a nossa interpretação sobre eles. Toda decisão é fundamentada em uma história imaginada, que antevê o seu resultado. Quando mudamos a história, vislumbramos um futuro distinto que, eventualmente, afeta a decisão no presente. Por exemplo, considerando-se determinado fato, um otimista é alguém que imagina uma história futura com desfecho positivo a partir dele, enquanto um pessimista enxerga um desdobramento negativo. O fato pode ser o mesmo, mas os significados atribuídos a ele são distintos, em função da história que imaginamos. Por isso, pessoas com visões (histórias imaginadas) diferentes de mundo tomam decisões distintas – elas enxergam uma outra narrativa para os mesmos fatos.
Assim, toda história é composta de duas partes simbióticas: fatos (que são o story) e narrativa (que é o telling). A combinação estratégica de ambas é o que faz um storytelling ser bom ou não. Os mesmos fatos podem ter narrativas diversas, gerando histórias diferentes. Se comparássemos o storytelling a uma fogueira, poderíamos dizer que o story é o fogo, e o telling é a fogueira que revela o fogo: ela pode ser menor, maior, com gravetos úmidos que geram fumaça, ou secos que estalam. É a junção das duas partes que torna a fogueira encantadora, atraente, sedutora ou não.
Nesse sentido, a diferença entre uma boa história – que engaja, atrai a atenção e influencia – e uma ruim é justamente como são articulados os seus elementos: a escolha dos fatos e a forma como eles são narrados. O story e o telling devem ser pensados e adequados para engajar determinado público específico – por exemplo, podemos contar a história de A Bela Adormecida pela ótica da sociedade dos anos 1960, em que a princesa precisa ser salva por um príncipe encantado, ou podemos narrar pelos olhos da bruxa, resultando no filme Malévola, um sucesso recente de bilheteria, que articula uma narrativa mais atrativa para os dias de hoje, sob o ponto de vista de inclusão, diversidade e empoderamento feminino. Perceba que a estrutura de fatos da história é a mesma, mas sendo contada (telling) de forma diferente.
Para criarmos uma história que encante, influencie e conquiste, é essencial, portanto, conhecer o que é relevante para o público que queremos engajar. Somente assim conseguiremos selecionar os fatos que atrairão a atenção seletiva desse público e poderemos desenvolver uma narrativa que o conduza a um processo de transformação (conversão) que faça sentido dentro da sua visão de mundo, o seu universo.
Não é à toa que as melhores histórias são aquelas que conseguem articular dores e prazeres humanos da forma mais simples possível – porque é assim que o nosso cérebro funciona: maximizando prazer, minimizando dores e otimizando a nossa energia nesse processo, para que consigamos sobreviver como indivíduos e como espécie. Assim, o primeiro passo para se criar um storytelling de sucesso é conhecer as dores e prazeres do seu público. Uma ótima maneira de fazer isso é por meio da ferramenta de Mapa de Empatia (bastante usada em Design). Com ela, conseguimos entender quais são as dores do nosso público, o que causa interesse, o que lhe tira o sono, quais as aspirações que o movem, apontando os seus motivadores para prestar a atenção e agir. Essas são as peças para construir histórias que engajem esse público.
A partir do momento em que conhecemos o nosso público e aquilo que o move, obtemos os ingredientes para criar uma história, mas isso apenas não basta. Fazer uma boa história é como fazer um bolo: precisamos de uma metodologia que determine como combinar corretamente os ingredientes da forma adequada. Essas metodologias estruturam a forma de contar a história.
Uma das mais eficientes, e consequentemente mais utilizada, estruturas de criação de histórias é a “Estrutura dos Três Atos” – ela funciona, sempre funcionou e provavelmente sempre funcionará porque imita a forma como o cérebro humano atua para resolver problemas. Ela divide a história em três partes (atos), normalmente chamados de início (apresentação), meio (confronto) e fim (resolução). Perceba que um elemento fundamental em uma história é o confronto: sem algum tipo de desequilíbrio que precise ser solucionado, o nosso cérebro não se interessa.
Há 2,5 mil anos, Aristóteles descreveu essa fórmula na forma de pena, medo, catarse: você precisa fazer o público ter pena de uma personagem (normalmente isso é feito fazendo a personagem passar por reveses não merecidos) para criar uma conexão emocional entre o público e essa personagem. Uma vez que essa conexão emocional seja estabelecida, a história passa a ter algum controle sobre a audiência. Conforme você colocar a personagem em situações cada vez piores, o público sente medo, devido à conexão emocional estabelecida, e cria identificação. Quando você livra a personagem daquela ameaça, ou daquela situação ruim, seja ela qual for, a audiência experimenta a catarse. Esses três atos são conhecidos também como sofrimento, luta e superação.
Assim, criar histórias é uma arte que envolve conhecer muito bem o seu público para conseguir obter os ingredientes certos, que permitam o desenvolvimento da narrativa que terá o poder inigualável de atrair e engajar esse público. Para tanto, a estrutura dos três atos é uma arma infalível.
Para conhecer mais sobre storytelling e como aplicar nas mais diversas áreas, recomendo que faça um curso específico para isso, como o que ofereço [on-line, em martha.com.br/st], ou leia alguns dos inúmeros livros que ensinam as mais diversas técnicas para dominar essa arte.
Esse é o primeiro passo para abraçar o storytelling como estratégia de comunicação, que, quando usada corretamente, pode ensinar, iluminar e entreter. Cada história tem um propósito, mesmo que seja transmitir uma simples mensagem. Sem histórias, a humanidade nunca aprenderia com os seus erros, nunca sonharia para realizar grandes feitos ou inovar, e nunca conseguiria ver além do agora – não poderíamos conhecer o passado e nem imaginar o futuro.
Martha Gabriel é escritora, consultora e palestrante nas áreas de marketing digital, inovação e educação. Autora de sete livros, um deles o best-seller Marketing na Era Digital. Palestrante de 5 TEDx, keynote speaker internacional com mais de 75 palestras no exterior e premiada três vezes como melhor palestrante em congressos nos Estados Unidos.
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