Autor: Rafael Elias Munhos
Brincar e as competências para a vida
As brincadeiras da infância influenciam tomadas de decisão ao longo da adolescência e da vida adulta
Há uma ligação e uma continuidade diretas entre brincar, produzir e viver de um jeito criativo. As experiências lúdicas da infância influenciam muitas decisões tomadas ao longo da adolescência e da vida adulta.
Brincar é uma jornada que vai se transformando ao longo de nossa existência e que nos ajuda a encontrar propósito no trabalho e sentido para a vida.
Brincar durante a infância é um direito das crianças e também um dos elementos mais importantes para o desenvolvimento saudável dos seres humanos.
A importância do brincar não se limita aos primeiros anos de vida. Existe uma ligação e uma continuidade entre brincar, produzir e viver de um jeito criativo. As experiências lúdicas da infância influenciam muitas decisões tomadas ao longo da adolescência e da vida adulta. Por isso, brincar é uma jornada que vai se transformando ao longo de nossa existência e nos ajuda a encontrar propósito no trabalho e sentido para a vida.
O termo “brincar” vem do latim vinculum, que significa união e vínculo – elementos muito importantes na vida de uma pessoa. Para o psicólogo americano Stuart Brown, “brincar é o motor de sobrevivência necessário para a adaptação, a flexibilidade e o aprendizado social. Brincar nos ajuda a pertencer a uma comunidade, a desenvolver a habilidade de controlar os impulsos e de regular as nossas emoções”.
Como estimular e acompanhar o brincar entre as crianças?
O tipo de brincar que mais favorece a infância é o brincar livre, ou seja, aquele brincar sem intervenção direta do adulto, apenas com a supervisão caso haja necessidade de ajudar alguma criança em um dado momento. Durante o brincar livre as crianças são proativas, pois escolhem a brincadeira, decidem as regras, negociam com os amigos, lidam com os sentimentos, estabelecem limites e superam frustrações por conta própria ou com o apoio dos colegas.
O brincar desempenha funções sociais, emocionais e biológicas essenciais para o desenvolvimento de um ser humano. São elas:
- Adaptar-se a novas situações do cotidiano.
- Descobrir novas soluções para problemas.
- Desarmar o medo e lidar com diversos sentimentos.
- Criar conexão emocional.
- Estimular criatividade.
- Desenvolver várias habilidades para a vida.
- Exercitar diferentes papéis.
- Desenvolver o corpo.
- Estimular funções cognitivas.
- Criar um efeito terapêutico em momentos difíceis.
- Favorecer o encantamento.
- Exercitar o risco.
- Integrar os aspectos social, cognitivo e emocional do desenvolvimento humano.
Brincar é, portanto, um laboratório de experimentações que capacita as crianças para a vida de hoje e se torna um importante ensaio para as vivências e desafios futuros.
Brincar e as competências para o século 21
Atualmente, muito se fala sobre a importância das competências para o século 21 e sobre maneiras de ajudar as novas gerações a desenvolvê-las. Mas, o que são e quais são essas competências?
As competências para o século 21 são um conjunto de habilidades sociais e emocionais que uma pessoa possui e usa para lidar com as diversas situações do cotidiano. São habilidades possíveis de aprender e praticar.
Diferentes nomenclaturas são usadas para definir as competências para a vida. Algumas delas são: habilidades socioemocionais, soft skills, competências para o século 21, hábitos da mente, habilidades não-cognitivas, aprendizado social e emocional (SEL), Big Five e inteligência emocional.
Embora não exista uma lista completa de habilidades que seja comum aos diversos termos utilizados, podemos enumerar algumas que são comuns a todos eles: auto-gestão das emoções, comunicação, empatia, resiliência, criatividade, tomada de decisão, resolução de problemas, determinação, planejamento, colaboração e criatividade são exemplos de habilidades cada vez mais necessárias para viver na era digital.
Profissionais de diversas áreas procuram entender como ajudar as pessoas a desenvolver essas competências. Em especial, profissionais da área da Educação têm se perguntado como criar maneiras intencionais de ensinar as habilidades socioemocionais dentro do ambiente escolar.
Brincar é uma dessas maneiras. A brincadeira é um poderoso instrumento através do qual crianças e adolescentes exercitam a todo momento várias habilidades sociais e emocionais. Enquanto brincam, as crianças exercitam todas as competências mencionadas antes. Mais tempo de recreio, mais brincar livre, mais prática de esportes e mais ensino divertido são maneiras eficazes de preparar as novas gerações para o cotidiano e para os desafios futuros que podem e devem ser aplicadas com urgência.
Outra relação importante entre o brincar e as competências para a vida é a atmosfera positiva que um ambiente lúdico promove. No livro Como ensinar as crianças a aprenderem, o jornalista especializado em educação Paul Tough cita estudos recentes que mostram a importância de uma atmosfera afetiva para o desenvolvimento das competências socioemocionais dentro das escolas. Portanto, brincar tem um impacto positivo duradouro tanto no desenvolvimento pessoal de cada criança e adolescente, como no ambiente escolar e nas relações entre alunos, professores e gestores.
“Brincar será para o século 21 o que o ‘trabalho’ foi para a era industrial: nossa maneira dominante de saber, fazer e criar valor.”
(Pat Kane, autor de The Play Ethic)
Inteligência emocional digital
Tecnologias muito avançadas promoverão novas formas de produzir, consumir e se relacionar com as pessoas e as coisas.
A combinação entre as tecnologias avançadas e a mente humana pode nos ajudar a tomar decisões mais acertadas e a fazer escolhas mais adequadas. Para isso, precisamos ser emocionalmente inteligentes com relação às tecnologias e ao ambiente virtual.
Entender as próprias emoções, trabalhar em grupo, resolver problemas, ser criativo e tomar decisões são exemplos de competências urgentes hoje.
A 4ª Revolução Industrial – a revolução tecnológica – nos impõe reflexões e atitudes que permeiam todo o cenário digital, pois já começamos a observar transformações profundas em vários níveis da sociedade.
Tecnologias muito avançadas promoverão novas formas de produzir, consumir e se relacionar com as pessoas e as coisas. Com isso, a sociedade passará a ser mediada pela mobilidade, pela alta conectividade e por tecnologias digitais muito complexas que dissolverão as diferenças entres seres humanos e máquinas. Robôs companheiros, brinquedos inteligentes e tecnologias assistivas já são uma realidade e tendem a invadir o mercado nos próximos anos com a promessa de nos entenderem e ajudarem em inúmeros aspectos do nosso cotidiano.
Como devo me comportar nas redes sociais? De que forma posso ajudar meu filho a navegar na internet de forma segura e responsável? Quais ferramentas tecnológicas darão suporte ao meu trabalho? Como posso usar a tecnologia para meu bem-estar? De que forma as tecnologias avançadas afetarão a humanidade?
Esses questionamentos fazem cada vez mais parte do nosso modelo mental e são absolutamente necessários para a evolução das sociedades.
Com o avanço das pesquisas e do desenvolvimento de máquinas inteligentes, a combinação entre as tecnologias avançadas e a mente humana pode resultar em um cérebro capaz de pensar melhor, tomar decisões mais acertadas e fazer escolhas mais adequadas.
Devemos nos perguntar, no entanto, se essa fusão mente-máquina nos distanciará de nossa essência humana e de nossa capacidade de amar, cuidar, sentir a dor do outro e ajudar os demais sem pedir nada em troca. Para conquistarmos uma sabedoria digital e mantermos o lado bom do ser humano precisamos ser emocionalmente inteligentes em relação às tecnologias e ao ambiente virtual.
Inteligência emocional digital
Muito se fala da necessidade de desenvolver inteligência emocional para lidar com as complexidades do mundo contemporâneo. Entender as próprias emoções, trabalhar em grupo, saber resolver problemas, ser criativo e tomar decisões são alguns exemplos de competências mais do que urgentes na atualidade.
No entanto, é necessário ampliar os horizontes e transpor essas habilidades também para o âmbito digital. Em 2016, o Fórum Econômico Mundial propôs o termo “Inteligência Emocional Digital” como um dos pilares de uma habilidade mais ampla e essencial para o século 21: a inteligência digital. Porém, a definição do termo “Inteligência Emocional Digital” ficou restrita à noção de ser empático e capaz de construir bons relacionamentos online.
Por isso, proponho um aprofundamento e uma ampliação do conceito “Inteligência Emocional Digital” como um conjunto de habilidades que abrange:
1 – Conhecimento da linguagem das tecnologias que usamos.
2 – Abertura para aprender e incluir novas tecnologias no cotidiano.
3 – Entendimento sobre os próprios hábitos tecnológicos e comportamentos nas redes sociais.
4 – Gestão das emoções quando se está online.
5 – Reflexão sobre o impacto das tecnologias no desenvolvimento pessoal.
6 – Comunicação eficaz e respeitosa nos diferentes canais digitais.
7 – Empatia com o comportamento e as emoções online do outro.
8 – Habilidade de se relacionar com as tecnologias e com o ambiente online de forma sensata, cuidadosa e ética.
9 – Visão crítica sobre os conteúdos produzidos e compartilhados na internet.
10 – Criação de uma estratégia sobre o próprio posicionamento nas redes sociais, considerando os objetivos de vida e profissional.
11 – Criatividade para gerar tecnologias que atendam as necessidades humanas.
12 – Compreensão do impacto social e global das novas tecnologias na evolução da humanidade.
A partir desse conjunto de habilidades devemos criar uma atitude constante de reflexão e ação para aperfeiçoar e ampliar a nossa inteligência emocional digital. Podemos fazer isso de várias formas. Por exemplo, avaliando nossas emoções no ambiente digital e a maneira como usamos a tecnologia a fim de construir uma saúde mental digital.
Outra maneira é entender a cultura digital e os hábitos tecnológicos de nossa família como um todo. Além disso, a escola também tem papel fundamental para o desenvolvimento da inteligência emocional digital. Ela pode promover discussões mais amplas sobre as tecnologias e as necessidades do mundo, incentivando projetos que envolvam não somente a criação de conteúdo mas também o desenvolvimento de iniciativas práticas que resolvam problemas reais por meio da tecnologia. Essas atividades escolares têm o potencial de formar alunos capazes de ser agentes de transformação social, de pensar de forma global e crítica e de manter uma atitude de aprendizado constante.
Os jovens precisam antecipar e entender os dilemas éticos e filosóficos ligados às tecnologias avançadas e a seus impactos na vida das pessoas. Precisamos urgentemente levar essas discussões para as escolas e para as famílias a fim de ajudar as novas gerações a mapear diferentes cenários futuros, antecipar problemas complexos, evitar perigos irreversíveis e vislumbrar novas oportunidades de vida alinhadas com suas aspirações individuais, com as necessidades dos seres humanos e com as carências do mundo.
Como ensinar os filhos a ter inteligência emocional?
Estimular os sentimentos garante uma educação saudável
A família e os educadores devem seguir estratégias para desenvolver as competências socioemocionais das crianças, como a capacidade de tomar decisões, o autocontrole, as relações sociais, a motivação, a autoestima e empatia.
Uma pessoa com inteligência emocional conhece seus sentimentos e entende os dos outros, adaptando-se ao entorno e administrando e controlando as próprias emoções.
O termo “Inteligência Emocional” foi criado por Peter Salovey e John Mayer em 1990. Abrangia certos traços emocionais necessários para o sucesso, como empatia, autocontrole, independência, simpatia, cordialidade, respeito, independência, persistência, flexibilidade cognitiva, resolução de problemas e identificação e expressão emocionais.
Em 1995, o termo se popularizou por meio do trabalho do psicólogo americano Daniel Goleman, autor de diversos best-sellers com esse título. Ele considera que a chamada “inteligência emocional” pode ser organizada em torno das seguintes capacidades:
- • Conhecer os sentimentos e suas repercussões.
- • Identificar as próprias emoções.
- • Administrar as emoções e ter capacidade de lidar com os próprios sentimentos.
- • Criar as próprias motivações para alcançar objetivos.
- • Ter habilidades para as relações interpessoais.
Desse modo, podemos dizer que uma pessoa com uma inteligência emocional elevada conhece seus sentimentos e entende os dos outros, adaptando-se ao entorno e administrando e controlando as próprias emoções. Além disso, tem boa autoestima, conta com habilidades adequadas para se relacionar socialmente, adapta-se a mudanças, toma decisões adequadas e resolve com eficácia os problemas (pessoais, familiares, sociais ou profissionais) que se apresentam.
Relacionando esse conceito à “Teoria das Inteligências Múltiplas” de Howard Gardner chegamos aos conceitos das inteligências interpessoal e intrapessoal, que contemplam: empatia, habilidades sociais, autoconsciência, autocontrole emocional e motivação.
Assim, a visão tradicional de uma única inteligência baseada nos campos intelectual ou acadêmico é substituída por uma visão multidimensional que entende a inteligência como capacidade de adaptação a diferentes ambientes, de resolução de problemas e de consecução de conquistas pessoais.
Como orientar a educação emocional?
Depois de entender em que consiste a inteligência emocional e o quão importante é aprimorá-la, é preciso atendê-la em termos educativos.
Os educadores devem desenvolver estratégias para elevar as competências emocionais: a tomada de consciência das emoções, o autocontrole, as relações sociais, a autoeficácia, a motivação, a autoestima e a empatia, entre outros elementos.
Ao longo do século XX foram desenvolvidas medidas psicométricas que previam o sucesso acadêmico do aluno e as causas de deficiência na aprendizagem. No entanto, não se levava em conta a previsão do sucesso pessoal, precisamente por falta de atenção à inteligência emocional, aspecto que orienta o desenvolvimento da vida de modo mais produtivo.
A necessidade de incorporar a educação emocional ao currículo comum se faz cada vez mais presente. Nas últimas décadas, foi reconhecida a importância de trabalhar as emoções para diminuir a violência na sala de aula, as situações de abuso ou a desmotivação escolar. É importante gerar consciência para criar programas não apenas de intervenção nos momentos de crise, mas também de prevenção e estímulo ao ajuste emocional.
Diferentes estudos científicos demonstram a contribuição dessas intervenções para a melhora do rendimento escolar e das relações interpessoais. A escola e a família têm como objetivo fundamental formar as crianças para que se transformem em adultos independentes, seguros, cooperativos, capazes de administrar os próprios problemas e que saibam se relacionar com os outros em um clima de harmonia e respeito mútuo.
Esse caminho deve ser construído desde as primeiras etapas da vida. A criança pode aprender muito cedo a se desenvolver em todos esses aspectos, para depois manter um padrão socioemocional ao longo da vida.
Segundo Daniel Goleman, a escola deve levar em conta os diferentes âmbitos da inteligência e propô-los como objetivos educativos, potencializando em cada aluno suas capacidades mais fortes e fornecendo-lhe recursos para fortalecer as habilidades menos desenvolvidas. A seguir, algumas orientações:
- • Considerar as dificuldades socioemocionais detectadas como necessidades educativas.
- • Ensinar as emoções, para que todos os alunos conheçam seus sentimentos e percebam como reagem a eles.
- • Treinar a administração adequada das emoções que podem interferir no comportamento do aluno, especialmente as mais negativas. Quando surgirem conflitos entre estudantes, pode-se trabalhar a partir destas questões: como se sentiram, que consequências tiveram os comportamentos deles, em que soluções alternativas pode-se pensar etc.
- • Gerar uma educação positiva, para que a criança aprenda a ser proativa e confiante nas próprias capacidades – ela deve aprender que pode atingir seus objetivos mediante esforço e constância.
Estratégias para potencializar a inteligência emocional
Assim como na escola, existem no ambiente familiar diferentes maneiras de levar em conta o nível de inteligência emocional dos filhos, potencializando os aspectos que a criança pode desenvolver. A seguir, algumas orientações:
- • Os adultos devem ser os primeiros a reconhecer e identificar as emoções. É importante saber observar, ouvir e identificar as reações emocionais dos filhos. Primeiro, é preciso ouvi-los sem julgar e depois, com calma, perguntar.
- • É importante não ignorar nem desvalorizar as emoções dos filhos. Às vezes, reduzimos a importância das reações emocionais negativas para diminuir o sofrimento deles, mas isso não permite que a criança identifique, confronte e resolva seus conflitos.
- • É preciso ajudá-los a identificar as próprias emoções. Há ocasiões em crianças pequenas choram porque não sabem o que está acontecendo com elas, não entendem por que se sentem mal e não são capazes de identificar as emoções. O papel do adulto é chamar a emoção pelo nome e relacioná-la com as situações vividas.
- • Expressar emoções não é negativo, uma vez que devemos senti-las para depois administrá-las adequadamente.
- • Estabelecer limites às condutas ou reações deles. Não é ruim expressar um sentimento negativo como tristeza, irritação, ira, frustração ou medo. Outra coisa é o que fazer depois. Se o comportamento da criança não é adequado, ela precisa saber que há consequências. Devemos ensiná-la a como se portar da próxima vez que o sentimento aparecer e estimulá-la a agir de acordo.
- • As próprias crianças devem oferecer as soluções. Nós podemos apoiá-los no processo ou propor ideias, mas são elas que devem escolher, mesmo que às vezes não tomem as decisões mais adequadas.
- • Mostrar aos filhos quais gestos, expressões e tons de voz usamos quando vivenciamos diferentes estados de ânimo. Mediante jogos de teatro podemos aprender a reconhecer os sentimentos nos demais.
- • Quando estamos educando crianças em inteligência emocional é importante respeitar os tempos delas. Não devemos mostrar pressa, estresse ou pressionar o aprendizado.
- • Usar a criatividade e o jogo para explorar e aprender. Somos guias, mas são as crianças que devem decidir por conta própria como resolver os conflitos.
- • Ter em conta que a autoestima e a autonomia têm um papel crucial na educação das emoções. Devemos apoiá-las, elogiar novos hábitos adequados e motivar os filhos para atuar nas próximas oportunidades.
Ajudar as crianças a enfrentar e tolerar as frustrações
As crianças devem aprender que nem sempre conseguem o que desejam
Uma das habilidades mais importantes que se deve desenvolver logo na infância é a tolerância à frustração, de forma que a criança possa enfrentar os altos e baixos da vida de maneira saudável.
Os pais devem ser um modelo de conduta para os filhos, destacando o papel dos pensamentos e dos estilos de criação no desenvolvimento de uma alta tolerância à frustração.
As frustrações podem ser definidas como a “resposta natural, primária e afetiva diante da percepção de uma barreira”. Podemos dizer que nos frustramos quando consideramos que nossos objetivos ou metas não foram alcançados ou quando percebemos diferenças entre nossas expectativas e a realidade.
Isto é especialmente comum nas crianças, porque elas ainda não desenvolveram as capacidades neurológicas que permitem o controle dos impulsos e as aptidões cognitivas que favorecem o pensamento racional. Por isso querem “tudo agora”, e, quando não o conseguem, se frustram e se irritam.
As crianças esperam que tudo ocorra de maneira simples e como foi planejado. Assim, quando enfrentam frustrações, reagem de modo exacerbado, sem mecanismos eficazes para lidar com os problemas, por mais simples que sejam.
Na vida cotidiana, é comum enfrentarmos frustrações, e as pessoas com alta tolerância à frustração são capazes de manter a funcionalidade nas diferentes atividades que realizam, sem que esses fracassos as paralisem ou prejudiquem a longo prazo. Entretanto, quando temos pouca ou nenhuma tolerância à frustração é comum que se evidenciem reações somáticas e cognitivas negativas, que interferem na capacidade de resolver problemas e de se relacionar com os outros.
Agressividade, perfeccionismo, adiamento da tomada de decisão, ansiedade, problemas de conduta e controle de impulsos são alguns sintomas comuns da baixa tolerância à frustração. Daí a importância de desenvolver uma alta tolerância à frustração desde cedo, pois isso pode prevenir transtornos psicológicos e de conduta no futuro.
Como a tolerância à frustração é um fenômeno complexo, são muitos os fatores que intervêm em seu desenvolvimento. Entre eles:
- • Temperamento. Predisposição para enfrentar e lidar melhor ou pior com as adversidades. Algumas pessoas são biologicamente mais vulneráveis à irritabilidade e à ansiedade, o que pode interferir na forma como enfrentam e lidam com adversidades.
- • Condicionamento social. A tendência da sociedade atual é medir o valor das pessoas pelo desempenho e pela obtenção de conquistas, em vez de apreciar o esforço e a dignidade humana. Consequentemente, toda pequena frustração é vista como um “fracasso total” e, assim, “algo mau” e “grave” que deve ser evitado.
- • Habilidades linguísticas para expressão emocional. A pobreza de vocabulário pode limitar a capacidade de expressar de maneira assertiva as emoções, desejos e descontentamentos, aumentando as dificuldades nas relações interpessoais e a capacidade para resolver problemas. Isto é especialmente relevante em certos ambientes socioculturais que restringem a expressão de emoções, por ser considerado algo impróprio ou sinal de fraqueza.
- • Imitação de modelos de referência. Os estilos de criação em que os pais têm baixa tolerância à frustração favorece o aprendizado de condutas de enfrentamento pouco eficazes, por meio da imitação.
Alguns dos sinais que podem indicar que as crianças enfrentam mal a frustração são: evitar ou adiar tarefas complexas, fugir de responsabilidades, fazer birra ou ter ataques de raiva, justificar-se pelos erros cometidos, timidez, retraimento e fuga de situações de exposição social, impaciência e até agressão física, especialmente quando algo é percebido como “injusto”.
Entretanto, é alentador saber que a tolerância à frustração pode ser aprendida e treinada a partir do momento que a criança adquire vocabulário e é capaz de seguir ordens e instruções (por volta dos 3 anos é o momento ideal para iniciar o desenvolvimento da tolerância à frustração). Esse treino permitirá que, diante de situações adversas, ela conte com melhores estratégias de enfrentamento.
Um dos melhores treinos é a imitação, ou seja, os pais devem ser “um modelo de conduta” para os filhos, destacando o papel dos pensamentos e dos estilos de criação no desenvolvimento de uma alta tolerância à frustração.
Mudar a linguagem negativa e derrotista, e promover a superação. É comum que as pessoas com baixa tolerância à frustração tenham pensamentos do tipo: “não aguento que…, “é insuportável…”, “não vou conseguir” ou “é muito difícil… prefiro desistir” – mensagens que costumam fomentar condutas derrotistas e de negação.
Recomenda-se falar ou pensar de maneira mais positiva, com declarações como “posso aguentar ou suportar que… embora seja difícil e me incomode”. Pesquisas demonstram que as crianças mais propensas à frustração costumam vir de famílias que usam o mesmo esquema de pensamento. É importante modificar os próprios pensamentos em prol da saúde mental de pais e filhos porque, observando os pais, a criança aprende como lidar com as próprias frustrações e conflitos futuros.
Favorecer e elogiar as condutas de enfrentamento quando a criança tiver tentado, mesmo que não obtenha o sucesso pretendido na tarefa.
Evitar ser o “pai permissivo”. Os pais permissivos pensam que é melhor “ceder do que brigar” e que “todo tipo de castigo é ruim”. Como consequência, costumam ter problemas para estabelecer limites quando a situação requer firmeza e decisão. Esses pais têm um estilo de liderança pouco eficaz, com ausência de regras claras e consequências pouco eficazes diante de mau comportamento, deixando que as crianças decidam o que fazer. Podem ser não confrontadores por temerem perder o carinho dos filhos.
Pesquisas demonstram que as crianças que crescem em lares permissivos costumam ter problemas de comportamento no futuro, mais imaturidade, baixa responsabilidade sobre os seus atos e tendência ao descontrole emocional. De fato, para alcançar o bem-estar integral, as crianças requerem uma estrutura de limites e consequências bem estabelecida em caso de mau comportamento.
Evitar ser o “pai salvador”. Muitos pais superprotetores consideram que devem evitar todo tipo de desconfortos a seus filhos. Alguns exemplos: pais são que deixam que os filhos faltem à escola em dia de prova porque não estudaram o suficiente, ou até que mudem de colégio quando dizem que a professora “foi má” ou “tem implicância” com eles. Esses pais farão o que puderem para que seus filhos sejam bem-sucedidos, sem perceber que aprender autonomia e responsabilidade pelas próprias ações é um dos segredos do sucesso. Para o próprio bem-estar futuro da criança, é importante que, quando for apropriado e benéfico, se adie a gratificação e se promova pequenas frustrações. Além disso, convém evitar os sentimentos de culpa ou vergonha por não ser “o pai perfeito que resolve todos os problemas”. O importante é saber que não existem pais perfeitos, nem filhos perfeitos, e que a melhor forma de facilitar um bom desenvolvimento integral é aprender a controlar os próprios pensamentos e emoções, para ajudar a criança fazer o mesmo.
Ser um pai “amável, mas firme”. O estilo ideal de criação é aquele em que os educadores podem ser amáveis e carinhosos, sem perder firmeza. Isso requer saber dizer “não”, para que a criança aprenda que nem sempre terá tudo o que deseja de imediato, nem simplesmente porque o exija, feito que será de vital importância em sua vida adulta. Por exemplo, quando um pai “amável, mas firme” considera que o seu filho comeu chocolate suficiente, diz com voz firme e tranquila: “Você não vai mais comer chocolate. Pode te fazer mal e já comeu bastante.” Se o filho reagir com irritação ou mal-estar, continua: “Entendo que você tenha ficado chateado e se irrite” (validando a emoção negativa). Quando finalmente a criança se acalmar, a felicita por isso, mas sem abordá-la quando estiver e meio de sua birra. Deve-se explicar aos filhos que é obrigação dos pais cuidar deles e que isso, muitas vezes, requer dizer “não”, mesmo quando se irritam e não entendam o benefício da frustração.
Em síntese, algumas das estratégias para fomentar nas crianças o desenvolvimento de alta tolerância à frustração são:
- • Demonstrações de afeto, amabilidade e respeito.
- • Elogios pela boa conduta, especialmente quando implique enfrentamento de situações difíceis.
- • Estrutura de limites e regras claras em relação a bons e maus comportamentos.
- • Consequências bem estabelecidas (e cumpridas de forma consistente) quando as regras de bom comportamento não são respeitadas.
- • Ajuda na resolução de problemas, sem eliminar a responsabilidade e a autonomia da criança diante do desafio em questão.
- • Validação de suas emoções, mesmo quando forem negativas, indicando que é “normal” sentir um mal-estar quando as coisas não saem como foram planejadas.
- • Identificação dos pensamentos derrotistas, para trocá-los por outros de enfrentamento e tolerância à frustração (tanto nos pais como nos filhos).
- • Imitação de bons exemplos na família quanto à administração das frustrações.
- • Aceitação incondicional, apesar dos fracassos, para favorecer a autoconfiança e a responsabilidade diante dos erros e do mau comportamento.
Clark, L.. SOS Ayuda para Padres. Bowling Green: SOS Programs and Parents Press (2003).
Knaus, W. J.. Frustration Tolerance Training for Children. In: Ellis, A., & Bernard, M.E. (editores): Rational Emotive Behavioral Approaches to Childhood Disorders. Theory, Practice and Research. New York: Springer (2006).
Vernon, A.. What Works When with Children and Adolescents. Champaign: Research Press (2002).
Educação Financeira e Emocional: um encontro necessário
É essencial ensinar uma criança a planejar seus gastos, a ter metas financeiras, a economizar e a ficar longe de dívidas.
Associar o mundo emocional às atitudes práticas ao lidar com dinheiro previne inúmeros problemas financeiros no decorrer da vida.
Sentimentos como empolgação excessiva, ansiedade, preocupação e culpa acompanham e influenciam de maneira direta cada decisão ligada ao dinheiro.
Muitas escolas brasileiras já incluem a educação financeira em sua grade curricular e, felizmente, bons programas foram desenvolvidos para garantir que esse tema seja implementado de forma transversal e integrada às disciplinas tradicionais.
No entanto, é muito difícil encontrar uma visão sobre educação financeira que englobe os fatores psicológicos pessoais e familiares relacionados ao uso do dinheiro. Algumas iniciativas até unem o aprendizado das finanças a aspectos ligados a comportamento, impacto social e valores humanos – isso é fundamental, mas ainda é limitada a consciência de que sentimentos como empolgação excessiva, ansiedade, preocupação e culpa acompanham e influenciam cada decisão ligada ao dinheiro.
Mais restrita ainda é a noção de que padrões familiares financeiros são transmitidos de geração em geração e, muitas vezes, impedem as pessoas de ter uma vida financeira saudável, independentemente do quanto aprendam sobre juros, aplicações, descontos e orçamentos.
Em geral, a visão sobre o dinheiro é muito racional, e o impacto das emoções e dos fatores psicológicos na gestão financeira pessoal sempre foi negligenciado.
Uma educação financeira desconectada da compreensão emocional é, na maioria das vezes, pouco eficaz a longo prazo. Quantos adultos preparados tecnicamente para lidar com suas finanças se atrapalham e acabam gastando demais por excesso de empolgação? Ou ficam tão ansiosos com sua vida financeira que preferem nem pensar sobre o assunto e acabam se endividando? Ou, ainda, economizam em excesso por medo ou culpa e deixam de aproveitar a vida? Isso acontece porque as pessoas não entendem as emoções que emergem ao lidar com o próprio dinheiro. Como consequência, tomam decisões equivocadas baseadas em fatores psicológicos que desconhecem.
Ensinar uma criança a planejar seus gastos, a ter metas financeiras, a economizar e a ficar longe de dívidas é essencial. Também é importante conscientizá-la sobre o impacto de seu comportamento financeiro na sociedade e sobre a importância de assuntos como economia circular, consumo consciente e ética nas finanças. Entretanto, uma vida financeira saudável na fase adulta é, em grande parte, resultado de muitas experiências vividas na infância. Você sabe como isso se dá? Por meio da cultura familiar em relação ao dinheiro e, sobretudo, dos padrões de comportamentos da família. Perguntas do tipo “Como seus pais lidam com dinheiro?”, “Qual o significado do dinheiro em sua família?” e “Como foi a história financeira das gerações passadas?” também devem acompanhar os conteúdos técnicos de educação financeira.
O comportamento dos pais é aprendido pela criança sem que ela perceba. Pais que gastam demais, que controlam demais o dinheiro, que ficam deprimidos quando gastam ou que não se preocupam com dívidas passam para a criança mensagens éticas e psicológicas silenciosas que afetam seu desenvolvimento.
O encontro da educação financeira com a emocional permite desenvolver a capacidade de tomar decisões baseadas no autoconhecimento e na história de vida familiar de cada um. Isso facilitará a construção de uma estratégia financeira de longo prazo que inclua momentos vulneráveis, como envelhecimento e adoecimento dos pais, perda de emprego, morte de um provedor e aposentadoria.
Associar o mundo emocional às atitudes práticas ao lidar com dinheiro previne inúmeros problemas financeiros no decorrer da vida. Além disso, reconhecer os padrões de comportamento da família em relação ao assunto protege o indivíduo contra uma série de comportamentos de risco.
Os programas de educação financeira devem incluir reflexões, pesquisas pessoais e ações práticas que ajudem professores, alunos e pais a entender a importância dos aspectos emocionais na construção de uma vida financeira consistentemente saudável. Educação financeira e educação emocional devem andar de mãos dadas desde a infância. Aliar o ensino da gestão do dinheiro ao conhecimento e à gestão das emoções é urgente para desenvolver cidadãos mais generosos, com menos necessidade de ostentar e mais capazes de tomar decisões adequadas, sustentáveis e com impacto positivo para a sociedade.
Socorro! Meu filho sofre de adolescência
É importante saber como administrar a adolescência para evitar disputas constantes
É importante entender essa fase da vida para administrar as novas emoções dos jovens e evitar disputas constantes.
Chegada a adolescência, as crianças enfrentam mudanças físicas, emocionais e sociais desconhecidas e inesperadas para elas.
Se de um mês para outro um adulto percebesse o corpo mudar, a voz se transformar e o ânimo passar de feliz a absolutamente irritado em instantes, certamente correria para pedir ajuda a um psicólogo.
No entanto, todas essas características, aplicáveis a qualquer adolescente, se juntam com outro traço típico neles: falam pouco ou nada com seus pais ou outros adultos. Simplesmente “não tem nada a ver”. Nessa idade, seus confidentes são os amigos, que estão tão perdidos quanto eles, de modo que não podem ajudá-los muito. Muito menos recomendar, a não ser estejam muito mal, que consultem um psicólogo.
Assim, em uma fase de mudanças muito bruscas e decisivas, durante a qual é preciso demonstrar seu valor e sua recém adquirida independência e autonomia, o que os adolescentes fazem? O que for possível para conseguir mudanças rápidas que lhes permitam demonstrar, por um lado, que podem fazer tudo sozinhos, e, por outro, resolver os problemas rapidamente, sem muita análise:
- • Engordei? Paro de comer.
- • Não estou muito forte? Passo o dia fazendo musculação, andando de bicicleta e correndo.
- • Tenho espinhas? Acabo com elas no banho.
Essa maneira de agir não é considerada um problema até que, passado algum tempo, a crua realidade se revela: se paro de comer, perco as forças e passo o dia inteiro com fome; se me dedico à atividade física a ponto de não ter tempo para estudar, repito de ano; se cutuco as espinhas, fico com marcas e é pior etc.
É então que o adolescente pede ajuda, mas ela vem em forma de queixa e de irritação consigo mesmo – por não ter conseguido resolver o problema sozinho –, e com os pais – porque eles dizem justamente o que não querem ouvir.
Para completar, os pais aproveitam esse momento de poder para lembrar os filhos de que tinham razão e para criticar seu comportamento. Já é possível imaginar o capítulo seguinte da história: conflitos e brigas.
Como lidar com os filhos adolescentes?
É importante saber como administrar esses problemas para evitar disputas constantes. Vejamos como fazer isso com um exemplo concreto muito comum nessa fase:
Conflito: Minha filha não gosta muito da aparência da barriga e das pernas e reclama a respeito desde os 7 ou 8 anos. Não quer colocar biquíni e termina os dias triste, confessando que em um ou outro conflito o corpo dela era a questão. O mesmo acontece quando vai comprar roupa.
Situação habitual: Quase todas as meninas até os 11 ou 12 anos começam a mudar e precisam de tempo sozinhas. Distanciam-se das mães, lhes dão menos atenção e o critério e a opinião delas passam para segundo plano – ou até para o plano contrário.
O que quero como mãe ou pai? Quero que minha filha entenda e sinta que esse é o corpo que tem, que provavelmente será assim a vida toda, e que ficar irritada com ele não só é contraproducente para sua felicidade, mas também inútil. Como conseguir isso?
O foco deve mudar. É preciso tentar administrar essas emoções de insatisfação com a imagem pessoal (a principal, durante a adolescência) utilizando outra perspectiva:
- 1. Prever que, na adolescência, esse tipo de situação vai acontecer. Uma vez que a adolescente não ouvirá a mãe, esta precisa começar a agir antes.
- 2. Ouvir as preocupações da filha e tentar sentir empatia por ela. Não minimizar os sentimentos dela nem julgá-los – além de não ajudar, essa atitude a afastará.
- 3. Transmitir-lhe que se uma questão é importante para ela, também é para os pais. Juntos encontrarão as soluções.
- 4. Entender que é normal que a filha se irrite e se frustre. Não recriminá-la por se preocupar tanto com a autoimagem.
- 5. Experimentar quais opções ou soluções tranquilizam a filha ou a deixam menos insatisfeita.
- 6. Transmitir, aos poucos, que a ausência de insatisfação não é possível na vida. Dar exemplos de pessoas próximas de quem ela gosta e com quem tem boa relação a respeito de aceitação dos próprios “defeitos”. Por exemplo, a tia não gosta muito do próprio cabelo, mas encontrou um corte que a favorece etc.
- 7. Lembrar de reforçar e reconhecer com orgulho tudo que a filha fizer bem, pois essa é a melhor fonte de autoestima para os adolescentes.
Projeto de Vida para Adolescentes
Reflexões e ações rumo à vida adulta
Desenhar um projeto de vida na adolescência é importante, pois o jovem precisa vislumbrar sua vida adulta de forma independente quando está mais vulnerável a se envolver em situações de risco que podem comprometer todo seu futuro.
Projeto de Vida é um conjunto de reflexões e estratégias baseadas nos desejos, objetivos e expectativas de uma pessoa.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, a adolescência é a fase entre 12 e 18 anos. Esse período marca um momento de amadurecimento cerebral, de intensidade nas relações humanas, de importantes descobertas e de novas oportunidades para a vida. Além disso, a adolescência é influenciada por valores e expectativas sociais e culturais que podem tanto pressionar negativamente o jovem quanto apoiá-lo rumo à vida adulta. Tendência à exploração, vontade de se arriscar e procura por novas relações e aventuras são características marcantes da transição entre a infância e a vida adulta.
Uma das funções mais importantes da adolescência é estabelecer a independência em relação à família para construir a própria identidade e as bases da vida futura. Por isso, oferecer ao adolescente um ambiente acolhedor de reflexão em casa e na escola é fundamental para seu desenvolvimento. Nesse contexto, construir com o jovem um projeto de vida o ajudará a definir caminhos saudáveis e alinhados com sua personalidade na jornada rumo à maturidade.
O que é um projeto de vida?
É um conjunto de reflexões e estratégias baseadas nos desejos, objetivos e expectativas de uma pessoa. O projeto de vida deve considerar não somente os aspectos individuais, mas também a cultura local onde a pessoa está inserida e o contexto mundial.
A adolescência é um período particularmente importante para a construção de um projeto de vida, pois o jovem precisa vislumbrar sua vida adulta de forma independente quando está mais vulnerável a envolver em situações de risco que podem comprometer todo seu futuro.
Objetivos de um projeto de vida
Os objetivos do projeto de vida estão ligados à reflexão sobre si mesmo, os outros e a sociedade para, a partir daí, desenhar estratégias de vida e de trabalho. O projeto de vida deve incentivar o autoconhecimento, a clareza sobre os próprios talentos, limitações e aspirações, e a melhora das relações humanas. Além disso, é fundamental, na adolescência, que o projeto de vida seja orientado tanto pelos pais quanto pela escola com o intuito de conectar o cotidiano escolar à vida e às transformações mundiais. Dessa forma, será mais fácil para o jovem fazer escolhas profissionais e pessoais adequadas e lidar com as perdas que fazer opções necessariamente impõe.
Quais habilidades devem ser desenvolvidas através do projeto de vida?
A construção de um projeto de vida é uma excelente oportunidade para o adolescente desenvolver técnicas de autoconhecimento e reflexão sobre si mesmo e sobre o mundo. É uma ferramenta muito útil para a construção da identidade em um momento de separação dos modelos parentais.
Além disso, enquanto o adolescente passa pelo processo de reflexão e ação ligados ao projeto de vida, exige-se que desenvolva a capacidade de gerenciar seu tempo, planejar, pensar de forma crítica, gerir suas emoções, tomar decisões adequadas e resolver problemas e desafios.
Outro ponto importante é o estabelecimento de maior autonomia e senso de responsabilidade em relação às próprias atitudes e decisões, o que, consequentemente, promove um empoderamento importante que consolida uma autoestima saudável do jovem. O foco central de um projeto de vida deve ser tanto a vida presente quanto o futuro.
Como fazer?
O projeto de vida pode ser construído de várias formas, dependendo da cultura escolar e familiar e da personalidade do jovem. Alguns pontos devem ser considerados na elaboração de um formato de projeto de vida:
- • Criar um ambiente acolhedor e sem julgamentos. O adolescente deve se sentir à vontade para se abrir e pensar com o adulto. Por exemplo, na escola ele pode escolher um professor-mentor com o qual se identifique para ajudá-lo no processo.
- • Participar de projetos interdisciplinares com temas geradores ligados a autoconhecimento, estratégias de vida, possibilidades profissionais, impacto social e propósito de vida. De forma personalizada, o jovem pode “aprender e refletir fazendo” e se lançando em desafios que testarão suas competências.
- • Explorar ferramentas de autoconhecimento que façam sentido para ele. Meditação, psicoterapia e aplicativos focados em bem-estar podem constituir um bom tripé de desenvolvimento emocional.
- • Visitar e entrevistar pessoas que inspirem o adolescente pessoal e profissionalmente.
- • Utilizar tecnologias que favoreçam a gestão do tempo, a organização e a gestão de projetos pessoais e escolares.
- • Criar maneiras de ajudar o adolescente a mapear e identificar situações de perigo em potencial: brigas, dependências variadas, promiscuidade sexual e comportamentos de risco em geral. A capacidade de reconhecer e antecipar situações arriscadas pode proteger o jovem por toda a vida.
- • Identificar maneiras de continuar brincando. O brincar tem uma continuidade que começa na infância, passa pela adolescência e permanece na vida adulta. Estabelecer a relação do que era prazeroso na infância e o que proporciona prazer hoje é uma ferramenta de autoconhecimento e identificação de propósito de vida.
Desafios
Construir um bom projeto de vida na adolescência apresenta alguns desafios. É característica do jovem criar muitas expectativas que, em algum momento, serão confrontadas. Auxiliar nesse processo de frustração e choque de realidade é papel essencial de pais e educadores. Como a adolescência é um período delicado, é fundamental que os adultos consigam enxergar essa fase de maneira positiva e não com preconceitos já estabelecidos.
Considerar o adolescente como “aborrecente” nos impede de ver o indivíduo de forma ampla e repleta de oportunidades de desenvolvimento. Outro desafio essencial é conseguir manter a esperança na vida e no futuro. A esperança é um fator de proteção para o adolescente porque favorece a determinação e a resiliência para enfrentar os desafios da jornada rumo à maturidade.
O que fazer se o meu filho não quer estudar?
Família e escola devem formar uma equipe para encontrar as causas do problema
Quando um filho não quer estudar, o primeiro passo é encontrar a causa do problema. Para isso, devemos contar com o apoio dos professores para dar importância à vida escolar e desenvolver bons hábitos.
A natureza do jovem e sua capacidade nata de aprender
A busca por conhecimento é natural no ser humano. As crianças possuem uma tendência à atividade e à aprendizagem, dedicando muita energia a esse objetivo. Às vezes, porém, não se interessam pelo que os pais e professores querem que façam. O problema pode não ser a falta de motivação, mas tornar o estudo mais atraente e interessante. Se não nos conectamos com o mundo do jovem, suas experiências de vida e seus interesses, corremos o risco de apagar os desejos natos de aprendizagem e desenvolvimento pessoal.
Em geral, a ausência de motivação, o baixo rendimento ou o fracasso escolar não estão diretamente relacionados com problemas nas funções cognitivas ou com dificuldades específicas de aprendizagem, embora não se deva descartar essas causas. Na maioria das vezes, porém, as dificuldades se dão principalmente por:
- Falta de hábitos de estudo e trabalho.
- Baixa autoestima, falta de segurança e pouca confiança nas próprias capacidades.
- Ausência de referências familiares claras em relação a autoridade, autonomia e responsabilidade pessoal.
- Conflitos familiares que impedem o equilíbrio e o bem-estar emocional imprescindíveis para aprender, crescer e aproveitar os estudos e a vida em geral.
- Um sistema educativo que tende à massificar os alunos e que, por falta de recursos ou outras razões, não os atende em sua individualidade e necessidades mais pessoais.
O que podemos fazer?
- Dar importância à vida escolar, não apenas às notas, mas a tudo o que acontece na escola: relações com colegas e professores, passeios, acampamentos, festas etc. É importante que as crianças e os jovens gostem do que fazem e que se sintam felizes, acolhidas e seguras na escola. Se não estiverem bem, ficarão tensas e preocupadas, e não conseguirão estudar e aprender adequadamente.
- Ajudar a desenvolver bons hábitos: responsabilizar-se pelos próprios atos, tratar as pessoas com respeito, cumprir limites e normas para ter uma atitude favorável em relação à disciplina e à ordem, aprender que é necessário esforço para executar bem as tarefas. Auxilie seus filhos a planejar e organizar o tempo e a dedicar um período para a atividade escolar todos os dias. Eles também devem cuidar e manter organizados os livros e demais materiais de estudo.
O cérebro humano e as múltiplas habilidades
Desenvolver habilidades é importante para a escola e para a vida
Oferecer experiências de aprendizagem que beneficiam habilidades e interesses da criança e produzem prazer pode contribuir para o bom desempenho acadêmico e social.
O funcionamento cerebral tem particularidades que estão sendo descobertas a cada dia, e esse conhecimento é constantemente atualizado
Vamos conversar sobre o cérebro. Precisamos entender um pouco mais sobre esse órgão que processa todas as informações do meio ao redor e as (re)organiza constantemente, atribuindo significados diversos às nossas experiências. É assim que interagimos com o ambiente e modificamos as informações que estão sendo processadas.
O funcionamento cerebral tem particularidades que estão sendo descobertas a cada dia, e esse conhecimento é constantemente atualizado. Em geral, a sociedade não consegue acompanhar essas transformações, o que resulta na divulgação de conceitos simplificados, errôneos ou, muitas vezes, restritos.
Habilidade é o mesmo que inteligência?
Primeiro, precisamos distinguir os conceitos de habilidade e inteligência. Ser mais ou menos capaz de realizar uma atividade não me faz mais ou menos inteligente. Cada um de nós percebe as próprias capacidades ao realizar atividades que envolvem habilidades diversas.
O conceito de inteligência não envolve uma habilidade específica, mas a funcionalidade na integração da ação cerebral. Ele tem a ver com a velocidade e a capacidade de resolver problemas.
Para resolver um problema que envolva qualquer habilidade precisamos considerar aspectos emocionais, raciocínio, planejamento, pensamento abstrato, linguagem e experiências anteriores. Assim, se sou capaz de resolver problemas em um curto intervalo de tempo de forma a atuar de maneira eficaz no ambiente em que vivo, posso me considerar uma pessoa inteligente, independente das habilidades que possuo.
Pesquisas importantes que envolvem a revisão de estudos e o acompanhamento de pessoas ao longo da vida têm demonstrado que, embora os testes de QI (coeficiente de inteligência) se relacionem diretamente com competências escolares e ocupacionais, com o desempenho no trabalho e com o envolvimento social, eles também são importantes para prever a capacidade de tomar decisões para a vida prática que caracterizam o indivíduo como autônomo e competente.
O que é habilidade?
O conceito de habilidade envolve uma capacidade ou um talento natural ou adquirido que possibilita a um indivíduo ter um desempenho específico em um trabalho ou tarefa. Ou seja, posso ter poucas ou várias habilidades, e isso não implica ser mais ou menos inteligente.
Cada habilidade envolve características emocionais e cognitivas que precisam ser planificadas e organizadas para ter uma utilidade prática e ser funcional para um indivíduo.
Não podemos considerar habilidades independentes: nossas habilidades e nosso desempenho cerebral não são resultado de uma única área desse órgão, mas sim resultado da integração entre múltiplas regiões que dependem de estimulações intensas e amplas.
Isso quer dizer que muitas das habilidades envolvidas em uma atividade manual também estão relacionadas a habilidades escolares, do mesmo modo que quando interagimos com bichos ou trabalhamos no jardim também envolvemos habilidades cognitivas que incluem o aprendizado escolar e habilidades interpessoais, como o controle de impulsos, a resolução de problemas, a atenção e a memória operacional, desde que pensemos sobre essa atividade e a planejemos antes de realizá-la.
E meu filho?
Preparar uma criança para a escola e para a vida não envolve treiná-la com relação a questões cognitivas e escolares. Aprendizagens estruturadas que beneficiem habilidades e interesses que já se observam na criança e produzem prazer também podem contribuir para a melhora do desempenho acadêmico e social não só por questões emocionais, mas também cognitivas.
É importante que essas atividades sejam oferecidas à criança e ao adolescente dentro de um contexto estruturado e com objetivos e metas claras tanto para elas quanto para os pais, para que os pequenos possam ir monitorando seu desempenho à medida que alcançam os resultados desejados.
Aliás, esse automonitoramento é fundamental para a estimulação cognitiva e emocional (e, consequentemente, cerebral). A criança precisa perceber que o resultado de seu desempenho é melhor quando ela se esforça no planejamento e no controle emocional e cognitivo. Para o cérebro e para o desenvolvimento, é necessário ter um retorno imediato ao desempenho cognitivo e emocional, e, nesse aspecto, o desenvolvimento de habilidades tende a mostrar resultado mais rapidamente do que os aprendizados acadêmicos.
Sem dúvida, nossas habilidades estão relacionadas com o que preferimos fazer. Não gostamos de realizar atividades para as quais não temos habilidades, e muito menos expor a colegas e pais o que não fazemos bem. Porém, a estimulação dessas habilidades com objetivos e metas claras podem e devem ser apresentadas às crianças de forma lúdica e prazerosa, seja em um contexto específico ou no ambiente educacional.
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