EDUCAÇÃO INOVADORA 2020 | #3 Especial família: inteligência emocional digital

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Como as metodologias ativas contribuem para o processo de aprendizagem

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Débora Garofalo - Colunista

Débora Garofalo - Colunista

Resolução de problemas, sala de aula invertida e Design Thinking: como essas metodologias podem contribuir para que o processo de aprendizagem ocorra?

O que esses modelos possuem em comum é que tiram o aluno da passividade e o trazem para o centro do processo de aprendizagem para que exerça um papel ativo e protagonista na construção da sua aprendizagem.

 

As modalidades se diferem enquanto estrutura e abordagem, onde o ambiente propicia a colaboração e a participação estimulando a criatividade e a inventividade para resolver problemas reais, produzir conteúdo e/ou protótipos (no caso da Robótica), participar de um debate ou vencer as etapas de um jogo. Os alunos se envolvem com a construção das atividades, tornando-se pertencentes e aprendendo de forma significativa.

Ao trabalhar dessa forma, o professor forma habilidades de investigação, reflexão e autonomia na busca do conhecimento e na aptidão para resolução de problemas, além de exercitar as competências necessárias e descritas na Base Nacional Comum Curricular, conforme ilustração a seguir:

 
 

O que esses modelos possuem em comum é que tiram o aluno da passividade e o trazem para o centro do processo de aprendizagem para que exerça um papel ativo e protagonista na construção da sua aprendizagem.

 

A seguir faremos um breve panorama de cada metodologia, em que o professor poderá determinar a mais adequada a ser utilizada com os alunos.

aprendizagem baseada em problemas ou project based learning (PBL), tem como propósito fazer com que os estudantes aprendam através da resolução colaborativa de desafios. Ao explorar soluções dentro de um contexto específico de aprendizado, que pode utilizar a tecnologia e/ou outros recursos, essa metodologia incentiva a habilidade de investigar, refletir e criar diante de uma situação. O professor atua como mediador, provocando e instigando o aluno a buscar as resoluções por si só. Ele tem o papel de intermediar nos trabalhos e projetos e oferecer retorno para a reflexão sobre os caminhos tomados para a construção do conhecimento, estimulando a crítica e a reflexão dos jovens.

 

sala de aula invertida ou flipped classroom, tem como objetivo substituir a maioria das aulas expositivas por extensões da sala de aula em outros ambientes, como em casa ou no transporte.

Neste modelo, o estudante tem acesso ao conteúdo de forma antecipada, podendo ser online para otimização do tempo em sala de aula, fazendo com que tenha um conhecimento prévio sobre o conteúdo a ser estudado e interaja com os colegas na realização de projetos e resolução de problemas. Neste formato os estudantes participam ativamente da construção do seu aprendizado ao se beneficiarem com um melhor planejamento de aula e com a utilização de recursos variados, como vídeos, imagens, e textos em diversos formatos.

 

Design Thinking é uma abordagem usada em busca de solução de problemas. Na educação é conhecida como aprendizagem investigativa, que trabalha de forma colaborativa e desenvolve a empatia. Neste modelo, o estudante participa como formador de conhecimento e não como receptor de informação. Na prática, a abordagem é dividida em cinco etapas: descoberta, interpretação, ideação, experimentação e evolução.

 

As etapas de descoberta e interpretação devem ser construídas com desafios. A proposta é provocar e aguçar a curiosidade para enfrentar as questões levantadas. Neste processo, considerar o conhecimento prévio individual e percepções significativas no decorrer da construção em busca de múltiplas soluções é fundamental.

 

Na fase de criação deve-se dar espaço à construção de uma “chuva de ideias” (o famoso brainstorm), um espaço para sonhar e colocar para fora até mesmo as ideias visionárias. Na quarta etapa, a experimentação, ­– em que as ideias ganham vida –, é necessário criar vivências para encontrar possíveis soluções para o desafio lançado.

 

evolução é a continuidade do desenvolvimento do trabalho. Ela envolve o planejamento dos próximos passos, compartilhando ideias com outras pessoas que podem colaborar com o processo. No desenvolvimento das etapas, o professor e os estudantes podem oferecer dicas de como organizar as ideias, seja formatando listas, usando post-its, histórias inspiradoras, fotos, aplicativos para celular ou tablets, por exemplo. Cada situação requer uma nova abordagem que deverá ser construída coletivamente.

 
 

E você, professor, trabalha com as metodologias ativas em sala de aula? Conte aqui nos comentários e ajude a fomentar as práticas docentes.

Um abraço,

Débora

Formada em Letras e Pedagogia, pós-graduada em Língua Portuguesa pela Unicamp e mestranda em Educação pela PUC de SP. É professora de Tecnologias, trabalha com Cultura Digital, Robótica com sucata/livre, programação e animações; e implementação em tecnologias em Escolas Públicas.

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Design Thinking como aliado à educação

Design Thinking como aliado à educação

Você já ouviu o termo design thinking? Ele é muito forte nas empresas e vem conquistando, também, as salas de aulas.

 

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Design Thinking é uma metodologia usada para busca de solução de problemas, também conhecida como aprendizagem investigativa. Ela trabalha de forma colaborativa, desenvolvendo a empatia, onde o estudante participa como formador de conhecimento e não apenas como receptor de informação. O trabalho, tendo como premissa o design centrado em Humanos, Human Centered Design, integra as necessidades individuais.

 
 

Sua abordagem contribui com a educação por permitir trabalhar a resolução de problemas e dar voz aos alunos ao trabalhar com colaboração e empatia. Não existe uma forma correta de aplicar o Design Thinking, o que existe são etapas que devem ser trabalhadas, aplicadas à resoluções de problemas reais. Tais resoluções possibilitam dinamismo, envolvimento e ações de pertencimento, trazendo um redesenho das salas de aula ao propor novos processos de ensino-aprendizagem.

Na prática, a metodologia é dividida em cinco etapas que devem ser construídas com desafios, aguçando a curiosidade para enfrentar questões levantadas e considerando o conhecimento prévio e as percepções significativas em busca de múltiplas perspectivas de soluções.

Descoberta: A etapa da descoberta é a fase de conhecimento e necessidade, vale usar a empatia para ouvir, ver e sentir. Aqui é permitido sonhar e falar abertamente sobre vários pontos.

Interpretação: Exige desafios que envolve a interpretação na fase da descoberta. Vale articular os diferentes pontos de vistas e ponderá-los para viabilizar a próxima etapa.

Ideação: É a etapa de criação, onde a solução deve ser encontrada. Permite um espaço a chuva de ideias e internalizar ideias visionárias.

Experimentação: A quarta etapa, corresponde à experimentação, em que as ideias ganham vida, experimentando possíveis soluções para o desafio lançado.

Evolução: É o desenvolvimento do trabalho que envolve o planejamento dos próximos passos, compartilhando ideias com outras pessoas que podem colaborar com o processo.

 
 

Nas etapas, tanto o professor quanto os estudantes, podem oferecer dicas de organização das ideias. A abordagem pode ocorrer de forma on-line através de softwares que trabalham com mapas mentais, e/ou off-line, através de post-its (papeis autocolantes coloridos), listas, histórias inspiradoras, fotos, aplicativos para celular, tablets etc. São inúmeras possibilidades, onde cada problema requer uma abordagem que deverá ser construída coletivamente, sem uma receita pronta, e que pode ser criada conforme a ilustração abaixo:

 
 

As etapas também podem ser construídas com alguns softwares gratuitos, como:

Mind Node: Programa muito simples e prático para ser utilizado no dia a dia.

Free mind: É um software livre para criação de mapa mental. É simples e objetivo, disponível para usuários Windows e Linux.

Ree Plane: Outro programa simples, compatível com Windows e Linux.

Cogglesoftware online, permite que mais de uma pessoa trabalhe com o mesmo mapa mental.

E você, querido professor, já usou dessa metodologia em sala de aula? Conte aqui nos comentários!

Um abraço,

Débora

Formada em Letras e Pedagogia, pós-graduada em Língua Portuguesa pela Unicamp e mestranda em Educação pela PUC de SP. É professora de Tecnologias, trabalha com Cultura Digital, Robótica com sucata/livre, programação e animações; e implementação em tecnologias em Escolas Públicas. Vencedora na temática Especial Inovação na Educação no Prêmio Professores do Brasil e Finalista no Global Teacher Prize, considerado o Nobel da Educação.

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Cultura Digital: o que é e como trabalhar em sala de aula

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A cultura digital busca integrar a realidade com o mundo virtual. Ganhou grande importância na educação com a homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), devido às mudanças sociais significativas, ao avanço tecnológico da informação e ao crescente acesso a dispositivos como computadores, telefones celulares e tablets.

Todo esse contexto impõe à educação novos desafios em relação ao papel e à formação dessas novas gerações, contribuindo para que os estudantes tenham atitudes críticas em relação ao conteúdo. Quando essas novas linguagens são incorporadas ao currículo, é possível reinventar modelos de promover a aprendizagem, a interação e o compartilhamento de significados entre professores e alunos.

 

Saiba mais

Como a BNCC contempla a cultura digital?

“Contempla a cultura digital, diferentes linguagens e diferentes letramentos, desde aqueles basicamente lineares, com baixo nível de hipertextualidade, até aqueles que envolvem a hipermídia”.

 

Ferramentas e atividades que podem ser utilizadas em sala de aula

As novas práticas de linguagens próprias da cultura digital, passaram por reelaboração dos gêneros impressos em função das transformações tecnológicas.

 
 

Fique por dentro

A BNCC não contempla ferramenta digital, mas, é possível utilizar, inclusive do celular, permitindo empatia, colaboração e interatividade para as aulas.

Fizemos um apanhando de ferramentas que podem potencializar o aprendizado da cultura digital para dentro da sala de aula. Vamos lá?

 

Blog: É um gênero textual digital, veiculado na internet e serve como meio de comunicação virtual. É possível criar um blog específico que possibilite a integração de foto, texto e vídeo, possibilitando atividades em sala de aula, como a criação de um diário, um jornal interativo ou a realização de um documentário. Entre os programas destacamos o  WordPressTumblrBlogger, todos gratuitos.

 

Meme ou charge digital: O termo é bastante conhecido e utilizado no “mundo da internet”, devido ao fenômeno da “viralização” de uma informação, ou seja, qualquer ideia que se espalhe rapidamente e alcance muita popularidade. Pode ser criado a partir de ferramentas gratuitas e intuitivas como o Canvas e o Meme Mania. O professor pode trabalhar com esses gêneros como com a criação de tirinhas educativas ou histórias em quadrinhos.

 

Vídeo-minuto: Os alunos se identificam muito com este gênero, pela possibilidade de internalizar e oralizar acontecimentos. Além dos disponíveis pelo aplicativo do celular, também é possível trabalhar com o Windows Movie Maker, que é bem intuitivo e possui ferramentas de edição. O professor pode trabalhar com animações, curtas-metragens e até documentários.

 

Fanfic: É um gênero voltado para leitura e escrita de histórias. Pode ser realizado através do Playfic, um site com uma programação simples. Lá, o usuário pode criar sua narrativa e dar a chance aos leitores de escolherem o final da história.

 

Mobilizar práticas de cultura digital em diferentes linguagens, gêneros, mídias e ferramentas é importante para expandir e produzir sentidos, tornando os alunos protagonistas da construção do conhecimento.

E você, querido professor, como está trabalhando com a cultura digital em sala de aula? Quais atividades você já desenvolveu com os alunos e quais ferramentas já utilizou? Conte aqui nos comentários!

Um abraço,

Débora

Todo esse contexto impõe à educação novos desafios em relação ao papel e à formação dessas novas gerações, contribuindo para que os estudantes tenham atitudes críticas em relação ao conteúdo. Quando essas novas linguagens são incorporadas ao currículo, é possível reinventar modelos de promover a aprendizagem, a interação e o compartilhamento de significados entre professores e alunos.

 

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Meme ou charge digital: O termo é bastante conhecido e utilizado no “mundo da internet”, devido ao fenômeno da “viralização” de uma informação, ou seja, qualquer ideia que se espalhe rapidamente e alcance muita popularidade. Pode ser criado a partir de ferramentas gratuitas e intuitivas como o Canvas e o Meme Mania. O professor pode trabalhar com esses gêneros como com a criação de tirinhas educativas ou histórias em quadrinhos.

 

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Mobilizar práticas de cultura digital em diferentes linguagens, gêneros, mídias e ferramentas é importante para expandir e produzir sentidos, tornando os alunos protagonistas da construção do conhecimento.

E você, querido professor, como está trabalhando com a cultura digital em sala de aula? Quais atividades você já desenvolveu com os alunos e quais ferramentas já utilizou? Conte aqui nos comentários!

Um abraço, 

Débora

Débora Garofalo é Assessora Especial de Tecnologias da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEE SP) e professora da rede pública de ensino de São Paulo. Formada em Letras e Pedagogia, mestranda em Educação pela PUC-SP, vencedora na temática Especial Inovação na Educação no Prêmio Professores do Brasil, Vencedora no Desafio de Aprendizagem Criativa do MIT e considerada uma das dez melhoras professoras do mundo pelo Global Teacher Prize, o Nobel da Educação.

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Como incentivar o ensino de ciências através das tecnologias

Como incentivar o ensino de ciências através das tecnologias

Débora Garofalo - Colunista

Débora Garofalo - Colunista

É fato que precisamos incentivar o inicio de ciências na escola e é consenso que a tecnologia pode (e deve) alavancar essa aprendizagem.

Os nossos estudantes têm bastante curiosidade, em saber a origem das coisas, causas de fenômenos da natureza, explorar aquilo que parece diferente, intrigante. Sem dúvida o ensino de Ciências, ajuda a encontrar respostas para muitas questões que cercam esse mundo misterioso e ajuda compreender melhor nossa própria natureza.

É para encontrar essas respostas e dinamizar o ensino que entra em cena o uso da tecnologia, para personalizar a aprendizagem e trazer interatividade ao processo ao permitir o exercício de raciocínio logico e também do exercício do pensamento científico.

Diante disso, pontuamos aspectos importantes para o trabalho envolvendo o uso das tecnologias. Vamos lá!

 

Experiências não dependem somente de alta tecnologia

É necessário desmitificar que usar tecnologia, não é somente ter recursos de alta tecnologia, inserir atividades desplugadas também é inserir tecnologia no contexto escolar.

Com material de baixo recurso e ou alternativo é possível reproduzir experimentos que levam a construção de conceitos pelos estudantes. Um deles é o ensino de robótica educacional também presente no ensino de ciências.

Outro ponto é a observações de fenômenos que podem ser feitas no pátio da escola e ou no bairro, com apoio de sites gratuitos.

 
 

Cultura maker

 

Já imaginou uma aula sobre corpo humano, relacionando as relações entre as funções biológicas, atividades básicas do corpo, preservação da saúde. E que tal reproduzir os órgãos e até mesmo uma mão robótica para reproduzir as articulações, usando materiais de sucata como papelão, canudos, barbantes e ainda tendo a oportunidade de falar sobre sustentabilidade.

 

Sites

 

The 25 biggest turningpoints in earth’s history

Desenvolvido pela BBC, o site explica de maneira lúdica, a evolução do planeta Terra desde sua origem, dando destaque para os episódios mais marcantes, como a origem da vida. Pode ser uma ótima ferramenta para as aulas de ciências.

Joshworth

Perfeito para as aulas sobre espaço sideral, esse site toma como base a medida de 1 pixel para demonstrar a escala de planetas, satélites e estrelas. Sua grande vantagem é poder exibir para a turma a dimensão do universo, deixando o tópico mais claro e tangível para os alunos.

Gateway to Astronaut Photography of Earth

NASA criou esse site para compartilhar com os usuários as imagens obtidas na Estação Espacial Internacional. É possível observar fotos do planeta tiradas em órbita, bem como acompanhar o posicionamento da nave em tempo real. Uma ótima ideia para saciar a curiosidade dos estudantes e conseguir boas imagens o debate em sala de aula.

 

Jogos

 

Os jogos podem ser um poderoso aliado ao ensino, sendo utilizado com propósitos claros. Abaixo alguns que podem ser levados a sala de aula.

Jogos da escola –  é um plataforma de jogos educacionais e possuem jogos de ciências entre eles, quiz do coração, jogo dos esqueletos, velocidade da luz, as plantas, ciclo hidrológico, muitas oportunidades para trazer interatividade e vivências.

 

E você querido professor, como tem relacionado o ensino de ciências e tecnologia? Conte aqui nos comentários e ajude a fomentar práticas docentes.

Um abraço,

Débora

Débora Garofalo é Assessora Especial de Tecnologias da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEE SP) e professora da rede pública de ensino de São Paulo. Formada em Letras e Pedagogia, mestranda em Educação pela PUC-SP, vencedora na temática Especial Inovação na Educação no Prêmio Professores do Brasil, Vencedora no Desafio de Aprendizagem Criativa do MIT e considerada uma das dez melhoras professoras do mundo pelo Global Teacher Prize, o Nobel da Educação.

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Covid 19 – Novas maneiras de conceber a aprendizagem

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Débora Garofalo - Colunista

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Com a agilidade que a Covid-19 avança sobre o mundo, tivemos que aprender rapidamente a criar maneiras de nos relacionar e também de lidar com diversas situações que não estavam planejadas, como a quarentena.

Muitos professores em suas escolas têm discutido como criar possibilidades de atender a todos os estudantes, principalmente aqueles que não possuem condições para estar conectado, já que estudos demonstram a quantidades de dispositivos móveis, principalmente aparelhos celulares entre as famílias. Sem dúvida um grande desafio a ser superado e compreendido.

Esse é o momento oportuno para ousar, pensar e propor diferentes situações de aprendizagens. Sem dúvidas é o professor que melhor compreende a realidade do estudante e pode contribuir e criar situações que atendam melhor a este momento.

Conversando com alguns professores que lecionam em sua grande maiorias nas periferias, muitos me contaram que têm usado o facebook e o whatsapp para planejar e aplicar suas aulas. Algumas escolas, de maneira colaborativas, realizaram guias para os estudantes, e todas essas medidas são eficazes, porque dialogam com cada realidade local. 

Para auxiliá-los com este momento, reunimos algumas sugestões para que possam trabalhar juntos aos estudantes com a ferramenta mais adequada. Vamos lá!

 

Planejamento

 

Como na sala de aula convencional, o planejamento é essencial,  ter um objetivo claro de aprendizagem, por exemplo, se for usar uma ferramenta de interação como o ZoomTeamsHangouts, é importante definir combinados com os estudantes e definir o que se pretende, tecendo o olhar para a interação, cuidando  do tempo de exposição de um assunto, trazendo elementos para tornar a aula dinâmica, fazer interação com outros materiais e quebrando esse período por blocos, do tempo destinado a conversa, como, se a aula for de 45 minutos, realizar blocos de 15 minutos, cuidando da interação.

Para ferramentas como WhatsApp, grupos no Facebook e ou no Edmodo, o planejamento é também essencial, devendo ter o cuidado em planejar um em tempo menor, mais com modelos inspiradores, em formatos de pílulas e chamando a atenção dos estudantes para a intenção de aprendizagem. 

Para a equipe pedagógica essas ferramentas também funcionam, e é importante montar horários provisórios para os estudantes e intensificar comunicações com a equipe escolar e trabalhar de maneira interdisciplinar e com projetos.  

Em relação aos pais é importante preparar um guia para que possam apoiar os estudantes em algumas frentes, como por exemplo, como ajudar nas dúvidas, criação de rotina de estudos, alimentação e alongamento, auxiliar os estudantes a criarem registros os estudos finalizados, do que está em andamento, daqueles que precisam ser revistos.

Elaboração de atividades

 

É necessário fazer neste momento um replanejamento e adaptação das atividades. O material didático, livros e apostilas, podem ser utilizados, mediante a comandas e explanações claras sobre o assunto. É preciso apoiar os estudantes a construir o seu aprendizado, trabalhando mapas mentais que ajudarão a desenvolver atividades, mas também a se organizarem.

Se for realizar vídeos, é importante considerar entonação da voz, postura, som e luz e materiais complementares que ajudarão os estudantes a compreender melhor o conteúdo. Os vídeos podem ser realizados por aplicativos do celular e ou com recursos de aplicativos de gravação, como OBS.

Podcast também é uma maneira eficaz de trabalhar com os conteúdos, podendo usar softwares gratuitos como o audacity, que permite fazer recortes de outros programas, considerando os devidos créditos aos materiais.

 

Avaliações

 

Esse também é um momento para realizar avaliações e para isso pode ser trabalhado ferramentas de colaboração, como o google classroomTeams, com elaboração de rubricas que podem ser estruturadas com os estudantes a partir de objetivos de aprendizagem de onde os estudantes estão para onde pretende chegar. 

É importante, realizar momentos de escuta ativa com os estudantes, de como está sendo esse momento e quais as dificuldades enfrentadas para a administração dos estudos, e para isso, ocorrer pode ser utilizado uma diversidade de possibilidades, como quiz, jogos, narrativas digitais, entre outros.

O portfólio digital contribui para esse processo e ainda pode ser trabalhado habilidades como autocuidado, autoconhecimento, organização, criticidade, e uma ferramenta que pode contribuir é o seesaw

Apesar do momento ser de muitas preocupações, esse também é um período para consolidar novas práticas e aprender de maneiras diferenciadas, trazendo novas formas de conceber a aprendizagem e utilizar tecnologias e principalmente inovação e criatividade para criar novos caminhos a educação.

 

Um abraço,

Débora

Débora Garofalo é Assessora Especial de Tecnologias da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEE SP) e professora da rede pública de ensino de São Paulo. Formada em Letras e Pedagogia, mestranda em Educação pela PUC-SP, vencedora na temática Especial Inovação na Educação no Prêmio Professores do Brasil, Vencedora no Desafio de Aprendizagem Criativa do MIT e considerada uma das dez melhoras professoras do mundo pelo Global Teacher Prize, o Nobel da Educação.

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Território educativo: Como se tornar uma escola transformadora?

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Planejamento coletivo e gestão democrática são caminhos de ampliação da escola para a transformação da comunidade.

Já se tornou corriqueiro nos debates sobre educação lembrar que o mundo vem mudando velozmente nas últimas décadas e que este campo social, especialmente no que se refere à sua principal instituição — a escola e o sistema escolar —, precisa se reinventar para a nova realidade. Vamos avançar um pouco mais nessa reflexão.

A revolução tecnológica possibilitou a coordenação eficiente de grande número de fornecedores independentes, demolindo o gigantismo burocrático que dominava a organização interna das empresas, marcadas por fortes hierarquias e departamentalização dos conhecimentos. Na mesma direção, possibilitou a multiplicação de micro, pequenas e médias empresas na indústria, na agricultura e nos serviços, que passaram a se organizar em rede, não mais nas estruturas hierárquicas anteriores. Nos ambientes de trabalho, valoriza-se cada vez menos a alta especialização e cada vez mais a participação e criação.

A produção de conhecimento científico e de bens culturais passou a se organizar também de modo descentralizado, com base em novas e sofisticadas formas de trabalho em equipe e em rede, e a catalisação de oportunidades e recursos.

Estão dadas as condições tecnológicas para que pessoas e coletivos sejam agentes econômicos e sociais produtivos e, mais importante, agentes de mudanças sociais positivas. Para que isso se torne realidade, é urgente um projeto nacional de desenvolvimento sustentável, que valorize a diversidade ambiental e cultural do país para a superação da sua inaceitável desigualdade econômica. Um projeto dessa natureza permite reconhecer o papel estratégico que as escolas podem desempenhar. Como a principal instituição formadora das novas gerações e produtora de conhecimento, a escola pode catalisar processos e projetos que favoreçam o desenvolvimento local.

Hoje no Brasil, assim como em muitos outros países, a escola é o equipamento público mais bem distribuído pelo território nacional. Tal equipamento possui um corpo multidisciplinar de profissionais, proximidade cotidiana com as famílias e a maior de todas as potências nacionais: as crianças e os jovens. Essas pessoas que, não tendo sido formadas no mundo da repetição, das hierarquias e especializações, não têm nada a desaprender e possuem todas as condições para se desenvolverem como agentes de transformação positiva.

Escola transformadora

A transformação da escola em um centro local de produção de conhecimento e cultura começa pela construção coletiva do seu projeto político pedagógico (PPP). Gestores, professores, colaboradores, estudantes, famílias e agentes da comunidade são convidados a refletir juntos sobre o contexto em que se encontram. Considerando o contexto social, a origem e a cultura das pessoas do lugar, os desafios econômicos, sociais e ambientais e as potências locais, qual o papel que a escola deve desempenhar para que as crianças e jovens daqui tenham condições de se realizar pessoal e profissionalmente?

Ao responder a tal pergunta coletivamente, o projeto pedagógico da escola definirá sua visão, seus valores e sua forma de organização. A partir disso, a cada ano o currículo será desenhado de modo a engajar estudantes e professores em processos de pesquisa e projetos de intervenção que possibilitem a realização do objetivo maior da escola. Partindo do levantamento da história, da paisagem, das expressões e tradições culturais e dos desafios socioambientais, cada instituição define seu plano anual, considerando as potências locais, os objetivos comunitários e os interesses dos estudantes, para o desenvolvimento de projetos coletivos que, ao mesmo tempo e tomam o lugar um território educativo, possibilitam que os estudantes aprendam a manejar e interpretar as informações, criando novas soluções e oportunidades.

A base metodológica da escola transformadora busca garantir o desenvolvimento de quatro habilidades fundamentais para o mundo em constante transformação. A primeira é a empatia: já não é possível realizar o bem comum seguindo estritamente as regras, por isso dependemos cada vez mais da capacidade de compreender as diferentes formas de conexão entre pessoas, seres vivos, coletivos e instituições, e como as mudanças constantes afetam tais conexões para, assim, encontrar as soluções que priorizam o todo. A empatia só pode se desenvolver no coletivo. O primeiro coletivo é a própria escola, na qual os estudantes devem ser convocados a participar da elaboração e da implementação das regras de convivência, da mediação de conflitos e dos cuidados com o outro e com o que é de todos. O segundo coletivo a que o estudante deve se engajar é o da comunidade em que está inserida a escola. É no contexto comunitário que o estudante deve ser participante ativo nos processos de investigação, reflexão e intervenção sempre pautados pelo bem comum.

Neste mundo em constante transformação, as institucionalidades, os departamentos e as hierarquias têm cada vez menos relevância. As pessoas estão frequentemente atuando em grupos diversos, novas equipes se formam em torno de objetivos comuns e depois se dissolvem. Ser capaz de assumir papéis diferentes e complementares em equipes diferentes, ora liderando processos, ora sendo liderado, é condição básica para a realização profissional e social. Chegamos aqui à segunda habilidade a ser desenvolvida na escola transformadora: trabalhar em equipes fluidas, com pessoas de competências, culturas e interesses diversos, construindo projetos conjuntos.

Cada vez mais, há uma urgência pela atitude. É um momento histórico em que não há tempo para soluções que colocam em risco a própria existência de futuro. O imediatismo e as emergências exigem indivíduos com uma atitude ao mesmo tempo prudente e criativa, que sejam capazes de formular novas soluções para problemas socioambientais urgentes. Soluções que criadas com base no domínio das diferentes linguagens, ciências e saberes, mas que sejam capazes de reinventá-las. A criatividade é, portanto, outra habilidade a ser desenvolvida.

A síntese de tudo isso pode ser o tão falado protagonismo do estudante. Esse pode ser um termo que expresse o movimento de o estudante se sensibilizar em relação a alguma questão, engajar outras pessoas no processo de criar ideias para enfrentá-la e colocar tais ideias em prática. O estudante transforma seu meio ao mesmo tempo que se transforma.

Território educativo

A escola que forma indivíduos capazes de se reconhecer como agentes de mudança e que conhecem sua potência para melhorar o mundo, catalisa processos que transformam seus contextos em territórios orientados para o pleno desenvolvimento de todos.

quando a escola se reconhece como agente da comunidade, transforma seu currículo para atender aos problemas locais.

Quando a escola mobiliza sua equipe e seus estudantes para investigar o lugar o em que está e os convida a pensar como o ambiente pode ser melhorado, invariavelmente induz a conhecer outros agentes do território que também têm potencial para transformá-lo e estão disponíveis para isso. Normalmente há em um mesmo território, outros estabelecimentos do sistema educacional, creches ou escolas, voltadas para outros níveis de ensino ou pertencentes a outras redes de ensino. Em alguns casos, há também instituições de nível superior. É comum que a maior parte de crianças de uma determinada creche siga para a mesma escola da Educação Infantil, dessa para a de Ensino Fundamental e, às vezes, até para a escola de Ensino Médio. Acontece com frequência de a mesma família ter filhos em diferentes estabelecimentos de ensino do mesmo bairro. No entanto, apesar de todas essas conexões, é raro que esses estabelecimentos se encontrem. A escola que se identifica como um agente da comunidade vai, muitas vezes, buscar conhecer, trocar experiências e unir forças com as outras escolas, criando, em alguns casos, até mesmo um plano educativo local. Esse plano parte do compartilhamento de experiências, visões e desafios das instituições do lugar, da definição de objetivos comuns e da eleição de prioridades.

No compartilhamento dos desafios enfrentados pelas escolas do mesmo território, certamente elas se deparam com questões que não são capazes de solucionar sem o engajamento de agentes de outros setores: alunos que faltam muito porque as famílias estão passando por situação de vulnerabilidade, estudantes que sofrem violência doméstica, jovens que precisam sair mais cedo porque não há transporte público no horário necessário, episódios recorrentes de assalto no entorno da escola. Para enfrentar problemas desse tipo, as escolas precisam buscar outros agentes do território: assistência social, saúde, transporte, segurança, entre outros. Juntos, criam estratégias que fazem funcionar o sistema de garantia de direitos e são capazes de mobilizar a comunidade local para reivindicar seus direitos. Por isso, as associações de moradores e outras organizações comunitárias são agentes estratégicos do território educativo.

O diagnóstico feito pelas escolas pode apontar desafios ambientais, ausências de espaços de lazer e oportunidades culturais. Nesse caso, os parceiros a serem procurados são os da cultura, esporte, comunicação, meio ambiente, entre outros. Tanto os equipamentos públicos quanto os agentes comunitários e mesmo os equipamentos privados.

Um bom exemplo é o Bairro Educador de Heliópolis, na cidade de São Paulo, em que a catalisação de todo o processo foi feita pela Escola Municipal de Ensino Fundamental Campos Salles, em aliança com a União de Núcleos e Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (UNAS). Concentrando-se inicialmente na transformação de uma área degradada no entorno da escola em uma área de lazer que comportasse mais escolas para atender à alta demanda local, a aliança iniciada no final dos anos 90 segue até hoje, incluindo cada vez mais agentes para atender aos 125 mil moradores da região.

Com mais de mil estudantes, na Campos Salles, não há aulas. Nem salas de aula. Em um ambiente que valoriza a convivência democrática, a estrutura é de amplos salões, com mesas em que grupos de estudantes trabalham juntos, com base em roteiros de pesquisas escolhidos por eles. Quando precisam de ajuda, recorrem aos três professores que estão no espaço no momento. Os professores trabalham em parceria, rompendo com a estrutura do isolamento da sala de aula. A gestão da convivência escolar é feita pela República de Alunos, em que há um prefeito e vereadores eleitos pelo conjunto de estudantes, secretários nomeados pelo prefeito e comissões mediadoras.

Da aliança entre a Campos Salles e a UNAS, nasceu a Caminhada da Paz, que há 20 anos leva milhares de pessoas às ruas do bairro, com bandeiras e cartazes, resultantes de pesquisas que envolvem estudantes e educadores ao longo do ano. A organização anual da Caminhada é feita pelo Movimento Sol da Paz, que une escolas, associações de moradores, organizações da assistência social, da cultura e do esporte.

Há uma dimensão quantitativa dos resultados alcançados. Além da Campos Salles, a comunidade conquistou uma escola de Educação Infantil, uma escola técnica e uma universidade aberta. Na escola técnica, são oferecidos cursos de escolha da comunidade – nutrição, edificações e webdesign. O Bairro Educador de Heliópolis conquistou também onze Centros de Educação Infantil (CEI), oito Centros da Criança e do Adolescente (CCAs), dois núcleos do Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto, o Serviço de Atendimento Social a Família (SASF) e sete núcleos do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA), todos geridos pela UNAS. Além dos equipamentos educativos, o Bairro Educador conta com uma biblioteca, um teatro/cinema, uma escola de música que sedia a Orquestra Sinfônica de Heliópolis, um centro poliesportivo, um Ponto de Cultura, uma rádio comunitária e um laboratório de fabricação digital. Todos esses equipamentos conquistados pela comunidade foram integrados pela gestão municipal constituindo um Centro Educacional Unificado (CEU). Na moradia, a conquista se revela em um condomínio com prédios redondos projetados em parceria entre a comunidade e o arquiteto, com área de lazer e comunitária.

Jovens agentes de transformação

Quando a escola se reconhece como agente da comunidade, possibilita que seu currículo seja construído na interface entre os desafios locais e os interesses dos estudantes. Os estudantes, motivados pela leitura compartilhada dos desafios locais, muitas vezes, são os catalisadores dos processos que podem transformar o lugar em um território educativo.

Em Araguatins, região do Bico do Papagaio, no Tocantins, Rhenan Cauê, de 13 anos, foi motivado pelo Colégio Estadual Osvaldo Franco a desenvolver uma iniciativa para enfrentar os desafios ambientais que o sensibilizavam. Na escola, Rhenan compreendeu que a sujeira do Rio Brejinho, o afluente do Araguaia em sua cidade, era a responsável pelas doenças tropicais como a dengue e a lepra, que vitimavam os moradores lugar. Para enfrentar a questão, Rhenan e os colegas vão às escolas para falar da prevenção das doenças tropicais, além de liderarem ações de conscientização em relação à mudança climática. Mas, foi com o projeto para limpar o rio, que Rhenan foi indicado como representante de sua escola na Conferência Estadual Escolar de Meio Ambiente e, depois, na Nacional. A partir disso, adquiriu as ferramentas para colocar o projeto em pé. Junto com os colegas, primeiro engajaram as outras escolas e organizações da sociedade civil para o mutirão de limpeza do rio. No processo, mobilizaram Prefeitura, Polícia Militar, Ambiental, Corpo de Bombeiros, Órgãos ambientais, universidades, Promotoria de Justiça. Rio limpo, partiram para a construção de alianças com Governo do estado e demais agentes do território, em busca das sementes para o plantio de árvores que dará origem à construção de um parque ecológico.

São muitos os exemplos de escolas que estimulam jovens a desenvolverem projetos para a transformação positiva de seus contextos. Escolas de Ensino Médio e técnico em áreas rurais que integram os saberes comunitários com os saberes científicos de manejo agroecológico, possibilitando aos jovens as condições para permanecer no campo, realizando-se pessoal, profissional e socialmente. Escolas em territórios indígenas que sediam os planos de manejo anuais da comunidade, tendo os estudantes como seus protagonistas. Escolas que se tornam polos culturais da comunidade, sediando eventos, mostras, festivais e outras iniciativas que valorizam as expressões locais, inclusive criando novas oportunidades econômicas. Todas essas experiências revelam é que o território educativo se constitui exatamente como resultado da ação articulada e catalisadora de escolas e estudantes que integram e potencializam as oportunidades locais.

texto Helena Singer

 

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Território educativo: Como se tornar uma escola transformadora?

Planejamento coletivo e gestão democrática são caminhos de ampliação da escola para a transformação da comunidade.

Já se tornou corriqueiro nos debates sobre educação lembrar que o mundo vem mudando velozmente nas últimas décadas e que este campo social, especialmente no que se refere à sua principal instituição — a escola e o sistema escolar —, precisa se reinventar para a nova realidade. Vamos avançar um pouco mais nessa reflexão.

A revolução tecnológica possibilitou a coordenação eficiente de grande número de fornecedores independentes, demolindo o gigantismo burocrático que dominava a organização interna das empresas, marcadas por fortes hierarquias e departamentalização dos conhecimentos. Na mesma direção, possibilitou a multiplicação de micro, pequenas e médias empresas na indústria, na agricultura e nos serviços, que passaram a se organizar em rede, não mais nas estruturas hierárquicas anteriores. Nos ambientes de trabalho, valoriza-se cada vez menos a alta especialização e cada vez mais a participação e criação.

A produção de conhecimento científico e de bens culturais passou a se organizar também de modo descentralizado, com base em novas e sofisticadas formas de trabalho em equipe e em rede, e a catalisação de oportunidades e recursos.

Estão dadas as condições tecnológicas para que pessoas e coletivos sejam agentes econômicos e sociais produtivos e, mais importante, agentes de mudanças sociais positivas. Para que isso se torne realidade, é urgente um projeto nacional de desenvolvimento sustentável, que valorize a diversidade ambiental e cultural do país para a superação da sua inaceitável desigualdade econômica. Um projeto dessa natureza permite reconhecer o papel estratégico que as escolas podem desempenhar. Como a principal instituição formadora das novas gerações e produtora de conhecimento, a escola pode catalisar processos e projetos que favoreçam o desenvolvimento local.

Hoje no Brasil, assim como em muitos outros países, a escola é o equipamento público mais bem distribuído pelo território nacional. Tal equipamento possui um corpo multidisciplinar de profissionais, proximidade cotidiana com as famílias e a maior de todas as potências nacionais: as crianças e os jovens. Essas pessoas que, não tendo sido formadas no mundo da repetição, das hierarquias e especializações, não têm nada a desaprender e possuem todas as condições para se desenvolverem como agentes de transformação positiva.

Escola transformadora

A transformação da escola em um centro local de produção de conhecimento e cultura começa pela construção coletiva do seu projeto político pedagógico (PPP). Gestores, professores, colaboradores, estudantes, famílias e agentes da comunidade são convidados a refletir juntos sobre o contexto em que se encontram. Considerando o contexto social, a origem e a cultura das pessoas do lugar, os desafios econômicos, sociais e ambientais e as potências locais, qual o papel que a escola deve desempenhar para que as crianças e jovens daqui tenham condições de se realizar pessoal e profissionalmente?

Ao responder a tal pergunta coletivamente, o projeto pedagógico da escola definirá sua visão, seus valores e sua forma de organização. A partir disso, a cada ano o currículo será desenhado de modo a engajar estudantes e professores em processos de pesquisa e projetos de intervenção que possibilitem a realização do objetivo maior da escola. Partindo do levantamento da história, da paisagem, das expressões e tradições culturais e dos desafios socioambientais, cada instituição define seu plano anual, considerando as potências locais, os objetivos comunitários e os interesses dos estudantes, para o desenvolvimento de projetos coletivos que, ao mesmo tempo e tomam o lugar um território educativo, possibilitam que os estudantes aprendam a manejar e interpretar as informações, criando novas soluções e oportunidades.

A base metodológica da escola transformadora busca garantir o desenvolvimento de quatro habilidades fundamentais para o mundo em constante transformação. A primeira é a empatia: já não é possível realizar o bem comum seguindo estritamente as regras, por isso dependemos cada vez mais da capacidade de compreender as diferentes formas de conexão entre pessoas, seres vivos, coletivos e instituições, e como as mudanças constantes afetam tais conexões para, assim, encontrar as soluções que priorizam o todo. A empatia só pode se desenvolver no coletivo. O primeiro coletivo é a própria escola, na qual os estudantes devem ser convocados a participar da elaboração e da implementação das regras de convivência, da mediação de conflitos e dos cuidados com o outro e com o que é de todos. O segundo coletivo a que o estudante deve se engajar é o da comunidade em que está inserida a escola. É no contexto comunitário que o estudante deve ser participante ativo nos processos de investigação, reflexão e intervenção sempre pautados pelo bem comum.

Neste mundo em constante transformação, as institucionalidades, os departamentos e as hierarquias têm cada vez menos relevância. As pessoas estão frequentemente atuando em grupos diversos, novas equipes se formam em torno de objetivos comuns e depois se dissolvem. Ser capaz de assumir papéis diferentes e complementares em equipes diferentes, ora liderando processos, ora sendo liderado, é condição básica para a realização profissional e social. Chegamos aqui à segunda habilidade a ser desenvolvida na escola transformadora: trabalhar em equipes fluidas, com pessoas de competências, culturas e interesses diversos, construindo projetos conjuntos.

Cada vez mais, há uma urgência pela atitude. É um momento histórico em que não há tempo para soluções que colocam em risco a própria existência de futuro. O imediatismo e as emergências exigem indivíduos com uma atitude ao mesmo tempo prudente e criativa, que sejam capazes de formular novas soluções para problemas socioambientais urgentes. Soluções que criadas com base no domínio das diferentes linguagens, ciências e saberes, mas que sejam capazes de reinventá-las. A criatividade é, portanto, outra habilidade a ser desenvolvida.

A síntese de tudo isso pode ser o tão falado protagonismo do estudante. Esse pode ser um termo que expresse o movimento de o estudante se sensibilizar em relação a alguma questão, engajar outras pessoas no processo de criar ideias para enfrentá-la e colocar tais ideias em prática. O estudante transforma seu meio ao mesmo tempo que se transforma.

Território educativo

A escola que forma indivíduos capazes de se reconhecer como agentes de mudança e que conhecem sua potência para melhorar o mundo, catalisa processos que transformam seus contextos em territórios orientados para o pleno desenvolvimento de todos.

quando a escola se reconhece como agente da comunidade, transforma seu currículo para atender aos problemas locais.

Quando a escola mobiliza sua equipe e seus estudantes para investigar o lugar o em que está e os convida a pensar como o ambiente pode ser melhorado, invariavelmente induz a conhecer outros agentes do território que também têm potencial para transformá-lo e estão disponíveis para isso. Normalmente há em um mesmo território, outros estabelecimentos do sistema educacional, creches ou escolas, voltadas para outros níveis de ensino ou pertencentes a outras redes de ensino. Em alguns casos, há também instituições de nível superior. É comum que a maior parte de crianças de uma determinada creche siga para a mesma escola da Educação Infantil, dessa para a de Ensino Fundamental e, às vezes, até para a escola de Ensino Médio. Acontece com frequência de a mesma família ter filhos em diferentes estabelecimentos de ensino do mesmo bairro. No entanto, apesar de todas essas conexões, é raro que esses estabelecimentos se encontrem. A escola que se identifica como um agente da comunidade vai, muitas vezes, buscar conhecer, trocar experiências e unir forças com as outras escolas, criando, em alguns casos, até mesmo um plano educativo local. Esse plano parte do compartilhamento de experiências, visões e desafios das instituições do lugar, da definição de objetivos comuns e da eleição de prioridades.

No compartilhamento dos desafios enfrentados pelas escolas do mesmo território, certamente elas se deparam com questões que não são capazes de solucionar sem o engajamento de agentes de outros setores: alunos que faltam muito porque as famílias estão passando por situação de vulnerabilidade, estudantes que sofrem violência doméstica, jovens que precisam sair mais cedo porque não há transporte público no horário necessário, episódios recorrentes de assalto no entorno da escola. Para enfrentar problemas desse tipo, as escolas precisam buscar outros agentes do território: assistência social, saúde, transporte, segurança, entre outros. Juntos, criam estratégias que fazem funcionar o sistema de garantia de direitos e são capazes de mobilizar a comunidade local para reivindicar seus direitos. Por isso, as associações de moradores e outras organizações comunitárias são agentes estratégicos do território educativo.

O diagnóstico feito pelas escolas pode apontar desafios ambientais, ausências de espaços de lazer e oportunidades culturais. Nesse caso, os parceiros a serem procurados são os da cultura, esporte, comunicação, meio ambiente, entre outros. Tanto os equipamentos públicos quanto os agentes comunitários e mesmo os equipamentos privados.

Um bom exemplo é o Bairro Educador de Heliópolis, na cidade de São Paulo, em que a catalisação de todo o processo foi feita pela Escola Municipal de Ensino Fundamental Campos Salles, em aliança com a União de Núcleos e Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (UNAS). Concentrando-se inicialmente na transformação de uma área degradada no entorno da escola em uma área de lazer que comportasse mais escolas para atender à alta demanda local, a aliança iniciada no final dos anos 90 segue até hoje, incluindo cada vez mais agentes para atender aos 125 mil moradores da região.

Com mais de mil estudantes, na Campos Salles, não há aulas. Nem salas de aula. Em um ambiente que valoriza a convivência democrática, a estrutura é de amplos salões, com mesas em que grupos de estudantes trabalham juntos, com base em roteiros de pesquisas escolhidos por eles. Quando precisam de ajuda, recorrem aos três professores que estão no espaço no momento. Os professores trabalham em parceria, rompendo com a estrutura do isolamento da sala de aula. A gestão da convivência escolar é feita pela República de Alunos, em que há um prefeito e vereadores eleitos pelo conjunto de estudantes, secretários nomeados pelo prefeito e comissões mediadoras.

Da aliança entre a Campos Salles e a UNAS, nasceu a Caminhada da Paz, que há 20 anos leva milhares de pessoas às ruas do bairro, com bandeiras e cartazes, resultantes de pesquisas que envolvem estudantes e educadores ao longo do ano. A organização anual da Caminhada é feita pelo Movimento Sol da Paz, que une escolas, associações de moradores, organizações da assistência social, da cultura e do esporte.

Há uma dimensão quantitativa dos resultados alcançados. Além da Campos Salles, a comunidade conquistou uma escola de Educação Infantil, uma escola técnica e uma universidade aberta. Na escola técnica, são oferecidos cursos de escolha da comunidade – nutrição, edificações e webdesign. O Bairro Educador de Heliópolis conquistou também onze Centros de Educação Infantil (CEI), oito Centros da Criança e do Adolescente (CCAs), dois núcleos do Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto, o Serviço de Atendimento Social a Família (SASF) e sete núcleos do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA), todos geridos pela UNAS. Além dos equipamentos educativos, o Bairro Educador conta com uma biblioteca, um teatro/cinema, uma escola de música que sedia a Orquestra Sinfônica de Heliópolis, um centro poliesportivo, um Ponto de Cultura, uma rádio comunitária e um laboratório de fabricação digital. Todos esses equipamentos conquistados pela comunidade foram integrados pela gestão municipal constituindo um Centro Educacional Unificado (CEU). Na moradia, a conquista se revela em um condomínio com prédios redondos projetados em parceria entre a comunidade e o arquiteto, com área de lazer e comunitária.

Jovens agentes de transformação

Quando a escola se reconhece como agente da comunidade, possibilita que seu currículo seja construído na interface entre os desafios locais e os interesses dos estudantes. Os estudantes, motivados pela leitura compartilhada dos desafios locais, muitas vezes, são os catalisadores dos processos que podem transformar o lugar em um território educativo.

Em Araguatins, região do Bico do Papagaio, no Tocantins, Rhenan Cauê, de 13 anos, foi motivado pelo Colégio Estadual Osvaldo Franco a desenvolver uma iniciativa para enfrentar os desafios ambientais que o sensibilizavam. Na escola, Rhenan compreendeu que a sujeira do Rio Brejinho, o afluente do Araguaia em sua cidade, era a responsável pelas doenças tropicais como a dengue e a lepra, que vitimavam os moradores lugar. Para enfrentar a questão, Rhenan e os colegas vão às escolas para falar da prevenção das doenças tropicais, além de liderarem ações de conscientização em relação à mudança climática. Mas, foi com o projeto para limpar o rio, que Rhenan foi indicado como representante de sua escola na Conferência Estadual Escolar de Meio Ambiente e, depois, na Nacional. A partir disso, adquiriu as ferramentas para colocar o projeto em pé. Junto com os colegas, primeiro engajaram as outras escolas e organizações da sociedade civil para o mutirão de limpeza do rio. No processo, mobilizaram Prefeitura, Polícia Militar, Ambiental, Corpo de Bombeiros, Órgãos ambientais, universidades, Promotoria de Justiça. Rio limpo, partiram para a construção de alianças com Governo do estado e demais agentes do território, em busca das sementes para o plantio de árvores que dará origem à construção de um parque ecológico.

São muitos os exemplos de escolas que estimulam jovens a desenvolverem projetos para a transformação positiva de seus contextos. Escolas de Ensino Médio e técnico em áreas rurais que integram os saberes comunitários com os saberes científicos de manejo agroecológico, possibilitando aos jovens as condições para permanecer no campo, realizando-se pessoal, profissional e socialmente. Escolas em territórios indígenas que sediam os planos de manejo anuais da comunidade, tendo os estudantes como seus protagonistas. Escolas que se tornam polos culturais da comunidade, sediando eventos, mostras, festivais e outras iniciativas que valorizam as expressões locais, inclusive criando novas oportunidades econômicas. Todas essas experiências revelam é que o território educativo se constitui exatamente como resultado da ação articulada e catalisadora de escolas e estudantes que integram e potencializam as oportunidades locais.

texto Helena Singer

 

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Atualização prática para o professor
A formação do aluno começa sempre com o desenvolvimento do professor. Pensando nisso, criamos as Formações Educatrix,…
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A necessidade de resgatarmos na Educação a comunidade aprendente
Lidar com o cenário da pandemia principalmente na Educação tem sido desafiador ao mesmo tempo que nos apresenta maneiras diferentes de possibilitar novos caminhos a Educação.
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A importância dos jogos na educação emergencial
Os jogos sempre tiveram um lugar especial na educação

É hora de rever seu mindset!

É hora de rever seu mindset!

Como mudar atitudes e pensamentos reflete em melhores resultados.

Quando começou a lecionar em um tradicional colégio da comunidade japonesa de São Paulo, há alguns anos, o geógrafo Guilherme Sandler tinha dois caminhos a escolher: ou seguir livros didáticos e apostilas, lição após lição, transformando paisagens, fenômenos naturais e as relações entre ser humano e ambiente em uma narrativa oral muitas vezes monótona, ou poderia… inovar. Desse modo, Sandler trouxe tecnologias então recentes, como o Google Earth, criou jogos geográficos e conciliou o high-tech com papelão, fita crepe e palito de sorvete. Hoje, Guile, como é conhecido, é articulador de uma rede colaborativa de inovação com mais de 4 mil membros, a Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa.

Não, esta reportagem não trata de inovação ou de movimentos como a da aprendizagem criativa, que ganham tração e começam a impactar a educação em todo o Brasil. O objetivo é abordar um processo que ganha cada vez mais dimensão estratégica em todas as organizações: a mudança cultural, ou simplesmente a capacidade de pensar diferente, adotar novos pontos de vista, sair da caixa, reinventar-se.

A trajetória profissional vivida por esse educador exemplifica o desafio de milhões de professores brasileiros, que todos os dias iniciam seu dia atuando em um dos espaços mais tensionados pela transformação da tecnologia, do trabalho, da sociedade e do conhecimento: a escola.

Para quem logo pensa em aprender a usar computador, aplicativos, plataformas, redes sociais, calma lá. Embora a dimensão tecnológica seja parte inerente do mundo do século XXI, isso é apenas parte do desafio. A mudança cultural é bem mais ampla e pode simplesmente se referir ao modo como educamos nossos filhos e alunos, como lhes damos feedbacks sobre seu desenvolvimento, como os preparamos para superar seus desafios. Relaciona-se com a maneira como nos vemos no mundo em todas as dimensões, incluindo a profissional. Relaciona-se com a forma como interpretamos o que nos ocorre e como projetamos a ação futura. A questão é que, em um oceano de transformações, precisamos também rever a forma pela qual conduzimos nosso barco, às vezes deixando-nos levar pela onda, às vezes remando contra a maré.

Mindset fixo e de crescimento

A pesquisadora Carol S. Dweck, PhD pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, dedicou sua vida acadêmica a estudar como o comportamento das pessoas é afetado pelas suas crenças pessoais e como influencia na maneira como cada um se relaciona com o mundo, seja nos desafios, nos fracassos ou nos sucessos. Tornou-se célebre pelo livro Mindset – a nova psicologia do sucesso, que acaba de ser reeditado pela Editora Objetiva, no Brasil, com quase 2 milhões de exemplares vendidos em diversos países. Mindset significa, em sua perspectiva, a atitude mental e a forma pela qual é influenciada por crenças individuais.

A abordagem é espantosamente simples. Segundo a pesquisadora, há basicamente dois tipos de mindset: o que denomina mindset fixo e o que define como mindset de crescimento. Não se trata de separar o mundo entre otimistas e pessimistas, ou entre os que veem o copo meio cheio ou meio vazio, na expressão popular.

Na base do conceito proposto por Dweck está a divisão entre as pessoas que orientam suas condutas pela crença íntima em qualidades inatas (as de mindset fixo) ou pelas competências aprendidas e construídas pelo esforço – as de mindset de crescimento. 

Como a pesquisadora explica, acreditar que nascemos com qualidades inerentes pode levar os indivíduos a encarar todos os desafios como provas ou ameaças aos sucessos já obtidos, e assim resistir a tudo o que envolve se expor ao novo, com os previsíveis ciclos de erros e aprendizados. Segundo a pesquisadora de Stanford, pessoas de mindset fixo veem a crítica e o erro como questões de caráter e sentem-se fragilizadas em sua própria identidade quando chamadas a mudar de atitude ou a enfrentar o novo. Qualquer fracasso pode ser pesado demais.

Ao contrário, diz Carol Dweck, aqueles que entendem que o fracasso (por exemplo, nas atividades de aprendizagem ou profissionais) é simplesmente uma oportunidade para aprender e que talento não é um amuleto distintivo que trazemos do berço podem se abrir mais facilmente a possibilidades de crescimento.

Uma dimensão óbvia dessa dualidade pode ser vista na questão do esforço pessoal. Para aqueles que acreditam em desenvolvimento de virtudes, capacidades, competências, o investimento de tempo e trabalho em projetos é parte integrante do cotidiano. Para os que preferem acreditar em seus atributos inatos, todo esforço pode parecer algo desnecessário e incoerente com suas convicções.

Evidentemente, o estudo possui nuances. Todos possuímos esses dois mindsets em diferentes proporções. Além disso, podemos nos enganar achando que somos flexíveis, quando só encontramos álibis para dobrar a resistência. Mas a reflexão continua válida ao indagar sobre o que orienta nossas atitudes diante do novo. 

Desses princípios decorreram pesquisas, exemplos e análises citadas pela pesquisadora em diversos campos da atividade humana, descritas nos estudos reunidos no livro. Em alguns casos, são particularmente relevantes para a educação e são coerentes com pesquisas no campo da pedagogia e da psicologia educacional. Um exemplo interessante é como encaramos o erro e o insucesso de crianças e adolescentes e, principalmente, como manifestamos isso nas palavras que utilizamos em sala de aula.

Nesse aspecto em específico, é muito fácil perceber a diferença entre elogiar um aluno atribuindo a nota à sua inteligência (e reforçar o mindset fixo), como é frequente, ou procurar reconhecer seu esforço, sua atenção ao processo, a distância entre o ponto de partida e até onde chegou.

Na cultura da avaliação escolar brasileira, historicamente focada em métricas e notas, e com grandes índices de repetência, prevalece a primeira abordagem. “A sala de aula muitas vezes se divide, no olhar do professor, entre os mais inteligentes e menos inteligentes, entre os que terão sucesso e os que provavelmente fracassarão. Assim, prevalece o resultado final sobre o percurso individual, o esforço de superação, o processo de aprendizagem. Assim como prevalece a baixa expectativa sobre a chance de transformação do aluno”, diz a psicóloga e pedagoga Claudia Tricate, diretora do Colégio Magno, em São Paulo. 

Acreditar que nascemos com qualidades inerentes pode nos levar a encarar todos os desafios como provas ou ameaças aos sucessos já obtidos, e assim resistir ao novo.

Mas, cuidado, o risco é ir ao outro extremo e simplesmente reconhecer o esforço, mesmo que não tenha levado a lugar algum. Nesse caso, o feedback positivo equivaleria a um tapinha nas costas. “Nosso trabalho mostra que você pode elogiar o resultado, desde que também fale sobre o processo que levou a esse resultado”, explica Carol Dweck, em uma entrevista à revista pedagógica Educational Leadership. Por isso, é importante ter estratégicas mais ricas de avaliação, que permitam ter um filme do processo de aprendizagem, e não apenas um retrato final. Entre outras virtudes, isso permitirá que o aluno não se sinta sempre voltando à estaca zero e perceba que houve avanços. “O esforço é essencial, mas está a serviço do progresso e do aprendizado. Há outras coisas igualmente importantes — como encontrar estratégias bem-sucedidas e buscar sugestões”, afirma a autora norte-americana na mesma entrevista.

Dentro da mesma ótica, a maneira de ver o erro é essencial para promover o que chama de mindset de crescimento. E, nesse caso, vale ter cuidado com a hipocrisia. “De nada adianta ter um discurso sobre valorizar o erro como parte do processo e não mudar nada na conduta, rebaixando a autoestima do aluno”, diz Claudia Tricate. “Valorizar o erro significa estar ao lado do aluno, buscar as causas, mostrar que há diferentes caminhos para chegar a um mesmo resultado, encontrar as hipóteses mais sólidas”, afirma.

E agora, professor?

A reflexão sobre nossas disposições de pensamento, crenças e a mudança cultural necessária não tem a ver apenas com o fazer diário do educador, mas também com a própria forma de encarar o dever da profissão. Afinal, o futuro tem um nome: educação. Um estudo divulgado no último Fórum Econômico Mundial mostra que nos próximos 2 anos até 54% dos profissionais precisarão passar por um processo denominado “reskilling”, que pode ser traduzido por uma requalificação de competências. 

“Um mundo em constante mudança exige pessoas com novas capacidades”, explica Luciana Camargo, diretora de RH da IBM para a América Latina. Por isso, transformar a cultura das pessoas e das empresas está entre os desafios que mais preocupam líderes globalmente. “Este é um desafio para as pessoas, mas também para empresas, uma vez que a era digital introduz novos modelos de negócios, novas formas de trabalho e a necessidade de uma cultura flexível que promova o desenvolvimento de todas as potencialidades das pessoas”, esclarece a executiva.

Acreditar que ser professor é fruto de um talento inato pode ser desanimador. Não há professor que não tenha algo a aprender ou a mudar

Flexibilidade, adaptabilidade a mudanças, gerenciamento do tempo, habilidade de priorizar e trabalhar em ambientes colaborativos são as competências essenciais para quem está no mercado de trabalho. Não há receita para mudar, mas, sem dúvida, a chave é a educação. É preciso pensar sobre como se aprende na fase adulta e, para isso, existe o termo andragogia ou pedagogia para adultos.

Um estudo da consultoria global Delloitte ouviu mais de 10 mil líderes em 169 países no ano passado e descobriu que a maior preocupação para 86% deles é justamente encontrar novas formas pelas quais as pessoas possam aprender e mudar, em seus próprios ambientes de trabalho. Mudar passa por aprender e reaprender sempre, por toda a vida, sem que isso signifique um demérito profissional, por mais talentoso que seja o funcionário da empresa.

A pesquisa de Carol Dweck tem algo a dizer sobre isso também. Para ela, acreditar que ser professor é fruto de um talento especial e inato pode também ser desanimador, especialmente em contextos desafiadores, como as salas de aulas das escolas de hoje. Não há professor que não tenha algo a aprender ou a mudar atualmente, seja nas escolas de elite, seja nas escolas públicas de áreas vulneráveis.

“Os novos professores geralmente têm uma percepção frágil de si mesmos em uma profissão tão exigente. Com uma mentalidade fixa, eles sentem que suas habilidades estão sendo julgadas, e podem esconder suas lutas. Mas em uma mentalidade de crescimento, você deseja que as pessoas possam lhe dar o feedback mais honesto possível”, diz.

Essa é uma barreira que precisa ser definitivamente superada. Mundo afora, as políticas de formação de professores em sistemas educacionais bem-sucedidos, como Japão, Coreia do Sul, Finlândia, frequentemente envolvem mentoria com professores mais experientes, estudo de aulas gravadas, feedbacks constantes. Parte essencial do trabalho das lideranças escolares é justamente acompanhar, encorajar e aprimorar o trabalho dos professores, e isso também é um aprendizado para os gestores brasileiros, porque dar bons feedbacks também requer um aprendizado.

“Muitas vezes, feedback é entendido como crítica construtiva. No entanto, é uma ferramenta poderosa para apreciar o que as pessoas estão fazendo bem e ajudar na reflexão sobre onde poderiam melhorar. Encorajar a mentalidade de crescimento e reflexão sobre o que se aprendeu com a experiência é uma forma positiva de incentivar as pessoas a crescerem”, diz Luciana Camargo.

Mas, claro, é preciso ter sempre em mente que mudar não é um processo simples para ninguém. Para o psicólogo José Ernesto Bologna, consultor de grandes empresas e de escolas brasileiras, trata-se de um desafio complexo que deve partir da compreensão do que precisa ser mudado. “Mudar envolve opiniões, visões de mundo, falas, atos, formas, estilos pessoais, sentimentos, abandonar antigas mágoas, antigas resistências, ser mais flexível em valores e juízos, ou se tornar mais rígido. Enfim, mudar a própria dificuldade de mudar”, lembra.

Segundo Bologna, memórias, princípios, conceitos, ideias, afetos, falas e atos, juntos, integram um sistema complexo que podemos denominar estilo, o popular jeito de cada um. “Cada um desses elementos constitutivos alimenta, realimenta, retroalimenta, e, assim, mantém todos os outros. Portanto, a personalidade, o estilo pessoal, com o tempo vai cristalizando, sulcando, os mesmos mecanismos e caminhos. É esse fenômeno psicodinâmico (a maneira de a mente manter o funcionamento da própria mente) que torna mudar progressivamente difícil com o tempo. Os adultos não mudam por falta de consciência da vantagem de viver experimentalmente, e da coragem de enxergar de novas formas”, define o especialista.  O que também é um desafio (e tanto) para a escola e para os educadores, não é mesmo?

Problemas brasileiros

A complexidade do cenário apontado por Bologna tem ingredientes próprios: a realidade da educação e da sociedade brasileira. Esse é um ponto essencial, que está na base de críticas possíveis a propostas como a defendida por Carol Dweck. Concentrar as soluções na postura de indivíduos pode levar a um grande erro: isentar o Estado ou as empresas de oferecer condições dignas de trabalho para seus profissionais.

No caso da realidade educacional brasileira, os desafios estão postos e são conhecidos. Há problemas por toda parte: salas lotadas, baixos salários, pouco tempo para a formação em serviço e para o planejamento. Nesse ecossistema tão multifacetado, não se pode esperar que a qualidade das escolas e o grau de engajamento profissional mude por esforço dos indivíduos – na medida em que é fruto de um contexto social mais amplo, em um país com quase 50 milhões de alunos e 2,1 milhões de professores.

Segundo a pesquisa Talis, que envolveu 48 países e foi divulgada no final de 2018 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (ocde), quase 40% dos professores de Ensino Médio das escolas públicas brasileiras veem mais desvantagens do que vantagens em ser professor. Isso coloca o Brasil abaixo de países como Vietnã e Emirados Árabes. Apenas 11% dos professores de Ensino Fundamental – anos fundamentais acham que sua profissão é valorizada pela sociedade, um dos índices mais baixos do estudo.

A questão da infraestrutura é particularmente questionada. Cerca de 71% dos diretores das escolas públicas acreditam que seu trabalho fica mais difícil pela falta de internet. No plano dos salários, os docentes da rede pública ainda recebem, em média, 70% menos do que os demais profissionais com ensino superior.

É um cenário complexo que não se muda apenas com disposições individuais. Depende de prioridade política, pressão e controle social, mas que também não se transforma sem mudança de mentalidade dos profissionais da educação. A pesquisa Talis ainda mostra, por exemplo, que, apesar de meio século passado desde que os estudos do pesquisador brasileiro Sérgio Costa Ribeiro trouxeram à tona a chamada Pedagogia da Repetência, o país ainda continua sendo um dos que mais reprovam no mundo. Em 2018, 71% dos docentes continuam acreditando que é bom para a formação do aluno que ele repita o ano, caso tenha recebido notas baixas. Além disso, o contexto global aponta para grandes transformações na organização da educação, que se torna um processo cada vez mais disseminado fora da escola.

No século XXI, como previu o pesquisador português Rui Canário, a educação deixa de ser refém da escola e passa a acontecer em muitos outros ambientes sociais, presenciais e virtuais. Os educadores são profissionais de importância indiscutível, sobre o qual se assentam todas as esperanças de um mundo melhor. Assim, também se ampliam as possibilidades de atuação do educador, que precisa rever as bases de suas convicções para que possa participar sem temores do processo de reskilling vivido por todas as categorias profissionais. Nesse caso, sim, é hora de cada professor aceitar o conselho de Dweck e refletir sobre seu próprio mindset. E por que não?

Para saber mais

Pesquisa Talis. Disponível em:mod.lk/ed18pens. Acesso em: 9 fev. 2020. 

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A necessidade de resgatarmos na Educação a comunidade aprendente
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A importância dos jogos na educação emergencial
Os jogos sempre tiveram um lugar especial na educação

É hora de rever seu mindset!

Como mudar atitudes e pensamentos reflete em melhores resultados.

Quando começou a lecionar em um tradicional colégio da comunidade japonesa de São Paulo, há alguns anos, o geógrafo Guilherme Sandler tinha dois caminhos a escolher: ou seguir livros didáticos e apostilas, lição após lição, transformando paisagens, fenômenos naturais e as relações entre ser humano e ambiente em uma narrativa oral muitas vezes monótona, ou poderia… inovar. Desse modo, Sandler trouxe tecnologias então recentes, como o Google Earth, criou jogos geográficos e conciliou o high-tech com papelão, fita crepe e palito de sorvete. Hoje, Guile, como é conhecido, é articulador de uma rede colaborativa de inovação com mais de 4 mil membros, a Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa.

Não, esta reportagem não trata de inovação ou de movimentos como a da aprendizagem criativa, que ganham tração e começam a impactar a educação em todo o Brasil. O objetivo é abordar um processo que ganha cada vez mais dimensão estratégica em todas as organizações: a mudança cultural, ou simplesmente a capacidade de pensar diferente, adotar novos pontos de vista, sair da caixa, reinventar-se.

A trajetória profissional vivida por esse educador exemplifica o desafio de milhões de professores brasileiros, que todos os dias iniciam seu dia atuando em um dos espaços mais tensionados pela transformação da tecnologia, do trabalho, da sociedade e do conhecimento: a escola.

Para quem logo pensa em aprender a usar computador, aplicativos, plataformas, redes sociais, calma lá. Embora a dimensão tecnológica seja parte inerente do mundo do século XXI, isso é apenas parte do desafio. A mudança cultural é bem mais ampla e pode simplesmente se referir ao modo como educamos nossos filhos e alunos, como lhes damos feedbacks sobre seu desenvolvimento, como os preparamos para superar seus desafios. Relaciona-se com a maneira como nos vemos no mundo em todas as dimensões, incluindo a profissional. Relaciona-se com a forma como interpretamos o que nos ocorre e como projetamos a ação futura. A questão é que, em um oceano de transformações, precisamos também rever a forma pela qual conduzimos nosso barco, às vezes deixando-nos levar pela onda, às vezes remando contra a maré.

Mindset fixo e de crescimento

A pesquisadora Carol S. Dweck, PhD pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, dedicou sua vida acadêmica a estudar como o comportamento das pessoas é afetado pelas suas crenças pessoais e como influencia na maneira como cada um se relaciona com o mundo, seja nos desafios, nos fracassos ou nos sucessos. Tornou-se célebre pelo livro Mindset – a nova psicologia do sucesso, que acaba de ser reeditado pela Editora Objetiva, no Brasil, com quase 2 milhões de exemplares vendidos em diversos países. Mindset significa, em sua perspectiva, a atitude mental e a forma pela qual é influenciada por crenças individuais.

A abordagem é espantosamente simples. Segundo a pesquisadora, há basicamente dois tipos de mindset: o que denomina mindset fixo e o que define como mindset de crescimento. Não se trata de separar o mundo entre otimistas e pessimistas, ou entre os que veem o copo meio cheio ou meio vazio, na expressão popular.

Na base do conceito proposto por Dweck está a divisão entre as pessoas que orientam suas condutas pela crença íntima em qualidades inatas (as de mindset fixo) ou pelas competências aprendidas e construídas pelo esforço – as de mindset de crescimento. 

Como a pesquisadora explica, acreditar que nascemos com qualidades inerentes pode levar os indivíduos a encarar todos os desafios como provas ou ameaças aos sucessos já obtidos, e assim resistir a tudo o que envolve se expor ao novo, com os previsíveis ciclos de erros e aprendizados. Segundo a pesquisadora de Stanford, pessoas de mindset fixo veem a crítica e o erro como questões de caráter e sentem-se fragilizadas em sua própria identidade quando chamadas a mudar de atitude ou a enfrentar o novo. Qualquer fracasso pode ser pesado demais.

Ao contrário, diz Carol Dweck, aqueles que entendem que o fracasso (por exemplo, nas atividades de aprendizagem ou profissionais) é simplesmente uma oportunidade para aprender e que talento não é um amuleto distintivo que trazemos do berço podem se abrir mais facilmente a possibilidades de crescimento.

Uma dimensão óbvia dessa dualidade pode ser vista na questão do esforço pessoal. Para aqueles que acreditam em desenvolvimento de virtudes, capacidades, competências, o investimento de tempo e trabalho em projetos é parte integrante do cotidiano. Para os que preferem acreditar em seus atributos inatos, todo esforço pode parecer algo desnecessário e incoerente com suas convicções.

Evidentemente, o estudo possui nuances. Todos possuímos esses dois mindsets em diferentes proporções. Além disso, podemos nos enganar achando que somos flexíveis, quando só encontramos álibis para dobrar a resistência. Mas a reflexão continua válida ao indagar sobre o que orienta nossas atitudes diante do novo. 

Desses princípios decorreram pesquisas, exemplos e análises citadas pela pesquisadora em diversos campos da atividade humana, descritas nos estudos reunidos no livro. Em alguns casos, são particularmente relevantes para a educação e são coerentes com pesquisas no campo da pedagogia e da psicologia educacional. Um exemplo interessante é como encaramos o erro e o insucesso de crianças e adolescentes e, principalmente, como manifestamos isso nas palavras que utilizamos em sala de aula.

Nesse aspecto em específico, é muito fácil perceber a diferença entre elogiar um aluno atribuindo a nota à sua inteligência (e reforçar o mindset fixo), como é frequente, ou procurar reconhecer seu esforço, sua atenção ao processo, a distância entre o ponto de partida e até onde chegou.

Na cultura da avaliação escolar brasileira, historicamente focada em métricas e notas, e com grandes índices de repetência, prevalece a primeira abordagem. “A sala de aula muitas vezes se divide, no olhar do professor, entre os mais inteligentes e menos inteligentes, entre os que terão sucesso e os que provavelmente fracassarão. Assim, prevalece o resultado final sobre o percurso individual, o esforço de superação, o processo de aprendizagem. Assim como prevalece a baixa expectativa sobre a chance de transformação do aluno”, diz a psicóloga e pedagoga Claudia Tricate, diretora do Colégio Magno, em São Paulo. 

Acreditar que nascemos com qualidades inerentes pode nos levar a encarar todos os desafios como provas ou ameaças aos sucessos já obtidos, e assim resistir ao novo.

Mas, cuidado, o risco é ir ao outro extremo e simplesmente reconhecer o esforço, mesmo que não tenha levado a lugar algum. Nesse caso, o feedback positivo equivaleria a um tapinha nas costas. “Nosso trabalho mostra que você pode elogiar o resultado, desde que também fale sobre o processo que levou a esse resultado”, explica Carol Dweck, em uma entrevista à revista pedagógica Educational Leadership. Por isso, é importante ter estratégicas mais ricas de avaliação, que permitam ter um filme do processo de aprendizagem, e não apenas um retrato final. Entre outras virtudes, isso permitirá que o aluno não se sinta sempre voltando à estaca zero e perceba que houve avanços. “O esforço é essencial, mas está a serviço do progresso e do aprendizado. Há outras coisas igualmente importantes — como encontrar estratégias bem-sucedidas e buscar sugestões”, afirma a autora norte-americana na mesma entrevista.

Dentro da mesma ótica, a maneira de ver o erro é essencial para promover o que chama de mindset de crescimento. E, nesse caso, vale ter cuidado com a hipocrisia. “De nada adianta ter um discurso sobre valorizar o erro como parte do processo e não mudar nada na conduta, rebaixando a autoestima do aluno”, diz Claudia Tricate. “Valorizar o erro significa estar ao lado do aluno, buscar as causas, mostrar que há diferentes caminhos para chegar a um mesmo resultado, encontrar as hipóteses mais sólidas”, afirma.

E agora, professor?

A reflexão sobre nossas disposições de pensamento, crenças e a mudança cultural necessária não tem a ver apenas com o fazer diário do educador, mas também com a própria forma de encarar o dever da profissão. Afinal, o futuro tem um nome: educação. Um estudo divulgado no último Fórum Econômico Mundial mostra que nos próximos 2 anos até 54% dos profissionais precisarão passar por um processo denominado “reskilling”, que pode ser traduzido por uma requalificação de competências. 

“Um mundo em constante mudança exige pessoas com novas capacidades”, explica Luciana Camargo, diretora de RH da IBM para a América Latina. Por isso, transformar a cultura das pessoas e das empresas está entre os desafios que mais preocupam líderes globalmente. “Este é um desafio para as pessoas, mas também para empresas, uma vez que a era digital introduz novos modelos de negócios, novas formas de trabalho e a necessidade de uma cultura flexível que promova o desenvolvimento de todas as potencialidades das pessoas”, esclarece a executiva.

Acreditar que ser professor é fruto de um talento inato pode ser desanimador. Não há professor que não tenha algo a aprender ou a mudar

Flexibilidade, adaptabilidade a mudanças, gerenciamento do tempo, habilidade de priorizar e trabalhar em ambientes colaborativos são as competências essenciais para quem está no mercado de trabalho. Não há receita para mudar, mas, sem dúvida, a chave é a educação. É preciso pensar sobre como se aprende na fase adulta e, para isso, existe o termo andragogia ou pedagogia para adultos.

Um estudo da consultoria global Delloitte ouviu mais de 10 mil líderes em 169 países no ano passado e descobriu que a maior preocupação para 86% deles é justamente encontrar novas formas pelas quais as pessoas possam aprender e mudar, em seus próprios ambientes de trabalho. Mudar passa por aprender e reaprender sempre, por toda a vida, sem que isso signifique um demérito profissional, por mais talentoso que seja o funcionário da empresa.

A pesquisa de Carol Dweck tem algo a dizer sobre isso também. Para ela, acreditar que ser professor é fruto de um talento especial e inato pode também ser desanimador, especialmente em contextos desafiadores, como as salas de aulas das escolas de hoje. Não há professor que não tenha algo a aprender ou a mudar atualmente, seja nas escolas de elite, seja nas escolas públicas de áreas vulneráveis.

“Os novos professores geralmente têm uma percepção frágil de si mesmos em uma profissão tão exigente. Com uma mentalidade fixa, eles sentem que suas habilidades estão sendo julgadas, e podem esconder suas lutas. Mas em uma mentalidade de crescimento, você deseja que as pessoas possam lhe dar o feedback mais honesto possível”, diz.

Essa é uma barreira que precisa ser definitivamente superada. Mundo afora, as políticas de formação de professores em sistemas educacionais bem-sucedidos, como Japão, Coreia do Sul, Finlândia, frequentemente envolvem mentoria com professores mais experientes, estudo de aulas gravadas, feedbacks constantes. Parte essencial do trabalho das lideranças escolares é justamente acompanhar, encorajar e aprimorar o trabalho dos professores, e isso também é um aprendizado para os gestores brasileiros, porque dar bons feedbacks também requer um aprendizado.

“Muitas vezes, feedback é entendido como crítica construtiva. No entanto, é uma ferramenta poderosa para apreciar o que as pessoas estão fazendo bem e ajudar na reflexão sobre onde poderiam melhorar. Encorajar a mentalidade de crescimento e reflexão sobre o que se aprendeu com a experiência é uma forma positiva de incentivar as pessoas a crescerem”, diz Luciana Camargo.

Mas, claro, é preciso ter sempre em mente que mudar não é um processo simples para ninguém. Para o psicólogo José Ernesto Bologna, consultor de grandes empresas e de escolas brasileiras, trata-se de um desafio complexo que deve partir da compreensão do que precisa ser mudado. “Mudar envolve opiniões, visões de mundo, falas, atos, formas, estilos pessoais, sentimentos, abandonar antigas mágoas, antigas resistências, ser mais flexível em valores e juízos, ou se tornar mais rígido. Enfim, mudar a própria dificuldade de mudar”, lembra.

Segundo Bologna, memórias, princípios, conceitos, ideias, afetos, falas e atos, juntos, integram um sistema complexo que podemos denominar estilo, o popular jeito de cada um. “Cada um desses elementos constitutivos alimenta, realimenta, retroalimenta, e, assim, mantém todos os outros. Portanto, a personalidade, o estilo pessoal, com o tempo vai cristalizando, sulcando, os mesmos mecanismos e caminhos. É esse fenômeno psicodinâmico (a maneira de a mente manter o funcionamento da própria mente) que torna mudar progressivamente difícil com o tempo. Os adultos não mudam por falta de consciência da vantagem de viver experimentalmente, e da coragem de enxergar de novas formas”, define o especialista.  O que também é um desafio (e tanto) para a escola e para os educadores, não é mesmo?

Problemas brasileiros

A complexidade do cenário apontado por Bologna tem ingredientes próprios: a realidade da educação e da sociedade brasileira. Esse é um ponto essencial, que está na base de críticas possíveis a propostas como a defendida por Carol Dweck. Concentrar as soluções na postura de indivíduos pode levar a um grande erro: isentar o Estado ou as empresas de oferecer condições dignas de trabalho para seus profissionais.

No caso da realidade educacional brasileira, os desafios estão postos e são conhecidos. Há problemas por toda parte: salas lotadas, baixos salários, pouco tempo para a formação em serviço e para o planejamento. Nesse ecossistema tão multifacetado, não se pode esperar que a qualidade das escolas e o grau de engajamento profissional mude por esforço dos indivíduos – na medida em que é fruto de um contexto social mais amplo, em um país com quase 50 milhões de alunos e 2,1 milhões de professores.

Segundo a pesquisa Talis, que envolveu 48 países e foi divulgada no final de 2018 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (ocde), quase 40% dos professores de Ensino Médio das escolas públicas brasileiras veem mais desvantagens do que vantagens em ser professor. Isso coloca o Brasil abaixo de países como Vietnã e Emirados Árabes. Apenas 11% dos professores de Ensino Fundamental – anos fundamentais acham que sua profissão é valorizada pela sociedade, um dos índices mais baixos do estudo.

A questão da infraestrutura é particularmente questionada. Cerca de 71% dos diretores das escolas públicas acreditam que seu trabalho fica mais difícil pela falta de internet. No plano dos salários, os docentes da rede pública ainda recebem, em média, 70% menos do que os demais profissionais com ensino superior.

É um cenário complexo que não se muda apenas com disposições individuais. Depende de prioridade política, pressão e controle social, mas que também não se transforma sem mudança de mentalidade dos profissionais da educação. A pesquisa Talis ainda mostra, por exemplo, que, apesar de meio século passado desde que os estudos do pesquisador brasileiro Sérgio Costa Ribeiro trouxeram à tona a chamada Pedagogia da Repetência, o país ainda continua sendo um dos que mais reprovam no mundo. Em 2018, 71% dos docentes continuam acreditando que é bom para a formação do aluno que ele repita o ano, caso tenha recebido notas baixas. Além disso, o contexto global aponta para grandes transformações na organização da educação, que se torna um processo cada vez mais disseminado fora da escola.

No século XXI, como previu o pesquisador português Rui Canário, a educação deixa de ser refém da escola e passa a acontecer em muitos outros ambientes sociais, presenciais e virtuais. Os educadores são profissionais de importância indiscutível, sobre o qual se assentam todas as esperanças de um mundo melhor. Assim, também se ampliam as possibilidades de atuação do educador, que precisa rever as bases de suas convicções para que possa participar sem temores do processo de reskilling vivido por todas as categorias profissionais. Nesse caso, sim, é hora de cada professor aceitar o conselho de Dweck e refletir sobre seu próprio mindset. E por que não?

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Pesquisa Talis. Disponível em:mod.lk/ed18pens. Acesso em: 9 fev. 2020. 

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Escola: lugar de travessias

Escola: lugar de travessias

Como guiar os jovens para um caminho de bem e de alegria.

A escola é um lugar privilegiado de travessias. Os educadores são testemunhas desse processo que se inicia toda vez que um pequeno ser humano ultrapassa as grandes portas de nossas escolas para começar sua jornada acadêmica, afetiva, social, esportiva etc. Por isso, os docentes são como pontífices: construtores de pontes para incontáveis travessias. 

As crianças chegam às nossas escolas, algumas vezes, ainda sem saber andar direito; há que ensiná-las a correr, ir ao banheiro, dividir os brinquedos, escovar os dentes, esperar a vez e várias outras coisas que fazemos com muita eficiência. O problema parece começar quando as crianças se tornam adolescentes. Em vez de encontrarmos novos seres inquietos e perguntadores, parece que encontramos garotos chatos e desobedientes. Isso nos provoca a pergunta: são eles que perderam a graça e a educação adquirida, ou somos nós que não sabemos o que fazer com suas inquietações e nos tornamos insuficientes para essa desafiante travessia?

A mochila existencial a ser refeita: descobrindo o sentido da vida 

O educador italiano Luigi Giussani, que viveu no século XX, em um interessante livro intitulado Educar é um risco, descreve que a criança até, aproximadamente, os 10 anos aceita como verdadeiro aquilo que os adultos lhe apresentam e guarda esses aprendizados em sua mochila existencial. Mas se o ser humano fosse uma cópia do que lhes é oferecido pelos adultos, não amadureceria. Por isso, em certo momento, que denominamos adolescência, “a natureza dá à criança o instinto de pegar a mochila e de colocá-la diante dos olhos (em grego se diz pro-bállo, origem da palavra ‘problema’). Deve, portanto, tornar-se problema aquilo que nos disseram! Se não se tornar problema, nunca amadurecerá. Uma vez trazida para diante dos olhos, remexe-se dentro da mochila”.

Esse processo é o fundamento do relacionamento educativo. Cada ser que chega ao mundo vai recebendo um conjunto de valores e conhecimentos que irá avaliar e decidir o que lhe parece verdadeiro, correspondente ao que deseja ser e fazer. O papel de seus educadores – e uso essa palavra, aqui, para definir todo adulto com que ele se relaciona – é, em primeiro lugar, reconhecer a importância desse processo sem o qual uma criança não se torna um jovem, nem um adulto. É daqui que nasce o “eu”, a autoria, a originalidade, a peculiaridade irrepetível de cada um como defende Viktor Frankl, genial psiquiatra e neurologista austríaco, que afirmava que o ser humano é “único e irrepetível”. 

Em tempos pós-modernos, em que as margens e os rumos da vida estão cada vez mais fluidos e esmaecidos, esse trabalho essencial exige um método para que os jovens e adolescentes tracem esse percurso obrigatório a fim de que não sejam ainda adolescentes depois dos 30!

Para todas as vantagens e desvantagens que se colocam contemporaneamente, todas as portas parecem estar abertas, e nossos jovens as abrem utilizando mais o instinto do que a razão. Ora, então qual o grande trabalho a ser feito com eles por meio de cada disciplina? Trata-se de ajudá-los a verificar cada item que está contido na tal “mochila existencial”! Cada disciplina é oferecida para que amadureçam não somente do ponto de vista intelectual, mas também adquiram habilidades e competências que seus conteúdos portam em sua estrutura. Há muitas oportunidades em cada disciplina para ensinar aos jovens sobre como observar, respeitar, dialogar e transformar a realidade. 

Um método para ajudar a entrar na vida: a experiência elementar

Há 24 séculos, Aristóteles afirmava que o ser humano nasce com uma espécie de bússola capaz de indicar aquilo que é bom, belo e verdadeiro. Hoje, chamamos isso de experiência elementar e, sem ela, seria muito arriscado e até mesmo impossível o processo de formação dos jovens. De acordo com o filósofo, tudo que o ser humano faz deriva das suas experiências elementares e pode ser comparado com elas. Assim, a experiência elementar funciona como um direcionador (ou uma bússola) para que a pessoa reconheça aquilo que lhe corresponde ou não. É ela que faz com que nos entristeçamos com a injustiça, o mal, a mentira, o desumano — até mesmo quando somos nós que geramos o mal.

Com base nisso podemos observar que o primeiro papel dos educadores é chamar, insistentemente, os alunos a comparar tudo o que lhe acontece com aquele conjunto de exigências elementares com o qual a natureza o dotou, a fim de que tome decisões mais consistentes e menos instintivas, que se percam menos e, principalmente, vivam menos experiências de depressão. 

Essa estrutura humana consiste em uma espécie de mapa interior com o qual a natureza dotou o ser humano para que não perca tanto tempo patinando em um nada infinito, mas para que suas buscas se deem a partir de um conjunto de premissas orientadas para o bem, isto é, para a felicidade. O filósofo espanhol Julián Marías lembra-nos em sua saborosa obra A felicidade humana, de que sentido e felicidade são duas experiências inseparáveis. Portanto, ter um mapa, uma estrutura humana prévia, não cerceia o viajante; antes, amplia e favorece suas possibilidades de êxito.

Para nós, educadores, ajudar os alunos a comparar o que fazem com a sua “bússola” nos auxilia muitíssimo porque, sem ela, eles nos pediriam indicações de saídas que não devemos dar, ou que não temos para dar, além do que acabaríamos por impor uma visão de mundo. Enfim, sabemos quanto tudo isso é complicado! Mas, ao provocá-los a comparar como se sentem diante do que fazem, a resposta está dentro deles e não em nós. Isso nos torna livres diante das incontáveis questões que surgem e possibilita a eles um método que independe de um guru para que encontrem a melhor resposta.

A importância de uma companhia contra a tristeza

Meus alunos da universidade contam histórias muito dolorosas de seus tempos de Fundamental 2 e Ensino Médio. Descrevem a depressão profunda, o medo e a dor agravados pelo número reduzido de adultos que os ajudassem a, confrontando a realidade com seus desejos mais profundos, descobrir o que é bom, belo e verdadeiro. A quem eles poderiam pedir ajuda? O educador é um adulto que costuma ter várias possibilidades de estar no lugar certo e na hora certa para fazer essa ponte. Mesmo assim, o fato misterioso que nos consola é que, a despeito dessa carência de “construtores de pontes”, os jovens acabam por encontrar pequenas companhias, amigos, palavras, gestos, frases que fazem com que saiam dos lugares difíceis que habitam e a vida volta a começar.

Se não fizermos isso, naquele espaço que cada disciplina oferece, nos diversos encontros que a escola proporciona, os caminhos da depressão, da violência, da indisciplina expressarão a ausência desse trabalho. As doenças surgem como gritos disfarçados de nossos jovens que fazem um discurso do “qualquer coisa pode e vale”, mas que, ao viverem dessa forma, se sentem esmagados e sem saída.

“Aristóteles afirmava que o ser humano nasce com uma espécie de bússola capaz de indicar aquilo que é bom, belo e verdadeiro.”

Caros mestres, o que mais tenho aprendido com meus alunos é que a vida, quase compulsivamente, volta a começar, se refaz, se reconstrói de onde e como não esperamos. Mas se os ajudarmos nesse trabalho, isso ocorre mais depressa e sem tanto sofrimento.

Certa vez, à noitinha, estávamos estendidos no chão de terra do barracão, mortos de cansaço, o prato de sopa na mão, quando entrou um companheiro correndo e mandou-nos depressa para a área de chamada da turma, apesar de toda a nossa fadiga e do frio lá fora, só para não perdermos uma visão magnífica do pôr do sol. Vimos, então, o ocaso incandescente e tenebroso, com todo o horizonte tomado de nuvens multiformes e em constante transfiguração, de fantásticos perfis e cores sobrenaturais, desde o azul cobalto até o escarlate sangue, contrastando pouco mais abaixo com os desolados barracos cinzentos do campo de concentração e a lamacenta área onde é feita a chamada dos prisioneiros, em cujas poças ainda se refletia o céu incandescente. (frankl, Viktor. Em busca de sentido. São Paulo: Vozes, 2017).

A vida vale a pena sob quaisquer circunstâncias

A epígrafe acima, extraída do imperdível livro Em busca de sentido, descreve como mesmo mergulhados no mal e destruídos pelo cansaço e pela fome os prisioneiros não deixaram de sair do barracão para ver um pôr do sol. Ora, o que isso indica? Que mesmo nas situações mais trágicas, violentas, difíceis, a pessoa ainda deseja a beleza e o bem porque lhe são inextirpáveis. O adulto é aquele que não esquece isso. Daí que repropõe, infinitamente, a todos os seus alunos e aos particularmente mais difíceis essa “volta para casa”. Essa é a tarefa essencial da educação: ajudar os jovens a compararem aquilo que fazem com o seu desejo de bom, belo e verdadeiro. Porque, assim, paulatinamente, vão encontrando o sentido para a vida. Se ele não o encontra, nada, nem estudo, nem família, nem namoros, nem conforto ou lazer, nada faz valer a pena a vida. Ao ser humano não foi dada a possibilidade de viver sem um sentido. A nós, educadores, cabe a companhia do percurso.

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A escola é um lugar privilegiado de travessias. Os educadores são testemunhas desse processo que se inicia toda vez que um pequeno ser humano ultrapassa as grandes portas de nossas escolas para começar sua jornada acadêmica, afetiva, social, esportiva etc. Por isso, os docentes são como pontífices: construtores de pontes para incontáveis travessias. 

As crianças chegam às nossas escolas, algumas vezes, ainda sem saber andar direito; há que ensiná-las a correr, ir ao banheiro, dividir os brinquedos, escovar os dentes, esperar a vez e várias outras coisas que fazemos com muita eficiência. O problema parece começar quando as crianças se tornam adolescentes. Em vez de encontrarmos novos seres inquietos e perguntadores, parece que encontramos garotos chatos e desobedientes. Isso nos provoca a pergunta: são eles que perderam a graça e a educação adquirida, ou somos nós que não sabemos o que fazer com suas inquietações e nos tornamos insuficientes para essa desafiante travessia?

A mochila existencial a ser refeita: descobrindo o sentido da vida 

O educador italiano Luigi Giussani, que viveu no século XX, em um interessante livro intitulado Educar é um risco, descreve que a criança até, aproximadamente, os 10 anos aceita como verdadeiro aquilo que os adultos lhe apresentam e guarda esses aprendizados em sua mochila existencial. Mas se o ser humano fosse uma cópia do que lhes é oferecido pelos adultos, não amadureceria. Por isso, em certo momento, que denominamos adolescência, “a natureza dá à criança o instinto de pegar a mochila e de colocá-la diante dos olhos (em grego se diz pro-bállo, origem da palavra ‘problema’). Deve, portanto, tornar-se problema aquilo que nos disseram! Se não se tornar problema, nunca amadurecerá. Uma vez trazida para diante dos olhos, remexe-se dentro da mochila”.

Esse processo é o fundamento do relacionamento educativo. Cada ser que chega ao mundo vai recebendo um conjunto de valores e conhecimentos que irá avaliar e decidir o que lhe parece verdadeiro, correspondente ao que deseja ser e fazer. O papel de seus educadores – e uso essa palavra, aqui, para definir todo adulto com que ele se relaciona – é, em primeiro lugar, reconhecer a importância desse processo sem o qual uma criança não se torna um jovem, nem um adulto. É daqui que nasce o “eu”, a autoria, a originalidade, a peculiaridade irrepetível de cada um como defende Viktor Frankl, genial psiquiatra e neurologista austríaco, que afirmava que o ser humano é “único e irrepetível”. 

Em tempos pós-modernos, em que as margens e os rumos da vida estão cada vez mais fluidos e esmaecidos, esse trabalho essencial exige um método para que os jovens e adolescentes tracem esse percurso obrigatório a fim de que não sejam ainda adolescentes depois dos 30!

Para todas as vantagens e desvantagens que se colocam contemporaneamente, todas as portas parecem estar abertas, e nossos jovens as abrem utilizando mais o instinto do que a razão. Ora, então qual o grande trabalho a ser feito com eles por meio de cada disciplina? Trata-se de ajudá-los a verificar cada item que está contido na tal “mochila existencial”! Cada disciplina é oferecida para que amadureçam não somente do ponto de vista intelectual, mas também adquiram habilidades e competências que seus conteúdos portam em sua estrutura. Há muitas oportunidades em cada disciplina para ensinar aos jovens sobre como observar, respeitar, dialogar e transformar a realidade. 

Um método para ajudar a entrar na vida: a experiência elementar

Há 24 séculos, Aristóteles afirmava que o ser humano nasce com uma espécie de bússola capaz de indicar aquilo que é bom, belo e verdadeiro. Hoje, chamamos isso de experiência elementar e, sem ela, seria muito arriscado e até mesmo impossível o processo de formação dos jovens. De acordo com o filósofo, tudo que o ser humano faz deriva das suas experiências elementares e pode ser comparado com elas. Assim, a experiência elementar funciona como um direcionador (ou uma bússola) para que a pessoa reconheça aquilo que lhe corresponde ou não. É ela que faz com que nos entristeçamos com a injustiça, o mal, a mentira, o desumano — até mesmo quando somos nós que geramos o mal.

Com base nisso podemos observar que o primeiro papel dos educadores é chamar, insistentemente, os alunos a comparar tudo o que lhe acontece com aquele conjunto de exigências elementares com o qual a natureza o dotou, a fim de que tome decisões mais consistentes e menos instintivas, que se percam menos e, principalmente, vivam menos experiências de depressão. 

Essa estrutura humana consiste em uma espécie de mapa interior com o qual a natureza dotou o ser humano para que não perca tanto tempo patinando em um nada infinito, mas para que suas buscas se deem a partir de um conjunto de premissas orientadas para o bem, isto é, para a felicidade. O filósofo espanhol Julián Marías lembra-nos em sua saborosa obra A felicidade humana, de que sentido e felicidade são duas experiências inseparáveis. Portanto, ter um mapa, uma estrutura humana prévia, não cerceia o viajante; antes, amplia e favorece suas possibilidades de êxito.

Para nós, educadores, ajudar os alunos a comparar o que fazem com a sua “bússola” nos auxilia muitíssimo porque, sem ela, eles nos pediriam indicações de saídas que não devemos dar, ou que não temos para dar, além do que acabaríamos por impor uma visão de mundo. Enfim, sabemos quanto tudo isso é complicado! Mas, ao provocá-los a comparar como se sentem diante do que fazem, a resposta está dentro deles e não em nós. Isso nos torna livres diante das incontáveis questões que surgem e possibilita a eles um método que independe de um guru para que encontrem a melhor resposta.

A importância de uma companhia contra a tristeza

Meus alunos da universidade contam histórias muito dolorosas de seus tempos de Fundamental 2 e Ensino Médio. Descrevem a depressão profunda, o medo e a dor agravados pelo número reduzido de adultos que os ajudassem a, confrontando a realidade com seus desejos mais profundos, descobrir o que é bom, belo e verdadeiro. A quem eles poderiam pedir ajuda? O educador é um adulto que costuma ter várias possibilidades de estar no lugar certo e na hora certa para fazer essa ponte. Mesmo assim, o fato misterioso que nos consola é que, a despeito dessa carência de “construtores de pontes”, os jovens acabam por encontrar pequenas companhias, amigos, palavras, gestos, frases que fazem com que saiam dos lugares difíceis que habitam e a vida volta a começar.

Se não fizermos isso, naquele espaço que cada disciplina oferece, nos diversos encontros que a escola proporciona, os caminhos da depressão, da violência, da indisciplina expressarão a ausência desse trabalho. As doenças surgem como gritos disfarçados de nossos jovens que fazem um discurso do “qualquer coisa pode e vale”, mas que, ao viverem dessa forma, se sentem esmagados e sem saída.

“Aristóteles afirmava que o ser humano nasce com uma espécie de bússola capaz de indicar aquilo que é bom, belo e verdadeiro.”

Caros mestres, o que mais tenho aprendido com meus alunos é que a vida, quase compulsivamente, volta a começar, se refaz, se reconstrói de onde e como não esperamos. Mas se os ajudarmos nesse trabalho, isso ocorre mais depressa e sem tanto sofrimento.

Certa vez, à noitinha, estávamos estendidos no chão de terra do barracão, mortos de cansaço, o prato de sopa na mão, quando entrou um companheiro correndo e mandou-nos depressa para a área de chamada da turma, apesar de toda a nossa fadiga e do frio lá fora, só para não perdermos uma visão magnífica do pôr do sol. Vimos, então, o ocaso incandescente e tenebroso, com todo o horizonte tomado de nuvens multiformes e em constante transfiguração, de fantásticos perfis e cores sobrenaturais, desde o azul cobalto até o escarlate sangue, contrastando pouco mais abaixo com os desolados barracos cinzentos do campo de concentração e a lamacenta área onde é feita a chamada dos prisioneiros, em cujas poças ainda se refletia o céu incandescente. (frankl, Viktor. Em busca de sentido. São Paulo: Vozes, 2017).

A vida vale a pena sob quaisquer circunstâncias

A epígrafe acima, extraída do imperdível livro Em busca de sentido, descreve como mesmo mergulhados no mal e destruídos pelo cansaço e pela fome os prisioneiros não deixaram de sair do barracão para ver um pôr do sol. Ora, o que isso indica? Que mesmo nas situações mais trágicas, violentas, difíceis, a pessoa ainda deseja a beleza e o bem porque lhe são inextirpáveis. O adulto é aquele que não esquece isso. Daí que repropõe, infinitamente, a todos os seus alunos e aos particularmente mais difíceis essa “volta para casa”. Essa é a tarefa essencial da educação: ajudar os jovens a compararem aquilo que fazem com o seu desejo de bom, belo e verdadeiro. Porque, assim, paulatinamente, vão encontrando o sentido para a vida. Se ele não o encontra, nada, nem estudo, nem família, nem namoros, nem conforto ou lazer, nada faz valer a pena a vida. Ao ser humano não foi dada a possibilidade de viver sem um sentido. A nós, educadores, cabe a companhia do percurso.

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