Projeto de vida: qual é o seu e o dos seus alunos?

Projeto de vida: qual é o seu e o dos seus alunos?

compartilha-projeto-de-vida-iStock-1353350151-no-texto

O que é projeto de vida? Como elaborar? Qual é o papel do aluno, da escola e da família na construção e na implementação de projetos de vida?

Desde que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) trouxe o projeto de vida como o eixo sobre o qual a escola deve organizar suas práticas, muito se discute sobre protagonismo, autoria e educação integral, mas nem sempre fica claro como ele pode ser desenvolvido.

Antes de propô-lo aos alunos, pense em você: qual é o seu projeto de vida? O que você deseja para o seu presente e para o seu futuro? O que tem feito para atingir seus objetivos?

Difícil responder, não?

Então vamos mudar as perguntas: o que o move? O que dá sentido à sua vida? Essa motivação está relacionada com a sua atuação profissional?

O que move você é o seu propósito, ou seja, aquilo que o inspira, que o faz sair da cama todos os dias, a sua causa, a sua bandeira. O propósito deve guiar as suas escolhas e ser a base dos seus objetivos. Como educador, por exemplo, talvez o seu propósito profissional seja fazer a diferença na vida dos seus alunos por meio da educação e transformar o mundo com conhecimentos e vivências. A partir dessa motivação, você se preparou, traçou e trilhou o seu caminho e a sua carreira.

Propósito é a sua motivação, aquilo que o inspira

E hoje: quais são os seus objetivos? O que você quer alcançar em curto, médio e longo prazo na esfera pessoal, na social e na profissional?

É preciso tempo e informações para organizar os pensamentos, estabelecer metas e pensar em modos de atingir esses objetivos. É preciso, também, fazer uma análise do presente para definir formas de chegar ao futuro desejado.

Como você deve ter percebido, mais do que respostas, a proposta do projeto de vida é oferecer as perguntas certas. As respostas são individuais e podem mudar em função do período de vida. O papel da escola e da família é estimular a reflexão sobre o campo de possibilidades dos alunos: a identificação de diferentes estilos de vida baseados em escolhas livres e responsáveis em função do contexto socioeconômico deles.

Campo de possibilidades são os diferentes caminhos rumo ao futuro com base na análise do presente

O projeto de vida visa ampliar esse campo de possibilidades, levando os jovens a considerar as vantagens e desvantagens dos diferentes estilos de vida profissional, seja por meio do empreendedorismo, seja pelo meio acadêmico ou empresarial.

Enquanto os alunos conhecem e analisam as trajetórias possíveis, é possível conduzir de forma segura a elaboração de um plano de ação para levá-los a identificar interesses, transformá-los em objetivos realistas e desenvolver as competências e as habilidades necessárias para atingi-los e, se for o caso, revê-los de acordo com as mudanças no entorno.

As três dimensões do projeto de vida

Com base em reflexões, vivências individuais e coletivas e conhecimentos, é possível desenvolver as três dimensões da vida e definir um projeto para cada uma delas. As três dimensões a serem desenvolvidas no projeto de vida são: pessoal (autoconhecimento), social (vida em sociedade) e profissional (mundo do trabalho).

Na dimensão pessoal, os jovens se (re)conhecem como sujeitos e refletem sobre os aspectos que impactam na sua identidade, como seus valores, o modo como lidam com os seus sentimentos e emoções, a sua origem (a família biológica e a de convivência) e a sua atitude de abertura ao novo e à diversidade. Além disso, descobrem interesses e aspirações e detectam competências e habilidades que podem se relacionar com as profissões que irão exercer.

As atividades e as vivências nessa dimensão devem contribuir para promover a autoaceitação e a autovalorização, favorecendo, assim, o fortalecimento da autoestima dos jovens, o seu crescimento emocional e o seu empoderamento.

Na dimensão social, os alunos refletem sobre as relações interpessoais com o seu entorno imediato e com o mundo e sobre o impacto que essas relações causam neles como cidadãos.

As atividades dessa dimensão, maioritariamente em grupos, visam ao desenvolvimento do senso de responsabilidade para com o bem comum, por meio do convívio baseado em valores, como ética e empatia, e no respeito a direitos e deveres sociais. Promove-se a atuação na sociedade por meio da força de ações e intervenções coletivas para a solução de problemas reais que afetam da escola à comunidade, da cidade ao planeta.

Na dimensão profissional, abordam-se os fatores que contribuem para a mobilidade social dos jovens por meio da sua atuação produtiva. A inserção e a permanência no mundo do trabalho dependem da identificação e do desenvolvimento de habilidades, competências e conhecimentos alinhados às demandas do século XXI, como uso da tecnologia, empreendedorismo, criatividade e resiliência.

Nesse contexto, já não se fala mais em “vocação”, como se as pessoas nascessem predestinadas a descobrir e exercer determinada profissão. No mundo dinâmico da sociedade 4.0, as demandas e os trabalhos estão em constante transformação e, para além de preparar os jovens para uma profissão específica, o objetivo da educação contemporânea é oferecer subsídios para que eles se tornem cidadãos e “profissionais” no sentido amplo do termo, que possam se adaptar e crescer tanto em situações favoráveis quanto nas adversas, com base em valores e saberes pessoais, relacionais e cognitivos.

O desenvolvimento dessas três dimensões contribui para a formação de jovens cidadãos críticos, autônomos e éticos, capazes de identificar e realizar objetivos alinhados ao presente e ao futuro que desejam para si e para o mundo.

O passo a passo para o projeto de vida

Alunos diversos estão debruçados em uma mesa escrevendo juntos em um caderno.

Promover a reflexão e a construção de projetos de vida na escola significa oferecer ferramentas e recursos para que os jovens transformem as aspirações em objetivos concretos alinhados aos seus propósitos. Um desses recursos é a elaboração de um plano de ação que, baseando-se nesses objetivos, estabelece metas com prazos claros e viáveis, assim como estratégias para realizá-los.

Plano de ação é o planejamento dos passos em direção a um projeto

Para evitar que os jovens sejam levados pelo acaso das oportunidades ou por necessidades, a proposta de construção de um projeto de vida desnaturaliza e combate o determinismo social partindo da análise da realidade e da elaboração de um planejamento estratégico para superar desafios. Assim, o plano de ação para o desenvolvimento de um projeto de vida deve estabelecer objetivos, metas, prazos e estratégias realistas, que não contem com a sorte ou com o acaso, como ganhar na loteria.

Por meio da construção e da atualização sistematizada e constante do plano de ação para a realização dos seus projetos de vida, os jovens podem refletir, trocar ideias com pessoas próximas, pesquisar sobre as perspectivas locais e globais, fazer escolhas e tomar decisões sobre suas vidas, tendo em vista que elas impactam no entorno e – por que não? – no mundo.

Aluno + escola + família + sociedade = projeto de vida

As noções de protagonismo e autoria abordadas no Ensino Fundamental desenvolvem-se no Ensino Médio por meio do projeto de vida. A educação nessa etapa escolar visa desenvolver os alunos não apenas na dimensão cognitiva, mas de forma integral, com base nos seus interesses e potencialidades. Nesse contexto, o desenvolvimento das juventudes é responsabilidade não apenas do professor e da escola, mas de toda a comunidade.

A família e a sociedade são fundamentais para o acolhimento, o respeito e a valorização dos projetos de vida dos seus jovens e exercem importante influência sobre eles, principalmente por meio de seus modelos — referências locais ou globais que se tornam exemplos por seus valores e atitudes.

A participação da comunidade nas atividades escolares contribui para o desenvolvimento estudantil, social e profissional dos jovens e ela pode ser realizada por meio de interações e vivências coletivas nas quais se promova a apresentação dos projetos de vida, assim como das habilidades e capacidades dos jovens.

A inclusão dos familiares e dos amigos na agenda da escola aumenta o engajamento e o fortalecimento da identidade, essenciais na fase de tomada de decisões que vivem.

Essas escolhas da juventude começam no Ensino Médio, com a opção por determinadas áreas do conhecimento e itinerários formativos. Essa construção autoral dos seus currículos é o primeiro passo rumo ao projeto de vida e a escola é a propulsora dessa importante trajetória. Enquanto se prepara para o futuro profissional e cidadão, o jovem constrói o presente alinhado aos seus percursos e às suas histórias e toma decisões éticas fundamentadas ante os desafios da sociedade contemporânea.

Não é um destino, é um caminho

Traçar um projeto de vida e definir um plano de ação para atingir os objetivos não é uma tarefa com data para acabar. A vida está sujeita a mudanças e influências do contexto afetivo, social, cultural, econômico e político, nacional e internacional, e o projeto precisa se adaptar a elas. Mas como prever o futuro se ele é incerto?

O conhecimento e a preparação para as adversidades são as melhores estratégias para não ser surpreendido. Estar atualizado com os saberes de interesse, desenvolver as competências e habilidades necessárias ao mercado de trabalho e ter “planos B” pode contribuir para que não seja preciso mudar de rota no caminho rumo aos sonhos, apenas recalculá-la para chegar ao destino desejado.

O projeto de vida não começa no futuro, ele é o presente. Preparar-se para ele já é vivenciá-lo, é ser protagonista da própria história hoje e amanhã.

E você? Qual é o seu projeto de vida para a dimensão pessoal, social e profissional?

Identifique seus objetivos e trace você também seu projeto de vida. Ser protagonista não é uma aprendizagem exclusiva para alunos.

Roberta Amendola

é Mestra em Educação pela USP, bacharel e licenciada em Letras pela USP, especialista em Ensino de Espanhol para Brasileiros pela PUC-SP, em Mercado Editorial pela FIA-USP/CBL e em Edição pela Universidad Complutense de Madrid. Editora e autora de materiais didáticos de espanhol e projeto de vida.

Para saber mais

  • BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular. Disponível em: mod.lk/ed18mec. Acesso em: 27 jan. 2020.
  • DAMON, W. O que o jovem quer da vida? Como pais e professores podem orientar e motivar os adolescentes. São Paulo: Summus, 2009.
  • MORAN, J. Desafios na implementação do Projeto de Vida na Educação Básica e Superior. Disponível em: mod.lk/ed18pord. Acesso em: 13 fev. 2020.

Veja outros conteúdos

Vídeo
Atualização prática para o professor
A formação do aluno começa sempre com o desenvolvimento do professor. Pensando nisso, criamos as Formações Educatrix,…
Artigo
A necessidade de resgatarmos na Educação a comunidade aprendente
Lidar com o cenário da pandemia principalmente na Educação tem sido desafiador ao mesmo tempo que nos apresenta maneiras diferentes de possibilitar novos caminhos a Educação.
E-book
Diálogo: escola-família
Clique em Saiba mais para ler este E-Book na íntegra.
Artigo
A importância dos jogos na educação emergencial
Os jogos sempre tiveram um lugar especial na educação

Transformação digital docente

Transformação digital docente

Tornou-se uma fala vazia justificar a urgência da forma-ção continuada às atuais mudanças do mundo. Que o mundo mudou e continuará mudando todos já sabem, mas o que sua escola está fazendo para empoderar os principais agentes dessa transformação: os professores?

Em menos de quatro décadas, a transformação digital mudou completamente nossa forma de atuar no mundo. Revimos conceitos até então estabelecidos e vivenciamos novas experiências de interação, cooperação e compartilhamento. A forma de conviver se transformou, assim como a maneira de consumir informação, refiná-las e conectá-las. Reaprendemos todos os dias a viver no mundo em que nossos alunos já nasceram imersos.

Você deve estar acostumado com esses clichês e a ser tachado como “imigrante digital”, tentando aprender a língua do momento para adentrar o mundo dos “nativos digitais”. Estes conceitos foram propostos pelo escritor Mark Prensky, em 2001, e reverberados até hoje mundo afora. Dizia ele: “Se educadores imigrantes digitais realmente querem educar nativos digitais – ou seja, todos os seus alunos – eles precisarão mudar. É hora de eles pararem de resmungar e, como diz o slogan da Nike para a geração de nativos digitais, ‘Just do it!’ (simplesmente faça)”. Acontece que ao longo dos anos um grande número de trabalhos científicos chegou a conclusões diferentes, como o artigo “Os mitos do nativo digital e do multitarefas”, publicado em 2017 na revista Teaching and Teacher Education e endossado pela revista Nature, que afirma, com base em dados e pesquisas formais, que direcionar o ensino com base nesses fatos é “incorrer no erro de presumir que seus alunos possuem talentos e habilidades que os professores não possuem”. Com isso, assegura que, embora a forma como significamos o mundo tenha mudado, cabe ao professor e ao coordenador assumirem as rédeas e formalizarem a maneira como lidam com a informação on-line, tanto para as novas quanto para as gerações dos próprios profissionais, numa perspectiva de aprendizado contínuo.

O novo mundo, o mundo de hoje

A sociedade atual vem presenciando o que está sendo chamada Quarta Revolução Industrial ou Indústria 4.0, que se reflete em um mundo cada dia mais interconectado, complexo e incerto. Não é à toa que imaginar as profissões do futuro virou um exercício de alto risco. “Fugimos dos nomes de profissões e nos concentramos nas habilidades que serão necessárias. Estas são mais previsíveis, úteis e passíveis de serem desenvolvidas e praticadas – o que não é possível em se tratando de profissões que ainda nem sabemos como vão se chamar”, afirmou Amar Kumar, líder da pesquisa “O futuro das habilidades: empregabilidade em 2030”, em entrevista ao portal Porvir. De acordo com esse estudo, as habilidades ligadas à criatividade, originalidade, fluência de ideias e tomada de decisão estarão em alta no final da próxima década. A pesquisa também revela que o setor de Educação tende a ganhar mais eficiência com o avanço das tecnologias digitais, bem como expandir sua força de trabalho. Entre os nichos que devem se destacar, Kumar cita as mentorias individuais. “Haverá alta demanda tanto por aprender quanto por aprender como se aprende”, diz.

Educação 4.0

Impulsionada pela Indústria 4.0 e seus impactos sobre a economia e o mundo do trabalho, a Educação 4.0 vem ganhando força. Ela se apropria das tecnologias digitais – não só como ferramentas, mas como agentes de transformação – para repensar as experiências de aprendizagem nas escolas. Baseada no conceito de learning by doing (em português, aprender fazendo), sugere que o processo de aprendizado contemple vivências, projetos, experimentação e mão na massa. O objetivo da nova escola deve ser criar um espaço propício para que o aluno saia da condição de sujeito passivo e ocupe o eixo central da aprendizagem – por exemplo, em um ambiente de incentivo à inovação, invenção, resolução de problemas e colaboração. “Cabe ao professor conduzir tudo isso; afinal, ninguém melhor do que ele para entender as necessidades de desenvolvimento dos alunos de hoje”, afirma Anna Katarina Vasconcellos, gerente de Inovação e Projetos do Moderna Compartilha.

Frente aos novos papeis do professor, a formação docente adquire um caráter estratégico nas instituições de ensino. “Se queremos o aluno preparado para enfrentar os desafios deste século, precisamos ter a escola e o professor devidamente preparados para o que está por vir e empoderados como líderes desse processo”, explica Márcia Carvalho, diretora de Negócios do Moderna Compartilha. Esse é justamente um dos maiores desafios da Educação 4.0, que visa garantir a relevância dos educadores em um mundo hiperveloz, ambíguo e incerto.

As principais habilidades da era digital e os insights pedagógicos que os educadores precisam aprender e ensinar foram listados e são atualizados periodicamente pela organização sem fins lucrativos que é referência mundial em Tecnologia na Educação, o iste (International Society for Technology in Education).

Ele definiu sete padrões, ou standards, com as competências que os educadores precisam desenvolver para potencializar a adoção de boas práticas de inovação, integrando novas tecnologias. O objetivo é aprofundar a prática pedagógica, promover a colaboração entre colegas, repensar as abordagens tradicionais e preparar os alunos para impulsionar o próprio aprendizado.

As metas, com suas respectivas competências, são específicas para cada padrão. Em “Aprendiz”, por exemplo, os educadores devem aprimorar sua atuação enquanto aprendem e exploram práticas promissoras em prol da melhoria do aprendizado. Já em “Analista”, entendem e usam dados para orientar suas instruções, bem como ajudam os alunos a atingir suas metas de aprendizado. No standard “Cidadão Digital”, por sua vez, os educadores inspiram os estudantes a participar do mundo digital com responsabilidade e a contribuir de forma positiva. Em “Designer”, desenvolvem atividades em ambientes que sejam autênticos, acolham a diversidade e sejam voltados para o aprendiz. O foco no aluno também está presente no standard “Facilitador”, que privilegia o aprendizado com tecnologia para ajudá-lo a conquistar os standards que o iste elaborou especificamente para estudantes. Por fim, em “Líder” o desafio é identificar oportunidades de liderança para melhorar o ensino, a aprendizagem e o sucesso do aluno. 

Padrões iste no Brasil

Em parceria com o iste, o Moderna Compartilha — plataforma global de educação do Grupo Santillana que empodera o educador para viver na cultura digital – trouxe para o Brasil os padrões de formação profissional. Eles são referência para o recém-lançado programa de Desenvolvimento Gradativo para Professores Compartilha. “Nos baseamos nas descrições que o iste faz das competências do educador contemporâneo e montamos um programa alinhado à realidade do Moderna Compartilha nas escolas privadas do país”, explica Anna Katarina.

A nova iniciativa prevê a formação integral dos professores e o desenvolvimento gradativo de competências docentes específicas para atuar nas escolas hoje.

São propostos percursos formativos orientados por um coach presencial e um aplicativo de coach virtual, que trazem diferentes níveis de complexidade, bem como desafios e atividades para se colocar em prática as competências em fase de desenvolvimento. “O objetivo é tirar o professor do papel de ministrador da disciplina para elevá-lo à função de educador, com instrumentos para formar os alunos”, diz Anna. Ao fim de cada etapa, o professor recebe uma certificação do Instituto Crescer e, ao final de todo o percurso, é reconhecido como professor padrão iste.

O Desenvolvimento Contínuo de Professores começa a ser implementado nas escolas no primeiro semestre de 2019. “Será um divisor de águas para os parceiros do Moderna Compartilha. Além dos professores, que acompanharão seu próprio desenvolvimento conforme avançam nas trilhas de formação, a gestão pedagógica também poderá acompanhar e ter uma visão sistêmica do desenvolvimento do corpo docente”, comenta Sônia Marques, gerente comercial.

O Desenvolvimento Contínuo de Professores começa a ser implementado nas escolas no primeiro semestre de 2019. “Será um divisor de águas para os parceiros do Moderna Compartilha. Além dos professores, que acompanharão seu próprio desenvolvimento conforme avançam nas trilhas de formação, a gestão pedagógica também poderá acompanhar e ter uma visão sistêmica do desenvolvimento do corpo docente”, comenta Sônia Marques, gerente comercial.

Até dezembro, o Moderna Compartilha deve investir R$20 milhões em projetos e ações que incentivam a inovação no aprendizado. “Para os próximos anos, outros R$60 milhões já estão reservados para impulsionar mais etapas do programa de desenvolvimento docente, certificação dos nossos coaches pelo Instituto Brasileiro de Coaching, produção de conteúdo, criação de plataformas e novas iniciativas de formação”, revela Márcia Carvalho.

Competências contemporâneas

Diante do desafio de formar os alunos em todas as suas dimensões – cognitiva, socioemocional e digital –, as escolas buscam se consolidar como espaços de educação integral. “Trata-se de formar os alunos para enfrentar algo que ainda é desconhecido, mas para o qual precisam estar preparados e munidos de flexibilidade, organização, autonomia e espírito empreendedor”, afirma Solange Petrosino, gerente de Serviços Educacionais da Moderna.

Tamanha expectativa em relação às competências contemporâneas impulsiona a formação integral dos estudantes. “Em uma relação dialógica com a sociedade, as escolas se transformam para acompanhar as novas dinâmicas do mundo”, diz Solange. Ela explica que, além de favorecer o desenvolvimento de competências em todas as áreas, a formação integral também deve prever a avaliação desse processo. “Para muitas instituições, é um grande desafio, e os percursos formativos dão subsídios para que os profissionais estejam preparados.”

Ecossistema de evolução

A cultura da evolução e protagonismo está na essência do Moderna Compartilha, que privilegia o potencial de ação da comunidade escolar frente aos seus próprios desafios e necessidades de transformação. Isso se reflete nas estratégias e métodos que o projeto adota desde a sua concepção.

A plataforma nasceu em 2012 para atender a demanda por novidades em tecnologia educacional no mercado privado. “A pressão aumentava a cada dia, especialmente à medida que se começou a falar de sala de aula invertida, competências do século XXI e novos papéis da Educação”, lembra a diretora de negócios Márcia Carvalho. Os primeiros objetivos traçados foram instalar equipamentos de ponta nas escolas, oferecer tecnologia embarcada nos livros didáticos e ensinar os professores a se relacionar com tudo aquilo em sala de aula.

O projeto começou efetivamente a rodar em 2013, quando a entrega dos primeiros tablets e projetores simbolizou o pontapé da inserção digital de 68 escolas parcerias naquele ano. “Os novos dispositivos não só substituíram o computador como levaram o conceito de mobilidade para dentro das instituições”, destaca Márcia.

Para ampliar a oferta de conteúdo, firmaram-se acordos com parceiros a partir de 2014. “Além de livros e enciclopédias digitais, trouxemos jogos pedagógicos do Xmile, livros-aplicativos em 3D da EvoBooks, avaliações e simulados para o Fundamental II e Ensino Médio, propostas de produção textual do EntreLetras, a plataforma LMS (Learning Management School) de gerenciamento de conteúdo, entre outros”, enumera.

Uma nova fase começou em 2016, quando se intensificaram as reflexões sobre o que significa estar inserido no universo digital. “Antes de mais nada, é reconhecer-se como parte de um ecossistema, no qual cada instituição desenvolve sua própria cultura digital”, comenta Anna Katarina. Ela explica que esta última tem relação direta com a forma como a comunidade escolar se organiza, os usos que faz dos dispositivos tecnológicos e da rede, o aproveitamento para fins pedagógicos, de entretenimento e socialização, entre outros fatores que acabam formando sua identidade digital.

No ano seguinte, o Moderna Compartilha inovou com os Chrome Books. “Além de ser uma evolução tecnológica, foi um caminho que adotamos para que os professores passassem a produzir conteúdo, em vez de só consumir”, conta Márcia.

Outra estratégia para aumentar o engajamento da comunidade escolar no aprendizado dos estudantes foi a criação de um portal específico para as famílias – o Compartilha em Família, com temas ligados à Educação contemporânea. “Formar os pais exige mais que informá-los. Requer o empoderamento deles com relação a tudo que gira em torno do aprendizado”, diz Solange. A iniciativa também visou ao alinhamento da família com a escola. “Os pais precisam entender o que é desenvolvimento de competências, como se avalia, o que se prioriza hoje na formação e compreender que tudo isso tem a finalidade de preparar os jovens para o desconhecido, um mundo em movimento.”

Em 2018, mais avanços deram novos contornos à plataforma. Um deles foi a parceria com o Google for Education, com ferramentas que facilitam a colaboração na sala de aula (por exemplo, Gmail e Documentos Google) e aplicativos como Google Earth e WeVideo. Outra evolução que marcou aquele ano – uma das mais ambiciosas até agora na história do Moderna Compartilha – foi a criação do programa de Desenvolvimento Gradativo para Professores, e a parceria global com o iste.

A voz das escolas

“O Moderna Compartilha facilitou a comunicação entre estudantes e professores por meio da plataforma interativa e do fórum. O projeto também ampliou a capacidade investigativa dos alunos graças aos materiais que favorecem a pesquisa antes das aulas, o que é essencial para a metodologia ativa aplicada na nossa escola.” Edmundo F. de Castilho Filho é vice-diretor do Colégio ISBA, Salvador (BA). 

“A possibilidade de saber, em tempo real, como os docentes estão trabalhando traz mais assertividade ao trabalho do gestor. Além disso, as novidades postadas a cada dia permitem ao coordenador pedagógico orientar projetos de incentivo ao professor, gerando mais interação e prática no dia a dia.” Teresa Cristina Hallal é coordenadora pedagógica na Associação Literária e Educativa Santo André, em São José do Rio Preto (SP). 

“A parceria com o Moderna Compartilha sempre foi agregadora, com muitas trocas de experiências e apoio dos coachings e consultores. Isso nos trouxe a oportunidade de rever práticas pedagógicas e introduzir, com mais eficiência, a tecnologia nas salas de aula. O resultado é uma maior conexão entre os professores e também com os alunos – estes inclusive passaram a compartilhar conhecimento e interagir mais para o crescimento de todos.” Karin Vianna é coordenadora pedagógica no Colégio SER, em Jundiaí (SP).

Saiba mais sobre cidadania digital em iste.org. Fontes: Porvir, Pew Research, Microsoft, Symantec e Association for Psychological Science. Dados Brasil: Banda Larga no Brasil: um estudo sobre a evolução do acesso e da qualidade das conexões à internet – nic.br / cetic.br

Veja outros conteúdos

Vídeo
Atualização prática para o professor
A formação do aluno começa sempre com o desenvolvimento do professor. Pensando nisso, criamos as Formações Educatrix,…
Artigo
A necessidade de resgatarmos na Educação a comunidade aprendente
Lidar com o cenário da pandemia principalmente na Educação tem sido desafiador ao mesmo tempo que nos apresenta maneiras diferentes de possibilitar novos caminhos a Educação.
E-book
Diálogo: escola-família
Clique em Saiba mais para ler este E-Book na íntegra.
Artigo
A importância dos jogos na educação emergencial
Os jogos sempre tiveram um lugar especial na educação

Transformação digital docente

Tornou-se uma fala vazia justificar a urgência da forma-ção continuada às atuais mudanças do mundo. Que o mundo mudou e continuará mudando todos já sabem, mas o que sua escola está fazendo para empoderar os principais agentes dessa transformação: os professores?

Em menos de quatro décadas, a transformação digital mudou completamente nossa forma de atuar no mundo. Revimos conceitos até então estabelecidos e vivenciamos novas experiências de interação, cooperação e compartilhamento. A forma de conviver se transformou, assim como a maneira de consumir informação, refiná-las e conectá-las. Reaprendemos todos os dias a viver no mundo em que nossos alunos já nasceram imersos.

Você deve estar acostumado com esses clichês e a ser tachado como “imigrante digital”, tentando aprender a língua do momento para adentrar o mundo dos “nativos digitais”. Estes conceitos foram propostos pelo escritor Mark Prensky, em 2001, e reverberados até hoje mundo afora. Dizia ele: “Se educadores imigrantes digitais realmente querem educar nativos digitais – ou seja, todos os seus alunos – eles precisarão mudar. É hora de eles pararem de resmungar e, como diz o slogan da Nike para a geração de nativos digitais, ‘Just do it!’ (simplesmente faça)”. Acontece que ao longo dos anos um grande número de trabalhos científicos chegou a conclusões diferentes, como o artigo “Os mitos do nativo digital e do multitarefas”, publicado em 2017 na revista Teaching and Teacher Education e endossado pela revista Nature, que afirma, com base em dados e pesquisas formais, que direcionar o ensino com base nesses fatos é “incorrer no erro de presumir que seus alunos possuem talentos e habilidades que os professores não possuem”. Com isso, assegura que, embora a forma como significamos o mundo tenha mudado, cabe ao professor e ao coordenador assumirem as rédeas e formalizarem a maneira como lidam com a informação on-line, tanto para as novas quanto para as gerações dos próprios profissionais, numa perspectiva de aprendizado contínuo.

O novo mundo, o mundo de hoje

A sociedade atual vem presenciando o que está sendo chamada Quarta Revolução Industrial ou Indústria 4.0, que se reflete em um mundo cada dia mais interconectado, complexo e incerto. Não é à toa que imaginar as profissões do futuro virou um exercício de alto risco. “Fugimos dos nomes de profissões e nos concentramos nas habilidades que serão necessárias. Estas são mais previsíveis, úteis e passíveis de serem desenvolvidas e praticadas – o que não é possível em se tratando de profissões que ainda nem sabemos como vão se chamar”, afirmou Amar Kumar, líder da pesquisa “O futuro das habilidades: empregabilidade em 2030”, em entrevista ao portal Porvir. De acordo com esse estudo, as habilidades ligadas à criatividade, originalidade, fluência de ideias e tomada de decisão estarão em alta no final da próxima década. A pesquisa também revela que o setor de Educação tende a ganhar mais eficiência com o avanço das tecnologias digitais, bem como expandir sua força de trabalho. Entre os nichos que devem se destacar, Kumar cita as mentorias individuais. “Haverá alta demanda tanto por aprender quanto por aprender como se aprende”, diz.

Educação 4.0

Impulsionada pela Indústria 4.0 e seus impactos sobre a economia e o mundo do trabalho, a Educação 4.0 vem ganhando força. Ela se apropria das tecnologias digitais – não só como ferramentas, mas como agentes de transformação – para repensar as experiências de aprendizagem nas escolas. Baseada no conceito de learning by doing (em português, aprender fazendo), sugere que o processo de aprendizado contemple vivências, projetos, experimentação e mão na massa. O objetivo da nova escola deve ser criar um espaço propício para que o aluno saia da condição de sujeito passivo e ocupe o eixo central da aprendizagem – por exemplo, em um ambiente de incentivo à inovação, invenção, resolução de problemas e colaboração. “Cabe ao professor conduzir tudo isso; afinal, ninguém melhor do que ele para entender as necessidades de desenvolvimento dos alunos de hoje”, afirma Anna Katarina Vasconcellos, gerente de Inovação e Projetos do Moderna Compartilha.

Frente aos novos papeis do professor, a formação docente adquire um caráter estratégico nas instituições de ensino. “Se queremos o aluno preparado para enfrentar os desafios deste século, precisamos ter a escola e o professor devidamente preparados para o que está por vir e empoderados como líderes desse processo”, explica Márcia Carvalho, diretora de Negócios do Moderna Compartilha. Esse é justamente um dos maiores desafios da Educação 4.0, que visa garantir a relevância dos educadores em um mundo hiperveloz, ambíguo e incerto.

As principais habilidades da era digital e os insights pedagógicos que os educadores precisam aprender e ensinar foram listados e são atualizados periodicamente pela organização sem fins lucrativos que é referência mundial em Tecnologia na Educação, o iste (International Society for Technology in Education).

Ele definiu sete padrões, ou standards, com as competências que os educadores precisam desenvolver para potencializar a adoção de boas práticas de inovação, integrando novas tecnologias. O objetivo é aprofundar a prática pedagógica, promover a colaboração entre colegas, repensar as abordagens tradicionais e preparar os alunos para impulsionar o próprio aprendizado.

As metas, com suas respectivas competências, são específicas para cada padrão. Em “Aprendiz”, por exemplo, os educadores devem aprimorar sua atuação enquanto aprendem e exploram práticas promissoras em prol da melhoria do aprendizado. Já em “Analista”, entendem e usam dados para orientar suas instruções, bem como ajudam os alunos a atingir suas metas de aprendizado. No standard “Cidadão Digital”, por sua vez, os educadores inspiram os estudantes a participar do mundo digital com responsabilidade e a contribuir de forma positiva. Em “Designer”, desenvolvem atividades em ambientes que sejam autênticos, acolham a diversidade e sejam voltados para o aprendiz. O foco no aluno também está presente no standard “Facilitador”, que privilegia o aprendizado com tecnologia para ajudá-lo a conquistar os standards que o iste elaborou especificamente para estudantes. Por fim, em “Líder” o desafio é identificar oportunidades de liderança para melhorar o ensino, a aprendizagem e o sucesso do aluno. 

Padrões iste no Brasil

Em parceria com o iste, o Moderna Compartilha — plataforma global de educação do Grupo Santillana que empodera o educador para viver na cultura digital – trouxe para o Brasil os padrões de formação profissional. Eles são referência para o recém-lançado programa de Desenvolvimento Gradativo para Professores Compartilha. “Nos baseamos nas descrições que o iste faz das competências do educador contemporâneo e montamos um programa alinhado à realidade do Moderna Compartilha nas escolas privadas do país”, explica Anna Katarina.

A nova iniciativa prevê a formação integral dos professores e o desenvolvimento gradativo de competências docentes específicas para atuar nas escolas hoje.

São propostos percursos formativos orientados por um coach presencial e um aplicativo de coach virtual, que trazem diferentes níveis de complexidade, bem como desafios e atividades para se colocar em prática as competências em fase de desenvolvimento. “O objetivo é tirar o professor do papel de ministrador da disciplina para elevá-lo à função de educador, com instrumentos para formar os alunos”, diz Anna. Ao fim de cada etapa, o professor recebe uma certificação do Instituto Crescer e, ao final de todo o percurso, é reconhecido como professor padrão iste.

O Desenvolvimento Contínuo de Professores começa a ser implementado nas escolas no primeiro semestre de 2019. “Será um divisor de águas para os parceiros do Moderna Compartilha. Além dos professores, que acompanharão seu próprio desenvolvimento conforme avançam nas trilhas de formação, a gestão pedagógica também poderá acompanhar e ter uma visão sistêmica do desenvolvimento do corpo docente”, comenta Sônia Marques, gerente comercial.

O Desenvolvimento Contínuo de Professores começa a ser implementado nas escolas no primeiro semestre de 2019. “Será um divisor de águas para os parceiros do Moderna Compartilha. Além dos professores, que acompanharão seu próprio desenvolvimento conforme avançam nas trilhas de formação, a gestão pedagógica também poderá acompanhar e ter uma visão sistêmica do desenvolvimento do corpo docente”, comenta Sônia Marques, gerente comercial.

Até dezembro, o Moderna Compartilha deve investir R$20 milhões em projetos e ações que incentivam a inovação no aprendizado. “Para os próximos anos, outros R$60 milhões já estão reservados para impulsionar mais etapas do programa de desenvolvimento docente, certificação dos nossos coaches pelo Instituto Brasileiro de Coaching, produção de conteúdo, criação de plataformas e novas iniciativas de formação”, revela Márcia Carvalho.

Competências contemporâneas

Diante do desafio de formar os alunos em todas as suas dimensões – cognitiva, socioemocional e digital –, as escolas buscam se consolidar como espaços de educação integral. “Trata-se de formar os alunos para enfrentar algo que ainda é desconhecido, mas para o qual precisam estar preparados e munidos de flexibilidade, organização, autonomia e espírito empreendedor”, afirma Solange Petrosino, gerente de Serviços Educacionais da Moderna.

Tamanha expectativa em relação às competências contemporâneas impulsiona a formação integral dos estudantes. “Em uma relação dialógica com a sociedade, as escolas se transformam para acompanhar as novas dinâmicas do mundo”, diz Solange. Ela explica que, além de favorecer o desenvolvimento de competências em todas as áreas, a formação integral também deve prever a avaliação desse processo. “Para muitas instituições, é um grande desafio, e os percursos formativos dão subsídios para que os profissionais estejam preparados.”

Ecossistema de evolução

A cultura da evolução e protagonismo está na essência do Moderna Compartilha, que privilegia o potencial de ação da comunidade escolar frente aos seus próprios desafios e necessidades de transformação. Isso se reflete nas estratégias e métodos que o projeto adota desde a sua concepção.

A plataforma nasceu em 2012 para atender a demanda por novidades em tecnologia educacional no mercado privado. “A pressão aumentava a cada dia, especialmente à medida que se começou a falar de sala de aula invertida, competências do século XXI e novos papéis da Educação”, lembra a diretora de negócios Márcia Carvalho. Os primeiros objetivos traçados foram instalar equipamentos de ponta nas escolas, oferecer tecnologia embarcada nos livros didáticos e ensinar os professores a se relacionar com tudo aquilo em sala de aula.

O projeto começou efetivamente a rodar em 2013, quando a entrega dos primeiros tablets e projetores simbolizou o pontapé da inserção digital de 68 escolas parcerias naquele ano. “Os novos dispositivos não só substituíram o computador como levaram o conceito de mobilidade para dentro das instituições”, destaca Márcia.

Para ampliar a oferta de conteúdo, firmaram-se acordos com parceiros a partir de 2014. “Além de livros e enciclopédias digitais, trouxemos jogos pedagógicos do Xmile, livros-aplicativos em 3D da EvoBooks, avaliações e simulados para o Fundamental II e Ensino Médio, propostas de produção textual do EntreLetras, a plataforma LMS (Learning Management School) de gerenciamento de conteúdo, entre outros”, enumera.

Uma nova fase começou em 2016, quando se intensificaram as reflexões sobre o que significa estar inserido no universo digital. “Antes de mais nada, é reconhecer-se como parte de um ecossistema, no qual cada instituição desenvolve sua própria cultura digital”, comenta Anna Katarina. Ela explica que esta última tem relação direta com a forma como a comunidade escolar se organiza, os usos que faz dos dispositivos tecnológicos e da rede, o aproveitamento para fins pedagógicos, de entretenimento e socialização, entre outros fatores que acabam formando sua identidade digital.

No ano seguinte, o Moderna Compartilha inovou com os Chrome Books. “Além de ser uma evolução tecnológica, foi um caminho que adotamos para que os professores passassem a produzir conteúdo, em vez de só consumir”, conta Márcia.

Outra estratégia para aumentar o engajamento da comunidade escolar no aprendizado dos estudantes foi a criação de um portal específico para as famílias – o Compartilha em Família, com temas ligados à Educação contemporânea. “Formar os pais exige mais que informá-los. Requer o empoderamento deles com relação a tudo que gira em torno do aprendizado”, diz Solange. A iniciativa também visou ao alinhamento da família com a escola. “Os pais precisam entender o que é desenvolvimento de competências, como se avalia, o que se prioriza hoje na formação e compreender que tudo isso tem a finalidade de preparar os jovens para o desconhecido, um mundo em movimento.”

Em 2018, mais avanços deram novos contornos à plataforma. Um deles foi a parceria com o Google for Education, com ferramentas que facilitam a colaboração na sala de aula (por exemplo, Gmail e Documentos Google) e aplicativos como Google Earth e WeVideo. Outra evolução que marcou aquele ano – uma das mais ambiciosas até agora na história do Moderna Compartilha – foi a criação do programa de Desenvolvimento Gradativo para Professores, e a parceria global com o iste.

A voz das escolas

“O Moderna Compartilha facilitou a comunicação entre estudantes e professores por meio da plataforma interativa e do fórum. O projeto também ampliou a capacidade investigativa dos alunos graças aos materiais que favorecem a pesquisa antes das aulas, o que é essencial para a metodologia ativa aplicada na nossa escola.” Edmundo F. de Castilho Filho é vice-diretor do Colégio ISBA, Salvador (BA). 

“A possibilidade de saber, em tempo real, como os docentes estão trabalhando traz mais assertividade ao trabalho do gestor. Além disso, as novidades postadas a cada dia permitem ao coordenador pedagógico orientar projetos de incentivo ao professor, gerando mais interação e prática no dia a dia.” Teresa Cristina Hallal é coordenadora pedagógica na Associação Literária e Educativa Santo André, em São José do Rio Preto (SP). 

“A parceria com o Moderna Compartilha sempre foi agregadora, com muitas trocas de experiências e apoio dos coachings e consultores. Isso nos trouxe a oportunidade de rever práticas pedagógicas e introduzir, com mais eficiência, a tecnologia nas salas de aula. O resultado é uma maior conexão entre os professores e também com os alunos – estes inclusive passaram a compartilhar conhecimento e interagir mais para o crescimento de todos.” Karin Vianna é coordenadora pedagógica no Colégio SER, em Jundiaí (SP).

Saiba mais sobre cidadania digital em iste.org. Fontes: Porvir, Pew Research, Microsoft, Symantec e Association for Psychological Science. Dados Brasil: Banda Larga no Brasil: um estudo sobre a evolução do acesso e da qualidade das conexões à internet – nic.br / cetic.br

Veja outros conteúdos

Vídeo
Atualização prática para o professor
A formação do aluno começa sempre com o desenvolvimento do professor. Pensando nisso, criamos as Formações Educatrix,…
Artigo
A necessidade de resgatarmos na Educação a comunidade aprendente
Lidar com o cenário da pandemia principalmente na Educação tem sido desafiador ao mesmo tempo que nos apresenta maneiras diferentes de possibilitar novos caminhos a Educação.
E-book
Diálogo: escola-família
Clique em Saiba mais para ler este E-Book na íntegra.
Artigo
A importância dos jogos na educação emergencial
Os jogos sempre tiveram um lugar especial na educação

Diálogos particulares com a BNCC

Diálogos particulares com a BNCC

Escolas privadas interpretam a Base à luz dos contextos em que estão inseridas e criam estratégias para implementá-la a partir de seus respectivos projetos educativos. 

Texto: Lara Silbiger

No exato momento em que a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) foi aprovada, em 17 de dezembro do ano passado, foi dada também a largada para que cada rede e escola do país (públicas e privadas) se alinhe às novas diretrizes obrigatórias. O prazo para implantação termina em 2020, quando as referências que definem os direitos de aprendizagem devem enfim permear os mais diversos aspectos da vida escolar — do projeto pedagógico e currículo à formação de professores, materiais didáticos e instrumentos de avaliação. 

Nessa corrida, além de fôlego, as escolas precisam de um bom planejamento para cruzar a linha de chegada. Os primeiros passos se resumem a entender o que é a BNCC, fazer uma revisão dos respectivos currículos e PPP (Projetos Políticos Pedagógicos) e criar um sistema de governança que envolva os professores nos eventuais ajustes e transformações. 

Nas escolas públicas, esse processo é liderado pelas redes, muitas das quais têm unido esforços para (re)elaborar seus currículos. Já as privadas gozam de autonomia para dialogar com a Base e promover as mudanças que julguem necessárias para aproximá-las do norte traçado pelo documento oficial. “Embora a BNCC dite as habilidades e competências que o aluno precisa desenvolver, ela não diz como isso deve ser feito. Portanto, quem vai determinar a estratégia, a carga horária e as disciplinas é a própria instituição, a partir do seu projeto educativo”, explica Solange Petrosino, gerente de Serviços Educacionais da Editora Moderna. 

Dessa forma, o processo de implementação vai ganhando seus próprios contornos em cada uma das 71,4 mil escolas de Educação Básica espalhadas pelo Brasil. “Na prática, a BNCC será observada de acordo com a interpretação dos colégios e sua forma de fazer Educação”, conclui Ademar Batista Pereira, presidente da Fenep (Federação Nacional das Escolas Particulares).

Ainda assim, colocar as diretrizes nacionais em prática, em menos de dois anos, não será uma tarefa simples. “O grande desafio do gestor da escola particular é concretizar as referências da Base no dia a dia dos alunos”, afirma Esther Carvalho, diretora-geral do Colégio Rio Branco, de São Paulo (SP). Tende a levar vantagem, porém, quem já estava de olho nas tendências mundiais da Educação. “As escolas que já se preocupavam com a inovação e com os pressupostos globais que a Base trouxe – como formação integral, cidadania global, regionalização e competências socioemocionais – certamente terão mais facilidade de se ajustar”, afirma Solange, da Moderna. 

Para acompanhar esse processo na rede privada, a Educatrix entrevistou os gestores de quatro escolas que já estão a todo vapor com a implementação da BNCC. Confira os depoimentos a seguir.  

COMPREENSÃO DA BASE NA PRÁTICA 

  • “O primeiro passo para a implementação é fazer uma interpretação correta da BNCC, que não é uma meta e muito menos um currículo. Entender sua potência e abrangência enquanto política pública é o primeiro grande desafio. Depois, é preciso compreender que não se trata de uma lista de conteúdos. O que o documento prevê é o que a criança deve aprender, sob a perspectiva dos direitos de aprendizagem.  
  •  
  • Nesse contexto, é imperativo também entender o que é competência – capacidade de mobilizar conhecimentos escolares e intervir na realidade – e definir os conhecimentos com os quais instrumentalizar o aluno. Em suma, não são conceitos simples de ser assimilados. Muito menos quando se tem em conta que, até pouco tempo, o currículo era tido como uma mera lista de conteúdos. Hoje, porém, sabemos que ele é um instrumento que traduz o conjunto de experiências intencionalmente delineadas pela escola para concretizar as referências estabelecidas no PPP (Projeto Político Pedagógico), bem como as orientações da BNCC. 
  •  
  • Outro aspecto fundamental é desmentir o mito de que a Base exige que todos aprendam a mesma coisa. A implementação é muito mais complexa e demandou traduzir a Base para o projeto pedagógico de cada escola. 
  •  
  • No Colégio Rio Branco, a primeira etapa desse processo exigiu uma análise profunda da BNCC. Para começar, colocamos lado a lado os princípios que ela traz com o nosso PPP e o planejamento do Colégio. Desse pareamento, resultaram as diretrizes da nova versão do projeto pedagógico, que refinará aspectos ligados aos direitos de aprendizagem e ao trabalho baseado em competências. É possível também que haja mudanças no regimento escolar a partir de 2019, com uma nova organização didática dos períodos letivos. 
  •  
  • Além disso, dissecamos a BNCC para entender como ela se encaixa no nosso currículo, onde se adequa e que novidades traz para o colégio. Com isso, foi possível constatar que os alvos que perseguimos há anos – desenvolvimento de competências e visão interdisciplinar – estão de fato alinhados à Base.  
  •  
  • Não estamos falando de conceitos novos, mas sem dúvida de difícil implementação. Por mais que falemos em metodologias ativas, mudar o mindset dos professores em uma escola de 150 anos, como a nossa, é um processo longo. Para isso, investimos em formações continuadas que abordam o ensino investigativo, ampliam o repertório de ferramentas pedagógicas que favorecem as metodologias ativas e incentivam a aprendizagem colaborativa. Além disso, estruturamos um processo de apoio aos professores e acompanhamento.  
  •  
  • Quanto aos currículos do Ensino Fundamental, que ainda estão em análise, podemos apenas adiantar que teremos ajustes de localização das expectativas de aprendizagem. Já na Educação Infantil, o que mudará no currículo serão as nomenclaturas. A concepção em si deve manter-se muito próxima à que já tínhamos – calcada no uso de múltiplas linguagens, brincadeiras e na ideia da ‘criança potente’. 
  •  
  • Em linhas gerais, esses são os ajustes nos quais estamos trabalhando enquanto aguardamos as publicações oficiais da Diretoria de Ensino do estado, a quem respondemos.”
  • Esther Carvalho, diretora-geral. 

ESTRUTURA DE GOVERNANÇA

 

 

  • “No Colégio São Luís, entendemos a implantação da BNCC como um movimento de mão dupla. De um lado, a escola deve analisar sua proposta pedagógica e matriz curricular à luz do que a Base propõe. De outro, também precisa contextualizá-la no âmbito de sua própria proposta pedagógica. Sob essa lógica, estamos trabalhando na revisão curricular desde 2017. Esse processo é liderado pela direção-geral e levado a cabo pelo chamado GT (Grupo de Trabalho) de Currículo, formado por educadores – docentes e não docentes – de todos os segmentos. 
  •  
  • Sob a coordenação da direção acadêmica, o GT se reúne uma vez por semana. Suas reflexões sobre a BNCC e encaminhamentos são socializados mensalmente com todo o corpo docente, que tem papel consultivo. Em paralelo, uma assessoria externa dialoga periodicamente com os professores e com o próprio GT. Já as aprovações finais ficam por conta do Conselho Diretor da Escola.  
  •  
  • A BNCC, porém, não impõe grandes desafios para o colégio. Já tínhamos um currículo bastante abrangente em termos de conteúdo. O que vemos agora são oportunidades de enriquecer o que já fazíamos e oferecer aos estudantes mais alternativas de acesso ao conhecimento. Para isso, temos ampliado nossos horizontes e nos debruçado sobre currículos – inclusive internacionais – de filosofia humanista, cuja foco é a formação integral da pessoa. A partir desse benchmark, passamos a organizar nossos conteúdos de maneira mais integrada e a incorporar à matriz de competências gerais e habilidades em todas as dimensões, não apenas na intelectual. Nosso prazo para terminar a elaboração da nova matriz (até o 9o ano do Ensino Fundamental) é outubro de 2018. Para o Ensino Médio, é junho de 2019.  
  •  
  • Na mesma direção, caminha a formação continuada dos professores. Com foco na epistemologia e na didática, as metodologias ativas, que favorecem todas as dimensões da aprendizagem, são a tônica dos encontros, organizados a partir de reflexões individuais e coletivas sobre a prática. Quanto aos materiais didáticos que o Colégio adota, ainda vamos avaliar se há necessidade de mudanças para o próximo ano letivo. Cabe ressaltar que a análise da adequação das obras à nossa proposta pedagógica e aos documentos oficiais de Educação já faz parte da rotina anual. Neste ano, em especial, vamos atentar para o alinhamento dos conteúdos didáticos às exigências da BNCC.” 
  •  
  • Sônia Magalhães, diretora-gera

FORMAÇÃO DE PROFESSORES 

  • “Graças ao fato de termos acompanhado a construção da Base desde o princípio, com participação ativa nas reflexões junto a sindicatos e outras organizações educacionais, nosso trabalho pedagógico já estava voltado para os direitos de aprendizagem e o desenvolvimento de habilidades e competências.  — De acordo com a Lei 9.610/98 é proibida a reprodução total ou parcial desta website, em qualquer meio de comunicação, sem prévia autorização.
  •  
  • Na Educação Infantil, por exemplo, a BNCC legitimou nosso olhar diferenciado para o binômio Cuidar e Educar, que sempre privilegiou os processos de alfabetização e letramento desde os estágios iniciais do desenvolvimento cognitivo. Além disso, o documento veio ao encontro da forma como exploramos os direitos de aprendizagem: com práticas pedagógicas que imprimem intencionalidade ao conviver, brincar, participar, explorar, conhecer e expressar-se.  
  •  
  • Ainda assim, temos alguns desafios pela frente. O maior de todos é garantir que os professores e as equipes pedagógicas tenham pleno entendimento da BNCC e das mudanças que se fazem necessárias para implementá-la na Rede. Uma delas é a atualização do PPP, com um olhar renovado para a identidade do Sagrado frente às demandas de um ensino progressista. A nova versão da proposta pedagógica, que será finalizada até 2019, deve fortalecer a gestão democrática e envolver toda a comunidade educativa nas transformações que estão por vir.  
  •  
  • Para um futuro próximo, vemos também oportunidades na construção de práticas mais inovadoras de ensino. Para promover a autonomia dos educandos, vamos privilegiar o conceito de Aprender a Aprender e o Ensino Híbrido. Os primeiros passos nessa direção já foram dados na Rede por meio da apresentação geral da Base, com momentos especialmente dedicados a esse propósito durante a formação continuada. Agora, a próxima etapa é discutir formas de colocar o aluno no centro da aprendizagem, bem como refletir sobre novas práticas metodológicas e tecnologias educacionais que contribuam para esse fim.  
  •  
  • Quanto ao currículo do Ensino Fundamental, este deve sofrer ajustes para minimizar a fragmentação do conhecimento entre um ciclo e outro. Para isso, pretendemos ampliar – de forma orgânica e progressiva – a inserção de situações complexas no dia a dia do educando.  Outro aspecto que merece atenção é o aprofundamento das práticas de leitura, escrita e oralidade.  
  •  
  • No Infantil, por sua vez, os currículos tendem a ser tornar mais consistentes tanto na organização quanto na proposição de experiências. Estas, segundo a própria Base, deverão contribuir para a criança conhecer a si mesma e ao outro e compreender suas relações com a natureza, com a cultura e com a produção científica.
  •  
  • Já em relação aos materiais didáticos, o que deve mudar são os nossos critérios de seleção. Vamos visar ao alinhamento dos conteúdos com a BNCC e também às novidades metodológicas voltadas ao ensino progressista. Os ajustes, porém, só serão feitos na medida em que a Rede identificar reais necessidades.
  •  
  • Por fim, novos indicadores de aprendizagem passarão a fazer parte do sistema avaliativo do Sagrado, que já preza pela observação das habilidades adquiridas pelos educandos.” 

Rafael Lima, gestor pedagógico 

AJUSTES NO CURRÍCULO 

  • “O primeiro passo para lidar com a BNCC é desmitificar a ideia de que ela será implementada nas escolas. É um erro que nos induz a pensar em uma suposta massificação, que sequer tem como acontecer. A Educação não se faz assim. A proposta consiste em dialogar com a Base, identificar pontos de atrito com o projeto pedagógico e com o currículo e avaliar como ela pode contribuir para a melhoria da aprendizagem.
  •  
  • Cabe destacar que todas essas interpretações e análises sempre vão partir dos pressupostos e premissas de cada escola. Não dá para fugir da própria história, da cultura e das relações que se formam em torno da instituição. É por isso que a leitura da Base em uma escola mais tradicional pode acabar sendo completamente diferente da leitura que fazemos no Vera Cruz, cuja abordagem é construtivista.
  •  
  • Por aqui, as discussões estão a todo vapor. Desde fevereiro deste ano, equipes técnicas formadas por coordenadores, orientadores, assessores de área e professores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental se debruçam sobre a Base para fazer uma leitura crítica do documento e uma autorreflexão sobre nossas práticas pedagógicas.
  •  
  • Em julho, as equipes tiveram a oportunidade de apresentar para todo o corpo pedagógico do Colégio um primeiro diagnóstico das consonâncias e dissonâncias com a Base, bem como a necessidade de incorporar certos objetivos e aprofundar competências específicas. Ainda durante o encontro, cada pessoa pôde contribuir com ideias e apresentar suas demandas de formação continuada, material didático, ajustes no currículo e revisão do projeto pedagógico. Com esse raio-x de cada área e segmento, agora temos condições de traçar os próximos passos de alinhamento com a Base.
  •  
  • Alguns ajustes, porém, já estão previstos. Em Matemática, vamos antecipar o desenvolvimento do pensamento computacional para o currículo do Ensino Fundamental. Até então, apresentávamos a Matemática Computacional apenas no início do Ensino Médio e não necessariamente com o mesmo rigor no desenvolvimento das competências que a Base agora determina.
  •  
  • Em outros casos, porém, as diretrizes do documento já começam a ser incorporados no dia a dia. Por exemplo, se o assessor de Língua Portuguesa está falando de ortografia com os professores, ele já aproveita para abordar o tema sob o ponto de vista do desenvolvimento das competências definidas pela BNCC.
  •  
  • Para o Infantil, não haverá grandes novidades. A Base traz apenas um outro jeito de organizar o trabalho pedagógico, com base nos campos de experiência. Dessa forma, o documento ratifica o que o Vera Cruz já segue: valorizar a experiência da criança e respeitar sua forma de aprender e pensar.
  •  
  • No Ensino Fundamental, o planejamento das aulas também não será muito impactado. Definir objetivos com base no desenvolvimento de competências tem tudo a ver com nosso jeito de ensinar. Menos cognitivistas e mais direcionados para a experiência da vida escolar, acreditamos que o aprendizado se dá na relação com o conhecimento, com os professores e colegas e com a experiência vivida no coletivo. 
  •  
  • Ainda temos muito por mapear e planejar pela frente. Mas é com serenidade que vamos tomando consciência das nossas necessidades e priorizando o que precisa ser feito até 2020.”
  •  
  • Regina Scarpa, diretora pedagógica 

Veja outros conteúdos

Vídeo
Atualização prática para o professor
A formação do aluno começa sempre com o desenvolvimento do professor. Pensando nisso, criamos as Formações Educatrix,…
Artigo
A necessidade de resgatarmos na Educação a comunidade aprendente
Lidar com o cenário da pandemia principalmente na Educação tem sido desafiador ao mesmo tempo que nos apresenta maneiras diferentes de possibilitar novos caminhos a Educação.
E-book
Diálogo: escola-família
Clique em Saiba mais para ler este E-Book na íntegra.
Artigo
A importância dos jogos na educação emergencial
Os jogos sempre tiveram um lugar especial na educação

Conectar as emoções para a aprendizagem de matemática: o poder de uma boa história

Conectar as emoções para a aprendizagem de matemática: o poder de uma boa história

Narrativas, jogos e novas metodologias para  desmistificar o aprendizado matemático

[…] a razão de ver um vídeo de unboxing é descobrir o que há dentro do pacote. Ou seja, se revela algo, e até as crianças menores ficam curiosas pela informação (kidd e hayden, 2015).

De fato, a maioria dos animais sente o impulso de explorar seu entorno em busca de comida, refúgio e companhia. A necessidade de informação é essencial à existência. A maior parte dos pesquisadores concorda que é uma parte inata de nossa natureza (lau et al., 2018). Sentimos o impulso de descobrir. […]

Desde crianças que veem apenas mãos abrindo embalagens de brinquedos até macaquinhos que escolhem botões de recompensa e adultos que tomam pequenas decisões financeiras, o desejo de obter informação e de resolver a incerteza parece ser fonte importante de motivação. Não obstante, o que desperta a curiosidade e o desejo de buscar informação varia de acordo com o indivíduo e o contexto. Pense em uma zona de desenvolvimento próxima da curiosidade. Se a informação no entorno já é conhecida por um indivíduo, não há mistério, não há incerteza.

Se o contexto é totalmente desconhecido, é possível que o indivíduo não tenha um ponto de referência para antecipar o resultado. Uma criança pode estar encantada pensando em que brinquedo haverá na caixa, mas essa mesma criança não teria curiosidade a respeito de um câmbio monetário. As experiências e o conhecimento acumulado de cada pessoa influem em seu compromisso com a busca de informação. Por natureza, todos nos sentimos atraídos por descobrir, mas nem todos queremos descobrir as mesmas coisas.

A busca de informação e a narrativa

Apesar do exposto anteriormente, parece que todas as pessoas podem sentir fascinação por uma boa história. Jerome Bruner, entre outros, argumenta que a narrativa é um meio importante para entender o mundo (bruner, 1986; gottschall, 2013). O tradicional arco da história inicia com uma introdução ou exposição que apresenta as personagens e o contexto. Depois, há uma ação ascendente à medida que aparecem os conflitos e obstáculos. Isso nos leva a perguntar o que acontecerá. Finalmente, o clímax traz a resolução e satisfaz nosso desejo de saber. Essa estrutura temporal expõe as regras do jogo, os motivos, as causas e as consequências das ações. Explica-nos como funciona o mundo e nos prende com a incerteza do que vai acontecer depois.

A narrativa e a busca de informação têm um papel especial nas maneiras como nosso cérebro aprende e se relaciona com o mundo. As histórias, por exemplo, nos ajudam a recordar. Antes que as pessoas pudessem ler e escrever, careciam de outras ferramentas que as ajudasse a recordar e transmitir as regras sociais, as hierarquias e os rituais culturais. As histórias, os mitos e os poemas, desde a Odisseia de Homero até a Bíblia e o Popol Vuh, satisfizeram essa necessidade (foer, 2012). Os membros de um grupo se reuniam para escutar histórias com ritmos e estruturas narrativas que as tornavam fáceis de recordar. O sentido de pertencimento ao grupo agregava um elemento que afiançava as lembranças. […]

Assim como com a busca de informação, a experiência dita o que nos surpreende e o que nos interessa. As crianças pequenas, que ainda estão formulando suas definições de mundo, adoram a repetição. Querem escutar a mesma história muitas vezes (pais, recordem esses dias). Elas estão gerando confiança em sua habilidade para fazer previsões corretas e sentir segurança no que sabem. As crianças maiores, adolescentes e adultos, também podem desfrutar das histórias previsíveis, como as que são parte de uma série. Nestas, a busca de informação é sutil. Para as crianças pequenas se trata de questionar se o que aconteceu na última vez voltará a acontecer. Por outro lado, uma pessoa mais velha que assiste a uma série pode desfrutar da incerteza de como a personagem principal superará o novo obstáculo (kendeou et al., 2008).

Os bons narradores sabem como aproveitar esses traços cognitivos. Eles captam nossa atenção injetando incerteza ao já conhecido. Eles nos convidam a mundos em que nosso cérebro opera em uma região proximal de busca de informação. Sabemos o suficiente para tentar adivinhar o que acontecerá, como acontecerá ou como pode se sentir uma pessoa, mas não temos certeza. É preciso descobrir.

As narrativas mais poderosas também nos afetam emocionalmente. Não nos preocupamos somente com nossas previsões dos acontecimentos, mas também com as personagens. As histórias nos levam além da simples busca de informação: conectam e desenvolvem nossa empatia e nossa habilidade de ver o mundo pelos olhos de outra pessoa. Os investigadores chamam essa habilidade de teoria da mente (schaafsma et al., 2015).

Para que o gerador de inferências em nosso cérebro seja eficiente, é preciso que sejamos bons em interpretar os motivos de outros. Necessitamos de uma forte teoria da mente para avaliar o estado emocional de outra pessoa e prever o que ele ou ela fará em determinada situação. Precisamos ter a capacidade nos colocar no lugar do outro.

Na época de ingressar na escola, as crianças deveriam estar desenvolvendo sua teoria da mente. Envolver-se em histórias pode acelerar e expandir esse desenvolvimento (hofmann et al., 2016). E, quando se cria uma conexão emocional com as personagens, isso pode influenciar seu próprio comportamento (barraza et al., 2015). 

Na época de ingressar na escola, as crianças deveriam estar desenvolvendo sua teoria da mente. Envolver-se em histórias pode acelerar e expandir esse desenvolvimento (hofmann et al., 2016). E, quando se cria uma conexão emocional com as personagens, isso pode influenciar seu próprio comportamento (barraza et al., 2015).

[…] O mundo é um lugar rico e complexo. Muitos estímulos competem pela atenção dos estudantes. A voz do professor e o escrito na lousa podem ser dignos de atenção, mas também há uma chuva suave batendo nas janelas da sala de aula e a cadeira é um pouco incômoda. Estes são alguns dos estímulos imediatos. O estudante também pode estar pensando em eventos passados, como em uma discussão dessa manhã com seu amigo ou com seu irmão, ou pode estar sonhando com o futuro, com algo especial para comer no almoço ou em um encontro com os amigos depois da escola.

A memória de trabalho, nossa habilidade de balancear vários elementos de informação na mente, é limitada (cowan, 2016). Muitas coisas ameaçam sobrecarregá-la. Conseguir que os estudantes prestem atenção às instruções da atividade do momento é fundamental para conseguir sucesso no aprendizado. Se conseguirmos que os estudantes deem importância à aprendizagem dos conteúdos e que invistam esforço nela, melhor ainda. As histórias podem ajudar.

Incerteza de baixo risco

Quando muitos de nós pensamos em uma lição de Matemática, imaginamos algo relacionado a encontrar respostas específicas. Contudo, 8 + 3 = ? não é um problema com um nível de incerteza atrativo para despertar nosso desejo de informação. Um vídeo de unboxing nos convida a realizar uma mistura de simulações sobre qual pode ser o prêmio lá dentro. Será um adesivo? Um cachorrinho de plástico? É um jogo de adivinhação de baixo risco. E, independentemente de estarmos certos ou não, nosso cérebro nos recompensa por descobrir (kidd y hayden, 2015). A solução de problemas matemáticos como 8 + 3 = ? é de alto risco. Poderia ser 10 ou 12? O correto está bem. O incorreto está mal. Apesar de as respostas exatas serem resultados importantes na aritmética, esse tipo de problema não capta nosso impulso motivador de busca de informação.

A incerteza de baixo risco, por outro lado, pode ser introduzida facilmente nas lições de Matemática. Em vez de enfatizar o resultado, por exemplo, pode concentrar a atenção no processo. Quantas formas distintas podemos encontrar para resolver 8 + 3? Dois? Três? Cinco? Pode-se calcular 8 + 1 + 1 + 1. Ou podemos simplesmente recordar uma soma memorizada. Outra opção é decompor o 3 em 2 + 1 e usar a estratégia de somar 10: (8 + 2) + 1. Neste caso, a ação de averiguar é satisfatória por si mesma. Não é realmente importante se os estudantes encontram quatro formas de resolver o problema ou dez.

A dúvida também pode ser introduzida de maneira produtiva na definição de um problema. Há vários exemplos que apresentam tentativas de captar as redes de busca de informação dos estudantes dessa maneira. Uma estratégia pode ser apresentar uma situação sem uma pergunta. Sofia tem 50% mais seguidores em redes sociais que Héctor. Héctor tem 112 seguidores. Com isso se pode desafiar os estudantes, questionando-os: “quantos problemas matemáticos vocês acham que podemos criar usando essa informação?” ou “o que acham que o livro lhes pedirá para resolver com essa informação?”. Ambas as perguntas ativam o pensamento matemático e a curiosidade pela pesquisa.

Outra estratégia é revelar gradualmente detalhes do problema. Mostre um gráfico sem títulos nem números. O que acham que o gráfico mostra? Depois de mostrar os títulos, desafie-os a prever o problema que resolverão. Lembre-se de manter as indicações dentro do repertório de modelos mentais dos estudantes. Eles terão de saber o suficiente sobre a situação e a Matemática para poder ativar seus geradores de inferências, suas simulações preditivas do futuro. E para que não se torne algo entediante. Os estudantes têm muitos outros estímulos que prendem sua atenção (meyer, d., 2011).

O tradicional arco da história inicia com uma introdução ou exposição que apresenta as personagens e o contexto. depois, há uma ação ascendente à medida que aparecem os conflitos e obstáculos. isso nos leva a perguntar o que acontecerá.

Envolvimento emocional

Da mesma forma que as personagens de uma história trazem um elemento emocional para a busca de informação, engajar os estudantes nas atividades matemáticas pode garantir seu envolvimento. João resolveu o problema memorizando a soma. Maria o fez de outra maneira. De que maneira acreditam que ela fez? Carlos utilizou um método diferente. Ele o explicará. Vocês acham que chegará à resposta correta? Os colegas de classe de uma criança são como as personagens de uma história. Podem se identificar com eles e podem se importar com o que lhes aconteça. Realizar simulações com pessoas que conhecem ativa a parte do cérebro da teoria da mente e a empatia dos estudantes. E se um estudante inventa uma estratégia inesperada, a surpresa amplifica a atenção ainda mais. […]

O envolvimento emocional não tem de ser construído unicamente com estudantes reais da classe. As histórias fictícias funcionam também. Com certeza a ficção é comum nas aulas de Matemática, sobretudo nos problemas escritos. Esses problemas podem ser usados para situar relações matemáticas em contextos conhecidos. Paulo tinha 3 borrachas. Seu amigo lhe deu algumas e agora ele tem 11 borrachas. Quantas borrachas o amigo de Paulo lhe deu? Esse problema representa uma situação de mudança, especificamente uma situação de valor faltante. Fran ganhou vários jogos de videogame em seu aniversário. Agora tem 13 jogos de videogame. Antes de seu aniversário, tinha somente 6 jogos. Quantos jogos Fran ganhou de presente? Ainda que a informação se apresente em uma ordem diferente e com um conteúdo diferente, esse segundo problema é matematicamente igual ao primeiro: a + ? = b. Esses problemas, no entanto, não têm estrutura dramática. Não há exposição que relacione os estudantes com Paulo ou com Fran. Não há razão para que se preocupem ou para que se perguntem (ou façam previsões) o que acontecerá com eles. Os problemas escritos tendem a carecer do drama que desencadeia a busca de informação emocionalmente carregada. Isso não faz diferença para os estudantes. Não há envolvimento emocional. — De acordo com a Lei 9.610/98 é proibida a reprodução total ou parcial desta website, em qualquer meio de comunicação, sem prévia autorização.

Nossos cérebros são geradores de inferências. mantêm-se realizando simulações do que acontecerá com base em experiências anteriores.

As narrativas genuínas, com bom desenvolvimento de personagens, ação ascendente, com obstáculos significativos e consequências relacionadas a resolver esses bloqueios prometem ativar a motivação carregada de emoção da busca de informação entre os estudantes até mesmo em uma aula de Matemática. As boas histórias causam envolvimento. Crie uma história para Fran, a personagem do problema anterior.

Talvez ela viva em outro planeta. Pode ser que se sinta estranha e lute para se enturmar com seus pares. Ela se pergunta se ter um videogame popular a tornará popular. Saberá escolher o jogo certo? Pode pagar por ele? O jogo lhe trará amigos? Serão amizades genuínas? Como pode criar vínculos com as outras crianças? Ainda que a história de Fran aconteça em outro planeta, sua situação e preocupações são muito comuns. Navegar pela história é uma aventura episódica, recheada de situações matemáticas periféricas incorporadas, que desvenda o que motiva as pessoas e o desejo de aceitação social.

Se os estudantes se conectarem emocionalmente com Fran, vão se sentir motivados a descobrir o que acontecerá com ela. Vão querer escutar, ler ou ver o próximo capítulo ou episódio. Não posso garantir que possamos transformar as crianças no equivalente matemático de quem vê maratonas de séries, mas as pesquisas sugerem que, se for o caso, podemos expandir o uso da narrativa para ampliar o envolvimento muito além do que é comum em uma aula de Matemática hoje.

Normas para a aprendizagem constante

Recorde as pesquisas que sugerem que nossos cérebros são geradores de inferências. Mantêm-se realizando simulações do que acontecerá com base em experiências anteriores. Pense no estudante que tem um histórico de fracasso e até mesmo humilhação na aula de Matemática. O que acha que seu cérebro vai prever quando for realizada uma pergunta ou aplicada uma avaliação? Pode ser que o estudante esteja pensando: “Eu vou errar. Vou parecer tolo. Sou tolo. O que posso fazer para evitar essa situação?”. A ansiedade devora os recursos de atenção e deixa o estudante com menos recursos cognitivos para aplicar nas tarefas (foley et al. 2017). O medo de errar aumenta a probabilidade de que suceda. Uma resposta incorreta confirma a previsão, e isso aumenta a crença de ser incompetente em Matemática.

As normas culturais, especialmente em países ocidentais, reforçam a ideia de que algumas pessoas são boas para Matemática e outras não (foley et al., 2017). Se o pai de um aluno diz: “eu sempre tive dificuldade nessa disciplina”, isso pode tornar a competência em Matemática um traço genético. Não ter bom desempenho pode significar que o estudante não tem predisposição para a Matemática. Se for bem, significa que a pessoa tem um talento natural para a Matemática e não precisa se esforçar para ter sucesso. Ambos conceitos são errôneos e minam o esforço (hwang, reyes e eccles, 2019). O estudante que vai mal se desconecta. O estudante com talento natural evita os desafios, porque a Matemática deveria ser fácil. Esses ciclos psicológicos infrutíferos devem ser quebrados para que os estudantes se envolvam de maneira positiva na aprendizagem da Matemática.

As histórias corretas podem ajudar a promover um modelo preditivo diferente para o estudante. Mencionei pesquisas que endossam o que os publicitários já suspeitam há muito tempo: as histórias emotivas influenciam o comportamento. O que acontecerá se algumas das narrativas utilizadas para envolver os estudantes na aprendizagem de Matemática também modelarem comportamentos para se recuperarem de erros? Ler histórias de perseverança ante os obstáculos pode tornar os erros e fracassos em algo comum, convertê-los em características típicas do processo de aprendizagem (lin-siegler et al. 2016). Se até mesmo as personagens inteligentes da história cometem erros e ainda assim alcançam sucesso, talvez equivocar-se não signifique ser tolo. A empatia (teoria da mente) nos permite ver e sentir o mundo como se fôssemos outra pessoa. As personagens atraentes nas histórias conseguem essa conexão, e podemos aproveitá-la para alimentar os mecanismos de geração de inferências nas mentes dos estudantes com simulações diferentes que estimulam a perseverança e resiliência na aprendizagem.

No entanto, essas histórias têm de sair da sala de aula e chegar até em casa e à cultura em geral. Muitos pais também necessitam de novas narrativas para o ensino de Matemática. Todas as aplicações da história e a incerteza que descrevi podem desempenhar papéis fora da escola. Imagine atividades com baixa dificuldade que os pais podem fazer com seus filhos. Quantos números primos você acredita que veremos no caminho para a loja? Transforme situações cotidianas em jogos. Vejamos se podemos melhorar nosso recorde. E conecte com a emoção. Dê às crianças histórias que possam compartilhar com seus pais, incluindo suas próprias histórias de perseverança e crescimento. Que seja pessoal e que tenha impacto.

David Dockterman

é catedrático e professor da Escola de Pós-graduação em Educação de Harvard.

Veja outros conteúdos

Vídeo
Atualização prática para o professor
A formação do aluno começa sempre com o desenvolvimento do professor. Pensando nisso, criamos as Formações Educatrix,…
Artigo
A necessidade de resgatarmos na Educação a comunidade aprendente
Lidar com o cenário da pandemia principalmente na Educação tem sido desafiador ao mesmo tempo que nos apresenta maneiras diferentes de possibilitar novos caminhos a Educação.
E-book
Diálogo: escola-família
Clique em Saiba mais para ler este E-Book na íntegra.
Artigo
A importância dos jogos na educação emergencial
Os jogos sempre tiveram um lugar especial na educação

O que as famílias esperam da escola?

O que as famílias esperam da escola?

Em meio às mudanças que delineiam novos horizontes para a educação, famílias refletem sobre suas expectativas quanto à influência dos professores sobre os alunos, formação integral, ensino de idiomas e religião, atividades extracurriculares, infraestrutura e classificação da escola no Enem e nos principais vestibulares. 

Texto Lara Silbiger – Foto Ricardo Davino 

A volta às aulas teve um gostinho diferente em 2019. A expectativa não girou em torno apenas dos reencontros, do planejamento das aulas ou das primeiras reuniões com os pais e responsáveis. Dessa vez, o começo do ano letivo veio acompanhado de reformas estruturais, mudanças no cenário político e, principalmente, intensas discussões ideológicas. Se o contexto já era complexo até para os profissionais da Educação, quem dirá para as famílias. De um lado, elas assistem à reformulação dos currículos e propostas pedagógicas de escolas e redes de ensino de todo o país para atender as exigências da bncc (Base Nacional Comum Curricular). De outro, tentam se familiarizar com os conceitos de competência, habilidade e formação integral e ainda se inteirar sobre a proposta da Escola sem Partido (PL 7180/14). A tudo isso, soma-se a polarização nos debates públicos, o que também obriga mães e pais a decidir de que lado ficar.

A tarefa, que não é das mais simples, exige que as famílias se aproximem das escolas para entender o que está em jogo com as novidades na Educação Básica, ou seja, quais são os riscos e as oportunidades. Nesse movimento, reelaborar as expectativas em relação aos espaços formais de ensino será inevitável.

Nesta edição, a educatrix percorreu todas as regiões do país para conversar com seis famílias que já mergulharam nessa reflexão. Todas elas foram desafiadas a imaginar como seria a escola ideal para seus filhos. Confira a seguir os principais trechos das entrevistas.

[NORDESTE] Natal (RN) 

Andre Luchessi e Vivian Nogueira são docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Eles são pais de Yasmin, 5, que estuda no Colégio Bilíngue Marie Jost, e Erik, 3, que frequenta a New Generation Canadian Preschool.

Educatrix Você considera a formação integral uma premissa da educação no século XXI?

Vivian Se por um lado as crianças têm cada vez mais acesso à informação e a estímulos para o desenvolvimento cognitivo, de outro precisam aprender a lidar com tudo isso — da ansiedade e imediatismo da era touch à conexão permanente dos pais ao trabalho graças aos conceitos de mobilidade e conectividade. Por isso, já não dá para conceber uma escola que não contemple a dimensão socioemocional do desenvolvimento. Para aprender, o aluno precisa antes estar bem psicologicamente, fisicamente e socialmente. 

Educatrix O projeto da Escola sem Partido vem ao encontro das suas expectativas?

Andre Cabe à escola formar cidadãos autônomos e com consciência política, o que não significa impor-lhes direcionamentos políticos, morais, ideológicos ou religiosos. Nesse sentido, estou de acordo com o projeto de lei quando este reconhece o aluno como sujeito vulnerável frente à influência do professor. Este precisa ter consciência do seu papel e não sair falando o que bem quiser na aula – há outros espaços para fazer isso. Não só como pai, mas também como docente, entendo que a liberdade de expressão deva caminhar lado a lado com a responsabilidade pelo que se diz e o que se faz. Outro ponto com o qual concordo é a possibilidade de a família decidir sobre expor ou não o filho a determinados assuntos na escola ou, pelo menos, de ser informada previamente de que aqueles temas serão abordados. 

Educatrix Quais valores você espera que a escola transmita?

Vivian Em linhas gerais, valores que coincidam com os da minha família: o respeito às diferenças, a valorização dos estudos como meio de desenvolvimento pessoal e profissional, a observância de regras, uma alimentação saudável com cardápios alinhados a princípios de saúde e à promoção do bem-estar e uma oferta diversificada de modalidades esportivas. 

Educatrix Qual a importância que você atribui ao ensino de idiomas?

Vivian Quero que meus filhos tenham a possibilidade de, no futuro, escolher o que quiserem ser e, sem dúvida, o inglês abrirá portas para eles. É fundamental que a escola valorize a globalização, reconheça que não existe só o Brasil como opção e apresente aos alunos outras culturas, línguas e formas de viver. É com vistas a esse contexto global que espero que a escola invista no ensino de idiomas. 

Educatrix Como deve ser a infraestrutura da escola?

Vivian O mobiliário precisa estar adequado à idade e às especificidades dos alunos. É bom que haja áreas verdes para proporcionar o contato com a natureza. Outro pré-requisito é a segurança – no interior da escola, para a prevenção de acidentes, e no exterior, para afastar a criminalidade. Quero saber que posso estacionar o carro e levar ou buscar minhas crianças com tranquilidade. 

Educatrix Destacar-se no ranking do Enem e dos principais vestibulares do país é um pré-requisito?

Andre Por si só, a boa classificação não é determinante para afirmar que uma escola seja melhor que outra. No entanto, daqui uns anos, meus filhos não terão como escapar de fazer o Enem ou outros processos seletivos para ingressar na universidade. Por isso, é inevitável que ainda usemos os rankings como parâmetro na hora de escolher — mesmo sabendo que estes não dizem muito sobre a formação que a escola proporciona.

[NORDESTE] Salvador (BA)

Rosângela Accioly é pedagoga e mãe de Nicole, 14, que estuda no Colégio Estadual de Aplicação Anísio Teixeira. 

Educatrix Qual é a proposta pedagógica ideal?

Rosângela A proposta pedagógica deve contemplar questões conceituais como diversidade, pluralidade, alteridades civilizatórias e diferença da pessoa com deficiência, bem como conhecimentos científicos – inclusive de povos cujos saberes milenares ficaram de fora do currículo oficial – e novas tecnologias. É fundamental que preveja como desdobrar tudo isso em práticas pedagógicas para os professores. 

Educatrix Destacar-se no ranking do Enem e dos principais vestibulares do país é um pré-requisito?

Rosângela Uma escola direcionada ao Enem ou ao vestibular não tem como dar conta da pessoa humana. Antes, é preciso oferecer espaços de vazão à inventividade e à criatividade para o aluno entender sua própria vocação. Muito além do mercado de trabalho, precisamos reconhecer a escola como um fator de transformação social e afetiva, envolvimento emocional e entendimento de diversidades e pluralidades. Só assim a educação será assertiva e integral. 

Educatrix O projeto da Escola sem Partido vem ao encontro das suas expectativas?

Rosângela Ao meu ver, é uma proposta ideológica de silenciamento político da escola. De silenciamento das diversidades em um lugar que é de debate, por excelência. Vale destacar também que política, na sua essência, quer dizer participação – o que não tem nada a ver com participação político-partidária. Por isso, a escola deve sempre estar disposta a contribuir com o desenvolvimento social e não pode aceitar essa mordaça à sua vocação de diálogo e pluralidade. As mazelas da sociedade e também as soluções precisam ser discutidas na escola: uma instituição libertária e cuja missão é incitar o aluno a perguntar e participar da democracia. 

Educatrix A ideologia de gênero deve ser abordada em sala de aula? Em quais circunstâncias?

Rosângela Falar de ideologia de gênero é necessário quando o tema surge espontaneamente. O professor não precisa ser propositivo, mas ele e os demais profissionais precisam estar aptos a acolher o assunto e a turma, por exemplo, se um menino vier para a aula com roupas tidas como femininas. A escola do século XXI é desafiadora justamente porque grita pela diversidade e pela diferença, algo que não deve ser visto como negativo, mas como um elemento constituidor da nossa humanidade. 

  • [FIQUE POR DENTRO]

ESCOLA SEM PARTIDO

Sem consenso para votação, a proposta da Escola sem Partido (PL 7180/14 e outros) foi arquivada no final da última legislatura. Agora cabe aos novos deputados retomar o assunto. Entre outras coisas, o projeto estabelece seis deveres do professor para apresentar de “forma justa” questões políticas, socioculturais e econômicas e para não se aproveitar da “audiência cativa dos estudantes” em temas relacionados a política, religião e moral. Também proíbe “o uso de técnicas de manipulação psicológica destinadas a obter a adesão dos alunos a determinada causa” e estipula que não haja intromissão “no processo de amadurecimento sexual dos alunos”, nem tentativa de convertê-los no que tange a questões de gênero. 

[NORTE] Macapá (AM) 

Eunubia Rodrigues é licenciada em História e professora dos anos iniciais do Fundamental na rede pública de Macapá. É mãe de Gabriel, 16 anos, que estuda na E.E. Maria do Carmo Viana dos Anjos. 

Educatrix Qual é a proposta pedagógica ideal? 

Eunubia Não vejo problema de o professor manifestar seu posicionamento se ele também respeita pontos de vista diferentes. Isso é diferente de influenciar deliberadamente os alunos ou de questionar as convicções deles. Por outro lado, também confio que meu filho seja um ser pensante e com capacidade de discernimento. 

Educatrix Como deve ser a infraestrutura da escola? 

Eunubia Uma única prova não estabelece parâmetros da qualidade da escola, nem a capacidade do aluno. Por isso, não priorizo resultados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), Olimpíadas, Enem ou vestibulares, mas valorizo o profissionalismo e o comprometimento da instituição com a formação integral do meu filho. 

[CENTRO-OESTE] Campo Grande (MS) 

Lucimar Mello é técnica de enfermagem na rede pública de Saúde. É mãe de Beatriz, 7, que estuda na Escola Municipal Elpídio Reis, Bruno, 14, que frequenta a Escola Municipal Danda Nunes, e Lucas, 19, já na faculdade. 

Educatrix Qual é a proposta pedagógica da escola ideal? 

Lucimar Em primeiro lugar, deve contemplar a formação em tempo integral para proporcionar aos alunos atividades que os tornem excelentes profissionais no futuro: aulas de informática, inglês e xadrez. Ocupar o dia de forma produtiva enquanto os pais trabalham. Na prática, a maioria não tem tempo de ficar com os filhos e “male-male” acompanha a lição de casa. Outro aspecto fundamental que a proposta pedagógica deveria prever é a capacitação dos professores, bem como a equiparação da qualidade de ensino e direitos de aprendizagem nas escolas públicas em relação às privadas. No ano passado, enquanto minha filha ainda estava aprendendo a ler na escola municipal, os alunos do 2o ano de instituições privadas já faziam até interpretação de texto. 

Educatrix Que valores você deseja que a escola transmita? 

Lucimar A formação de valores não é exclusiva da escola, mas não tem como negar que desempenhe papel importante nesse sentido. Por isso, espero que transmita valores cristãos, promova a empatia e valorize o respeito aos idosos, pais e professores. Gostaria inclusive que voltasse o ensino religioso, sem necessariamente pender para uma denominação ou outra, mas discutir o que é certo perante a Bíblia. É claro que os pais que não concordassem com tal abordagem precisariam ter o direito de autorizar seus filhos a não participar das aulas de Ensino Religioso. 

Educatrix O projeto da Escola sem Partido vem ao encontro das suas expectativas? 

Lucimar Entre outras coisas, concordo que a escola não deve incentivar relacionamentos homoafetivos e atividades sexuais precoces. Defendo inclusive que não haja aulas de educação sexual até o 5o ano do Fundamental. Já no Ensino Médio, o foco deve ser a prevenção de gravidez e doenças sexualmente transmissíveis. 

[SUL] Curitiba (PR)

Debora Menegusso é administradora de empresa e mãe de Danilo, 10, que estuda no Colégio Curitibano Adventista. 

Educatrix Qual é a proposta pedagógica ideal? 

Debora O ideal é um ensino mais prático e que não se resuma a aulas expositivas. Gostaria de uma proposta em que meu filho passasse menos tempo em sala de aula, com currículo diversificado – incluindo disciplinas “mão na massa” – e acesso mais próximo ao professor. Definitivamente, estudar não pode ser maçante.

Educatrix Destacar-se no ranking do Enem e dos principais vestibulares do país é um pré-requisito?  autorização.

Debora Não adianta focar só no vestibular, sendo que a vida é muito mais complexa que isso. Escolas que se apoiam em disciplina rígida e preparação estrita para provas de ingresso em universidades acabam sendo inevitavelmente limitadoras. Até mesmo porque há profissões e vestibulares que sequer existirão daqui a alguns anos. Mais importante é proporcionar ao aluno o aprendizado de como chegar aonde se deseja. 

  • [FIQUE POR DENTRO]

FORMAÇÃO INTEGRAL

Formação integral não é sinônimo de educação em tempo integral. Enquanto esta consiste na expansão do tempo que se passa na escola, aquela diz respeito à formação e ao desenvolvimento global dos alunos. De acordo com a BNCC, a formação integral tem como princípio norteador o acolhimento, o reconhecimento e o desenvolvimento pleno do aluno, nas suas singularidades e diversidades. Para isso, contempla o aprendizado em suas dimensões cognitiva, social, emocional e física. A Base sugere ainda que se promovam pontes entre o conhecimento e a vida.  

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES

De acordo com a BNCC, as competências consistem na “mobilização de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo de trabalho”. Já as habilidades estão ligadas às aprendizagens essenciais de cada disciplina e ano escolar. Sempre começam com um verbo para explicitar o processo cognitivo envolvido no seu desenvolvimento – por exemplo, em História, “diferenciar escravidão, servidão e trabalho livre no mundo antigo”. 

Educatrix Que valores você deseja que a escola transmita? 

Debora Basicamente, os valores éticos, morais e religiosos que minha família já traz de geração em geração. Cabe, portanto, à escola apenas reforçá-los junto às crianças.

Educatrix As atividades extracurriculares são imprescindíveis?

Debora Não acho que seja de todo ruim o professor manifestar seu posicionamento em sala de aula, pois ainda assim caberá somente ao aluno tomar a sua própria direção. Vale lembrar também que este já chega à escola com certa carga de informações — da família, dos amigos, da religião etc. —, à qual o docente poderá somente somar pontos de vista.

[SUDESTE] São Paulo (SP) 

Cristina Hassunuma é dentista e mãe de Augusto, 11 anos, que estuda no Colégio Vértice. 

Educatrix Qual é a proposta pedagógica ideal? 

Cristina Deve prever conteúdos curriculares e extracurriculares e estimular o desenvolvimento da responsabilidade e autonomia nos estudos, sem nunca perder de vista os vínculos sociais. Almejo também uma escola que atente para a educação integral, com acompanhamento individualizado da aprendizagem do aluno enquanto cidadão. Destaco ainda a necessidade de promover a formação continuada dos professores, sua inclusão na cultura digital e o uso de novas tecnologias para avaliação institucional e educacional. 

Educatrix Destacar-se no ranking do Enem e dos principais vestibulares do país é um pré-requisito? 

Cristina Figurar entre os primeiros lugares do Enem é sempre favorável aos olhos das famílias. Isso porque o resultado tende a ser consequência de um bom ensino e de métodos de avaliação adequados. Ainda assim, vale ponderar que a função da escola não pode se restringir a fazer o aluno passar no vestibular. Antes de mais nada, é preciso prepará-lo para a vida em sociedade, o que vai muito além dos muros da instituição.

Educatrix O projeto da Escola sem Partido vem ao encontro das suas expectativas? 

Cristina Sou a favor do projeto porque vai além da Educação. Tem a ver com democracia e direito à liberdade de expressão e pensamento. Por isso, os professores devem agir com ética e bom senso no exercício da profissão – sem qualquer viés de doutrinação –, de forma que os alunos aprendam a pensar de forma autônoma e crítica.

Educatrix As atividades extracurriculares são imprescindíveis?

Cristina Elas são um diferencial para a formação porque têm o potencial de despertar habilidades, talentos e criatividade, o que tende a melhorar não só desempenho em sala de aula como a socialização da criança. O ideal seria que todas as escolas oferecessem oficinas de artes e informática, curso de língua estrangeira, esportes diversos, culinária e feiras culturais.

Educatrix Como deve ser a infraestrutura da escola?

Cristina Não restam dúvidas de que uma infraestrutura física adequada com biblioteca, laboratório de ciências, auditório e quadras de esportes contribui para a aprendizagem. Do ponto de vista tecnológico, a escola também precisa oferecer dispositivos para leitura de livros digitais e acesso a jogos educativos, simulados e plantão on-line para tirar dúvidas de casa. O objetivo é potencializar a pesquisa e a interação com grupos de estudo que transcendem os limites da escola. 

Veja outros conteúdos

Vídeo
Atualização prática para o professor
A formação do aluno começa sempre com o desenvolvimento do professor. Pensando nisso, criamos as Formações Educatrix,…
Artigo
A necessidade de resgatarmos na Educação a comunidade aprendente
Lidar com o cenário da pandemia principalmente na Educação tem sido desafiador ao mesmo tempo que nos apresenta maneiras diferentes de possibilitar novos caminhos a Educação.
E-book
Diálogo: escola-família
Clique em Saiba mais para ler este E-Book na íntegra.
Artigo
A importância dos jogos na educação emergencial
Os jogos sempre tiveram um lugar especial na educação

Tudo é inovação?

Tudo é inovação?

Usada à exaustão no âmbito educacional nos últimos anos, a palavra precisará buscar origens e caminhos para tentar não se tornar um termo vazio. 

Texto Cauê Cardoso Polla 

Um discurso que exalta a inovação parece ter invadido o cenário educativo. Hoje, é praticamente impossível não nos depararmos com a palavra nos mais diversos contextos: educação inovadora, escola inovadora, inovação digital, método inovador, gestão inovadora… A repetição incessante desses termos acaba, muitas vezes, por esvaziar o seu sentido. Expressões como “educação inovadora” e “método inovador” acabam se tornando slogans acríticos. Refletir sobre o significado da inovação nos ajuda a compreender os sentidos possíveis de uma educação inovadora.  

Como podemos pensar o significado da palavra inovação? Para tal, é preciso pensar o que significa “novo”. Em uma perspectiva atual, utilizamos a palavra “novo” quando nos referimos a moderno, algo que nunca foi usado, algo que apareceu agora e que não havia antes, recente. Na história, a ideia de novo ou novidade costumava ser usada para demarcar um distanciamento em relação a uma época passada. Outra perspectiva para compreendermos o significado é buscar a origem da palavra, seu sentido etimológico. Em latim, novus significava novo, jovem, res novae era uma expressão para dizer coisas novas, principalmente no campo político. Por sua vez, este termo deriva do verbo  grego neao, e este sentido primeiro se refere ao trabalho que o agricultor fazia no terreno para torná-lo mais fértil, técnica que hoje se chama alqueive. Ou seja: para renovar a sua plantação, primeiro o solo era deixado em repouso e, depois de um tempo trabalhado para receber uma nova cultura, há algo que permanece e algo que se modifica.  

Assim, não há nada que seja absolutamente novo ou inovador, pois há sempre algo anterior que originou o novo. Do mesmo modo, na educação não há nada que não tenha sua origem na tradição, seja como um desenvolvimento, um desdobramento ou uma contestação. 

As inovações na história da educação: uma constante 

A história da educação, das práticas educativas, é marcada por uma série de inovações. Para nós, nada é mais simples do que “abrir o caderno e anotar”. Mas o próprio uso do caderno só foi possível por conta de uma série de inovações. Para fazer suas anotações, os estudantes da região mesopotâmica, por volta do século VII a. C., utilizavam tabuinhas de cerâmica; segue-se, na Grécia e Roma antigas, o uso da tabuinha de cera, que pode ser reutilizada (a cerâmica, depois de seca, não pode ser modificada). Hoje temos os mais diversos tipos de cadernos e também tablets e laptops que estudantes podem usar em sala para “anotar”. O surgimento da lousa, algo tão comum como a conhecemos hoje, para ser escrita com giz ou caneta, ou mesmo a lousa digital, só foi aparecer no século XVIII. Como era antes? 

Não só o mundo material da educação passou por inovações. Também os discursos pedagógicos e sobre educação, em suas diferentes formas, mostram como é uma constante na história o conflito entre o ‘tradicional’ e o ‘novo’.  Tomemos o exemplo da Atenas clássica no século V a.C.. A educação aristocrática, herdeira da educação guerreira antiga, era o grande paradigma pedagógico. Com o progressivo surgimento da democracia e da democratização da educação, houve uma forte reação contra a forma antiga de educar, que era vista como ruim e decadente. O grande comediógrafo grego Aristófanes, em uma de suas comédias, As Nuvens, descreve esse conflito de modo magistral. Por um lado, há aqueles que defendem os “valores antigos”, que se posicionam a favor dos valores aristocráticos da excelência moral tradicional, do aprendizado de um conhecimento transmitido por gerações, das práticas esportivas nobres; por outro, os que defendem os “novos valores”, pautados por ideias democráticas e de um tipo de filosofia que se inicia com Sócrates. Toda mudança gera uma reação, mas isso não significa que toda mudança seja naturalmente boa. É fundamental que paremos para refletir sobre aquilo que já é muito óbvio e que consideramos natural. O que hoje podemos chamar de tradicional já foi um dia “produto de uma inovação”.

O problema do novo 

Os processos educativos são quase tão antigos quanto o surgimento dos primeiros indivíduos. A necessidade de sobreviver impulsionava a transmissão de alguns saberes, por mais elementares que pudessem ser. Podemos imaginar que os primeiros caçadores, quando geravam descendentes, ensinavam a eles a caçar e providenciar comida para sua sobrevivência. Mais tarde, quando a humanidade começou a cultivar os campos e a criar animais para sua alimentação, outros saberes foram criados e transmitidos. Do mesmo modo, com o avanço de formas de civilização que se desprendiam da necessidade de sobrevivência, com o surgimento de linguagens simbólicas e de culturas, outros saberes foram sendo criados e transmitidos. Nesse movimento de passar adiante ou transmitir, diversas questões surgem. O que transmitir? E como? Se eu transmito um saber novo, distinto do que havia antes, eu o faço do mesmo modo, seguindo o mesmo procedimento? Ou novos saberes demandam novos modos de transmissão?  

A educação é fundamental, pois há sempre novas gerações que surgem, que demandam inovações no processo educativo que parecem, muitas vezes, inevitáveis”.
Hannah Arendt 

Quando dizemos aqui transmissão, não queremos reduzir o processo educativo a um simples “passar adiante”. O elemento de construção e elaboração por partes daqueles que aprendem algo novo é fundamental, e é a mola propulsora de novas mudanças para novos saberes. Mas é também inegável que muitos saberes aumentam, justapõem-se, interpõem-se, por vezes se agregam a outros, por vezes negam outros. É importante notar, contudo, que neste processo – e aqui as divergências de como ele ocorre são inúmeras – sempre há um algo, um saber, uma técnica, um determinado tipo de conhecimento (aquilo que tão costumeiramente se chama de “conteúdo” de uma disciplina escolar, por exemplo – embora essa expressão seja muito inadequada) que é recuperado ou mantido vivo do passado, e então colocado adiante, ensinado (mostrado) aos novos indivíduos.  

“A educação é fundamental, pois há sempre novas gerações que surgem, que demandam inovações no processo educativo que parecem, muitas vezes, inevitáveis”. 

Para Hannah Arendt, importante filósofa do século XX, a educação é fundamental, pois há sempre novas gerações que surgem, que demandam inovações no processo educativo que parecem, muitas vezes, inevitáveis. Esse processo vive sob o signo de uma contradição constante: há um mundo já constituído (embora, é claro, ele nunca esteja “terminado”), mundo este de valores, normas, saberes, uma cultura estabelecida. É nesse mundo que nasce a criança… ora, o que fazemos então? Como preservar a liberdade de existir da criança e suas escolhas em um mundo já constituído? O surgimento de novas gerações é o grande desafio para o processo educativo, e é nessa constante “mudança” que a inovação tem papel fundamental. 

As inovações no século xx 

Não há propriamente “inovação”. Mais correto seria falar em inovações, pois cada novo modo de fazer algo, cada nova concepção, tem suas características próprias, isto é, não se inova do mesmo modo. No campo educacional, as inovações podem ser levadas a cabo em diversas dimensões. Há inovações no campo da teoria educacional, das práticas (desde a gestão escolar até a prática docente individual), inovações no campo legal. Aquele discurso que nos referimos acima, de que “é preciso inovar”, parte de uma falsa ideia. Muito se diz que a educação é ainda muito lenta e está atrasada. Este é um preconceito tolo e superficial, pois não considera o verdadeiro caráter da educação. Educar leva tempo. Buscar modos de encurtar esse tempo é muito mais ceder a pressões sociais de modelos econômicos que devem antes ser descontruídos do que obedecidos cegamente. A constante aceleração das mudanças sociais parece demandar modos de educar que se adequem a estas mudanças. Mas a questão de fundo é: essas mudanças são boas?

Mudanças não são “inevitáveis”, mas acontecem. Frente a elas, buscam-se novas formas de agir. Na educação não é diferente, ainda mais por se tratar de um campo em constante mutação. Muito se fala hoje do protagonismo do estudante, e se costuma acreditar que isto é algo novo. Também se enfatiza o papel ativo do aluno na construção do seu próprio conhecimento. Formas didáticas como o estudo do meio estão em alta. Certamente, durante o século XX estas inovações teórico-práticas ganharam corpo. Mas basta olharmos para a história da educação e encontramos, por exemplo, em um autor do século XVI, Michel de Montaigne – que é uma referência explícita de Edgar Morin, um dos apóstolos dos novos modos de pensar a educação – proposições muito similares ao que vemos hoje. Em um pequeno ensaio intitulado Sobre a educação das crianças, Montaigne elabora colocações como esta:

Os professores não param de gritar aos nossos ouvidos, como quem derramasse o conhecimento num funil: nossa tarefa seria apenas repetir o que nos disseram. Gostaria que ele corrigisse essa prática e que desde o início, segundo a capacidade do espírito que tem em mãos, começasse a pô-lo na raia, fazendo-o provar, escolher e discernir as coisas por si mesmo. Ora abrindo-lhe o caminho, ora deixando-o abrir. Não quero que só o professor fale: quero que, quando chegar a vez de seu discípulo, o escute falar.  

É certo que as considerações de Montaigne eram muito sofisticadas e que a prática da época estava longe de ser assim, mas o que fala sobre o conhecimento, o professor e o estudante são muito contemporâneos. Se o conhecimento não é algo que pode ser “derramado” (o que era já uma ideia presente em Platão!), é porque não se trata de encher algo vazio. Ora, não é esta toda a crítica que faz Paulo Freire ao esquema da educação bancária, aquela que considera os alunos como recipientes vazios que apenas recebem passivamente “conteúdos”? Já a relação professor-discípulo não deve ser autoritária, e o professor se mostra muito mais como um guia ou facilitador do que como uma enciclopédia: ele deve levar o aluno a descobrir por si mesmo, a conhecer por si mesmo, a abrir o seu caminho sempre que possível. Além disso, o professor deve escutar o aluno. Ao lermos esse pequeno ensaio, somos levados a reconhecer que, se a prática da época não era “inovadora”, muito do que foi pensado era. 

É certo que as considerações de Montaigne eram muito sofisticadas e que a prática da época estava longe de ser assim, mas o que fala sobre o conhecimento, o professor e o estudante são muito contemporâneos. Se o conhecimento não é algo que pode ser “derramado” (o que era já uma ideia presente em Platão!), é porque não se trata de encher algo vazio. Ora, não é esta toda a crítica que faz Paulo Freire ao esquema da educação bancária, aquela que considera os alunos como recipientes vazios que apenas recebem passivamente “conteúdos”? Já a relação professor-discípulo não deve ser autoritária, e o professor se mostra muito mais como um guia ou facilitador do que como uma enciclopédia: ele deve levar o aluno a descobrir por si mesmo, a conhecer por si mesmo, a abrir o seu caminho sempre que possível. Além disso, o professor deve escutar o aluno. Ao lermos esse pequeno ensaio, somos levados a reconhecer que, se a prática da época não era “inovadora”, muito do que foi pensado era. 

O que é característico do século XX é o surgimento da informática, dos primeiros computadores até os dias correntes. Qualquer inovação nessa área dificilmente encontrará um precedente em épocas anteriores. As novas tecnologias são, certamente, um desafio para a educação. Com o surgimento da internet, o cenário se torna mais e mais complexo. Contudo, algumas considerações são necessárias. Primeiramente, quanto ao caráter de inevitabilidade: “não há volta”, “agora essa é a realidade”, “não há como fugir disso” são frases comuns que ouvimos em relação à tecnologia digital. Embora ela tenha “vindo para ficar”, é fundamental que não esqueçamos que as formas atuais são transitórias, e que novas formas surgirão. Assim, se o ensino for direcionado apenas para as tecnologias de hoje “porque elas são fundamentais para o mercado de trabalho”, corre-se o risco de tornar obsoleta a educação, assim como se tornam obsoletas essas formas tecnológicas. 

Por que não nos preocupávamos tanto em fazer os estudantes entenderem o funcionamento da televisão, da linguagem televisiva, das operações editoriais por trás das imagens que vemos, e hoje a “linguagem da computação” é fundamental e não se pode viver sem conhecê-la, e por isso os estudantes deveriam aprender desde cedo a “programar”? Advogar o uso de computadores e da linguagem computacional na educação sem uma reflexão crítica é um erro. Não se pode ensinar algo só porque aparentemente este algo é “inevitável”, pois daí se perde toda a riqueza de possibilidades que pode se apresentar. 

Olhar para trás, olhar para frente  

A educação é um processo multidimensional. Se ela não acontece apenas na escola, é nela que tem seu espaço privilegiado, e seu maior potencial. Pensar novas formas, propor novos problemas, contestar o que é dado como natural e óbvio é fundamental no processo pedagógico. Quando novas gerações são educadas no conflito crítico com gerações anteriores, o novo acontece. Uma educação com perspectiva de futuro só pode ocorrer se não se apagar todo o passado que não deve pesar como tradição morta, mas como um passado rico de lugares para pensar. Para educar inovando, é fundamental que busquemos em discursos e experiências passadas o solo a partir do qual pensamos e experienciamos o presente.  

Cauê Cardoso Polla

É professor da Faculdade de Educação, no Departamento de Filosofia e Ciências da Educação, da Universidade de São Paulo.  

Veja outros conteúdos

Vídeo
Atualização prática para o professor
A formação do aluno começa sempre com o desenvolvimento do professor. Pensando nisso, criamos as Formações Educatrix,…
Artigo
A necessidade de resgatarmos na Educação a comunidade aprendente
Lidar com o cenário da pandemia principalmente na Educação tem sido desafiador ao mesmo tempo que nos apresenta maneiras diferentes de possibilitar novos caminhos a Educação.
E-book
Diálogo: escola-família
Clique em Saiba mais para ler este E-Book na íntegra.
Artigo
A importância dos jogos na educação emergencial
Os jogos sempre tiveram um lugar especial na educação

O futuro da infância e da adolescência: oportunidades e responsabilidades para as escolas

O futuro da infância e da adolescência: oportunidades e responsabilidades para as escolas

Criar estratégias que contemplem o futuro é vital para antecipar problemas e enxergar novas oportunidades de crescimento para toda a sociedade. 

Texto Fernanda Furia

A infância e a adolescência são períodos de encantamentos, descobertas e desafios. Ao longo da história da humanidade, o olhar sobre as crianças e os adolescentes se transforma constantemente e nos força a atualizar a nossa visão sobre o que continua sendo adequado e o que deve ser reconsiderado em prol do bem-estar e dos direitos das novas gerações. O pesquisador social, Mark McCrindle, descreveu a geração Alpha, nascida entre 2010 e 2025, como a primeira a crescer envolvida com tecnologias inteligentes no cotidiano. 

Assistentes virtuais, brinquedos conectados à internet e robôs companheiros que instigam sentimentos de cuidado e proteção são alguns dos inúmeros exemplos que desenham uma nova infância. Mal começamos a navegar nas águas da Quarta Revolução Industrial e já vemos os sinais da Quinta Revolução vindo ao nosso encontro. Nesta era de transições múltiplas, escutamos tantos termos técnicos que ficamos atordoados com a gama de tecnologias que prometem nos ajudar e nos desafiar ao mesmo tempo. 

A Quarta Revolução Industrial é pautada pela convergência de tecnologias avançadas, pelo avanço da Indústria 4.0 e pela quebra de paradigmas até então inquestionáveis. Segundo Klaus Schwab, do Fórum Econômico Mundial, a Quinta Revolução, por sua vez, já está sendo considerada a era da retomada da confiança nas pessoas, dos valores humanos e da preocupação em salvar o planeta. O tsunami formado pela computação quântica e pela conectividade total gerada pela rede 5G nos forçará a conviver com as máquinas e a redefinir o conceito de ética para resgatar o sentido de “ser humano”. 

Na mesma linha da Quinta Revolução Industrial, o conceito de Sociedade 5.0 criado pelo governo japonês em 2016 propõe uma organização social alimentada por tecnologias altamente avançadas com o objetivo de criar soluções focadas nas necessidades humanas. Para a maior parte das pessoas, esse cenário ainda é bem difícil de ser entendido, por isso precisamos nos informar sobre esse contexto global para entender os seus impactos nas novas gerações.  

O futuro da infância e da adolescência 

A geração Alpha é a primeira geração que está, de fato, crescendo em um ambiente tecnológico capaz de moldar a formação cerebral, social e psicológica das crianças e dos adolescentes de forma inédita na história da humanidade. As tecnologias avançadas, em suas diferentes formas, prometem trazer conforto afetivo para os seres humanos e inauguram um novo fenômeno na cibersociedade: a relação de apego entre as pessoas e as máquinas inteligentes. As pesquisas que investigam os efeitos positivos e negativos desse cenário são ainda bastante contraditórias e oscilam entre perspectivas catastróficas e otimistas. E isso é só o começo. Imaginem em qual cenário a Geração Beta, nascida entre 2025 e 2039, viverá. Para Patrick Dixon, autor do livro The Future of (almost) everything, entraremos cada vez mais na “era da criança preciosa” na qual qualquer coisa que possa ameaçar a saúde ou o bem-estar emocional das crianças será fortemente rejeitada. Isso nos leva a um outro fenômeno que está ganhando força e que deve crescer nas próximas décadas: a coparentalidade entre pais e máquinas. Segundo a empresa Zion Market Research, a indústria baby tech movimentará em torno de US$ 108 bilhões até 2024 e contribuirá para o surgimento de novas formas de parentalidade. Produtos como cintas que envolvem a barriga da mãe e monitoram o batimento cardíaco do bebê, fraldas com sensores que detectam o estado da urina da criança, babá eletrônica com inteligência artificial, tecnologias de monitoramento em tempo real e tatuagens digitais alimentarão uma geração de pais orientados por dados.

Assim como as crianças pequenas, os adolescentes também são largamente influenciados pelos ambientes e pelas tecnologias. Redes sociais e jogos imersivos com realidade virtual e aumentada ganharão força e possibilitarão que os adolescentes se relacionem em diferentes plataformas simultaneamente à procura de aceitação, pertencimento, popularidade e autoexpressão. Um exemplo é o Facebook Horizon, que deve ser lançado em 2020. Experiências como essa terão um grande poder de engajar os adolescentes, uma vez que aumentam a sensação de presença real naquele ambiente virtual. O avanço tecnológico permitirá a criação de novas realidades com diferentes camadas de interação entre a realidade e o ambiente virtual. Além disso, no futuro, as gerações Alpha e Beta precisarão se responsabilizar ativamente por importantes desafios éticos como edição de DNA, vigilância e manipulação constante das pessoas, criação de cérebros biodigitais, entre outros. Por isso, é cada vez mais urgente criarmos leis e protocolos tendo em mente o bem-estar e os direitos das crianças e adolescentes. Richard Graham, psiquiatra da infância e da adolescência no Nightingale Hospital, em Londres, referência mundial na área de dependência tecnológica, acredita que “agora nós somos cyborgs emocionais. Estamos integrando essas tecnologias em nosso funcionamento mental, social e emocional”.

O futuro da infância e da adolescência transcende o ambiente escolar, mas afeta diretamente as estratégias aplicadas ao sistema educacional. Sendo assim, os educadores e as famílias precisam entender esse cenário amplo, pois somente dessa forma poderemos formar crianças e adolescentes com visão de mundo, consciência ética, motivação para agir e desejo genuíno de melhorar a vida das pessoas e do planeta.  

Educação inovadora: formando as novas gerações 

Toda a base da educação já vem sendo questionada em vários países e as inovações em educação não são um tema novo para a maioria dos educadores. Metodologias ativas, diferentes papéis do professor, maior ênfase nas habilidades socioemocionais e uso de tecnologias avançadas em sala de aula refletem como muitas instituições de ensino já estão repensando e reestruturando as suas práticas para se ajustar aos novos tempos. Mais do que nunca as escolas exercem funções múltiplas na nossa sociedade: acolher as crianças cujos pais trabalham, ensinar conteúdos, desenvolver competências, informar os adultos, orientar os alunos sobre questões digitais e ainda ajudar na formação ética das crianças e dos adolescentes. As próximas gerações verão suas diversas habilidades e talentos sendo abraçados por novas profissões, novos formatos de trabalho e por mais de uma atividade profissional ao mesmo tempo. Esta é uma quebra de paradigma importante para a formação dos jovens e, por isso, os projetos de vida direcionados a eles devem considerar tal pluralidade. Um dos sinais interessantes é o aparecimento de cursos universitários flexíveis, nos quais o aluno escolhe assuntos de diferentes áreas de conhecimento para estudar ao longo do curso, formando um mosaico personalizado de ensino. Um exemplo aplicado dessa flexibilização é a universidade cuny, em Nova York, onde os alunos têm à sua disposição uma variedade enorme de disciplinas e podem criar um plano de graduação interdisciplinar sob medida com seus mentores. Parte do papel das escolas e das universidades será inovar com ética e incentivar projetos que estimulem os alunos a refletir de forma crítica sobre a criação, a aplicação e o uso responsável das novas tecnologias. 

Ao mesmo tempo que as escolas tendem a incorporar tecnologias cada vez mais avançadas para apoiar diferentes práticas pedagógicas, será fundamental que elas também resgatem o brincar em diferentes formatos: mais tempo de recreio para todas as idades, mais jogos, mais esportes, mais atividades artísticas, mais vivências fora da escola e mais reflexões sobre o que motiva os alunos. É inquestionável que o brincar melhora a saúde mental, promove a autonomia, trabalha questões éticas, desenvolve inúmeras habilidades socioemocionais e aproxima as pessoas. Mais do que qualquer tecnologia, o futuro da infância e da adolescência depende da segurança emocional, do afeto e da interação entre os seres humanos.

Ao vislumbrar um horizonte tecnológico ainda mais contundente como o da Quinta Revolução Industrial, como as instituições educacionais podem se preparar para receber as gerações que estão por vir? Há algumas décadas foi criado um termo que caracteriza o contexto caótico, turbulento e instável no qual as organizações estão inseridas: o mundo V.U.C.A. O acrônimo em inglês nasceu das teorias sobre liderança estratégica e significa volatilidade (Volatility), incerteza (Uncertainty), complexidade (Complexity) e ambiguidade (Ambiguity). Porém, em 2007, Robert Johansen, do Institute for the Future, lançou um olhar complementar para esse termo e nos trouxe uma visão mais prática para combater os impactos negativos do mundo V.U.C.A apresentado anteriormente. Para ele, o conceito de “V.U.C.A. PRIME” significa visão, compreensão, clareza e agilidade (Vision, Understanding, Clarity e Agility) e serve como um guia para a construção de uma nova forma de pensar e agir. 

Modelo VUCA PRIME para escolas 

Por inspiração do conceito de vuca prime, é possível transpor as ideias de Robert Johansen para o contexto da Educação e desenhar caminhos aplicáveis à infância e à adolescência, considerando algumas responsabilidades e oportunidades para as escolas. Confira a proposta a seguir, baseada no conceito de Johansen e adaptada ao contexto escolar: 

Visão (vision) 

Para lidar com um contexto imprevisível, as escolas precisam refletir com profundidade sobre a sua própria existência daqui para frente e estabelecer uma visão comum sobre os próximos passos. Qual é o propósito de uma criança ir para a escola? Qual será de fato o papel da escola? Baseando-se nessas reflexões, será possível reunir as pessoas necessárias para esse processo de transformação e para traçar os caminhos que pavimentem tais avanços.  

Responsabilidades: envolver toda a comunidade escolar na construção dessa visão, considerando o horizonte futuro e trazendo exemplos práticos e éticos que sirvam de modelo para práticas sustentáveis ao longo do tempo. Fornecer uma visão de diversidade e inclusão para que pessoas de todos os backgrounds sejam contempladas. Ajudar os adultos a desenvolver uma mentalidade global voltada para inovação.

Oportunidades: fomentar discussões e ações para que os alunos identifiquem o propósito da escola e proponham caminhos alinhados ao contexto global e às necessidades locais. 

Entendimento (understanding) 

A capacidade de compreender os fatores externos, sejam eles sociais, políticos, tecnológicos e/ou ambientais, é fundamental para a formação dos educadores. Ser capaz de enxergar simultaneamente o contexto macro e micro se tornará uma habilidade cada vez mais importante. Entender os novos comportamentos e movimentos sociais e econômicos aproxima as diferentes gerações e, principalmente, sustenta a criação de projetos e iniciativas significativos para todos os envolvidos. 

Responsabilidades: promover a capacidade das novas gerações de olhar para determinada situação de forma equilibrada, em que todos os aspectos são considerados de forma sensata e sem radicalismos. Envolver os alunos na missão de colaborar e contribuir para a resolução de problemas globais, especialmente aqueles ligados à infância e à adolescência – base para uma sociedade saudável. Promover letramento digital aliado à inteligência emocional-digital. 

Oportunidades: oferecer formações de professores que vão além da capacitação para o uso de ferramentas educacionais e de metodologias aplicáveis em sala de aula. Desenvolver jogos e atividades lúdicas para ajudar na capacidade de analisar contextos macro e micro, identificar padrões de comportamento na sociedade e refletir eticamente sobre o que nos serve e o que deve ser desconsiderado.

Clareza (clarity) 

Em tempos complexos, ter clareza passa a ser um superpoder. Simplificar o pensamento e agir de forma prática e transparente, considerando ao mesmo tempo a profundidade das situações, é um desafio que precisaremos enfrentar. 

Responsabilidades: a falta de clareza de pensamento e de visão está muito ligada ao excesso de sofrimento e às consequências geradas por diversos transtornos emocionais. Fazer parcerias com iniciativas voltadas para a saúde mental dos alunos e da equipe educacional, além de criar uma sólida rede de apoio, passa a ser uma responsabilidade também das escolas. 

Oportunidades: estimular as crianças e os adolescentes a exercitar práticas que acessem a intuição e a criatividade por meio de meditação, mindfulness, contato com a natureza e processos variados de autoconhecimento. 

Agilidade (agility) 

Diante das inúmeras mudanças no mundo, as escolas precisarão ser capazes de se transformar constantemente para responder de forma mais rápida, se comunicar melhor e antecipar cenários. 

Responsabilidades: compromisso com a atualização constante da visão, propósito e clareza de objetivos. Reflexão, adaptação, colaboração e ação serão palavras-chave daqui para frente.

Oportunidades: integrar conhecimentos de diferentes áreas para aumentar a capacidade de transitar em contextos divergentes e de se adaptar às diversas realidades com mais eficiência. Promover agilidade emocional e fomentar inteligência emocional-digital. A crescente complexidade da evolução tecnológica afetará as relações humanas de forma nunca antes experimentada pela humanidade. Por essa razão, será necessária uma rede cada vez mais forte, integrada e colaborativa entre as pessoas e os sistemas para criar estruturas saudáveis sobre as quais as crianças e os adolescentes se desenvolverão. O futuro da infância e da adolescência é responsabilidade de todos nós. 

Fernanda Furia 

é mestre em Psicologia de crianças e adolescentes pela University College London, na Inglaterra. Fundadora do Playground da Inovação – consultoria de Inovação em Psicologia e Educação. Professora de Psicologia da Inovação na FIAP (SP) e do curso de pós-graduação Formação Integral, no Instituto Singularidades (SP). Foi professora assistente na The American School, em Londres. Foi mentora do Social Good Brasil, organização de tecnologia para transformação digital. Membro da The British Psychological Society da Inglaterra. Especialista em Psicoterapia de crianças e adolescentes pelo Instituto Fernandes Figueira (Fiocruz/RJ). Pós-graduada em Atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica pela PUC-RJ. Psicóloga pela PUC-RJ. Mais de 25 anos de experiência no universo relacionado à infância e à adolescência. 

Para saber mais 

  • DAVID, S. Agilidade emocional: abra sua mente, aceite as mudanças e prospere no trabalho e na vida. São Paulo: Pensamento Cultrix, 2018.
  •  
  • DIXON, P. The Future of (Almost) Everything. Londres:Profile Books, 2015.
  •  
  • FURIA, F. Inteligência emocional-digital: o que é e como desenvolvê-la? In Revista Educatrix 13, Moderna, 2017. p. 26-29. Disponível em www.moderna.com.br/educatrix. 
  •  
  • FURIA, F.; BALDESSAR, M. J. Crescendo com as máquinas inteligentes: as crianças e as novas formas de socialização na cibersociedade. Anais da II Jornada Ibero-Americana de Pesquisas em Políticas Educacionais e Experiências Interdisciplinares na Educação, 2017.
  •  
  • SCHWAB, K. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2018. 

Veja outros conteúdos

Vídeo
Atualização prática para o professor
A formação do aluno começa sempre com o desenvolvimento do professor. Pensando nisso, criamos as Formações Educatrix,…
Artigo
A necessidade de resgatarmos na Educação a comunidade aprendente
Lidar com o cenário da pandemia principalmente na Educação tem sido desafiador ao mesmo tempo que nos apresenta maneiras diferentes de possibilitar novos caminhos a Educação.
E-book
Diálogo: escola-família
Clique em Saiba mais para ler este E-Book na íntegra.
Artigo
A importância dos jogos na educação emergencial
Os jogos sempre tiveram um lugar especial na educação

Competências socioemocionais: Quais as ações dos educadores?

Competências socioemocionais: Quais as ações dos educadores?

Propostas que consideram a BNCC trazem a reflexão sobre os papéis e as práticas dos educadores para o desenvolvimento das competências e habilidades do século 21.

Texto: Solange Giardino

Estamos vivendo pela primeira vez na história da educação a incerteza sobre quais serão as competências necessárias para que os nossos estudantes da educação básica sejam relevantes no mercado de trabalho. A cada segundo temos a produção de novos conhecimentos, o surgimento de novas funções e a transformação de tradicionais carreiras, assim como das habilidades necessárias para desempenhá-las.

As tarefas laborais dependem de dois tipos de competências básicas: a física e a cognitiva. No passado, competimos com as máquinas nas habilidades físicas, o que nos trouxe um maior desenvolvimento das habilidades cognitivas, que só nós, humanos, possuímos; agora, estamos sendo desafiados pela inteligência artificial, pela aprendizagem de máquinas e pela robótica.

Sabemos que será mais difícil substituir um trabalhador em atividades que exijam o uso simultâneo de várias habilidades, principalmente as que envolvam lidar com cenários imprevisíveis. Dessa forma, flexibilidade, criatividade e as competências socioemocionais serão determinantes para o desempenho do profissional do futuro.

Entre a razão e a emoção: o papel da escola

Conhecer as próprias emoções e saber lidar com elas é o que chamamos de inteligência emocional. A escola, por ser um ambiente de relacionamento social, oferece uma ótima oportunidade para lidar com as próprias emoções, entender como funcionam e como podem ser modificadas. Os professores precisam ser orientados a mediar tais situações, com o intuito de conscientizar as crianças para reduzir conflitos tanto em sua vida pessoal, como no ambiente escolar.

Já é sabido que as habilidades socioemocionais aumentam a capacidade dos alunos de aprender e melhoram consideravelmente atitudes e comportamentos para lidar de maneira eficaz e ética com os desafios diários. 

Partindo do pressuposto de que o ser humano é um ser relacional e de que precisa estar em contato com outras pessoas, criar vínculos e gerar conexões — quanto mais positivas e construtivas, mais positivas serão as emoções, ideias e atitudes —, a  escola precisa ser um espaço que transmita confiança, comprometimento, respeito e colaboração de todas as partes. Construir boas relações exige tempo e não adianta apenas o professor se esforçar para fazer dar certo. Toda a comunidade envolvida precisa contribuir e fazer a sua parte para que as relações tragam frutos positivos a todos.

Outro ponto importante das relações interpessoais é que, ao estar em contato com pessoas diferentes de nós, conseguimos ampliar nossas perspectivas de mundo e expandir nossa visão em muitos aspectos. O mesmo acontece quando estamos dispostos a compartilhar o nosso melhor e ajudar os indivíduos ao nosso redor a crescerem e se tornarem cada vez melhores.

A escola deve promover uma formação integral, desenvolvendo, além das competências cognitivas e acadêmicas, as competências socioemocionais, oferecendo um ambiente humanizado e adequado para o estabelecimento de boas relações, uma vez que o aluno educado emocionalmente possui maior motivação para aprender.

As habilidades socioemocionais devem fazer parte do planejamento de todos os componentes curriculares, e não como uma disciplina isolada, pois precisam de contexto para serem desenvolvidas. Dessa forma, é necessário considerar o envolvimento da comunidade escolar, da família e de todos os professores, que precisam inserir o desenvolvimento dessas habilidades em suas aulas e atividades.

Além do planejamento letivo, estratégias adicionais devem ser realizadas em toda a escola, incluindo proporcionar aos alunos oportunidades de participar de comitês escolares e de atuarem em papéis de liderança como modelos de pares, mentores e consultores para colegas de classe. Um comitê de alunos pode ser de grande auxílio nessa condução, desde que seja uma ação coordenada com os professores e orientadores educacionais. Esses alunos precisam ser identificados por meio de instrumentos e posteriormente formados, para que tenham uma ação efetiva.  Os jovens costumam procurar os seus pares e não um adulto para compartilhar suas dificuldades e anseios, então proporcionar rodas de diálogo e assembleias para que eles possam refletir e resolver entre si os conflitos é uma boa oportunidade de intervenção. 

Como selecionar as habilidades socioemocionais mais importantes? 

No Brasil, temos duas linhas teóricas sobre o tema que são muito difundidas: 1 a CASEL (Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning), desenvolvida por uma organização americana de Chicago, que se baseia em cinco aspectos: autoconhecimento, autorregulação, sociabilidade, competências de relacionamento e tomada de decisão responsável; e 2 a do Big Five Factors (Cinco Grandes Fatores de Personalidade), que explora outros cinco domínios: experiência, consciência, amabilidade, extroversão e estabilidade emocional.

Para definir quais habilidades socioemocionais serão trabalhadas, é preciso ter clareza sobre que aluno se quer formar. O ideal é trabalhar com poucas habilidades, priorizando as mais significativas a partir da identificação dos pontos fortes, pontos fracos e áreas de crescimento ou melhoria do público de alunos. As escolas devem escolher de comum acordo com a comunidade e com os alunos, se não possível com todos, mas com o grupo de representantes (comitê de alunos e pais). 

Ao estar em contato com pessoas diferentes de nós, ampliamos nossas perspectivas de mundo e expandimos nossa visão em muitos aspectos.

Qual é o papel do professor?

É necessário que os professores tenham formação e orientação para conseguir transformar a sala de aula, assumindo um novo papel, para que controlem seu próprio comportamento, tornando-se modelos para os alunos. Para desempenhar bem a sua função, portanto, o professor precisa começar por uma autorreflexão: quais são os seus próprios valores? Como mobilizar suas habilidades e competências socioemocionais? Aprender a lidar com as próprias emoções e refletir sobre elas é um passo fundamental.

Criar ambientes seguros e saudáveis para que os jovens possam desenvolver habilidades sociais necessárias para prosperar no seu projeto de vida não depende apenas dos professores, mas de toda a comunidade escolar, que precisa envolver todos os atores. 

Para proporcionar um ambiente no qual os alunos se sintam seguros e onde suas opiniões e preocupações sejam consideradas e levadas a sério, o professor e a escola devem focar em soluções para os conflitos, e não em punições e recompensas.

A escola dos alunos enfileirados, com foco na “pedagogia da nuca”, não permite a expressão afetiva e emocional e também não promove o desenvolvimento socioemocional. As propostas pedagógicas devem priorizar atividades altamente interativas para dar ênfase às estratégias de aprendizado cooperativo. O aluno precisa participar de conversas significativas, se envolver em problemas relevantes, trabalhar cooperativamente com os colegas, professores e comunidade e se sentir desafiado.

Em todo esse percurso, o professor tem o papel de mediar o processo. É a condução dele, com perguntas bem planejadas e intervenções previamente elaboradas, que trará o clima de apoio, cooperação e segurança de que os alunos precisam.

O professor deve conduzir a gestão da sala de aula de forma que se coloque a serviço do coletivo e que chame os alunos para uma participação ativa, compartilhada, comprometendo-os a dividir as responsabilidades em um processo orientado, em que o protagonismo e a participação pautem o diálogo.

Como avaliar as habilidades socioemocionais?

Ao incluir as competências socioemocionais no currículo escolar de forma transversal, é essencial pensar em como mensurá-las para apoiar as atitudes dos estudantes e orientar os professores sobre como agir e o que esperar das diversas situações. 

A avaliação das habilidades socioemocionais, assim como a dos trabalhos desenvolvidos por meio de abordagens de metodologias ativas e de aprendizagem por projetos, deve incluir diversas formas de avaliação, tais como autoavaliação, avaliação por pares (entre os colegas) e reflexões pessoais, mesclando as avaliações individuais com as coletivas.

As rubricas de avaliação são uma possibilidade, pois oferecem um sistema de pontuação que lista critérios específicos para o desempenho e as atitudes dos alunos, descrevendo diferentes desempenhos para cada um dos critérios e deixando claro o que se espera dos alunos no decorrer das atividades escolares. Para a elaboração das rubricas, sugerimos elencar quais habilidades serão observadas, listar seus descritores e, por fim, criar a tabela.

Trabalhar com as competências socioemocionais significa focar no desenvolvimento pleno e integral de toda a comunidade escolar, tendo a consciência de que são desenvolvidas pouco a pouco, pela vivência constante. O professor precisa considerar em seu planejamento ter a intencionalidade pedagógica de promover a expressão dos sentimentos e a reflexão sobre as ações, com o intuito de aprimorar a qualidade das relações interpessoais. À liderança escolar, cabe o papel de estabelecer indicadores para que fique claro a todos os integrantes da comunidade escolar o que é esperado e trabalhar com os professores e equipe para mediar conflitos de forma positiva. 

Solange Giardino

é consultora de tecnologia educacional com foco em metodologias ativas, cultura maker, STEAM e aprendizagem criativa. Tem experiência consolidada no desenvolvimento e na gestão de projetos por meio da implementação de recursos digitais à prática docente e desenvolvimento de projetos nas áreas de formação continuada de professores. Apple Distinguished Educator, graduada em Psicologia e especialista em Informática Aplicada à Educação pela PUC-SP e em Gestão de EAD pela FGV. Mestra em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. 

Para saber mais 

  • Movimento Pela Base Comum – Dimensões e Desenvolvimento das Competências Gerais da BNCC. Disponível em:mod.lk/edu18mpb. Acesso em: 2 mar. 2020. 
  •  
  • BENDER, W. N. Aprendizagem baseada em projetos: educação diferenciada para o século XXI. Porto Alegre: Penso, 2014.
  •  
  • CASEL. Educating hearts: inspiring minds. Disponível em:https://casel.org. Acesso em: 9 fev. 2020.
  •  
  • The Big Five Personality Traits. Disponível em:mod.lk/ed18foco. Acesso em: 9 fev. 2020. 
  •  
  • NELSEN, J.; LOTT, L.; GLENN, H. S. Disciplina positiva em sala de aula. São Paulo: Manole, 2017.

Veja outros conteúdos

Vídeo
Atualização prática para o professor
A formação do aluno começa sempre com o desenvolvimento do professor. Pensando nisso, criamos as Formações Educatrix,…
Artigo
A necessidade de resgatarmos na Educação a comunidade aprendente
Lidar com o cenário da pandemia principalmente na Educação tem sido desafiador ao mesmo tempo que nos apresenta maneiras diferentes de possibilitar novos caminhos a Educação.
E-book
Diálogo: escola-família
Clique em Saiba mais para ler este E-Book na íntegra.
Artigo
A importância dos jogos na educação emergencial
Os jogos sempre tiveram um lugar especial na educação

Gestão participativa que transforma o mundo e as pessoas

Gestão participativa que transforma o mundo e as pessoas

Gestão participativa que transforma o mundo e as pessoas

Nova diretora do Dante Alighieri aposta no diálogo e na participação para formar equipes autônomas, que se sintam autoras das suas jornadas.

A SALA ocupada por Valdenice Minatel, no centenário Colégio Dante Alighieri, em São Paulo, dá pistas sobre quem é a profissional que, no curso de uma carreira voltada para a inovação pedagógica, agora está à frente de uma das mais conhecidas instituições de ensino brasileiras. A porta está sempre aberta, desde as 7h da manhã. Na mesa, livros e pilhas de papéis à espera de sua apreciação. Nas paredes, diplomas de instituições renomadas. Valdenice é uma educadora inquieta, que não para de estudar – tanto que recebeu a Educatrix no calor do final do semestre letivo e às vésperas de uma nova imersão, desta vez com o renomado autor Daniel Goleman, na Universidade de Harvard.

“O desenvolvimento profissional mais pleno acontece no ambiente mais democrático, senão só gera rotatividade. Por isso, sempre quero criar equipes que se sintam mais do que partes, que se sintam autoras.”

Valdenice Minatel Diretora do colégio Dante Alighieri

Mestre e doutora em Currículo e Novas Tecnologias pela PUC-SP, Valdenice contribuiu muito para tornar uma escola centenária em um polo de inovação pedagógica. No Dante Alighieri há 25 anos, a gestora passou pelo Colégio Hugo Sarmento e pela Prefeitura de São José dos Campos, antes de chegar à IBM, no projeto Horizonte – uma das primeiras iniciativas em larga escala para difundir computadores pessoais para uso educativo. Mas foi principalmente no Dante que ela iniciou o percurso que marcou toda a sua vida profissional e onde aprendeu a liderar de forma compartilhada, em um diálogo permanente com suas equipes. Conheça sua visão sobre inovação e gestão, na entrevista a seguir.

Mestre e doutora em Currículo e Novas Tecnologias pela PUC-SP, Valdenice contribuiu muito para tornar uma escola centenária em um polo de inovação pedagógica. No Dante Alighieri há 25 anos, a gestora passou pelo Colégio Hugo Sarmento e pela Prefeitura de São José dos Campos, antes de chegar à IBM, no projeto Horizonte – uma das primeiras iniciativas em larga escala para difundir computadores pessoais para uso educativo. Mas foi principalmente no Dante que ela iniciou o percurso que marcou toda a sua vida profissional e onde aprendeu a liderar de forma compartilhada, em um diálogo permanente com suas equipes. Conheça sua visão sobre inovação e gestão, na entrevista a seguir. 

EDUCATRIX Como foram seus primeiros contatos com a tecnologia educacional?

VALDENICE MINATEL Eu fiz Pedagogia na Unicamp, e tinha aulas com a pesquisadora Afira Rippert, que então estava voltando de um doutorado com o Seymour Pappert. Ela teve o privilégio de ser contemporânea da produção dele, e trouxe esse arcabouço para a Unicamp, introduzindo o olhar da tecnologia pelo viés educacional. Recebeu críticas por isso, mas também apoio, e eu fui uma das primeiras turmas que cursou a sua disciplina. Fiquei encantada com a linguagem Logo e me fascinava a ideia de janela da mente, ou seja, de entender como a cabeça funciona enquanto programa, promovendo a aprendizagem com boas perguntas. Fiquei muito impactada.

EDUCATRIX Como foi sua aproximação com a IBM e a chegada no Dante? 

VALDENICE MINATEL Nesse período, saindo da Unicamp, fui trabalhar em São José dos Campos (SP) e continuei a fazer leituras sobre o tema. Em 1992, passei pelo Colégio Hugo Sarmento, e, quando soube de uma vaga na IBM, não tive dúvidas e me candidatei. Já queria algo mais parrudo, algo que possibilitasse uma abordagem da tecnologia a partir da escola. Essa era a grande empresa com capilaridade que trouxe um viés educacional muito forte. Lá, fazíamos formação de professores, no Projeto Horizonte. Foi uma experiência muito importante na qual aprendi, por exemplo, a trabalhar de portas abertas, o que faço até hoje. Fiquei sabendo que o Dante estava montando um Departamento de Tecnologia, preparei meu currículo e me chamaram.

EDUCATRIX Quando você chegou ao Dante, o que lecionava?

VALDENICE MINATEL Cheguei para dar aulas de Informática, ensinando linguagens de programação e noções sobre a operação das máquinas. Esse era o basicão de 30 anos atrás. Mas nessa época escolas e empresas começavam a se movimentar, construindo os protocolos de ação, construindo caminhos. Ainda havia a reserva de mercado dos computadores, que tinham custos abusivos, mas as grandes escolas já olhavam para isso, vendo sentido nesse caminho que se abria. Começavam a se integrar ao mundo digital, cada uma de um jeito. O Dante optou, em um primeiro momento, em dar aulas de Informática, em uma perspectiva mais técnica.

EDUCATRIX Mas desde então você já atua diretamente com a inovação…

VALDENICE MINATEL Sim, desde então minha vida tem sido pensar a inovação. Entrei para trabalhar em um time que estava começando, começamos o departamento juntos. No final de 1999, a antiga coordenadora se desligou e a gestão da época considerou que o coordenador de informática tinha de ser eleito pelos pares, como acontece na universidade, e não mais por indicação da diretoria. Então o grupo se reuniu e me elegeu. Já fui promovida por um ato muito democrático, que me marcou. Em 2000, eu começo a coordenação, com um voto de confiança de cada um deles, que eram 12. Mesmo quem não votou tinha clareza de porque eu estava lá. 

EDUCATRIX Imagino que essa experiência tenha também influenciado sua forma de trabalhar… 

VALDENICE MINATEL A partir daí, não havia outro caminho a não ser construir uma gestão baseada nas competências que cada um poderia entregar naquele momento. Foi um processo de reconstrução do departamento fundamentada em uma visão mais participativa. Eram muitas reuniões, e eu sempre trazia decisões para serem tomadas de forma colegiada. Foi muito bacana. Mesmo as tensões eram resolvidas de forma cocriada. É um termo novo, mas já fazíamos isso que se chama hoje de cocriação. Começamos a trabalhar e era um pessoal muito bom. Foi muito fácil inovar. Era um time que queria isso e tinha portas e janelas abertas para ir em frente. Tinham todas as condições de temperatura e pressão que favoreciam a gestão democrática e a inovação. Fiquei de 2000 a 2012 nesse lugar de coordenadora de informática, mas com uma mudança de organograma, passei a ser coordenadora geral de tecnologia.

EDUCATRIX Até hoje, é um desafio para as escolas integrar equipes de tecnologia e de educação. Como você lidou com isso no Dante? 

VALDENICE MINATEL As questões eram tratadas de forma integrada; por exemplo, o processo de matrícula. Sempre fui pedagógica, mas dava meus pitacos na área administrativa. No final de 2014, eles me dão o presente de assumir a TI também, e passo a ser coordenadora de tecnologia. Desde 2000, quando definimos o escopo de nossa ação, sempre partimos do princípio de que a tecnologia tinha que dialogar com todas as áreas. Era um trabalho de catequização mesmo. Em agosto de 2018, fui promovida a diretora de tecnologia e recebi o convite para ser diretora pedagógica logo em dezembro. A condição era de que a tecnologia não deixasse de trabalhar integrada à área pedagógica.

EDUCATRIX Essa integração muitas vezes depende de mudanças culturais importantes. Como aconteceu no Dante, para que fosse possível tomar um rumo diferente? 

VALDENICE MINATEL Você tem razão. Nas escolas em geral, a tecnologia sempre é uma área que luta para fazer parte. Aqui não, eles são garotos privilegiados. Treinávamos para ir para as reuniões, fazíamos uma projeção de futuro, um storytelling de projeto. Era mais do que resolver problemas técnicos. Nós partíamos do princípio de que era preciso entender a escola. Não se tratava de um banco, mas de uma instituição educativa. Nosso papel era focar no que importava para o Dante, e o coração de tudo o que acontece aqui é o momento em que professores e alunos se reúnem. Esse momento é único. É um momento idílico. Se um aluno fica aqui oito horas de seu dia, esse tempo precisa ser muito bom, tanto para os alunos como para os professores. Medíamos o tempo de atendimento para tentar diminuir. Chegamos a ter três minutos para a escola toda, e ainda assim sabíamos que estávamos fazendo nada menos do que se esperava. Temos que pensar sempre de forma prioritária em sala de aula. Investimos muito em coerência interna.

EDUCATRIX Como a construção dessa cultura aconteceu, na prática? 

VALDENICE MINATEL Quando me tornei coordenadora, os garotos da TI estavam no porão, quase esquecidos. A primeira condição foi colocá-los juntos. Aprendi em minha jornada a trabalhar de portas abertas. Pensei no ambiente de trabalho dessa equipe, o que significa pensar nos móveis, nos aromas, nas cores, para trazer um conforto, uma boa lembrança. É preciso ter um interesse genuíno pelas pessoas. Tem as telas, o mouse ergonômico, pequenos detalhes que mostram como nos importamos com eles. Assim se criou um ambiente muito favorável. Hoje, aqueles garotos já estão aqui há dez anos. Entraram como estagiários, desenvolveram- se e percebem o trabalho e a inovação como se estivessem construindo suas próprias startups. O aluno tem de produzir tecnologia, não é consumidor. Levei essa lógica também para o time. Temos pouquíssimas soluções terceirizadas. Desenvolvemos muito aqui. Sentimos que tudo o que está rodando eles é que criaram. Assim, começam a ser conhecidos por toda a comunidade escolar. 

EDUCATRIX O resultado é uma escola de 108 anos dando um salto à frente no campo da inovação. Mas como isso se traduz na forma de liderar?

VALDENICE MINATEL A escuta foi um treino que fizemos muito. Nunca chegamos falando em uma reunião. Sempre ouvimos, vamos entendendo o que as pessoas querem, conectando com o que já existe. Há uma inter-relação muito grande. Vamos mostrando como é a tecitura, não ditando regras. Podemos ajudar muito, mas a partir do insumo que os professores dão. A escola bancou isso. Hoje temos um time de desenvolvimento com quatro pessoas, tão grande como a de suporte. São 16 profissionais de TI, contando estagiários e trainee, mais 18 da área de tecnologia educacional. Isso é raro em escolas.

EDUCATRIX E na direção geral, é possível reproduzir essa forma de gestão?

VALDENICE MINATEL Sim, exatamente. Escuto muito, faço muitas reuniões, nenhuma decisão sai apenas de minha caneta. Estou revisitando todos os processos, quero ouvir a todos. É um tempo que estou investindo para sentar junto com cada um. Vou fazendo as perguntas e vou aprendendo. Faço isso também para que as pessoas reflitam sobre o que fazem. Sei que ainda existem aqueles que esperam que a decisão venha de mim, isso é cultural em muitos lugares. Mas eu pergunto sempre: o que você acha? Ainda tenho imagem de brava, mas, nas reuniões, quem trabalha comigo vê que eu dialogo. Estimulo ainda que as equipes se sentem e discutam sem que eu necessariamente esteja presente. Estou tentando dar essa autonomia.

EDUCATRIX Como se equilibra autoridade e autonomia em uma escola?

VALDENICE MINATEL Autoridade o organograma decide, mas autonomia se pode desenvolver. Jogo sempre com a ideia de que todos precisam pensar juntos. A descentralização não se dá da noite para o dia. A cultura organizacional tem poder grande. Temos de respeitar, e ir vendo para onde ela está se movendo e ver como se pode melhorar. O Dante Alighieri tem uma equipe muito boa, e isso ajuda. É uma equipe que gosta da escola, com ex-alunos trabalhando; assim, tudo fica mais fácil. Em todas as mudanças, sempre mantive esse modelo de decisão mais formativa: fazer parte dos meus valores pessoais. Isso é muito mais difícil quando não é mais uma maquiagem democrática. É mais fácil ser autoritário. O desenvolvimento profissional mais pleno acontece no ambiente mais democrático, senão só gera rotatividade, especialmente na área da tecnologia. Por isso, sempre quero criar equipes que se sintam mais do que partes, sintam-se autoras.

EDUCATRIX Nos dias de hoje, ter à frente da gestão profissionais de inovação é um privilégio raro, não é? Afinal, um dos maiores desafios colocados para as instituições é saber mudar…

VALDENICE MINATEL Sem dúvida, trazer alguém de tecnologia para gerir uma instituição centenária é arrojado. O desenho da gestão executiva no Dante é muito bom e trabalhar em uma instituição sem fins de lucrativos é o melhor dos mundos. Sinto- me em um lugar realmente privilegiado. É o propósito no seu estado mais bruto. Arranjei um propósito e de quebra tenho um trabalho. 

EDUCATRIX Há também o aspecto da preparação contínua. Um líder não pode parar de aprender, em um mundo que muda continuamente. 

VALDENICE MINATEL Eu acredito em liderança que estuda. Simplesmente adoro aprender. Vim de família muito simples, que via na educação a forma de fazer a virada. A escola me resgatou de um lugar que nem posso descrever. Vim de um mundo em que a educação era a única forma de ter acesso à informação. O estudo não é importante só porque prepara para a vida exterior. Ele permite que nós sigamos conquistando mundos internos cada vez mais interessantes. A jornada de conhecimento que transforma o mundo e as pessoas é sensacional.

Veja outros conteúdos

Vídeo
Atualização prática para o professor
A formação do aluno começa sempre com o desenvolvimento do professor. Pensando nisso, criamos as Formações Educatrix,…
Artigo
A necessidade de resgatarmos na Educação a comunidade aprendente
Lidar com o cenário da pandemia principalmente na Educação tem sido desafiador ao mesmo tempo que nos apresenta maneiras diferentes de possibilitar novos caminhos a Educação.
E-book
Diálogo: escola-família
Clique em Saiba mais para ler este E-Book na íntegra.
Artigo
A importância dos jogos na educação emergencial
Os jogos sempre tiveram um lugar especial na educação

Gestão escolar na era da BNCC

Gestão escolar na era da BNCC

Da teoria à prática: como a proposta de currículo nacional está transformando a gestão das escolas

Texto Ricardo Prado Ilustração Ricardo Davino

“A BNCC não sai mais das nossas mãos. A cada 15 dias, a equipe gestora senta junto para estudar um pouco”. É dessa forma que Virene Alves de Souza, diretora há sete anos do Núcleo de Educação Infantil Benedito Faustino Malachias, escola municipal de Canaã dos Carajás, no Pará, refere-se à Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O documento homologado no final de 2017 pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), concretizou, apesar das críticas ao longo do conturbado processo de discussão coletiva e aprovação do texto final, uma antiga reivindicação de educadores brasileiros: a proposta de um currículo mínimo, válido para todo o país, com expectativas de aprendizagem divididas por séries, capaz de nortear o trabalho pedagógico nas diferentes redes de maneira mais uniforme, sem perder de vista as especificidades regionais, como prevê a LDB (Lei de Diretrizes e Bases).

A BNCC não é um documento simples, por isso, faz sentido que a aguerrida equipe dirigida por Virene se debruce a cada quinzena sobre ela e discuta ideias e estratégias que colaborem com a formação dos cerca de 700 alunos que a escola atende. A BNCC estabelece dez competências gerais, que vão da aquisição de conhecimentos à participação cidadã na sociedade, do uso ético e responsável das tecnologias de informação e comunicação aos cuidados com o corpo e o meio ambiente, sob as quais se desdobram 117 objetivos de aprendizagem, distribuídos em 35 competências e habilidades específicas de áreas e 49 competências relativas aos componentes curriculares. Para deixar tudo ainda mais complexo, muitas vezes as competências se interpenetram entre as disciplinas. No total, a BNCC traz 1.514 enunciados sobre aprendizagem e desenvolvimento da criança e do jovem. Ou seja, muito trabalho para as escolas se prepararem e colocarem todas essas competências e habilidades em prática até 2020. 

Um documento dessa dimensão, e com pretensões igualmente grandes de influir diretamente no cotidiano escolar, bem poderia se tornar um desses calhamaços produzidos em Brasília que terminam seus dias esquecidos nas prateleiras, com pouca ou nenhuma aderência nas redes, sempre às voltas com problemas urgentes de infraestrutura e condições de trabalho. Mas o caminho da BNCC não parece ser esse. Há muita gente disposta a implementar o que está ali, que, no fim das contas, resultou no consenso possível em termos de expectativas de aprendizagem. Houve uma grande mobilização no mercado editorial, com interpretações e guias de orientação que buscam oferecer chaves de interpretação para as dez competências a serem desenvolvidas ao longo da educação básica, e possíveis caminhos didáticos para implementá-las.

A educadora Tereza Perez, da Comunidade Educativa CEDAC, organização não governamental de São Paulo que há 22 anos se dedica à formação de professores e divulgação de práticas educacionais inovadoras, é organizadora de um livro que surgiu dessa necessidade de auxílio para a reconstrução dos currículos de cada escola com base no currículo nacional. A Base Nacional Comum Curricular na prática da gestão escolar e pedagógica (Cedac/Moderna/Fundação Santillana), sugere, em cada uma das competências, diversas possibilidades de ação no âmbito da gestão escolar, no sentido de tornar mais efetivas as propostas de educação integral contidas no documento oficial.

 

Contexto Sociocultural 

Dentre as ações que uma boa gestão escolar precisa realizar, a pesquisadora enfatiza a necessidade de se observar atentamente o histórico da comunidade na qual a escola está inserida. “Incluir o histórico da comunidade no planejamento escolar não é só dizer: ‘essa comunidade era assim, passou por isso e aquilo, agora ela é dessa forma’. Esse histórico envolve a caracterização cultural, social e étnica dessa comunidade. ‘Qual é a condição de vida que essas crianças têm?’; ‘Qual é a qualidade de vida que elas têm?’; ‘Costumam ter acesso a que tipo de equipamento cultural?’. Se esse contexto sociocultural e econômico é essencial, não basta ter esse conhecimento, é preciso engajar o projeto pedagógico da escola a partir dele”, explica Tereza. “Se na escola metade dos pais e mães são analfabetos, é preciso trabalhar de uma determinada maneira, pois será preciso ter menos expectativas em relação ao acompanhamento que essas famílias possam fazer da aprendizagem de seus filhos, se não sabem ler ou não têm acesso à internet. Por outro lado, pais menos alfabetizados podem se sentir encorajados a se envolver no que os seus filhos estão aprendendo na escola. Em todos os lugares, encontramos potenciais: de pessoas, de histórias de vida, de competências diversas, que podem ser desenvolvidas dentro das ações da escola”, avalia a educadora. 

As famílias hoje se encontram muito solitárias no processo de educação de seus filhos. “A escola pode ter com esses pais um convívio tal que possa provê-los de posturas, de conhecimentos, de formas de relacionamento etc. Se eu tenho na escola não só o propósito de ensinar crianças e jovens, mas também de acolher essas famílias – e por acolhimento eu digo aceitação, conhecimento, compreensão do que vivem essas famílias – só há ganhos nesse sentido, como gestor”, analisa Tereza Perez. 

 

Pai e escola: uma relação baseada em confiança

“Sem os pais, eu não consigo fazer nada”, resume a diretora Sonia de Abreu Barga, gestora da EMEF Professora Hilda Weiss Drenche, de Itapetininga, no interior de São Paulo. Há 15 anos na direção da escola, e há 35 anos na rede municipal, ela atende 497 alunos no estabelecimento, localizado na periferia da cidade, quase na zona rural. Sem contar com vice-diretor nem com coordenador pedagógico, os dois cargos que compõem com a direção o núcleo-duro da gestão escolar, Sonia comanda uma equipe de 21 professores, cinco auxiliares de educação, quatro serventes, quatro merendeiras e uma secretária, atendendo a um público carente, em termos socioeconômicos.

Caso bastante raro na rede, Sonia está na direção da mesma escola há 15 anos, e viu muitas professoras se aposentarem, mantendo assim uma equipe estável. “Já temos clareza, e as análises indicam isso, que um diretor com mais estabilidade na escola, com mais de seis anos na instituição, com uma equipe também mais estável, funciona muito melhor, porque as relações e vínculos vão sendo criados”, observa Tereza Perez. 

Sobre a questão da instabilidade na rede pública, é “extremamente prejudicial à aprendizagem dos alunos. Há impactos na gestão escolar porque, por exemplo, se tenho um professor que tem maior competência na alfabetização, ele deve ficar nas séries iniciais, e quando há instabilidade não se consegue formar uma equipe de acordo com as competências individuais”, exemplifica a pesquisadora da CEDAC. — De acordo com a Lei 9.610/98 é proibida a reprodução total ou parcial desta website, em qualquer meio de comunicação, sem prévia autorização.

Beneficiada pela longa gestão de uma única gestora à frente da escola, a unidade que Sonia dirige se tornou um polo de ações culturais e artísticas na Vila Belo Horizonte, com reflexos na cidade de Itapetininga. A fanfarra escolar, que existe há 11 anos, já formou mais de 300 instrumentistas de percussão, e as classes de flauta contam atualmente com cerca de 100 alunos matriculados. A diretora se orgulha e conta que se esmera desde o primeiro dia de aula em conquistar a parceria das famílias. “Preciso vender o peixe da escola para as cerca de 100 famílias que chegam a cada ano. É preciso saber seduzir esses pais, porque estou à mercê da comunidade, atendo a ela. Se os pais sentem confiança na equipe da escola, então se forma uma parceria muito produtiva”, frisa. Sonia explica como funciona esse encantamento. “Chamo todos os pais à escola, dou as boas-vindas e agradeço a confiança deles em colocarem os filhos conosco. Depois, apresento quem são os funcionários, as merendeiras, as serventes, todo mundo… fazemos questão que todos sejam tratados aqui pelos seus nomes. Nesse dia, também acertamos com os pais os combinados de entrada e saída das crianças, e depois os pais entram nas salas de aula com seus filhos para uma apresentação do professor da turma. A escola enche de gente nesse dia, é muito legal”.

O dia da Feira de Ciências é outro momento em que a escola se torna o lugar mais agitado do bairro, e talvez da cidade. Trata-se de um projeto didático desenvolvido pela escola há dez anos, e que tem sua culminância no fim do ano, quando as famílias descobrem, espantadas e incrédulas, o que seus filhos aprenderam/inventaram: são experiências de física e robótica, ou representações de questões ambientais, expostas pelos próprios alunos, que se postam diante de seus estantes e apresentam seus experimentos. Tornou-se um evento aguardado o ano inteiro e que, atualmente, conta com apoio científico do Instituto Federal de São Paulo, instituição de ensino superior que direciona alguns alunos para orientar os trabalhos e pesquisas dos estudantes da escola. Para gerir o projeto didático, Sonia escolhe anualmente um professor que assume a coordenação da feira, e um professor-gerente para cada série. Essa equipe faz reuniões periódicas para conferir se o que foi planejado está sendo cumprido.

 

O círculo virtuoso do planejamento

A atenção ao planejamento faz parte do cotidiano da gestora Virene em sua escola em Canaã dos Carajás. Tudo começa com uma avaliação diagnóstica das turmas no início do ano, tabulada sala por sala, período por período, até se chegar ao diagnóstico geral. “O quadro geral nos permite ver como as crianças da escola estão em termos de aprendizagem; o recorte por turnos permite um olhar mais minucioso; quando se chega à sala, aí se individualiza. Nosso planejamento anual sempre é feito a partir do diagnóstico inicial”.

O passo seguinte é montar um Plano de Metas e Ações, contemplando os campos de experiências nas quais se inserem as aprendizagens da Educação Infantil. “Ao longo de todo ano estamos indo e vindo do planejamento ao plano de ação; depois do plano de ação para o planejamento, sucessivamente. Ao fim de cada bimestre, avaliamos o que deu certo e o que precisa melhorar”, explica Virene sobre esse movimento circular que qualifica constantemente o que foi planejado, acrescentando que a cada quinzena há um tempo de formação com os professores.

 

“Óculos humanizadores” 

“Estamos vivendo um momento em que se torna especialmente necessário usarmos ‘óculos humanizadores’, com uma lente mais humana para olharmos a pessoa ao lado”.

Delegar funções, como o caso de definir as responsabilidades de cada um no andamento de um projeto didático, propiciar um ambiente de trocas e aprendizagens entre o corpo docente e articular parcerias produtivas com diversos atores sociais ao alcance da escola estão entre as funções mais importantes de um gestor escolar. No caso da escola de Itapetininga, além do apoio dos universitários, Sonia usa e abusa dos psicólogos e assistentes sociais que a Prefeitura disponibiliza. Isso porque sua escola tornou-se uma das mais acolhedoras da cidade, e é para lá que o Conselho Tutelar gosta de mandar crianças que necessitam de alguma atenção especial. É para lá que são encaminhados alguns casos de crianças que sofreram abusos, que não se adaptaram em outras escolas da rede ou que saíram por conta de bullying. Em relação a esse problema, os alunos chegam ao lugar certo. “O bullying é uma brincadeira que machuca, esse é o nosso slogan aqui. Fazemos campanhas, de janeiro a janeiro, com a participação dos alunos do 5º ano, que criam cartazes para se comunicar com os menores. Quando há uma situação concreta, nós chamamos as crianças para conversar, em alguns casos a família também. Se um pai vem reclamar comigo, procuro resolver de imediato”, assegura a diretora.

Para Tereza Perez, se a escola estiver bem atenta ao que está acontecendo com suas crianças, em termos de relacionamentos, a tendência do bullying é diminuir muito. “O maior problema é a idealização do aluno: deseja-se um aluno que seja atento, que faça tudo o que se pede, que seja crítico, colaborativo, todos os lindos adjetivos que temos para uma pessoa ideal. Mas só dois ou três na classe se encaixarão nesse modelo. O restante passa, então, a ser criticado, e culpabilizado, junto com suas famílias, por não ser daquele jeito idealizado. E, normalmente, os mais bagunceiros, que são os líderes da classe, costumam ser brilhantes. Eles têm inovações, conseguem conduzir um grupo, e têm competências de liderança que não estão sendo valorizadas. É preciso sempre olhar para o potencial mais positivo de cada aluno. A padronização e a expectativa única nos desqualificam enquanto educadores”, observa Tereza Perez.

No caso do gestor escolar, não é diferente. Existe uma projeção, uma espécie de espelho para os próprios educadores. “Nós também idealizamos o professor ideal, o gestor ideal. É preciso lidar com as pessoas reais, com aquele diretor que pode ter várias falhas, mas que tem aspectos legais, com um coordenador que tem suas falhas, mas também tem competências. Nós estamos vivendo um momento em que se torna especialmente necessário usarmos ‘óculos humanizadores’, com uma lente mais humana para olharmos a pessoa que está ao lado. Como diz um amigo, ‘errar é humano, e pôr a culpa nos outros nem se fala!’”, finaliza a educadora.

 

Para saber mais 

Veja outros conteúdos

Vídeo
Atualização prática para o professor
A formação do aluno começa sempre com o desenvolvimento do professor. Pensando nisso, criamos as Formações Educatrix,…
Artigo
A necessidade de resgatarmos na Educação a comunidade aprendente
Lidar com o cenário da pandemia principalmente na Educação tem sido desafiador ao mesmo tempo que nos apresenta maneiras diferentes de possibilitar novos caminhos a Educação.
E-book
Diálogo: escola-família
Clique em Saiba mais para ler este E-Book na íntegra.
Artigo
A importância dos jogos na educação emergencial
Os jogos sempre tiveram um lugar especial na educação