A sala de aula como contação de histórias

A sala de aula como contação de histórias

“Mar de Histórias” é a expressão usada em sânscrito (Kathâsaritsâgara) para se referir ao universo das narrativas. Ao transitar por rotas imaginárias, lembre-se da metáfora do mar: é preciso ter um caminho e manter um leme firme, mas é essencial saber que as águas podem ser muito tranquilas, mas também se transformar em verdadeiros maremotos. Esta é a aventura literária da qual fazem parte o mestre e seus alunos: é preciso coragem para trafegar por mundos imaginários, porém, as viagens serão sempre cheias de descobertas. 

Ilustração: Ricardo Davino

A capacidade de imaginar, de pensar simbolicamente e comunicar nossos pensamentos é uma característica exclusiva da nossa espécie. Os seres humanos contam histórias desde sempre; é uma forma ancestral de partilhar conhecimentos às novas gerações. Por isso, a força que uma boa história exerce sobre nós é inegável. 

Volta e meia temos lembranças saudosas das histórias que ouvimos na infância, seja em casa ou na escola, assim como guardamos carinhosamente na memória como foi a primeira leitura literária, ou nos vemos diante de uma enorme dificuldade para interromper um bom livro, cuja narrativa nos prende de uma forma muito envolvente. 

O contar histórias, ou storytelling em inglês, historicamente, sustentou-se de maneira fundamental como uma arte lúdica e um poderoso instrumento de formação da identidade cultural e socioafetiva dos sujeitos. Além de oferecer entretenimento, a contação de histórias nos permite conhecer, imaginar e refletir sobre a vida e as relações e, dessa forma, construir uma visão de mundo.

Um povo que escuta, conta e reconta as mesmas histórias possui valores e visões semelhantes, já que tais elementos são frutos da acumulação de fatos que determinada nação tem como verdade. Daí a importância que uma boa história possui para criar em nós uma sensação de pertencimento ao grupo e de identificação com o coletivo. Essa junção de histórias, valores e visões de mundo geram o “nós”, que não existe sem o “eu” e o “outro”. 

A contação de histórias é fonte de comunicação, apropriação e disseminação de conhecimentos, bem como um veículo de registro dos seres humanos no mundo. É na criação e na contação de histórias, derivadas de registros orais e escritos, que nós, humanidade, encontramos um dos mais eficientes modos de difundir nossos pensamentos e de imprimir nossas marcas. 

 

O termo storytelling 

Se a contação de histórias é originalmente uma antiga arte humana de troca de experiências, realizada por diferentes povos, em diferentes tempos e espaços, por que o termo em inglês storytelling soa relativamente novo?

Embora para muitas pessoas o conceito de storytelling pareça novo, o hábito milenar ganhou espaço como ferramenta estratégica no mundo dos negócios, sobretudo na década de 1990. Nesse período, a publicidade e a comunicação precisavam inovar para causar impacto: numa era altamente tecnológica, tornou-se essencial incorporar às estratégias de marketing elementos que gerassem empatia e maior conexão com as pessoas, além de dar mais destaque às marcas. É assim que o storytelling passa a preencher vazios de ferramentas desgastadas para reter a atenção do público e dá novos contornos à comunicação. 

Na década de 1990, o storytelling passa a ser amplamente estudado nos Estados Unidos como estratégia de comunicação. À época, os fundadores do Center for Digital Storytelling desenvolveram um processo único de treinamento e artes digitais, com forte colaboração da multimídia teatral, conhecido como o Digital Storytelling Workshop. (LAMBERT, 2020) 

Desde então, houve também a fundação do Storycenter, que estuda e dissemina as metodologias que ajudam na construção de uma boa história. Assim, o termo Digital Storytelling ganha mais espaço com a prática sendo apresentada a empresas e instituições, em âmbito mundial. 

O hábito de contar histórias por meio de pinturas, ao redor da fogueira ou numa roda de histórias na escola permanece, mas a intenção da sua criação, a capacidade de informá-las e distribuí-las mudou significativamente com a sua publicização nas mídias sociais como produto. 

O que nos interessa aqui é que o storytelling é uma estratégia rica em elementos da narrativa cuja estrutura é muito viva para a nossa sociedade e, portanto, diante do atual cenário educacional, sua apropriação na esfera pedagógica torna-se indispensável. 

 

De Aristóteles a Campbell: para além do “era uma vez” 

Contar uma história não é algo banal, assim como não é qualquer pessoa que cria uma história ou faz uma contação de forma eficaz. As narrativas pautadas no storytelling seguem uma estrutura específica de apresentação dos fatos. É possível criar histórias a partir de diferentes temas, reais ou fictícios, desde que arranjados na ordem correta e que, com eles, se saiba fazer uma boa costura. 

O storytelling como o conhecemos está pautado nas seis partes constitutivas da tragédia aristotélica: enredo (mythos), caracteres (ethe), elocução (lexis), pensamento (dianoia), espetáculo (opsis) e música (melopoiia), encontrados no livro Poética (aristóteles, [1965] 2008, p. 13), em que se apresentam as primeiras teorizações sobre narrativas. Veja a seguir:

Além dos elementos citados, a ambientação ou o ambiente físico em que as personagens atuarão merece destaque. A narrativa eficaz não ignora o cenário, já que, muitas vezes, ele fortalece as interações entre os personagens, nos conta sobre motivações e comportamentos, bem como caracteriza oportunidades ou obstáculos presentes na trama.

Assim como na estrutura narrativa aristotélica, os elementos de uma história são facilmente reconhecidos tanto na tradição oral, quanto no romance moderno ou no cinema. Como são intrínsecos a nossa cultura, é algo que cativa. Por isso, é praticamente impossível nos depararmos com estudos de storytelling que não tenham base em Aristóteles. 

No mundo contemporâneo, os roteiros de storytelling estão pautados no conceito da Jornada do Herói ou Monomito, de Joseph Campbell. O antropólogo, por meio de amplos estudos de mitos e lendas, encontrou um padrão repetido nas narrativas de diferentes povos. Esses estudos foram publicados no livro O herói de mil faces, amplamente popular por volta da década de 1980.

A seguir, temos uma síntese das doze etapas da jornada do herói de Campbell, que sustentam aquilo que o autor chamou de mito único ou monomito:

Segundo Campbell, o caminho comum da aventura mitológica é representado pela sequência: partida > iniciação > retorno. O herói começa sua aventura de mundo cotidiano em direção a uma região de maravilhas sobrenaturais, enfrenta forças fabulosas e consegue uma conquista decisiva. Ao final, ele retorna de sua emblemática aventura com uma força descomunal, com a capacidade de ofertar a seus irmãos diferentes mimos, sonhos, esperanças e materialidades. 

Em 1998, Christopher Vogler, então roteirista da Disney, redigiu um memorando intitulado Um guia prático para o herói de mil faces, como base para a construção de um método de estrutura narrativa. Nele, o autor descreve “[…] o conjunto de conceitos conhecido como “Jornada do Herói”, extraídos da psicologia profunda de Carl G. Jung e dos estudos míticos de Joseph Campbell”. 

O guia, conhecido como a Jornada do Escritor, tenta relacionar as ideias dos autores às narrativas modernas e expõe doze etapas em que facilmente observamos os elementos das estruturas vistas anteriormente: 

Apesar de ter escrito um guia, Vogler sempre fez questão de destacar que se trata de uma forma, não uma fórmula. Portanto, partimos do princípio de que as histórias têm forma, têm fórmula e intencionalidade; têm começo, meio e fim e, até mesmo essa clássica tríade, a depender do autor, pode variar.

 

Como reconhecer as etapas do storytelling numa obra

Até aqui, pudemos conhecer a constituição conceitual, histórica e metodológica do storytelling. Para facilitar a compreensão da estrutura narrativa, mostramos esquemas com uma facilitação visual que aborda o que vimos de forma prática. 

Um exercício muito proveitoso, que nos ajuda na apropriação dos conceitos, é analisar determinada obra e enquadrá-la numa lógica narrativa. A seguir, fizemos uma análise básica do filme Pantera Negra, dividindo-o nos três atos previstos por Vogler (2006). 

Que tal você escolher uma obra de sua preferência e fazer esse exercício? Você pode usar quaisquer dos esquemas apresentados ou ampliar suas pesquisas sobre as jornadas e visualizar a narrativa dentro das etapas. Depois disso, sua vida nunca mais será a mesma! 

 

O potencial educativo do storytelling: O professor como storyteller

Se você é professor, já é um contador de histórias! Ser professor envolve, mesmo que indiretamente, atuação e dramaticidade, assim como um planejamento pedagógico que tem um conteúdo a ser narrado, com começo, meio e fim. Portanto, o Storytelling está presente nas salas de aulas, mesmo fora dos momentos de contação de histórias.

Quando nós, professores, priorizamos aulas que engajam as pessoas, as convidamos a se envolverem de diferentes formas, seja na contação da fábula A cigarra e a formiga, seja numa aula sobre o impacto do CO2 na atmosfera ou a forma como se aplica a fórmula de Bhaskara na vida real. Numa “aula contada”, chamamos os envolvidos a contribuírem com perguntas e respostas, fazerem sugestões, acrescentarem ideias, tudo para que compreendam e se apropriem dos conceitos apresentados e construam novos conhecimentos. 

Desenvolvemos aulas com um conjunto de técnicas características da estrutura das narrativas. Para tanto, trazemos ilustrações, elaboramos um cenário — mesmo que apenas narrado —, alternamos o tom e intensidade da nossa fala, andamos pela sala, gesticulamos, fazemos caras e bocas, e interagimos com os alunos, esperando deles atenção e encantamento. Não raro, as aulas ministradas com esse foco viralizam, tornam-se inesquecíveis, tal como as mais conhecidas histórias! Envolver os estudantes por meio do storytelling acrescenta valor ao trabalho pedagógico, que se torna dialógico, criativo e humanizado. Com ele, é possível: 

► ampliar os espaços para rodas de conversas e interações;

► auxiliar o estudante a dar sentido e a buscar novas leituras;

► incentivar o aluno a fazer releituras e criar suas próprias histórias;

► estimular o exercício espontâneo da escrita;

► desenvolver a escuta ativa;

► despertar o desejo de interpretar textos e dramatizar ideias;

► incentivar a expressão e comunicação oral;

► desenvolver um trabalho de qualidade, com resultados positivos, independentemente do nível de escolaridade. 

Utilize o storytelling como uma prática educomunicativa para comunicar soluções, ideias e proposições. Ao colocar os estudantes diante de uma situação-problema, eles podem esboçar uma ideia, registrá-la, construir uma personagem para contar a história, mostrando, dentro de uma estrutura narrativa, a saga do herói na implementação da solução que encontraram. Para isso, precisam se perguntar: de que forma vamos comunicar a ideia? Com quais instrumentos? Quem é quem nessa produção? Que jornada é essa? 

Obviamente, dada a diversidade do universo narrativo, não há uma fórmula absoluta para o desenvolvimento da arte de contar histórias. No entanto, como vimos, há um padrão que pode ser seguido, cujas etapas devem ser adaptadas, tornando factível a possibilidade de criação de uma história única.

A contação de histórias, portanto, é uma estratégia pedagógica diferenciada e, uma vez em sintonia com a realidade da turma, suas necessidades e expectativas de aprendizagem, suas temáticas de interesse e, principalmente, suas potencialidades, otimiza o processo educativo de maneira lúdica e emancipatória. 

Já que ensino e aprendizagem caminham juntos, a contação de histórias exerce um papel fundamental no desenvolvimento intelectual e de humanização de educador e educando. Ao despertar o interesse pela leitura e escuta de textos, ao contar um conteúdo e ao provocar os estudantes a criarem suas narrativas, a imaginação é acionada, favorecendo o desenvolvimento da comunicação e de interação entre narrador e espectador. Como consequência, surge uma interação sociocultural que, por vezes, resulta no intenso e imediato interesse de ouvir e recontar histórias para o mundo a fim de preservá-lo e transformá-lo. 

 

PARA SABER MAIS 

  • ARISTÓTELES. Poética [1965]. Lisboa: Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. 
  • CAMPBELL, J. O herói de mil faces. Tradução de Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Pensamento/Cultrix, 1989. 
  • CAMPBELL, J. Os primeiros contadores de histórias. História e antropologia, 2005, v. 6 fev.-jul. 2015. Disponível em: mod.lk/0VtkK. Acesso em: 9 jul. 2020. 
  • LAMBERT, J.; HESSLER, B. Digital storytelling: story work for urgent times. 6. ed. Berkeley: Paperback, 2020.
  • PIETRO, H. Quer ouvir uma história? Lendas e mitos no mundo da criança. São Paulo: Angra, 1999.
  • VOGLER, C. A jornada do escritor: estruturas míticas para escritores [1998]. Tradução de Ana Maria Machado. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

Julci Rocha 

é fundadora e diretora da Redesenho Educacional. Mestre em Educação: Currículo pela PUC/SP, pós-graduada em gestão educacional, design educacional e educação inovadora. Licenciada em Letras pela USP. Integra o time de docentes da pós-graduação e extensão do Instituto Singularidades. Tem experiência em gestão de programas inovadores em redes públicas e privadas, com experiência em instituições importantes como Instituto Paulo Freire e Fundação Lemann. Atua na formação inicial e continuada há 10 anos, com destaque para as metodologias ativas e cultura digital.

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É hora de vestir as nossas capas e enfrentar os novos tempos da educação.

Superhero Family, Parents and Kids in Super Hero Costumes Isolated on White Background. Mother, Father, Daughter and Son, Wonder Mom, Super Dad and Children Heroes. Cartoon Flat Vector Illustration

Você já parou para pensar o quanto sua vida é um conjunto de diversas histórias? Reflita por alguns segundos para imaginar um breve roteiro sobre a sua trajetória, reunindo passagens engraçadas, algumas perdas, conquistas e, sem dúvida, muitos aprendizados. Se eu lhe convidasse a ir mais além, você, sem dúvida, seria capaz de escrever uma trilogia apenas sobre a sua infância, conseguiria narrar vitórias e detalhar obstáculos que fizeram a sua jornada ser tão peculiar e exclusivamente sua. 

Nesse exercício de revisitação, pense agora em alguns ciclos vivenciados por você na educação: seja uma mudança de escola ou uma reforma educacional. Quantas vezes se viu desafiado por alguém ou por uma situação? A partir disso, quantas vezes tomou coragem para ampliar seus conhecimentos e desenvolver habilidades que o ajudassem a reverter tal situação? Quantos aliados e amigos encontrou pelo caminho? E, enfim, quantas vezes venceu o seu “inimigo” e se tornou herói de suas conquistas? 

Podemos fazer um paralelo dessas fases e etapas com a teoria do monomito ou jornada do herói, proposta pelo norte-americano Joseph Campbell em seu livro O herói com mil faces. De acordo com Campbell, histórias que marcaram gerações, como O senhor dos anéis, Star Wars, Harry Potter, Jogos Vorazes e até mesmo contos da mitologia grega têm em comum o percurso de transformação do homem comum em herói, com todas as provações que surgem no meio do caminho.

Assim como a proposta de Campbell, nossas jornadas diárias têm começo, meio e fim. Percorremos um caminho longo entre os objetivos traçados, a aceitação de novos desafios, todos os encalços para vencer cada etapa de aprendizagem para, enfim, chegar a conquistas. Em cada estágio desse ciclo, desenvolvemos competências necessárias para seguir em frente, aprendemos a reconhecer nossos aliados e a perceber outros chamados para novos desafios. 

A história do livro didático no Brasil foi assim também. Surgiu do desafio de reunir conteúdos sobre determinada área de estudo, para ser um companheiro do professor na missão de educar. No seu próprio caminho, encontrou fieis aliados que compuseram suas páginas, pensaram em seu formato e o levaram a alunos em todo o país. A cada nova turma, a cada novo ano, jovens e professores embarcavam por suas páginas e viviam grandes aventuras pelo universo do conhecimento.  

Como todo o herói, o livro sempre foi chamado a novas jornadas. Em seu caminho, ganhou cores e imagens, novos formatos, abordagens, infografias, passou por revisões e reformas ortográficas, políticas e pedagógicas, sempre se aprimorando para acompanhar as necessidades dos tempos que ainda estavam por vir. Bimestre a bimestre, ano a ano, mudança a mudança, o livro sempre contou com aliados que acreditavam em sua força e na sua importância como uma ferramenta de renovação da sociedade. 

Quando as novas tecnologias ameaçaram as folhas impressas, o livro juntou forças com seus amigos e mais uma vez soube se adequar às necessidades dos que precisam dele. Ao invés de tentar derrotá-las, adaptou-se às linguagens que o novo mundo pedia, ganhou uma nova roupagem em versões digitais, abriu espaço para barras de rolagens, interações, zooms e elementos audiovisuais que complementaram seus conteúdos, melhoraram a experiência de uso e juntaram forças na missão de formar as  próximas gerações.

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Em tempos pautados por mudanças tão imediatas e, muitas vezes, imprevisíveis, o livro permanece vivo no folhear de suas páginas ou no passar de dedos em uma tela. Ao lado de seus aliados em todo o Brasil, segue lutando por uma educação que transforma e ajudando milhares de jovens a enfrentar seus medos e acreditar em seus projetos de vida. 

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EDUCAÇÃO NO SÉCULO 21

Como escolas e educadores no mundo todo estão repensando suas práticas, procurando inovar e aproximar suas salas de aula da sociedade contemporânea? Esta publicação discute a educação dentro do contexto brasileiro e traz iniciativas e projetos desenvolvidos no Brasil pelo Google for Education para inspirar as instituições de ensino que querem transformar suas práticas pedagógicas, a partir da formação de seus alunos e professores. SAIBA MAIS Livro digital gratuito disponível em http://mod.lk/smart

 HANGOUTS MEET 

 
A plataforma de compartilhamento do Google permite videochamadas com até 250 participantes e está com todos os recursos avançados disponíveis gratuitamente até 1o de julho de 2020. ACESSE EM http://mod.lk/faveduc
 

POPPLET 

 
 
A ideia é formar um mapa mental de determinado tema, sendo possível criar remota e coletivamente uma apresentação dinâmica sobre qualquer assunto. O aplicativo é também usado para construir “tempestade de ideias” em grupos. ACESSE EM https://popplet.com/
 

ONENOTE  

Ferramenta de produção e compartilhamento de conteúdos desenvolvida pela Microsoft, o OneNote permite criar lições interativas, com orientações em áudio e texto, e inserção de comentários do professor sobre as lições de casa. ACESSE EM http://mod.lk/favedc2

 

FLIPGRID 

Cada tema é tratado em uma “grade”, que serve como ponto de encontro da turma. Ali, o professor vai agregando reflexões, vídeos, palestras e textos, podendo interagir com os alunos, por áudio ou vídeos curtos. ACESSE EM https://flipgrid.com

 

WEBQUEST

 
Trata-se de uma metodologia de pesquisa que usa os próprios recursos da internet e que vem sendo usada por educadores há mais de uma década. Cria-se um roteiro de aprendizagem sobre determinado tema e os alunos aprendem enquanto o completam. Veja um exemplo a seguir com o tema Biodiversidade. ACESSE EM http://mod.lk/favbio

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Especial Metodologias ativas | Aplicando estratégias na prática

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Como aplicar estratégias que tornem os alunos parceiros na construção de aulas mais atrativas? 

 
 
O professor tenta exaustivamente explicar o conteúdo seguidas vezes, muda o ponto de vista, muda o esquema exposto na lousa, exemplifica de duas, três, quatro formas diferentes. A cada pausa, chama a atenção de diferentes grupos de alunos, que insistem em não prestar atenção. Alguns conversam, alguns mexem nos seus celulares, outros fazem tarefa de outra disciplina, outros ainda simplesmente permanecem com o olhar vazio de quem faz força para manter os olhos abertos no início da manhã. Já transpirando e quase rouco de tanto aumentar o tom de voz, o professor chama a atenção de um aluno que ri alto, distraído com alguma piada contada no fundo da classe.
 
“– Fica de boa, profe. Depois eu vejo isso aí no YouTube.” A cena em questão é real e aconteceu comigo, mas com certeza se repetiu muitas vezes e ainda se repete em diversas salas de aula ao redor do mundo. No meu caso, foi um divisor de águas para minha prática docente. Depois de quase espumar de raiva diante da insolência, do desrespeito, parei e pensei: ele tem razão. — De acordo com a Lei 9.610/98 é proibida a reprodução total ou parcial desta website, em qualquer meio de comunicação, sem prévia autorização.
 
O professor e palestrante indiano Sugata Mitra, em sua apresentação na Campus Party de 2012, afirmou categoricamente que um professor que possa ser substituído por uma máquina deve ser substituído. E, tirando todo o mal-estar que essa declaração pode nos causar, fica muito mais fácil entender o ponto de vista do meu aluno quanto ao que eu estava fazendo naquele momento. O que a minha aula oferece que a faz ser melhor que as videoaulas superenvolventes ao alcance das mãos dos meus alunos? Meu aluno consegue controlar o professor do vídeo ao toque do seu dedo. Ele pausa, volta, explica de novo. O professor do vídeo não fica bravo se o aluno dorme no meio da explicação, nem se ele resolve trocar a aula por um joguinho para continuar depois, nem se ele não anota ou não faz o exercício. E o professor do vídeo não impede o aluno de comentar com os colegas o último episódio de Game of Thrones. Mas então, como competir com o professor do vídeo? A resposta é muito simples: oferecendo ao aluno uma experiência com a qual o professor do vídeo não consegue competir.
 

Inversão da sala de aula com um tempero a mais 

A ideia de inversão de sala de aula não é nada nova, mas ganhou fôlego novo com a nova geração de EduTubers. Toda aquela explicação maçante e que não depende de interação, exatamente aquela parte da aula que meu aluno preferiu assistir no YouTube, pode ser passada como lição de casa. E a lição de casa tradicional – os exercícios – nós trazemos para a sala de aula. Dificilmente você nunca ouvir falar disso, mas como tornar essa experiência verdadeiramente enriquecedora para os seus alunos? 

 

01 – A escolha do vídeo de preparo prévio 

#CAPACIDADEDEPESQUISA #RACIOCÍNIOCRÍTICO #CIDADANIADIGITAL

A internet tem muita informação, mas isso não significa que essa informação toda tem qualidade. A escritora Martha Gabriel compara a nossa prática de buscar respostas na internet com a prática dos gregos de buscar respostas em oráculos. A resposta pode até estar lá, mas quase nunca será direta, objetiva e perfeitamente confiável. O seu aluno vai buscar essas respostas com ou sem a sua ajuda. Então, o melhor que podemos fazer como educadores é ajudar nesse caminho.
 
A solução mais óbvia para o professor seria assumir a pesquisa e curadoria do material. O próprio YouTube nos ajuda nesse sentido com o YouTube EDU (youtube.com/edu), que é um portal que reúne conteúdo de uma infinidade de criadores e que passam por uma curadoria refinada de acadêmicos das mais diversas áreas numa parceria do Google com a Fundação Lemann. Mas, se a ideia é justamente centrar o processo de aprendizado no nosso aluno, por que não permitir que ele se responsabilize por isso também?
 
E se, ao invés de investir meu tempo em pesquisar os melhores vídeos de um determinado conteúdo, eu dividisse os alunos em grupos e destinasse a cada um desses grupos a responsabilidade pelo material de referência para a turma? Eles podem fazer a pesquisa ou mesmo produzir os próprios vídeos. Pode aparecer algum vídeo ruim, com falhas conceituais? Pode, claro. Mas a principal característica de um professor disposto a inovar em suas práticas é a compreensão de que o erro não é algo a ser evitado, mas sim uma valiosa oportunidade de aprendizado. Discuta o erro, construa junto com seus alunos uma discussão a partir da qual todos entendam os princípios do conceito e quais as falhas identificadas no material.
 
Mas como verificar se os alunos se prepararam ou não? Podemos pedir resumos no caderno ou perguntar oralmente, mas tenha em mente que a melhor estratégia será sempre reforçar positivamente os estudantes que se prepararam. Esse é um processo contínuo, ou seja, não vai acontecer do dia para a noite. Sempre que possível destaque os alunos preparados durante a aula para que os outros entendam que eles estão perdendo mais do que nota quando não se preparam.
 

Uma possibilidade interessante é apresentada pelas perguntas abertas no Google Classroom. Podemos criar uma pergunta em que os alunos enxergam as respostas uns dos outros e podem inclusive comentar o trabalho dos colegas. Lembre-se de que não precisa estar certo. Nessa fase do processo, muito mais desejado que um trabalho perfeito é um trabalho feito.

 

02 – Trabalho em pares 

#EMPATIA #FIXAÇÃODECONTEÚDOS  

A explicação foi transferida para a lição de casa. O aluno vai assistir a um vídeo e fazer um resumo ou responder uma pergunta. Em determinados pontos do seu planejamento, ele vai inclusive ser responsável pelo preparo prévio da turma inteira. Chegou a hora de pensar em como será a experiência na sala de aula. O que a sua sala de aula tem que o professor do YouTube não tem? O celular tem touch screen, mas a sala tem touch skin.

A sala tem outros estudantes ao vivo, tem contato, colaboração. E se o que seu aluno quer é interagir com os colegas, forneça para ele uma experiência que propicie essa interação de modo a construir conhecimento.

Um diagrama muito ilustrativo sobre a forma como retemos os conteúdos acadêmicos, embora falsamente atribuído a William Glasser, é a Pirâmide de Aprendizagem. Enquanto o topo da pirâmide nos aponta uma aprendizagem pífia, quando apenas lemos, a base nos apresenta um aprendizado muito mais amplo quando ensinamos aos outros. — De acordo com a Lei 9.610/98 é proibida a reprodução total ou parcial desta website, em qualquer meio de comunicação, sem prévia autorização.

Algo que eu aprendi na prática, muito antes de conhecer a Pirâmide de Aprendizagem, é que quando juntamos dois alunos com níveis muito diferentes de compreensão de um determinado assunto e um explica para o outro, quem mais ganha com a experiência é quem explica. O ato de refletir sobre o que se está aprendendo, estruturar as ideias e elaborar um jeito de passar para o colega faz com que o explicador adquira inevitavelmente uma compreensão superior do conceito em questão.

Quando o aluno assiste a uma palestra dentro da sala de aula para tentar fazer os exercícios em casa, qualquer fragilidade na compreensão dos conceitos apresentados em sala se transformará numa barreira intransponível quando se encontrar sozinho diante desse desafio. Trazer para a sala esse momento e contar com a interação entre pares para o desenvolvimento da prática dos conceitos apresentados traz para perto do professor as dúvidas e humaniza o processo, algo que a princípio é uma ideia contraintuitiva quando falamos do uso de vídeos educacionais. 

03 – Avaliação compartilhada

#METACOGNIÇÃO #RESPONSABILIZAÇÃOCOLETIVAPELOPROCESSO 

Quando falamos de avaliação, pensamos quase que imediatamente em provas. Uma prova avalia de maneira questionável o conhecimento adquirido pelo aluno, normalmente ao final do um processo. E quanto à avaliação entre pares? E se os alunos pudessem também avaliar o seu trabalho ou mesmo a experiência como um todo? O consultor educacional Cadu Braga diz em suas palestras que temos todos os dias os melhores consultores educacionais disponíveis em nossas salas de aula, sentados à nossa frente. Então, não faz sentido que desperdicemos essa expertise ignorando o que ela pode nos oferecer.

No início do processo, podemos pedir para que os alunos, por exemplo, avaliem o quanto o material do preparo os ajudou a compreender o conceito apresentado. Mais tarde, nos exercícios em duplas ou grupos, podemos pedir que os alunos avaliem seus colegas. E, ao final, que autoavaliem seu envolvimento e seu domínio do conteúdo. Não faz sentido resumir essas perguntas apenas a notas e, se houver a oportunidade, cabe discutir com eles inclusive quais são as perguntas que definem melhor o que vocês querem saber. Ferramentas digitais como o Formulários Google ou o Survey Monkey podem ajudar, mas uma caixa de coleta de avaliações escritas em papel já resolve a questão. Qualquer que seja o suporte de sua avaliação, discutir os critérios e resultados são momentos cruciais, já que o motivo central de todo esse esforço está justamente em fazer com que o aluno reflita sobre a experiência de aprendizado oferecida e, ainda mais importante, o seu processo individual de aprendizado. 

 

Não planeje aulas 

Antes de começar a pensar nos conteúdos, nos vídeos ou nas tarefas, é preciso fazer uma reflexão profunda sobre nosso papel como professores. O que significa ser um bom professor? Assim como as comédias românticas, em geral, distorcem nossas expectativas sobre o que esperar de um relacionamento, as cenas de sala de aula do cinema nos fazem sonhar com alunos vidrados e admirados com nossos discursos eloquentes, sempre finalizados com salvas de palmas. Mas ser um bom professor é, acima de tudo, promover experiências de aprendizado eficazes para seus alunos. E, se é esse o objetivo, não faz sentido que nosso planejamento esteja focado nos conteúdos, nos exercícios que serão realizados ou na prova que os alunos terão de fazer no final do bimestre. Essas coisas todas são importantes, mas não são fins: são meios.
 
Precisamos fazer nosso planejamento do ponto de vista do aluno. Não dos conteúdos, mas da experiência que fornecemos. O que esse aluno fará no tempo que passará com você?
 

Esteja pronto para a resistência

Se você já iniciou suas incursões em meio à inovação no ensino, com certeza, já se deparou com resistências. Mas talvez a resistência mais doída para o professor é a dos alunos, e você tem que estar preparado para ela. O princípio mais básico das metodologias ativas é que os alunos devem estar fazendo algo, não apenas passivos diante de explicações e exemplificações. Mas trabalhar, de fato, dá trabalho. Ponha-se no lugar de seus alunos: você também reclamaria se de repente lhe fizessem trabalhar mais apenas confiando que isso é o melhor para você.
 

Compartilhe, compartilhe, compartilhe!  

Por fim, precisamos entender que acabou o tempo de trabalhar sozinho. Tente sempre que possível fazer com que o produto do seu trabalho e também o de seus alunos seja algo passível de ser compartilhado. Quando um aluno sabe que seu trabalho será compartilhado com o resto da sua turma ele quase que magicamente passa a se importar mais com o resultado. E, de forma semelhante, quando você compartilha seu trabalho com colegas, quase que magicamente sua coragem é multiplicada. 
 
Tiago Bevilaqua
É professor desde 2006 com experiências desde o Ensino Fundamental 2 até o pré-vestibular. É consultor em Tecnologia Educacional pela RedeXplica e possui certificação Google Certified Teacher e Google Innovator.
 
Para saber mais
  • Sugata Mitra na Campus Party 2012 youtu.be/BBzDOS5UrG0
  • Martha Gabriel com Marcelo Tas: A Era da Busca: oráculos digitais youtu.be/n150AZ0Jetg
  • Ted Talks – Let’s use video to reinvent education, Salman Khan youtu.be/nTFEUsudhfs
  • Formulários Google para professores goo.gl/dQwTKK
  • Compartilhamento de prática – Trabalho em grupo com moderação e avaliação compartilhada youtu.be/pv37LxRuzi4

Por – Tiago Bevilaqua

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Especial Metodologias ativas | O fim do aluno nota 10

Especial Metodologias ativas | O fim do aluno nota 10

Novos modelos de avaliação em projetos com metodologias ativas 

Novas profissões estão emergindo dia após dia com as transformações da sociedade e o avanço das tecnologias. Como a escola pode colaborar para a formação de alunos capazes de desenvolver habilidades e competências durante toda a vida?

A urgente necessidade de realizar profundas transformações nas metodologias de ensino para promover oportunidades de aprendizagem significativa que permitam desenvolver as competências para o século XXI traz o desafio inexorável de reveros ultrapassados processos de avaliação dos alunos, que ainda são julgados muito mais pelo conhecimento teórico adquirido nos bancos escolares do que por suas habilidades socioemocionais e a capacidade de aplicar seus saberes na prática.

Nos próximos 10 ou 15 anos, quando nossas crianças e jovens estarão ingressando no mercado de trabalho, o mundo corporativo será completamente diferente do que conhecemos até hoje como fruto da revolução industrial. A economia criativa irá demandar (e já está valorizando) profissionais que sejam inovadores, visionários e, acima de tudo, empreendedores; sempre prontos a enfrentar desafios e solucionar problemas.

Se nas últimas décadas o sucesso na carreira esteve atrelado à capacidade de aprender uma profissão em determinada área (humanas, exatas ou biológicas), as novas gerações precisarão, cada vez mais, aprender a aprender, ou seja, terão que ser multicomponentes e estudar por toda vida.

A automação de funções repetitivas com o avanço da inteligência artificial levará ao desaparecimento de profissões milenares, que serão assumidas por robôs, e ao surgimento de profissões do futuro que sequer somos capazes de imaginar, fazendo com que os momentos de aprendizagem sejam permanentes e por toda a vida.

Para ser competitivo, o profissional deste novo mundo precisará acompanhar continuamente a próxima invenção, a próxima tendência, o próximo mercado a eclodir. Está saindo de cena o profissional tecnicista e subindo ao palco o profissional criativo, aberto ao risco e à inovação, capaz de pensar o tempo todo ‘fora da caixa’.

Para ser competitivo, o profissional deste novo mundo precisará acompanhar continuamente a próxima invenção, a próxima tendência, o próximo mercado a eclodir. Está saindo de cena o profissional tecnicista e subindo ao palco o profissional criativo, aberto ao risco e à inovação, capaz de pensar o tempo todo ‘fora da caixa’.

Será que as políticas pedagógicas atuais estão alinhadas aos desafios desta nova sociedade digital, conectada, veloz e sedenta por enterrar antigos modelos corporativos para dar lugar a empresas com gestão horizontal, estruturas organizacionais flexíveis e, acreditem, dispostas a reconhecer o erro como combustível para a inovação?

Caros educadores, cabe a reflexão

Os modelos pedagógicos de nossas escolas ainda são muito mais direcionados ao ensino teórico para passar no funil do vestibular, obrigando os alunos a decorar fórmulas matemáticas, afluentes de rios ou a morfologia dos insetos para ter depois seus conhecimentos testados e avaliados por notas que não diferenciam as vocações ou interesses individuais.

É uma avaliação cruel, que prioriza a inteligência da decoreba ao invés da inteligência criativa.

Se quisermos realmente formar nossos alunos para a economia do século XXI, movida pelas novas tecnologias e a revolução nas relações de trabalho, precisaremos dar espaço a uma cultura maker, ao ‘fazer para aprender’, desenvolvendo e implementando metodologias ativas de ensino que tirem os alunos da zona de conforto da sala de aula e os desafie a desenvolver projetos multidisciplinares, capazes de causar impacto real e efetivo na comunidade em que vivem e, assim, trazerem significado ao aprendizado.

Faça uma experiência. Dê um brinquedo novo para uma criança e observe sua reação. Ela vai brincar, desmontar, remontar e investigar o brinquedo, não é mesmo? Este impulso de querer desvendar o desconhecido, descobrir o mundo, perguntar os porquês de tudo é próprio da natureza das crianças. Elas têm um potencial criativo pronto a ser estimulado. Mas, ao invés de priorizar um aprendizado prático, a escola como está estruturada hoje, apresenta uma tonelada de teorias que terão pouca aplicação na vida pessoal ou profissional do aluno. Sem motivação, os jovens entram em um looping de conteúdos pensados para atender uma geração que buscava ter ‘empregabilidade’, mas que agora precisará ter ‘trabalhabilidade’.

Os profissionais que começarão suas carreiras nas próximas décadas não passarão longos anos no mesmo emprego. Ao invés disso, precisarão reunir competências para trabalhar em diferentes projetos que tragam reconhecimento e realização, que sejam éticos e sustentáveis, que ajudem a mudar o mundo para melhor.

Neste futuro, o fim das salas de aula como conhecemos, com um professor trabalhando o mesmo conteúdo com as mesmas estratégias para todos os alunos, será inevitável. Ao adotarem novos formatos de ensino e inserirem novas tecnologias como ferramentas pedagógicas, as escolas também irão rever seus processos de avaliação.

Outros critérios deverão ser incorporados. Mais do que simplesmente ser avaliado se estudou para a prova (e esquecer tudo assim que entregá-la ao professor), o aluno será testado por sua força criativa e inovadora, sua capacidade de liderança, de resolver problemas e trabalhar em equipe, de se relacionar, de ter autonomia e proatividade, de aprender com os erros e dominar o uso das novas tecnologias, entre outros parâmetros.

Nesta nova escola, a avaliação deixa de ter um papel de julgar e expor o nível de conhecimento de um aluno para ser vista como a valorização e a validação do aprendizado. Não caberá mais exaltar o aluno que tirou boa nota e crucificar o aluno que foi mal na prova. A avaliação deve ser não o fim, mas uma parte intrínseca ao processo de construção do conhecimento.

Na economia criativa e na cultura da inovação o erro é reconhecido como a melhor forma de aprender. E, da mesma forma, a escola precisa incorporar o feedback contínuo ao aluno com critérios muito além dos técnicos avaliados na prova bimestral e na prova final. O professor passa a ser um mediador do aprendizado, fazendo um diagnóstico mais amplo das habilidades e conhecimentos do aluno. Não basta saber; é preciso fazer.

Em processos que envolvem metodologias ativas, tais como aprendizagem baseada em projetos, três fatores são essenciais para alcançar resultados significativos: a curiosidade, o interesse pela pesquisa e ter uma postura cooperativa. O conteúdo não deve seguir a velha cartilha. O caminho para o aprendizado significativo está em incentivar o aluno a ser questionador, a buscar respostas para problemas identificados por ele mesmo e a atuar como um time com seus colegas.

Com fácil acesso a um oceano infinito de conteúdos disponíveis na nuvem e tendo à disposição ferramentas tecnológicas que propiciam a interação e participação ativa, estudar deixa de seguir um roteiro unidirecional (professor – livros – aluno) para ser impulsionado por um aprendizado colaborativo pautado pelo desejo de aprender, refletir, perguntar, analisar, confrontar, revisitar e descobrir.

A adoção de modelos pedagógicos ativos para que o aluno vivencie na prática o dia a dia profissional e aprenda a enfrentar desafios, trabalhar em equipe e sob pressão, administrar o tempo e fazer sua autoavaliação, entre outras competências, torna a avaliação muito mais complexa do que simplesmente checar o gabarito. Exige, de fato, uma visão mais holística sobre o aluno.

No Instituto Crescer desenvolvemos, por exemplo, a metodologia ativa Tecendo Redes que segue o pressuposto teórico da pedagogia construtivista para implementação de projetos de aprendizagem. Neste modelo, o aluno parte da curiosidade e das indagações para iniciar um processo investigativo de problemas reais que atingem sua vida e, com a mediação do professor (e não como única fonte de conhecimento), conquistar maior autonomia nos seus estudos. Ao término do projeto, o estudante compartilha o que aprendeu com a comunidade escolar ou outras pessoas pela internet.

Nesta metodologia, analisamos critérios que serão levados em conta quando os alunos de hoje chegarem ao mercado de trabalho. Processo similar pode ser organizado para avaliar outras metodologias ativas implementadas em processos de ensino e aprendizagem na sua escola. Relaciono abaixo 10 passos que podem ser úteis na transformação do processo de avaliação formativa de seus alunos, fazendo com que ela seja parte integrante de um processo de aprendizagem significativa e esteja alinhada com o desenvolvimento de competências para o século XXI:

01 – Compartilhe o processo avaliativo deixando claro para os alunos o que será analisado antes de dar início ao processo.

02- Organize uma rubrica com critérios qualitativos e quantitativos de avaliação, como: organização, interação e trabalho da equipe, qualidade da pesquisa e da apresentação do projeto, administração do tempo, clareza na apresentação oral, complexidade no uso de tecnologias digitais, inovação e criatividade.

03 – Conhecimentos prévios. No início do projeto, peça aos alunos que registrem o que já sabem sobre o tema e o que mais gostariam de saber.

04 – Dedique um tempo para uma autoavaliação. No final do projeto, com a rubrica em mãos, os alunos deverão analisar seus pontos fortes e o que devem melhorar para futuros projetos.

05 – Organize uma roda de conversa e faça perguntas esclarecedoras. Auxilie no entendimento do contexto e de como o processo foi vivenciado pela equipe. Quem participou? Quanto tempo levou para definirem o tema? Como se organizaram?Quais ferramentas tecnológicas utilizaram?

06 – Utilize paráfrases que ajudem a equipe a confirmar o entendimento sobre a avaliação que fizeram: quer dizer que…?, pelo que entendi…?, foi isso mesmo? — De acordo com a Lei 9.610/98 é proibida a reprodução total ou parcial desta website, em qualquer meio de comunicação, sem prévia autorização.

07 – Faça perguntas de sondagem que levem os alunos a tirar suas próprias conclusões sobre o que vivenciaram. O que poderia ser feito para administrar melhor o tempo? Como vocês poderiam utilizar melhor os recursos tecnológicos?

08 – Repasse o resultado da avaliação com cada equipe. Encerre a roda de conversa olhando os resultados apresentados na rubrica e confirmando entendimento. 

09 – Estimule a autoavaliação dos integrantes da equipe. O que você leva deste projeto? O que você já sabia? O que foi desafiador? O que gostaria de sugerir ao professor e para equipe?.

10 – Compare os conhecimentos. Peça às equipes uma lista comparativa dos conhecimentos adquiridos após o processo de pesquisa com os conhecimentos prévios. — De acordo com a Lei 9.610/98 é proibida a reprodução total ou parcial desta website, em qualquer meio de comunicação, sem prévia autorização.

A estratégia apresentada acima para promover a avaliação em processos de metodologias ativas ajuda a verificar o avanço dos alunos em relação ao desenvolvimento de suas competências para o século XXI. Dentre elas, podemos mencionar a busca de informações na internet, a leitura e produção de diferentes tipos de texto, o uso de tecnologias digitais, o trabalho em equipe, a administração do tempo, a autoavaliação, etc.

Já para avaliar os resultados de aprendizagem referente ao currículo, sugerimos que os alunos dediquem um tempo para registrar, individualmente, o que agora sabem sobre o tema investigado. O resultado deverá ser comparado aos conhecimentos que eles tinham sobre o tema no início do projeto, quando fizeram uma lista do que já sabiam e suas principais curiosidades. Provavelmente, você se surpreenderá ao ver o quanto eles avançaram e confirmará a efetividade do trabalho com metodologias ativas, não só para desenvolver competências, foco da educação contemporânea, mas também para aprender coisas novas. Traços de felicidade, satisfação, engajamento, iniciativa e criatividade serão constantes, o que se configura em momentos reais de aprendizagem significativa que ficam marcados para toda a vida. Crie coragem! Ouse e experimente esta nova dinâmica nas suas próximas aulas! 

Luciana Allan 

Diretora do Instituto Crescer e Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) com especialização em tecnologias digitais aplicadas à educação.

Para saber mais

Instituto Crescer www.institutocrescer.org.br 

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Luciana Allan

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ESPECIAL Trilhas da BNCC | Matemática, outras áreas e os desafios do século XXI

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Resolver problemas, analisar dados e tomar  atitudes criativas no dia a dia.

Texto Fábio Martins de Leonardo

É comum encontrar pessoas que dizem não saber ou não gostar de matemática. Esse fato provavelmente é uma consequência do modo equivocado como essa ciência é ensinada nas escolas brasileiras: um estudo quase sempre segmentado e conteudista, carente de formação de professores e vulnerável à inconsistência do sistema educacional.  A matemática é uma das mais significativas conquistas do conhecimento humano, produzida e organizada ao longo da história por diversos povos e civilizações. É uma ciência que contribui para a compreensão, tradução e modelagem de situações em diversas áreas do conhecimento (astronomia, medicina, engenharia, arquitetura, arte e tecnologia da informação são alguns dos exemplos, só para se ter uma ideia). Além disso, vale ressaltar sua importância nas práticas cotidianas, como para a compreensão e tomada de decisões em situações financeiras, para a leitura e interpretação de gráficos e tabelas encontrados nos noticiários, para a elaboração de estimativas e inferências com base em análise de dados e para o desenvolvimento de estratégias de resolução de problemas, argumentação e exposição de ideias.  Ao estudar matemática, desenvolvemos competências, habilidades e atitudes tão imprescindíveis ao mundo do trabalho quanto à vida cotidiana. Por exemplo: planejar ações e projetar soluções para novos problemas de mercado, que exijam iniciativa e criatividade; compreender e transmitir ideias matemáticas, por escrito ou oralmente, desenvolvendo a capacidade de argumentação na sustentação de projetos; interpretar matematicamente situações do dia a dia ou do mundo tecnológico e científico e saber utilizar a matemática para resolver situações-problema nesses contextos; avaliar os resultados obtidos na solução de situações-problema para definições, por exemplo, de estratégias de marketing; fazer estimativas de resultados ou cálculos aproximados; utilizar os conceitos e procedimentos estatísticos e probabilísticos. No artigo “O pensamento computacional e a reinvenção do computador na educação”, Paulo Blikstein, professor na Escola de Educação e no departamento de Ciência da Computação da Universidade de Stanford nos EUA, discorre sobre as exigências do nosso mundo. “(…) o mundo atual exige muito mais do que ler, escrever, adição e subtração. A lista de habilidades e conhecimentos necessários para o pleno exercício da cidadania no século XXI é tão extensa quanto controversa. Não sabemos muito bem quais são essas habilidades, muito menos como ensiná-las.” Na sequência, ele fala da importância do “pensamento computacional” e sobre o ensino de ciências. “Felizmente, nossas pesquisas têm mostrado que os alunos aprendem ‘ciência computacional’ mais facilmente do que ciência tradicional, por uma série de fatores cognitivos, epistemológicos e motivacionais. Boa parte da ciência e da matemática que ensinamos na escola foi inventada porque não tínhamos computadores, e seu aprendizado é desnecessariamente difícil, afastando qualquer aluno mais criativo. Portanto, a habilidade de transformar teorias e hipóteses em modelos e programas de computador, executá-los, depurá-los, e utilizá-los para redesenhar processos produtivos, realizar pesquisas científicas ou mesmo otimizar rotinas pessoais, é uma das mais importantes habilidades para os cidadãos do século XXI. E, curiosamente, é uma habilidade que nos faz mais humano. Afinal, o que há de mais humano do que livrarmo-nos de tarefas repetitivas e focar no mundo das ideias?” Não são poucas as competências, habilidades e atitudes necessárias para o exercício da cidadania no século XXI, para o enfrentamento do mundo do trabalho e para a imersão no mundo da tecnologia. Atualmente, desenvolver o raciocínio lógico, a autonomia e a criatividade é mais importante do que aprender conteúdos. Nesse contexto, o professor é imprescindível para ajudar os alunos em seus percursos com foco onde querem chegar, ajudá-los a selecionar as informações que de fato precisam, prepará-los para o mundo como um todo, inclusive o do trabalho, tornando-os cidadãos críticos, criativos e autônomos.

Fábio Martins de Leonardo

é licenciado em Matemática pela Universidade de São Paulo. Elaborador e editor responsável da obra Conexões com a Matemática (PNLD 2018).

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Educação Inovadora 2019 | #2 Aprendizagem baseada em problemas: como fazer?

Contra a pandemia das fake news, a vacina é a educação

Contra a pandemia das fake news, a vacina é a educação

O combate às fake news passa por uma educação que forme leitores críticos, capazes de diferenciar textos jornalísticos de ficcionais e de ler texto, subtexto e contexto.

Texto Paulo de Camargo

As notícias falsas não respeitam os fatos, a ciência, tampouco os sentimentos ou a segurança das pessoas. Até mesmo durante a pandemia da covid-19, mentiras desumanas como fotos de caixões carregados apenas com pedras, falsos remédios e teorias conspiratórias que alimentavam discursos de ódio circulavam pelas redes sociais. O advento das fake news colocou um imenso ponto de interrogação entre os seres humanos e a busca pela informação confiável. Notícias falsas sempre existiram, é certo, mas nunca conseguiram ganhar tal aparência de verdade, nem circular de maneira tão veloz, varrendo o mundo no espaço de poucos minutos como agora. E, se está no mundo, também pertence ao universo da educação e das escolas, envolvendo as crianças, os adolescentes e suas famílias. Como lidar com esse fenômeno, que só tende a se agravar? Responder a essa pergunta é o desafio da pesquisadora e jornalista Januária Alves, coautora do livro Como não ser enganado pelas fake news (Moderna), parte da coleção Informação e Diálogo. Quando fez seu mestrado na USP, há 15 anos, sobre grupos de crianças que produziam jornais, Januária se aproximou do mundo da educomunicação – área que estuda as intersecções entre educação e a produção de informação. Desde então, vem se aprofundando neste tema que se tornou um desafio global e agora integra a Base Nacional Curricular Comum (BNCC). “O que há de novo nas fake news é a forma pela qual são produzidas e se proliferam”, afirma Januária, que vê os professores preocupados e se sentindo sem apoio para trabalhar uma área que desconhecem. As estratégias históricas, como discutir notícias em sala de aula, representam apenas um pequeno passo porque hoje, com as redes sociais, os alunos são produtores de informação. “É um trabalho de cidadania”, explica Januária, que participou da construção de um currículo de educação midiática para a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. É isso o que as escolas vêm sentindo na pele. Muitas vezes, circulam informações não apenas mentirosas, como prejudiciais para alunos, professores e outros profissionais da Educação. Há dois anos, o diretor de uma tradicional escola da Zona Sul carioca estava a caminho de seu sítio, quando começou a receber mensagens torrenciais sobre um caso de racismo na escola, o que nunca de fato acontecera. “Ficamos indefesos, tendo que explicar algo que simplesmente não tinha origem ou base em verdade”, lembra o diretor, que nunca esqueceu o episódio e prefere não se identificar. Apenas no segundo semestre do ano passado, duas tradicionais escolas, uma em São Paulo e outra em Belo Horizonte, sofreram com a divulgação de notícias falsas sobre supostos casos de assédio sexual. Ao final, nada foi comprovado, em nenhum dos casos, mas os traumas permaneceram.

 

Por que acreditamos?

 

Muitas vezes, as notícias são absurdas, mas mesmo assim ganham tração e circulam. Segundo Januária, as pesquisas mostram que as fake news possuem um forte componente emocional. “Uma notícia falsa tem 70% mais chance de circular do que uma verdadeira. Existe um fator sedutor que é o desejo humano de contar histórias de impacto”, diz a pesquisadora. Para causar esse efeito, o texto frequentemente usa termos exagerados, muitos adjetivos, tons de denúncia, traz apelos e chamados à ação, como “você tem que repassar isso”, “mande para o máximo de pessoas que puder”. Em uma reação de impulso, basta apertar o botão Enviar, e lá se vai a mentira para amigos, família e grupos de afinidades: mais veloz do que um vírus e, algumas vezes, mais prejudicial. Por isso, como explica Januária, o primeiro desafio da escola é ensinar a seus alunos as diferenças marcantes entre o texto jornalístico e o texto ficcional – que é a classificação das notícias falsas. Mais recentemente, um novo fenômeno veio somar à divulgação de notícias falsas: a sua transformação em um produto. Robôs – programas que simulam perfis reais de pessoas nas redes sociais – invadiram as redes sociais replicando notícias enganosas com determinados objetivos. “Há um movimento mais amplo hoje que é o da desinformação intencional, que está ligado ao descrédito das ciências”, diz Januária. Turbinadas por teorias conspiratórias, enxurradas de fake news atacam as instituições que produzem informação de credibilidade, como o jornalismo, a universidade, os cientistas e os sistemas eleitorais. É o caso das notícias que tentam dar asas à inconcebível teoria de uma Terra plana ou a que atribuiu a covid-19 a uma ação maquiavélica do governo chinês. Até mesmo o avanço tecnológico cria condições para uma nova geração de mentiras: a chamada deep fake news. Utilizando aplicativos de fácil acesso, pessoas com algum domínio de ferramentas digitais podem inserir em um vídeo qualquer fala de outra pessoa, com a mesma voz e simulando os movimentos da sua boca. Da mesma forma, pode-se distorcer fotos antigas, como se fossem recentes, e inserir informações falsas que gerem credibilidade, como dados e números, conferindo-lhe aspecto de verdade. “Pela maneira como são desenvolvidas essas fake news, fica mesmo difícil não embarcar”, explica Januária. A crescente complexidade do tema obriga a escola a dedicar mais tempo para utilizar melhores estratégias para trabalhar com os alunos. O Colégio Rio Branco, em São Paulo, dá atenção especial ao assunto. No dia 1 º de abril, tradicional Dia da Mentira e já durante o período de isolamento social, os alunos do 9º ano do Ensino Fundamental e de todo o Ensino Médio participaram da oficina virtual Mídia Digital, pra quê?, que debateu as fake news no contexto da pandemia. O encontro abordou a responsabilidade do uso das mídias digitais, a checagem de informação, o cuidado no compartilhamento e o combate à desinformação, e os alunos participaram de um desafio de checagem de notícias falsas e verdadeiras.

Para a pesquisadora Januária Alves, o trabalho pode começar na Educação Infantil, pois até as crianças já têm clara noção do que são notícias falsas. Em uma formação recente para a Secretaria Municipal de Educação, uma professora narrou sua experiência com o trabalho, durante uma roda de conversa. Perguntada se sabiam o que eram fake news, uma criança imediatamente levantou a mão e disse: “é notícia mentirosa e o celular da minha mãe está cheio delas!”. O exemplo mostra a importância de envolver a família nas discussões. A experiência pessoal já nos mostra, por exemplo, que grupos familiares são terreno fértil para a difusão de fake news. Além disso, as implicações da propagação de fake news já são enquadradas criminalmente, em um cerco que deve se apertar, com o avanço da legislação. Ao mesmo tempo, é preciso trabalhar com os professores de todas as áreas e a própria direção escolar. “Não se trata de escolher uma ou outra área para este trabalho, todos são responsáveis por formar para a cidadania”, diz Januária. Assim, cada vez mais, dotar esses futuros cidadãos de ferramentas contra as notícias falsas é essencial. “As fake news representam um ataque à democracia”, finaliza.

 

Ação internacional

 

Sim, um ataque à democracia. É por isso que a Organização Nações Unidas (ONU) vem se mobilizando internacionalmente, com iniciativas como a plataforma Verified, cujo objetivo é conter a propagação de notícias falsas sobre a covid-19 (http://shareverified.com). “Não podemos ceder nossos espaços virtuais a quem trafega mentiras, medo e ódio”, afirmou em seu lançamento o secretário-geral da ONU, António Guterres. “A desinformação se espalha on-line, em aplicativos de mensagens e de pessoa para pessoa. Seus criadores usam métodos de produção e distribuição mais experientes. Para combater isso, cientistas e instituições como as Nações Unidas precisam alcançar pessoas com informações precisas nas quais possam confiar”, disse. Assim como este, diversos sites de checagem rápida de informação, disponíveis em vários idiomas, estão sendo produzidos em parceria entre a mídia jornalística, organismos sociais e grandes empresas de telecomunicação. É o caso brasileiro da Agência Lupa, cujo foco é a caça às fake news, e mesmo de diversos grupos independentes que vêm se formando nas redes sociais. Nos últimos anos, a Unesco, agência da ONU voltada à educação, à ciência e à cultura, produz pesquisas e livros sobre o tema, em uma área denominada Alfabetização Midiática e Informacional (ou Media Literacy, em inglês). Em maio, a Rede Internacional de Escolas Associadas da Unesco, em Paris, promoveu um webinar com especialistas de diversas partes do mundo, envolvendo jovens ativistas e educadores, para discutir caminhos para fazer frente à propagação das notícias falsas. Para os especialistas participantes, o papel da educação é central, mas não deve se restringir ao campo da linguagem. Para o pesquisador Joseph Kahne, da Universidade da Califórnia, é preciso formar pessoas mais solidárias e empáticas. “Nós temos de dar às crianças oportunidades de prática, ajudando os outros, trabalhando com o mundo real. Todos temos responsabilidade sobre a desinformação”, defende. Nos últimos anos, a Unesco, agência da ONU voltada à educação, à ciência e à cultura, produz pesquisas e livros sobre o tema, em uma área denominada Alfabetização Midiática e Informacional (ou Media Literacy, em inglês). Em maio, a Rede Internacional de Escolas Associadas da Unesco, em Paris, promoveu um webinar com especialistas de diversas partes do mundo, envolvendo jovens ativistas e educadores, para discutir caminhos para fazer frente à propagação das notícias falsas. Para os especialistas participantes, o papel da educação é central, mas não deve se restringir ao campo da linguagem. Para o pesquisador Joseph Kahne, da Universidade da Califórnia, é preciso formar pessoas mais solidárias e empáticas. “Nós temos de dar às crianças oportunidades de prática, ajudando os outros, trabalhando com o mundo real. Todos temos responsabilidade sobre a desinformação”, defende. Da mesma forma, os sistemas educativos devem priorizar a educação científica, já que a própria ciência está sob ataque. Para a pesquisadora italiana, Stefania Gianini, deve se mostrar que a ciência é dinâmica e não produz verdades absolutas, mas baseia-se em métodos verificáveis. “É preciso falar sobre a origem da informação, a metodologia, sobre o que pode ser verificado, mostrando que ciência não é um edifício de verdades, mas tem métodos que todos devem conhecer”, lembrou. Quanto mais se torna complexo o tema, mais importante é investir na formação para diversificar estratégias e tornar o trabalho interdisciplinar. “É preciso formar um leitor crítico e analítico, com repertório, que consiga desconfiar e perguntar: quem se beneficiaria com isso?”, defende Januária Alves. Até porque as notícias falsas conversam entre si, espelham ações globais, como é o caso dos discursos de ódio. Para isso, é tão importante o professor de História, Geografia quanto o de Português, o de Ciências e o de Inglês. “Temos de avançar, e realmente fazer com que o aluno tenha repertório para ler o texto, entender o subtexto e analisar o contexto”, explica a pesquisadora. No final do dia, a melhor vacina contra as notícias falsas continua sendo a educação de qualidade.

 

PARA SABER MAIS:

Agência Lupa. Disponível em: mod.lk/alupa. Acesso em: 10 ago. 2020. AIDAR, F.; ALVES, J.C. Como não ser enganado pelas fake news. São Paulo: Moderna, 2019

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