Especial Metodologias ativas | Aplicando estratégias na prática

Especial Metodologias ativas | Aplicando estratégias na prática

Como aplicar estratégias que tornem os alunos parceiros na construção de aulas mais atrativas? 

 
 
O professor tenta exaustivamente explicar o conteúdo seguidas vezes, muda o ponto de vista, muda o esquema exposto na lousa, exemplifica de duas, três, quatro formas diferentes. A cada pausa, chama a atenção de diferentes grupos de alunos, que insistem em não prestar atenção. Alguns conversam, alguns mexem nos seus celulares, outros fazem tarefa de outra disciplina, outros ainda simplesmente permanecem com o olhar vazio de quem faz força para manter os olhos abertos no início da manhã. Já transpirando e quase rouco de tanto aumentar o tom de voz, o professor chama a atenção de um aluno que ri alto, distraído com alguma piada contada no fundo da classe.
 
“– Fica de boa, profe. Depois eu vejo isso aí no YouTube.” A cena em questão é real e aconteceu comigo, mas com certeza se repetiu muitas vezes e ainda se repete em diversas salas de aula ao redor do mundo. No meu caso, foi um divisor de águas para minha prática docente. Depois de quase espumar de raiva diante da insolência, do desrespeito, parei e pensei: ele tem razão. — De acordo com a Lei 9.610/98 é proibida a reprodução total ou parcial desta website, em qualquer meio de comunicação, sem prévia autorização.
 
O professor e palestrante indiano Sugata Mitra, em sua apresentação na Campus Party de 2012, afirmou categoricamente que um professor que possa ser substituído por uma máquina deve ser substituído. E, tirando todo o mal-estar que essa declaração pode nos causar, fica muito mais fácil entender o ponto de vista do meu aluno quanto ao que eu estava fazendo naquele momento. O que a minha aula oferece que a faz ser melhor que as videoaulas superenvolventes ao alcance das mãos dos meus alunos? Meu aluno consegue controlar o professor do vídeo ao toque do seu dedo. Ele pausa, volta, explica de novo. O professor do vídeo não fica bravo se o aluno dorme no meio da explicação, nem se ele resolve trocar a aula por um joguinho para continuar depois, nem se ele não anota ou não faz o exercício. E o professor do vídeo não impede o aluno de comentar com os colegas o último episódio de Game of Thrones. Mas então, como competir com o professor do vídeo? A resposta é muito simples: oferecendo ao aluno uma experiência com a qual o professor do vídeo não consegue competir.
 

Inversão da sala de aula com um tempero a mais 

A ideia de inversão de sala de aula não é nada nova, mas ganhou fôlego novo com a nova geração de EduTubers. Toda aquela explicação maçante e que não depende de interação, exatamente aquela parte da aula que meu aluno preferiu assistir no YouTube, pode ser passada como lição de casa. E a lição de casa tradicional – os exercícios – nós trazemos para a sala de aula. Dificilmente você nunca ouvir falar disso, mas como tornar essa experiência verdadeiramente enriquecedora para os seus alunos? 

 

01 – A escolha do vídeo de preparo prévio 

#CAPACIDADEDEPESQUISA #RACIOCÍNIOCRÍTICO #CIDADANIADIGITAL

A internet tem muita informação, mas isso não significa que essa informação toda tem qualidade. A escritora Martha Gabriel compara a nossa prática de buscar respostas na internet com a prática dos gregos de buscar respostas em oráculos. A resposta pode até estar lá, mas quase nunca será direta, objetiva e perfeitamente confiável. O seu aluno vai buscar essas respostas com ou sem a sua ajuda. Então, o melhor que podemos fazer como educadores é ajudar nesse caminho.
 
A solução mais óbvia para o professor seria assumir a pesquisa e curadoria do material. O próprio YouTube nos ajuda nesse sentido com o YouTube EDU (youtube.com/edu), que é um portal que reúne conteúdo de uma infinidade de criadores e que passam por uma curadoria refinada de acadêmicos das mais diversas áreas numa parceria do Google com a Fundação Lemann. Mas, se a ideia é justamente centrar o processo de aprendizado no nosso aluno, por que não permitir que ele se responsabilize por isso também?
 
E se, ao invés de investir meu tempo em pesquisar os melhores vídeos de um determinado conteúdo, eu dividisse os alunos em grupos e destinasse a cada um desses grupos a responsabilidade pelo material de referência para a turma? Eles podem fazer a pesquisa ou mesmo produzir os próprios vídeos. Pode aparecer algum vídeo ruim, com falhas conceituais? Pode, claro. Mas a principal característica de um professor disposto a inovar em suas práticas é a compreensão de que o erro não é algo a ser evitado, mas sim uma valiosa oportunidade de aprendizado. Discuta o erro, construa junto com seus alunos uma discussão a partir da qual todos entendam os princípios do conceito e quais as falhas identificadas no material.
 
Mas como verificar se os alunos se prepararam ou não? Podemos pedir resumos no caderno ou perguntar oralmente, mas tenha em mente que a melhor estratégia será sempre reforçar positivamente os estudantes que se prepararam. Esse é um processo contínuo, ou seja, não vai acontecer do dia para a noite. Sempre que possível destaque os alunos preparados durante a aula para que os outros entendam que eles estão perdendo mais do que nota quando não se preparam.
 

Uma possibilidade interessante é apresentada pelas perguntas abertas no Google Classroom. Podemos criar uma pergunta em que os alunos enxergam as respostas uns dos outros e podem inclusive comentar o trabalho dos colegas. Lembre-se de que não precisa estar certo. Nessa fase do processo, muito mais desejado que um trabalho perfeito é um trabalho feito.

 

02 – Trabalho em pares 

#EMPATIA #FIXAÇÃODECONTEÚDOS  

A explicação foi transferida para a lição de casa. O aluno vai assistir a um vídeo e fazer um resumo ou responder uma pergunta. Em determinados pontos do seu planejamento, ele vai inclusive ser responsável pelo preparo prévio da turma inteira. Chegou a hora de pensar em como será a experiência na sala de aula. O que a sua sala de aula tem que o professor do YouTube não tem? O celular tem touch screen, mas a sala tem touch skin.

A sala tem outros estudantes ao vivo, tem contato, colaboração. E se o que seu aluno quer é interagir com os colegas, forneça para ele uma experiência que propicie essa interação de modo a construir conhecimento.

Um diagrama muito ilustrativo sobre a forma como retemos os conteúdos acadêmicos, embora falsamente atribuído a William Glasser, é a Pirâmide de Aprendizagem. Enquanto o topo da pirâmide nos aponta uma aprendizagem pífia, quando apenas lemos, a base nos apresenta um aprendizado muito mais amplo quando ensinamos aos outros. — De acordo com a Lei 9.610/98 é proibida a reprodução total ou parcial desta website, em qualquer meio de comunicação, sem prévia autorização.

Algo que eu aprendi na prática, muito antes de conhecer a Pirâmide de Aprendizagem, é que quando juntamos dois alunos com níveis muito diferentes de compreensão de um determinado assunto e um explica para o outro, quem mais ganha com a experiência é quem explica. O ato de refletir sobre o que se está aprendendo, estruturar as ideias e elaborar um jeito de passar para o colega faz com que o explicador adquira inevitavelmente uma compreensão superior do conceito em questão.

Quando o aluno assiste a uma palestra dentro da sala de aula para tentar fazer os exercícios em casa, qualquer fragilidade na compreensão dos conceitos apresentados em sala se transformará numa barreira intransponível quando se encontrar sozinho diante desse desafio. Trazer para a sala esse momento e contar com a interação entre pares para o desenvolvimento da prática dos conceitos apresentados traz para perto do professor as dúvidas e humaniza o processo, algo que a princípio é uma ideia contraintuitiva quando falamos do uso de vídeos educacionais. 

03 – Avaliação compartilhada

#METACOGNIÇÃO #RESPONSABILIZAÇÃOCOLETIVAPELOPROCESSO 

Quando falamos de avaliação, pensamos quase que imediatamente em provas. Uma prova avalia de maneira questionável o conhecimento adquirido pelo aluno, normalmente ao final do um processo. E quanto à avaliação entre pares? E se os alunos pudessem também avaliar o seu trabalho ou mesmo a experiência como um todo? O consultor educacional Cadu Braga diz em suas palestras que temos todos os dias os melhores consultores educacionais disponíveis em nossas salas de aula, sentados à nossa frente. Então, não faz sentido que desperdicemos essa expertise ignorando o que ela pode nos oferecer.

No início do processo, podemos pedir para que os alunos, por exemplo, avaliem o quanto o material do preparo os ajudou a compreender o conceito apresentado. Mais tarde, nos exercícios em duplas ou grupos, podemos pedir que os alunos avaliem seus colegas. E, ao final, que autoavaliem seu envolvimento e seu domínio do conteúdo. Não faz sentido resumir essas perguntas apenas a notas e, se houver a oportunidade, cabe discutir com eles inclusive quais são as perguntas que definem melhor o que vocês querem saber. Ferramentas digitais como o Formulários Google ou o Survey Monkey podem ajudar, mas uma caixa de coleta de avaliações escritas em papel já resolve a questão. Qualquer que seja o suporte de sua avaliação, discutir os critérios e resultados são momentos cruciais, já que o motivo central de todo esse esforço está justamente em fazer com que o aluno reflita sobre a experiência de aprendizado oferecida e, ainda mais importante, o seu processo individual de aprendizado. 

 

Não planeje aulas 

Antes de começar a pensar nos conteúdos, nos vídeos ou nas tarefas, é preciso fazer uma reflexão profunda sobre nosso papel como professores. O que significa ser um bom professor? Assim como as comédias românticas, em geral, distorcem nossas expectativas sobre o que esperar de um relacionamento, as cenas de sala de aula do cinema nos fazem sonhar com alunos vidrados e admirados com nossos discursos eloquentes, sempre finalizados com salvas de palmas. Mas ser um bom professor é, acima de tudo, promover experiências de aprendizado eficazes para seus alunos. E, se é esse o objetivo, não faz sentido que nosso planejamento esteja focado nos conteúdos, nos exercícios que serão realizados ou na prova que os alunos terão de fazer no final do bimestre. Essas coisas todas são importantes, mas não são fins: são meios.
 
Precisamos fazer nosso planejamento do ponto de vista do aluno. Não dos conteúdos, mas da experiência que fornecemos. O que esse aluno fará no tempo que passará com você?
 

Esteja pronto para a resistência

Se você já iniciou suas incursões em meio à inovação no ensino, com certeza, já se deparou com resistências. Mas talvez a resistência mais doída para o professor é a dos alunos, e você tem que estar preparado para ela. O princípio mais básico das metodologias ativas é que os alunos devem estar fazendo algo, não apenas passivos diante de explicações e exemplificações. Mas trabalhar, de fato, dá trabalho. Ponha-se no lugar de seus alunos: você também reclamaria se de repente lhe fizessem trabalhar mais apenas confiando que isso é o melhor para você.
 

Compartilhe, compartilhe, compartilhe!  

Por fim, precisamos entender que acabou o tempo de trabalhar sozinho. Tente sempre que possível fazer com que o produto do seu trabalho e também o de seus alunos seja algo passível de ser compartilhado. Quando um aluno sabe que seu trabalho será compartilhado com o resto da sua turma ele quase que magicamente passa a se importar mais com o resultado. E, de forma semelhante, quando você compartilha seu trabalho com colegas, quase que magicamente sua coragem é multiplicada. 
 
Tiago Bevilaqua
É professor desde 2006 com experiências desde o Ensino Fundamental 2 até o pré-vestibular. É consultor em Tecnologia Educacional pela RedeXplica e possui certificação Google Certified Teacher e Google Innovator.
 
Para saber mais
  • Sugata Mitra na Campus Party 2012 youtu.be/BBzDOS5UrG0
  • Martha Gabriel com Marcelo Tas: A Era da Busca: oráculos digitais youtu.be/n150AZ0Jetg
  • Ted Talks – Let’s use video to reinvent education, Salman Khan youtu.be/nTFEUsudhfs
  • Formulários Google para professores goo.gl/dQwTKK
  • Compartilhamento de prática – Trabalho em grupo com moderação e avaliação compartilhada youtu.be/pv37LxRuzi4

Por – Tiago Bevilaqua

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Novos modelos de avaliação em projetos com metodologias ativas 

Novas profissões estão emergindo dia após dia com as transformações da sociedade e o avanço das tecnologias. Como a escola pode colaborar para a formação de alunos capazes de desenvolver habilidades e competências durante toda a vida?

A urgente necessidade de realizar profundas transformações nas metodologias de ensino para promover oportunidades de aprendizagem significativa que permitam desenvolver as competências para o século XXI traz o desafio inexorável de reveros ultrapassados processos de avaliação dos alunos, que ainda são julgados muito mais pelo conhecimento teórico adquirido nos bancos escolares do que por suas habilidades socioemocionais e a capacidade de aplicar seus saberes na prática.

Nos próximos 10 ou 15 anos, quando nossas crianças e jovens estarão ingressando no mercado de trabalho, o mundo corporativo será completamente diferente do que conhecemos até hoje como fruto da revolução industrial. A economia criativa irá demandar (e já está valorizando) profissionais que sejam inovadores, visionários e, acima de tudo, empreendedores; sempre prontos a enfrentar desafios e solucionar problemas.

Se nas últimas décadas o sucesso na carreira esteve atrelado à capacidade de aprender uma profissão em determinada área (humanas, exatas ou biológicas), as novas gerações precisarão, cada vez mais, aprender a aprender, ou seja, terão que ser multicomponentes e estudar por toda vida.

A automação de funções repetitivas com o avanço da inteligência artificial levará ao desaparecimento de profissões milenares, que serão assumidas por robôs, e ao surgimento de profissões do futuro que sequer somos capazes de imaginar, fazendo com que os momentos de aprendizagem sejam permanentes e por toda a vida.

Para ser competitivo, o profissional deste novo mundo precisará acompanhar continuamente a próxima invenção, a próxima tendência, o próximo mercado a eclodir. Está saindo de cena o profissional tecnicista e subindo ao palco o profissional criativo, aberto ao risco e à inovação, capaz de pensar o tempo todo ‘fora da caixa’.

Para ser competitivo, o profissional deste novo mundo precisará acompanhar continuamente a próxima invenção, a próxima tendência, o próximo mercado a eclodir. Está saindo de cena o profissional tecnicista e subindo ao palco o profissional criativo, aberto ao risco e à inovação, capaz de pensar o tempo todo ‘fora da caixa’.

Será que as políticas pedagógicas atuais estão alinhadas aos desafios desta nova sociedade digital, conectada, veloz e sedenta por enterrar antigos modelos corporativos para dar lugar a empresas com gestão horizontal, estruturas organizacionais flexíveis e, acreditem, dispostas a reconhecer o erro como combustível para a inovação?

Caros educadores, cabe a reflexão

Os modelos pedagógicos de nossas escolas ainda são muito mais direcionados ao ensino teórico para passar no funil do vestibular, obrigando os alunos a decorar fórmulas matemáticas, afluentes de rios ou a morfologia dos insetos para ter depois seus conhecimentos testados e avaliados por notas que não diferenciam as vocações ou interesses individuais.

É uma avaliação cruel, que prioriza a inteligência da decoreba ao invés da inteligência criativa.

Se quisermos realmente formar nossos alunos para a economia do século XXI, movida pelas novas tecnologias e a revolução nas relações de trabalho, precisaremos dar espaço a uma cultura maker, ao ‘fazer para aprender’, desenvolvendo e implementando metodologias ativas de ensino que tirem os alunos da zona de conforto da sala de aula e os desafie a desenvolver projetos multidisciplinares, capazes de causar impacto real e efetivo na comunidade em que vivem e, assim, trazerem significado ao aprendizado.

Faça uma experiência. Dê um brinquedo novo para uma criança e observe sua reação. Ela vai brincar, desmontar, remontar e investigar o brinquedo, não é mesmo? Este impulso de querer desvendar o desconhecido, descobrir o mundo, perguntar os porquês de tudo é próprio da natureza das crianças. Elas têm um potencial criativo pronto a ser estimulado. Mas, ao invés de priorizar um aprendizado prático, a escola como está estruturada hoje, apresenta uma tonelada de teorias que terão pouca aplicação na vida pessoal ou profissional do aluno. Sem motivação, os jovens entram em um looping de conteúdos pensados para atender uma geração que buscava ter ‘empregabilidade’, mas que agora precisará ter ‘trabalhabilidade’.

Os profissionais que começarão suas carreiras nas próximas décadas não passarão longos anos no mesmo emprego. Ao invés disso, precisarão reunir competências para trabalhar em diferentes projetos que tragam reconhecimento e realização, que sejam éticos e sustentáveis, que ajudem a mudar o mundo para melhor.

Neste futuro, o fim das salas de aula como conhecemos, com um professor trabalhando o mesmo conteúdo com as mesmas estratégias para todos os alunos, será inevitável. Ao adotarem novos formatos de ensino e inserirem novas tecnologias como ferramentas pedagógicas, as escolas também irão rever seus processos de avaliação.

Outros critérios deverão ser incorporados. Mais do que simplesmente ser avaliado se estudou para a prova (e esquecer tudo assim que entregá-la ao professor), o aluno será testado por sua força criativa e inovadora, sua capacidade de liderança, de resolver problemas e trabalhar em equipe, de se relacionar, de ter autonomia e proatividade, de aprender com os erros e dominar o uso das novas tecnologias, entre outros parâmetros.

Nesta nova escola, a avaliação deixa de ter um papel de julgar e expor o nível de conhecimento de um aluno para ser vista como a valorização e a validação do aprendizado. Não caberá mais exaltar o aluno que tirou boa nota e crucificar o aluno que foi mal na prova. A avaliação deve ser não o fim, mas uma parte intrínseca ao processo de construção do conhecimento.

Na economia criativa e na cultura da inovação o erro é reconhecido como a melhor forma de aprender. E, da mesma forma, a escola precisa incorporar o feedback contínuo ao aluno com critérios muito além dos técnicos avaliados na prova bimestral e na prova final. O professor passa a ser um mediador do aprendizado, fazendo um diagnóstico mais amplo das habilidades e conhecimentos do aluno. Não basta saber; é preciso fazer.

Em processos que envolvem metodologias ativas, tais como aprendizagem baseada em projetos, três fatores são essenciais para alcançar resultados significativos: a curiosidade, o interesse pela pesquisa e ter uma postura cooperativa. O conteúdo não deve seguir a velha cartilha. O caminho para o aprendizado significativo está em incentivar o aluno a ser questionador, a buscar respostas para problemas identificados por ele mesmo e a atuar como um time com seus colegas.

Com fácil acesso a um oceano infinito de conteúdos disponíveis na nuvem e tendo à disposição ferramentas tecnológicas que propiciam a interação e participação ativa, estudar deixa de seguir um roteiro unidirecional (professor – livros – aluno) para ser impulsionado por um aprendizado colaborativo pautado pelo desejo de aprender, refletir, perguntar, analisar, confrontar, revisitar e descobrir.

A adoção de modelos pedagógicos ativos para que o aluno vivencie na prática o dia a dia profissional e aprenda a enfrentar desafios, trabalhar em equipe e sob pressão, administrar o tempo e fazer sua autoavaliação, entre outras competências, torna a avaliação muito mais complexa do que simplesmente checar o gabarito. Exige, de fato, uma visão mais holística sobre o aluno.

No Instituto Crescer desenvolvemos, por exemplo, a metodologia ativa Tecendo Redes que segue o pressuposto teórico da pedagogia construtivista para implementação de projetos de aprendizagem. Neste modelo, o aluno parte da curiosidade e das indagações para iniciar um processo investigativo de problemas reais que atingem sua vida e, com a mediação do professor (e não como única fonte de conhecimento), conquistar maior autonomia nos seus estudos. Ao término do projeto, o estudante compartilha o que aprendeu com a comunidade escolar ou outras pessoas pela internet.

Nesta metodologia, analisamos critérios que serão levados em conta quando os alunos de hoje chegarem ao mercado de trabalho. Processo similar pode ser organizado para avaliar outras metodologias ativas implementadas em processos de ensino e aprendizagem na sua escola. Relaciono abaixo 10 passos que podem ser úteis na transformação do processo de avaliação formativa de seus alunos, fazendo com que ela seja parte integrante de um processo de aprendizagem significativa e esteja alinhada com o desenvolvimento de competências para o século XXI:

01 – Compartilhe o processo avaliativo deixando claro para os alunos o que será analisado antes de dar início ao processo.

02- Organize uma rubrica com critérios qualitativos e quantitativos de avaliação, como: organização, interação e trabalho da equipe, qualidade da pesquisa e da apresentação do projeto, administração do tempo, clareza na apresentação oral, complexidade no uso de tecnologias digitais, inovação e criatividade.

03 – Conhecimentos prévios. No início do projeto, peça aos alunos que registrem o que já sabem sobre o tema e o que mais gostariam de saber.

04 – Dedique um tempo para uma autoavaliação. No final do projeto, com a rubrica em mãos, os alunos deverão analisar seus pontos fortes e o que devem melhorar para futuros projetos.

05 – Organize uma roda de conversa e faça perguntas esclarecedoras. Auxilie no entendimento do contexto e de como o processo foi vivenciado pela equipe. Quem participou? Quanto tempo levou para definirem o tema? Como se organizaram?Quais ferramentas tecnológicas utilizaram?

06 – Utilize paráfrases que ajudem a equipe a confirmar o entendimento sobre a avaliação que fizeram: quer dizer que…?, pelo que entendi…?, foi isso mesmo? — De acordo com a Lei 9.610/98 é proibida a reprodução total ou parcial desta website, em qualquer meio de comunicação, sem prévia autorização.

07 – Faça perguntas de sondagem que levem os alunos a tirar suas próprias conclusões sobre o que vivenciaram. O que poderia ser feito para administrar melhor o tempo? Como vocês poderiam utilizar melhor os recursos tecnológicos?

08 – Repasse o resultado da avaliação com cada equipe. Encerre a roda de conversa olhando os resultados apresentados na rubrica e confirmando entendimento. 

09 – Estimule a autoavaliação dos integrantes da equipe. O que você leva deste projeto? O que você já sabia? O que foi desafiador? O que gostaria de sugerir ao professor e para equipe?.

10 – Compare os conhecimentos. Peça às equipes uma lista comparativa dos conhecimentos adquiridos após o processo de pesquisa com os conhecimentos prévios. — De acordo com a Lei 9.610/98 é proibida a reprodução total ou parcial desta website, em qualquer meio de comunicação, sem prévia autorização.

A estratégia apresentada acima para promover a avaliação em processos de metodologias ativas ajuda a verificar o avanço dos alunos em relação ao desenvolvimento de suas competências para o século XXI. Dentre elas, podemos mencionar a busca de informações na internet, a leitura e produção de diferentes tipos de texto, o uso de tecnologias digitais, o trabalho em equipe, a administração do tempo, a autoavaliação, etc.

Já para avaliar os resultados de aprendizagem referente ao currículo, sugerimos que os alunos dediquem um tempo para registrar, individualmente, o que agora sabem sobre o tema investigado. O resultado deverá ser comparado aos conhecimentos que eles tinham sobre o tema no início do projeto, quando fizeram uma lista do que já sabiam e suas principais curiosidades. Provavelmente, você se surpreenderá ao ver o quanto eles avançaram e confirmará a efetividade do trabalho com metodologias ativas, não só para desenvolver competências, foco da educação contemporânea, mas também para aprender coisas novas. Traços de felicidade, satisfação, engajamento, iniciativa e criatividade serão constantes, o que se configura em momentos reais de aprendizagem significativa que ficam marcados para toda a vida. Crie coragem! Ouse e experimente esta nova dinâmica nas suas próximas aulas! 

Luciana Allan 

Diretora do Instituto Crescer e Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) com especialização em tecnologias digitais aplicadas à educação.

Para saber mais

Instituto Crescer www.institutocrescer.org.br 

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Luciana Allan

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ESPECIAL Trilhas da BNCC | Matemática, outras áreas e os desafios do século XXI

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Resolver problemas, analisar dados e tomar  atitudes criativas no dia a dia.

Texto Fábio Martins de Leonardo

É comum encontrar pessoas que dizem não saber ou não gostar de matemática. Esse fato provavelmente é uma consequência do modo equivocado como essa ciência é ensinada nas escolas brasileiras: um estudo quase sempre segmentado e conteudista, carente de formação de professores e vulnerável à inconsistência do sistema educacional.  A matemática é uma das mais significativas conquistas do conhecimento humano, produzida e organizada ao longo da história por diversos povos e civilizações. É uma ciência que contribui para a compreensão, tradução e modelagem de situações em diversas áreas do conhecimento (astronomia, medicina, engenharia, arquitetura, arte e tecnologia da informação são alguns dos exemplos, só para se ter uma ideia). Além disso, vale ressaltar sua importância nas práticas cotidianas, como para a compreensão e tomada de decisões em situações financeiras, para a leitura e interpretação de gráficos e tabelas encontrados nos noticiários, para a elaboração de estimativas e inferências com base em análise de dados e para o desenvolvimento de estratégias de resolução de problemas, argumentação e exposição de ideias.  Ao estudar matemática, desenvolvemos competências, habilidades e atitudes tão imprescindíveis ao mundo do trabalho quanto à vida cotidiana. Por exemplo: planejar ações e projetar soluções para novos problemas de mercado, que exijam iniciativa e criatividade; compreender e transmitir ideias matemáticas, por escrito ou oralmente, desenvolvendo a capacidade de argumentação na sustentação de projetos; interpretar matematicamente situações do dia a dia ou do mundo tecnológico e científico e saber utilizar a matemática para resolver situações-problema nesses contextos; avaliar os resultados obtidos na solução de situações-problema para definições, por exemplo, de estratégias de marketing; fazer estimativas de resultados ou cálculos aproximados; utilizar os conceitos e procedimentos estatísticos e probabilísticos. No artigo “O pensamento computacional e a reinvenção do computador na educação”, Paulo Blikstein, professor na Escola de Educação e no departamento de Ciência da Computação da Universidade de Stanford nos EUA, discorre sobre as exigências do nosso mundo. “(…) o mundo atual exige muito mais do que ler, escrever, adição e subtração. A lista de habilidades e conhecimentos necessários para o pleno exercício da cidadania no século XXI é tão extensa quanto controversa. Não sabemos muito bem quais são essas habilidades, muito menos como ensiná-las.” Na sequência, ele fala da importância do “pensamento computacional” e sobre o ensino de ciências. “Felizmente, nossas pesquisas têm mostrado que os alunos aprendem ‘ciência computacional’ mais facilmente do que ciência tradicional, por uma série de fatores cognitivos, epistemológicos e motivacionais. Boa parte da ciência e da matemática que ensinamos na escola foi inventada porque não tínhamos computadores, e seu aprendizado é desnecessariamente difícil, afastando qualquer aluno mais criativo. Portanto, a habilidade de transformar teorias e hipóteses em modelos e programas de computador, executá-los, depurá-los, e utilizá-los para redesenhar processos produtivos, realizar pesquisas científicas ou mesmo otimizar rotinas pessoais, é uma das mais importantes habilidades para os cidadãos do século XXI. E, curiosamente, é uma habilidade que nos faz mais humano. Afinal, o que há de mais humano do que livrarmo-nos de tarefas repetitivas e focar no mundo das ideias?” Não são poucas as competências, habilidades e atitudes necessárias para o exercício da cidadania no século XXI, para o enfrentamento do mundo do trabalho e para a imersão no mundo da tecnologia. Atualmente, desenvolver o raciocínio lógico, a autonomia e a criatividade é mais importante do que aprender conteúdos. Nesse contexto, o professor é imprescindível para ajudar os alunos em seus percursos com foco onde querem chegar, ajudá-los a selecionar as informações que de fato precisam, prepará-los para o mundo como um todo, inclusive o do trabalho, tornando-os cidadãos críticos, criativos e autônomos.

Fábio Martins de Leonardo

é licenciado em Matemática pela Universidade de São Paulo. Elaborador e editor responsável da obra Conexões com a Matemática (PNLD 2018).

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8 passos para contar histórias e engajar a turma

8 passos para contar histórias e engajar a turma

Como o ato de contar histórias pode transformar a sua sala de aula em um espaço colaborativo e criativo com grandes resultados de aprendizagem. 

Ilustração Ricardo Davino 

Era uma vez, uma história. Quem não se encanta por elas? Histórias são parte de nossas vidas e se manifestam em diferentes formatos: nos registros produzidos em paredes de cavernas – a chamada arte rupestre –, nas histórias de ninar, nos contos de fadas, na literatura, nas fábulas, nas novelas, nos filmes e nos seriados. As histórias estão também na conversa, no diálogo entre amigos que contam um ocorrido, num álbum de família, numa propaganda, nos arquivos pessoais de um grande gênio da humanidade ou de um indivíduo comum. Já deu para entender que storytelling tem tudo a ver com histórias, né? Mas quando falamos sobre utilizar essa técnica na educação, não estamos tratando apenas de fazer a leitura de um livro e mostrar suas ilustrações aos estudantes. Storytelling vai muito além. Vamos descobrir?

Descobrindo um novo mundo 

Storytelling trata de contar histórias, aliás, mais que isso: trata-se de contar boas histórias. Essa técnica – já utilizada pelas mídias e pelo entretenimento por meio do cinema e da publicidade, por exemplo – pode ser aproveitada também no âmbito educacional pelos professores. Vamos pensar juntos: Qual é o objetivo de uma propaganda de televisão? Entre tantas outras propagandas, além de vender o produto, quer chamar a atenção de quem assiste. Para isso, recursos como cores, sons, imagens, histórias envolventes e a própria linguagem são explorados para gerar emoções e conexões, mantendo o telespectador engajado na mensagem transmitida. A Coca-Cola, por exemplo, é uma das marcas que mais aplicam com sucesso a técnica do storytelling em suas propagandas, especialmente aquelas de Natal que visam emocionar e passar uma mensagem de esperança e bem-estar a quem assiste (mod.lk/ex_coca). O mesmo ocorre com filmes, seriados e novelas: entre cenas de ação, humor e drama, muitas histórias são contadas e construídas, gerando emoções diversas em quem acompanha, ganhando a atenção plena de quem está do outro lado da tela. Não se engane ao pensar que a técnica pode ser utilizada apenas em comerciais. O storytelling pode ser usado em apresentações de trabalho, de projetos, de propostas, em planejamentos, com o objetivo de explicar um conceito, ilustrar uma emoção, apresentar resultados, convencer, conquistar, inspirar e, principalmente, engajar.

Grandes storytellers e seus segredos  

Há alguns indivíduos que se destacaram e mudaram suas vidas por serem grandes storytellers e por utilizarem isso ao seu favor, seja para transmitir sua mensagem, para compartilhar uma causa, para expandir seus negócios ou para se tornar reconhecido em alguma área do conhecimento. É o caso de Steve Jobs, Martin Luther King Jr., Bill Gates e Malala Yousafzai, que nos deixam algumas lições exploradas no livro Storytelling: Aprenda a contar histórias com Steve Jobs, Papa Francisco, Churchill e outras lendas da liderança, de Carmine Gallo:

STEVE JOBS Storytellers inspiradores são eles mesmos inspirados e compartilham o seu entusiasmo com o seu público.

MARTIN LUTHER KING JR. Grandes storytellers se tornam, não nascem assim. Aproveitam as oportunidades para aperfeiçoar suas habilidades de falar em público e de inspirar espectadores.

BILL GATES Quebre expectativas. Quando as pessoas acham que sabem o que vem adiante, surpreenda. Crie histórias inesperadas, chocantes ou surpreendentes. 

MALALA YOUSAFZAI Conte histórias com o coração. Uma boa história pode levar alguém às lágrimas; uma história magnífica pode dar início a um movimento.

A jornada do herói  

O modelo a seguir, também disponibilizado no livro de Carmine Gallo, foi compartilhado por Austin Madison, um animador e criador de storyboards de vários filmes da Pixar, como Ratatouille e Toy Story 3. Em uma apresentação, Austin compartilhou os 7 passos que os filmes da Pixar seguem e que têm como objetivo dar à plateia alguém por quem torcer:

Era uma vez um _________________. (O protagonista/herói)

Todo dia ele _________________. (O mundo desse herói é um mundo comum, cotidiano)

Até que um dia _________________. (Toda história atraente tem um conflito, um desafio para o herói) 

Por causa disso _________________. (Uma série de esforços vão acontecer e se conectar em sequência com a cena seguinte – como se tudo fosse se encadeando)

Por causa disso, _________________. (Outras cenas que são conectadas com as anteriores e as seguintes.) 

Até que finalmente _________________. (O clímax – o triunfo do bem sobre o mal)

Desde então _________________. (A moral da história) 

Agora, veja o exemplo aplicado ao filme Star Wars a partir da história do personagem Luke Skywalker: 

Era uma vez um menino de fazenda que queria ser piloto.

Todo dia ele ajudava na fazenda. Até que um dia sua família é assassinada. 

Por causa disso, ele se junta ao lendário Jedi Obi-Wan Kenobi. 

Por causa disso, contrata o contrabandista Han Solo para levá-lo a Alderaan. 

Até que finalmente Luke alcança seu objetivo e torna-se piloto de guerra e salvador da pátria. 

Desde então, Luke está a caminho de se tornar um cavaleiro Jedi. 

Um exemplo prático  

No meu caso, como professora de História, usei alguns elementos da Jornada do Herói (existem vários modelos para se contar uma história, a Jornada do Herói é uma das possibilidades) para chamar a atenção dos meus estudantes sobre uma temática pouco atraente para a maioria deles: as Cruzadas. Para esse tema, uni duas ferramentas: o storytelling para abordar o assunto e conquistar sua atenção e o Google Maps para aprofundamento e uma experiência de aprendizagem mais significativa. De forma resumida, iniciei a aula em círculo com um bate-papo sobre grupos de pessoas que percorriam, em expedições, longas distâncias, correndo todo o tipo de perigo, desde a fome até doenças para libertar locais sagrados pelos cristãos do domínio islâmico. Algumas pessoas do grupo acreditavam que, ao completarem a jornada, uma mistura de peregrinação com guerra, teriam seus pecados perdoados. 

Conforme a história se aprofundava, íamos abordando outros objetivos das Cruzadas e suas características, e muitas perguntas surgiam: “eles eram loucos?”, “Quantos dias eles andavam?”, “Eles iam morrendo pelo caminho?”, “Que distância eles percorreram?” Era o que bastava para convidar a turma à pesquisa. Em equipes, os alunos jogavam os dados que tínhamos disponíveis no Google Maps e descobriam a distância percorrida em cada Cruzada – com um paralelo ao mapa do mundo atual. De repente, eu ouvia: “professora, você não vai acreditar! Na primeira Cruzada, se a gente fizesse no Brasil saindo lá da pontinha do Rio Grande do Sul, a gente teria que andar até a Bahia! Por que eles faziam isso?! Como eles aguentavam?”. Bem, a partir daí, o casamento entre o storytelling e o uso de ferramentas digitais foi o suficiente para que a aprendizagem das Cruzadas fosse um tema mais relevante, significativo e proveitoso para a turma e eu poderia dar sequência a outras coisas interessantes que veríamos juntos sobre aquele período.

Outro exemplo na minha trajetória como professora foi uma série de arquivos fictícios e pessoais dos tempos da Segunda Guerra Mundial que criei a partir do conteúdo que trabalharia. Era uma turma de Ensino Médio e, num primeiro momento, imaginei que, devido à idade e à fase de vida, os alunos não se interessariam e minha ideia iria por água abaixo. Ledo engano: pessoas amam histórias e desafios. 

Cortei algumas folhas de papel sulfite, derramei café nelas e deixei que secassem de um dia para o outro. Resultado: folhas marrons, parecendo papel antigo. Juntei restos de papel kraft, papel cartão preto e alguns envelopes de carta. O próximo passo foi a definição dos meus personagens: os “donos” dos arquivos. Assim fiz: duas amigas judias se escondendo com suas famílias; pai e filho alemães, sendo o filho soldado do exército; esposa e marido japoneses, sendo ela enfermeira em guerra, e outros. Escrevi à mão algumas cartas curtas, todas com datas do período entreguerras. Na internet, consultei cartões-postais antigos com imagens da França e da Europa em geral, para simular cartões enviados por correspondência. Também imprimi selos de carta da época e colei nos envelopes. Para as cartas mais longas, escrevi no Word, utilizando a fonte Courier New (semelhante à fonte de máquinas de escrever, para manter a sensação de ser algo antigo) e juntei alguns objetos que pareciam antigos. 

Cada equipe ganhou um arquivo e teve de ler, analisar as datas, as informações e descobrir a relação entre o remetente e o destinatário, descobrir o período em que viviam, o que contavam, no que trabalhavam, enfim, uma simulação ao trabalho de pesquisa de um historiador, que tem de lidar com documentos não lineares e que não trazem todas as informações. Ao final, cada equipe apresentou seus personagens e contou suas histórias baseando-se na documentação disponibilizada. Hoje, já adultos, quando os alunos daquela turma me encontram, afirmam: “professora, nunca mais esqueci o que estudamos sobre a Segunda Guerra Mundial e o que aconteceu naquele período”. Tudo porque estudamos um período tão importante, com histórias “reais” em pano de fundo. 

Como começar o storytelling? 

Agora você deve estar se perguntando: quais lições um educador storyteller pode dar a outro educador que quer explorar essa técnica? Como professora de História e, consequentemente, mas não acidentalmente, uma contadora de histórias, compartilho algumas sugestões:

① Pense de forma interdisciplinar. Todas as áreas do conhecimento estão conectadas; a matemática, a geografia, a história, as linguagens, a arte, a educação física, a química – no universo, não há gavetas separando os temas. Conectar a sua temática com outra área ajuda a dar sentido e demonstrar a relação entre o cotidiano e o que está sendo explorado. Numa receita de bolo, a matemática (quantidades) e a química (fermentação) podem se juntar e se transformar em uma história que envolve a vida cotidiana, algo palpável, concreto.

Vejamos um exemplo.

“Pessoal, vocês não imaginam o que aconteceu comigo ontem! Estava muito feliz pelo aniversário do meu sobrinho que fez 18 anos, então me inspirei, tomei coragem e fiz algo que nunca faço: um bolo! Peguei uma receita qualquer na internet, às pressas e sem perceber que as quantidades não estavam fazendo muito sentido. Ao final percebi que havia colocado pouca farinha, muitos ovos e muito fermento. Imaginem o resultado! O bolo ficou com um aspecto estranho e como usei muito fermento, que tem sua reação causada pela temperatura e que só para quando todo o fermento reage, o bolo crescia sem parar! Eu me lembrei da importância das frações na cozinha, seja para não comer comida salgada demais, para não desperdiçar ou mesmo para não causar essa catástrofe que foi o meu bolo de aniversário. Depois de tudo isso, vamos aprender a fracionar e perceber o quanto utilizamos isso no nosso dia a dia?” 

② Domine o conteúdo. Para contar histórias, saiba bem do que está falando. Depois, pense em situações que podem ser reais (a biografia de um ícone daquela área), pessoais (quando você mesmo vivenciou e tirou uma lição) ou criadas (quando você conta situações envolvendo uma história). 

③ Use e abuse de elementos atraentes. Pense em todos os elementos e ferramentas necessários à sua história para torná-la mais relevante. Você pode incluir seus alunos como personagens, sua cidade, a escola; pode inserir algum cantor, uma celebridade, alguém muito conhecido na cidade; pode eleger uma música-tema e usar ferramentas simples do cotidiano da turma como gifs, memes, vídeos, imagens, enfim, o que puder ilustrar esse momento ou partes da história. 

④ Use sua voz. O tom de voz mais baixo indica a sensação de suspense, de contar um segredo. Isso atrai a atenção dos estudantes para o que vem a seguir. Além disso, um tom de voz mais alto indica ânimo, energia, e se utilizado para enfatizar momentos, destacar falas e indicar sensações como a de susto torna a história mais envolvente.

⑤ Ilustre com objetos reais: Antes de falar sobre frações, você pode levar alguns objetos e pedir à turma que divida, some ou multiplique, por exemplo. Em vez de chegar em sala de aula afirmando: “Turma, hoje vamos estudar o Egito Antigo”, apresente imagens de tumbas, das pirâmides, da esfinge, do Egito hoje, ilustrações de Cleópatra e outros ícones egípcios. Faça hipóteses antes de você entrar de vez na temática.

⑥ Avalie com storytelling. Que tal pensar na avaliação utilizando o storytelling? Crie um personagem que precise de ajuda e, a cada questão respondida, o estudante chega mais perto de salvá-lo do mal. 

⑦ Crie zines. Zines são a abreviação de fanzines, muito utilizados por produtores culturais de pequena circulação. São pequenos livros feitos com papel sulfite e que podem ser utilizados como cartões, biografia, livros com histórias curtas, cartões com resumos de conteúdos, etc.

⑧ Desperte a criatividade com ferramentas digitais. Uma boa forma de trabalhar storytelling como aliado no desenvolvimento da competência 4 da BNCC – a comunicação –, são as histórias em quadrinhos, exercitando a expressão a partir de uma variedade de linguagens e plataformas, utilizando a criatividade. Você pode lançar o desafio para os seus alunos através de ferramentas como o Storyboard That (www.storyboardthat.com/pt), o Strip Generator (www.stripgenerator.com) e o Make Beliefs Comix (www.makebeliefscomix.com). Com essas ferramentas digitais, os alunos podem contar sua própria história, a história de um grande cientista, de um escritor ou resumir uma história literária. Além disso, a turma pode sintetizar o conteúdo visto ou trazer curiosidades adicionais sobre a temática estudada.

Nossa história está chegando ao fim, mas para ajudar você, professor, a perceber a importância de conquistar a atenção dos seus estudantes e propiciar uma aprendizagem cada vez mais significativa, finalizo este breve roteiro com uma fala do especialista em Neuroeducação, Francisco Mora, em seu livro Neuroeducación: solo se puede aprender aquello que se ama, publicado em 2013: “A curiosidade, o que é diferente e se destaca no entorno, desperta a emoção. E, com a emoção, se abrem as janelas da atenção, foco necessário para a construção do conhecimento” (p. 66).

 

Emilly Fidelix

é professora há 12 anos, tendo trabalhado com turmas de Educação Infantil ao Ensino Superior. É historiadora, doutoranda em História Global (UFSC) e Especialista em Tecnologias, Comunicação e Técnicas de Ensino (UTFPR). Também é criadora da página no Instagram @seligaprof na qual explora temas como tecnologias e metodologias ativas.

 

PARA SABER MAIS 

  • GALLO, C. Storytelling: Aprenda a contar histórias com Steve Jobs, Papa Francisco, Churchill e outras lendas da liderança. São Paulo: Alta Books, 2018.
  • MORA, F. M. Neuroeducación: Solo se puede aprender aquello que se ama. Madrid: Alianza Editorial, 2017. 

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Formação de professores frente a um currículo em movimento

Formação de professores frente a um currículo em movimento

Como garantir que os professores estejam inseridos nas constantes transformações dos currículos escolares em um contexto tão complexo quanto o brasileiro?

Por Miguel Thompson

A educação brasileira está prestes a enfrentar um de seus maiores desafios. Estimativas apontam que, até 2023, quase metade dos professores estarão em idade de se aposentar. Isso corresponde a cerca de 1,2 milhões de profissionais com potencial de sair da carreira docente. Isto somado à grave crise de qualidade da educação brasileira, traz a pergunta: quem assumirá as salas de aula? A despeito da complexa situação, seria importante pensarmos a aposentadoria dos professores como uma oportunidade para aproveitar as vivências desses profissionais sêniores para o estímulo, preparação e formação de novos docentes. Dessa forma, a principal crise, a da qualidade em educação, poderia ser estrategicamente equacionada, formando profissionais melhor preparados para os novos tempos, sem perder de vista o imenso capital intelectual e experiencial que os professores em processo de aposentadoria podem compartilhar. Este modelo de transição já tem sido adotado em países com ótimo desempenho educacional e tem garantido a qualidade a longo prazo.

Um dos grandes problemas no processo de formação de professores está na incapacidade de atrair os melhores alunos para a profissão. Lembremos que antes dos anos 60, as famílias de elite tinham orgulho de ter entre seus filhos, médicos, advogados, padres e professores. No entanto, nos últimos 50 anos, houve uma progressiva desvalorização da profissão docente. O processo de universalização da educação pública passou a demandar mais profissionais do que o sistema educativo poderia formar com a qualidade desejada e aconteceu uma rápida depreciação salarial dos professores.

Uma profunda preocupação com a formação docente tem sido pauta entre os especialistas. O Plano Nacional de Educação (PNE), em vigor desde 2014, apresenta propostas de melhoria da formação docente, que envolvem temas importantes como a organização curricular, o planejamento letivo, a necessidade de renovação continuada (pesquisa e programas de pós-graduação), a remuneração e os modelos de planos de carreira. A legislação vigente conta com uma clara orientação de melhoria salarial para os próximos anos, mas, fato é que ainda recebemos menos que profissionais de outros setores com a mesma qualificação. Ao analisar os números da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), divulgada pelo IBGE, percebemos que os salários de professores estão crescendo, em média, acima da inflação, e num ritmo superior ao verificado entre os demais trabalhadores com diploma universitário. Isso significa que a distância entre os profissionais que dão aulas em escolas está diminuindo em relação a outras carreiras com formação universitária. Mas, infelizmente, o ritmo de melhoria dos salários ainda é insuficiente para cumprir a meta do PNE.

Formação inicial

Além de tentar atrair os melhores estudantes para a carreira docente, o Conselho Nacional de Educação, em 2015, baixou uma resolução (Resolução 2/2015 – CNE) com orientações vistas como essenciais para a formação de um professor preparado para as transformações do mundo. Assim, o CNE e as faculdades firmaram um compromisso com a qualidade docente desde os primeiros passos acadêmicos. Vamos debater alguns desses pontos e discutir como pode ser pensada a formação dos professores para o século XXI:

1Sólida formação teórica e interdisciplinar 

Uma sólida formação teórica é fundamental para se exercer uma docência de qualidade que atenda as demandas atuais. Sem a capacidade de observar o mundo pelo prisma dos modelos conceituais construídos ao longo da história da humanidade, é quase impossível ser um bom docente. Um professor alfabetizador deve conhecer as principais teorias de alfabetização e letramento para fazer suas escolhas teóricas e metodológicas de acordo com as necessidades dos estudantes e os contextos de sala de aula. O mesmo se aplica para as outras especializações e disciplinas. O profissional contemporâneo deve ter domínio sobre o conhecimento específico que irá ministrar, mas é importante ressaltar que isso não é suficiente para dar boas aulas e construir o aprendizado junto aos alunos. Não se pretende um biólogo ou um físico em sala de aula, mas professores de Biologia e Física que saibam fazer a transposição do conhecimento específico para que ele se torne significativo para todos os estudantes. Aqui, o conhecimento didático e o desenvolvimento dos alunos agrega-se à formação em disciplinas específicas, produzindo uma prática diferente daquela existente em laboratórios de pesquisa ou indústrias, construindo assim a especificidade da ação docente.

Outro ponto a destacar é a necessidade de o professor saber dialogar com distintos campos do saber para poder correlacionar conceitos específicos a outras áreas do conhecimento. Isso é necessário porque o entendimento e a resolução dos problemas reais é muito mais complexa do que a forma como são organizadas as disciplinas escolares. Eventos econômicos (crise econômica de 2008), questões ambientais (mudanças climáticas) ou crises sociais (como os fenômenos migratórios na Europa ou as manifestações sociais brasileiras de junho de 2013) só podem ser interpretadas à luz de diversos conhecimentos disciplinares. Pensando nisso, formaremos jovens mais criativos e inovadores, capazes de usar um repertório de diferentes áreas na resolução de problemas. Em geral, formar um professor com excelente conhecimento específico e amplo espectro de movimentação em diferentes áreas é vital para a formação de jovens inovadores e preparados para um mundo em constante mudança.

Unidade teoria-prática

Transpor um conteúdo específico para a sala de aula é traduzir conceitos em uma linguagem acessível e adequada para a faixa etária e sociocultural daquele contexto escolar. A capacidade de usar analogias, metáforas e exemplos do universo do estudante é fundamental para trazer significado ao que se ensina. Sem essa interação não se constrói conhecimento significativo. Como é possível uma criança lembrar mais de 100 nomes diferentes de Pokémons e não lembrar a capital de um país ou o nome do rio que corre na sua cidade? A educação se dá, na verdade, em um processo de interação entre os conhecimentos formais da escola e o cotidiano do aluno, repleto de ideias espontâneas baseadas em suas experiências. Quanto mais próximo um do outro, mais fácil transformarmos o enorme potencial da mente dos estudantes em uma realidade geradora de novos conhecimentos. É nessa constante interação entre a teoria e a prática, ou seja, entre o que deve ser ensinado de acordo com os currículos oficiais e a realidade vivida pelo estudante, que se constrói o processo educativo. O professor deve ser um investigador, imaginando o currículo a ser ensinado como uma hipótese a ser testada. Os objetivos instrucionais devem aparecer como um planejamento de um experimento, que ocorrerá em sala de aula ou em toda interação educativa. A partir das respostas dos alunos, novos planos de aula são elaborados, em um contínuo investigativo da relação teoria-prática, visando o desenvolvimento máximo daqueles alunos, naquela situação e naquele contexto. Em um mundo de transformações, a teoria deve servir como um apoio importante, mas não pode ser tratada como um catecismo imutável. É na interação com a sala de aula, no registro do professor e na reflexão sobre essa prática que se constrói um projeto educativo que leva em consideração as mudanças no espaço e no tempo, sempre com foco nas necessidades reais dos estudantes. De acordo com a resolução 2/2015 do CNE, isso se dá pensando “a docência como ação educativa e como processo pedagógico intencional e metódico, envolvendo conhecimentos específicos, interdisciplinares e pedagógicos, conceitos, princípios e objetivos da formação que se desenvolvem entre conhecimentos científicos e culturais, nos valores éticos, políticos e estéticos inerentes ao ensinar e aprender, na socialização e construção de conhecimentos, no diálogo constante entre diferentes visões de mundo.” Para que a interação entre teoria e prática funcione, não se pode mais evitar as novas tecnologias. O uso das mídias sociais é fundamental para o professor conectar os estudantes em rede, incentivar o trabalho colaborativo e de cocriação, estimular a comunicação a distância e realizar pesquisas individuais na internet, induzindo também um processo customizado de formação. É por meio das ações sugeridas, associadas ao pensamento crítico, que aproximaremos o docente das novas tecnologias, não oferecendo dispositivos eletrônicos de maneira descontextualizada e sem projetos educacionais robustos. Neste sentido, a gravação de aulas com celulares, por exemplo, permite que o professor utilize as novas tecnologias (TICs), analise individualmente e receba feedbacks que seguramente o ajudarão no aperfeiçoamento do processo educativo e no aprimoramento da prática docente. Por fim, a aproximação dos centros formadores de professores com as escolas deve ampliar a presença do futuro professor na sala de aula, transformando o estágio em uma ferramenta real de formação, reflexão e aquisição de elementos da prática docente.

Trabalho coletivo e interdisciplinar

Se antigamente planejar era um trabalho individual, hoje é irreal imaginar um projeto educativo cujos planos didáticos sejam elaborados por um professor solitário, fechado em sala de aula, em uma interação exclusiva com sua classe. Preparar o planejamento do curso coletivamente, atuar em grupo e refletir com seus pares as melhores estratégias devem ser práticas da escola contemporânea. Comunicar essa prática e incluir os estudantes nesse processo é fundamental para formar os jovens do século XXI. É por homologia de processos, isto é, reproduzindo o que viveu na escola, que se desenvolve o conhecimento e se estimula as práticas dos futuros cidadãos. Não há mais espaço para os profissionais que não sabem trabalhar em grupo. Do plano à ação, da avaliação à gestão da sala de aula, é essencial que se crie o hábito de trabalhar aos pares ou em grupos. Assistir a aula do colega para posterior feedback é uma ferramentas eficiente de melhoria da ação docente. O trabalho coletivo deve, portanto, ser tratado como um valor a ser compartilhado com os estudantes. Uma das características dos novos tempos é a colaboração em massa e os jovens produzem bem desta maneira. Os cientistas trabalham assim há séculos, publicando suas pesquisas e recebendo sugestões de seus colegas. Projetos recentes como o Genoma Humano, que sequenciou todo DNA de nossa espécie, recebeu contribuições coletivas de cientistas de todo o mundo. As empresas vêm usando esse potencial de inteligência coletiva para produzir novos produtos e serviços, como os aficionados por LEGO, que geram novos produtos para a empresa, ou mesmo grupos de consumidores de carros da BMW, que participam coletivamente da discussão e elaboração de novos projetos. Os agrupamentos de jovens, por sua vez, já produzem fenômenos coletivos, como festivais de cultura POP (Comic Con, evento de quadrinhos e séries de TV, por exemplo) ou disputas em estádio de finais de campeonatos de games (League of Legends). No processo de construção coletiva do projeto educativo, os próprios estudantes são fonte de grande valia. Pela primeira vez na história, os jovens acumulam um determinado tipo de conhecimento superior ao acumulado do mundo adulto. É o caso dos usos das novas tecnologias ou conhecimentos gerados pela cultura digital, como os canais de youtubers. O educador contemporâneo deve usar esses valores para seu aprendizado e para desafiar e se aproximar de seus alunos. Interagir com diferentes pontos de vista pode evitar erros e preconceitos inerentes a nossa formação. É no diálogo com o grupo que surgem as melhores aulas. Reconhecer que sabemos pouco sobre algo ao dialogarmos com outros especialistas, além de nos trazer novos conhecimentos, nos faz mais humilde frente aos alunos, que terão contato com toda a gama de conhecimento curricular daquela série. Se nem nós sabemos a maioria dos conteúdos, por que obrigamos os jovens saberem tudo nas avaliações? O diálogo interdisciplinar ressignifica nossos conteúdos, aproxima diferentes conceitos para a resolução de problemas e demonstra aos alunos que, para interpretar o mundo, são necessários diversos tipos de conhecimentos.

Compromisso social e valorização do educador

Já falamos aqui sobre contextualização e complexidade. Nada nos parece mais importante que estabelecer conexão entre o conhecimento escolar e a sociedade, visando a mudança da realidade. Em uma nação com tantos problemas sociais como o Brasil, é muito importante o compromisso do professor com a transformação. Seja em relação às melhorias das condições de vida, seja com uma maior atuação na comunidade e/ou no ambiente. Em um mundo globalizado e com 7 bilhões de pessoas não é mais possível imaginar apenas o desenvolvimento individual dos estudantes. É preciso planejar cursos que os preparem para a série de problemas urbanos, sociais e ambientais que eles herdarão. Assim, engajar o professor nos problemas de seu tempo é engajar os estudantes no seu próprio projeto de vida. Usar exemplos do entorno, da cultura local ou fenômenos mundiais emergentes para estimular a reflexão crítica com modelos de conhecimento escolar e de experiências dos estudantes aproxima o que se aprende na escola com a realidade, permitindo o uso dos conteúdos escolares como ferramenta de entendimento e intervenção no mundo. É também a partir dessa conexão com os contextos reais que as famílias se aproximarão da escola. É no debate sobre temas atuais e relevantes da vida familiar, que os pais entenderão que a escola não existe apenas para formar um jovem para um futuro abstrato, mas está também a serviço da contemporaneidade. É nessa entrada do conhecimento escolar no cotidiano das casas que ocorrerá a valorização do professor e a adequação do conhecimento às emergências do mundo atual.

Fomação continuada e pesquisa

Reiteramos que a única certeza que temos é a mudança. Nos novos cenários muitas funções sociais desaparecerão, como ocorreu com o datilógrafo, por exemplo. Mas, em contrapartida, novas profissões surgirão sem que nem imaginemos. Quem diria há 10 anos que ser blogueiro, youtuber ou gamer seriam profissões nos dias de hoje? Dessa forma, conhecimentos e práticas de hoje podem ser obsoletos em pouco tempo. Não se trata de ampliar nossa ansiedade em busca de cursos de uma forma que prejudique nossa qualidade de vida, mas devemos levar em consideração que precisaremos estudar ao longo de toda nossa vida. Seja para atualizar metodologias, seja para prepararmos nossos alunos de maneira adequada e significativa. Acompanhar as mudanças coletivas, sociais, acadêmicas e tecnológicas será cada vez mais um diferencial na profissão e também uma obrigação. De agora em diante, cada vez mais grupos de interesse criarão conteúdo nas mídias sociais. Questões socioambientais, éticas, estéticas e relativas à diversidade étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional e sociocultural circularão em grupos organizados e deverão ser objeto de apreciação da escola, do professor e do plano de aula. Aproximar temas emergentes dos conceitos formais escolares será fundamental para contextualizar e trazer significado ao ambiente escolar, exigindo constante estudo, investigação e pesquisa do professor.

Autoconhecimento e formação integral

Para terminar, é imprescindível lembrar que o profissional contemporâneo deve desenvolver um compromisso com seu autoconhecimento e sua formação integral. Não somos apenas organismos cognitivos, e os novos tempos exigem uma integração maior entre mente, corpo, sociedade e ambiente. Vivemos como se vivêssemos em um mundo fragmentado, onde as pessoas, os organismos e os sistemas operassem de forma independente. Mas, na realidade, nossas relações são interdependentes e sistêmicas, portanto complexas. Saber o que não sabemos, buscar nos outros conhecimentos complementares, entender o que nos afeta coletivamente, o que são e como as habilidades socioemocionais (tão exigidas nos dias de hoje) devem ser levadas em consideração e o que devemos desenvolver e estimular nos estudantes, serão questões ainda mais relevantes para o desenvolvimento do professor como indivíduo e como profissional.

Miguel Thompson

É Doutor em Oceanografia pela USP e atua como Diretor da Fundação Santillana*. É autor de livros didáticos pela Editora Moderna e foi professor do ensino básico por 25 anos. 

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