Transformação digital docente

Transformação digital docente

Tornou-se uma fala vazia justificar a urgência da forma-ção continuada às atuais mudanças do mundo. Que o mundo mudou e continuará mudando todos já sabem, mas o que sua escola está fazendo para empoderar os principais agentes dessa transformação: os professores?

Em menos de quatro décadas, a transformação digital mudou completamente nossa forma de atuar no mundo. Revimos conceitos até então estabelecidos e vivenciamos novas experiências de interação, cooperação e compartilhamento. A forma de conviver se transformou, assim como a maneira de consumir informação, refiná-las e conectá-las. Reaprendemos todos os dias a viver no mundo em que nossos alunos já nasceram imersos.

Você deve estar acostumado com esses clichês e a ser tachado como “imigrante digital”, tentando aprender a língua do momento para adentrar o mundo dos “nativos digitais”. Estes conceitos foram propostos pelo escritor Mark Prensky, em 2001, e reverberados até hoje mundo afora. Dizia ele: “Se educadores imigrantes digitais realmente querem educar nativos digitais – ou seja, todos os seus alunos – eles precisarão mudar. É hora de eles pararem de resmungar e, como diz o slogan da Nike para a geração de nativos digitais, ‘Just do it!’ (simplesmente faça)”. Acontece que ao longo dos anos um grande número de trabalhos científicos chegou a conclusões diferentes, como o artigo “Os mitos do nativo digital e do multitarefas”, publicado em 2017 na revista Teaching and Teacher Education e endossado pela revista Nature, que afirma, com base em dados e pesquisas formais, que direcionar o ensino com base nesses fatos é “incorrer no erro de presumir que seus alunos possuem talentos e habilidades que os professores não possuem”. Com isso, assegura que, embora a forma como significamos o mundo tenha mudado, cabe ao professor e ao coordenador assumirem as rédeas e formalizarem a maneira como lidam com a informação on-line, tanto para as novas quanto para as gerações dos próprios profissionais, numa perspectiva de aprendizado contínuo.

O novo mundo, o mundo de hoje

A sociedade atual vem presenciando o que está sendo chamada Quarta Revolução Industrial ou Indústria 4.0, que se reflete em um mundo cada dia mais interconectado, complexo e incerto. Não é à toa que imaginar as profissões do futuro virou um exercício de alto risco. “Fugimos dos nomes de profissões e nos concentramos nas habilidades que serão necessárias. Estas são mais previsíveis, úteis e passíveis de serem desenvolvidas e praticadas – o que não é possível em se tratando de profissões que ainda nem sabemos como vão se chamar”, afirmou Amar Kumar, líder da pesquisa “O futuro das habilidades: empregabilidade em 2030”, em entrevista ao portal Porvir. De acordo com esse estudo, as habilidades ligadas à criatividade, originalidade, fluência de ideias e tomada de decisão estarão em alta no final da próxima década. A pesquisa também revela que o setor de Educação tende a ganhar mais eficiência com o avanço das tecnologias digitais, bem como expandir sua força de trabalho. Entre os nichos que devem se destacar, Kumar cita as mentorias individuais. “Haverá alta demanda tanto por aprender quanto por aprender como se aprende”, diz.

Educação 4.0

Impulsionada pela Indústria 4.0 e seus impactos sobre a economia e o mundo do trabalho, a Educação 4.0 vem ganhando força. Ela se apropria das tecnologias digitais – não só como ferramentas, mas como agentes de transformação – para repensar as experiências de aprendizagem nas escolas. Baseada no conceito de learning by doing (em português, aprender fazendo), sugere que o processo de aprendizado contemple vivências, projetos, experimentação e mão na massa. O objetivo da nova escola deve ser criar um espaço propício para que o aluno saia da condição de sujeito passivo e ocupe o eixo central da aprendizagem – por exemplo, em um ambiente de incentivo à inovação, invenção, resolução de problemas e colaboração. “Cabe ao professor conduzir tudo isso; afinal, ninguém melhor do que ele para entender as necessidades de desenvolvimento dos alunos de hoje”, afirma Anna Katarina Vasconcellos, gerente de Inovação e Projetos do Moderna Compartilha.

Frente aos novos papeis do professor, a formação docente adquire um caráter estratégico nas instituições de ensino. “Se queremos o aluno preparado para enfrentar os desafios deste século, precisamos ter a escola e o professor devidamente preparados para o que está por vir e empoderados como líderes desse processo”, explica Márcia Carvalho, diretora de Negócios do Moderna Compartilha. Esse é justamente um dos maiores desafios da Educação 4.0, que visa garantir a relevância dos educadores em um mundo hiperveloz, ambíguo e incerto.

As principais habilidades da era digital e os insights pedagógicos que os educadores precisam aprender e ensinar foram listados e são atualizados periodicamente pela organização sem fins lucrativos que é referência mundial em Tecnologia na Educação, o iste (International Society for Technology in Education).

Ele definiu sete padrões, ou standards, com as competências que os educadores precisam desenvolver para potencializar a adoção de boas práticas de inovação, integrando novas tecnologias. O objetivo é aprofundar a prática pedagógica, promover a colaboração entre colegas, repensar as abordagens tradicionais e preparar os alunos para impulsionar o próprio aprendizado.

As metas, com suas respectivas competências, são específicas para cada padrão. Em “Aprendiz”, por exemplo, os educadores devem aprimorar sua atuação enquanto aprendem e exploram práticas promissoras em prol da melhoria do aprendizado. Já em “Analista”, entendem e usam dados para orientar suas instruções, bem como ajudam os alunos a atingir suas metas de aprendizado. No standard “Cidadão Digital”, por sua vez, os educadores inspiram os estudantes a participar do mundo digital com responsabilidade e a contribuir de forma positiva. Em “Designer”, desenvolvem atividades em ambientes que sejam autênticos, acolham a diversidade e sejam voltados para o aprendiz. O foco no aluno também está presente no standard “Facilitador”, que privilegia o aprendizado com tecnologia para ajudá-lo a conquistar os standards que o iste elaborou especificamente para estudantes. Por fim, em “Líder” o desafio é identificar oportunidades de liderança para melhorar o ensino, a aprendizagem e o sucesso do aluno. 

Padrões iste no Brasil

Em parceria com o iste, o Moderna Compartilha — plataforma global de educação do Grupo Santillana que empodera o educador para viver na cultura digital – trouxe para o Brasil os padrões de formação profissional. Eles são referência para o recém-lançado programa de Desenvolvimento Gradativo para Professores Compartilha. “Nos baseamos nas descrições que o iste faz das competências do educador contemporâneo e montamos um programa alinhado à realidade do Moderna Compartilha nas escolas privadas do país”, explica Anna Katarina.

A nova iniciativa prevê a formação integral dos professores e o desenvolvimento gradativo de competências docentes específicas para atuar nas escolas hoje.

São propostos percursos formativos orientados por um coach presencial e um aplicativo de coach virtual, que trazem diferentes níveis de complexidade, bem como desafios e atividades para se colocar em prática as competências em fase de desenvolvimento. “O objetivo é tirar o professor do papel de ministrador da disciplina para elevá-lo à função de educador, com instrumentos para formar os alunos”, diz Anna. Ao fim de cada etapa, o professor recebe uma certificação do Instituto Crescer e, ao final de todo o percurso, é reconhecido como professor padrão iste.

O Desenvolvimento Contínuo de Professores começa a ser implementado nas escolas no primeiro semestre de 2019. “Será um divisor de águas para os parceiros do Moderna Compartilha. Além dos professores, que acompanharão seu próprio desenvolvimento conforme avançam nas trilhas de formação, a gestão pedagógica também poderá acompanhar e ter uma visão sistêmica do desenvolvimento do corpo docente”, comenta Sônia Marques, gerente comercial.

O Desenvolvimento Contínuo de Professores começa a ser implementado nas escolas no primeiro semestre de 2019. “Será um divisor de águas para os parceiros do Moderna Compartilha. Além dos professores, que acompanharão seu próprio desenvolvimento conforme avançam nas trilhas de formação, a gestão pedagógica também poderá acompanhar e ter uma visão sistêmica do desenvolvimento do corpo docente”, comenta Sônia Marques, gerente comercial.

Até dezembro, o Moderna Compartilha deve investir R$20 milhões em projetos e ações que incentivam a inovação no aprendizado. “Para os próximos anos, outros R$60 milhões já estão reservados para impulsionar mais etapas do programa de desenvolvimento docente, certificação dos nossos coaches pelo Instituto Brasileiro de Coaching, produção de conteúdo, criação de plataformas e novas iniciativas de formação”, revela Márcia Carvalho.

Competências contemporâneas

Diante do desafio de formar os alunos em todas as suas dimensões – cognitiva, socioemocional e digital –, as escolas buscam se consolidar como espaços de educação integral. “Trata-se de formar os alunos para enfrentar algo que ainda é desconhecido, mas para o qual precisam estar preparados e munidos de flexibilidade, organização, autonomia e espírito empreendedor”, afirma Solange Petrosino, gerente de Serviços Educacionais da Moderna.

Tamanha expectativa em relação às competências contemporâneas impulsiona a formação integral dos estudantes. “Em uma relação dialógica com a sociedade, as escolas se transformam para acompanhar as novas dinâmicas do mundo”, diz Solange. Ela explica que, além de favorecer o desenvolvimento de competências em todas as áreas, a formação integral também deve prever a avaliação desse processo. “Para muitas instituições, é um grande desafio, e os percursos formativos dão subsídios para que os profissionais estejam preparados.”

Ecossistema de evolução

A cultura da evolução e protagonismo está na essência do Moderna Compartilha, que privilegia o potencial de ação da comunidade escolar frente aos seus próprios desafios e necessidades de transformação. Isso se reflete nas estratégias e métodos que o projeto adota desde a sua concepção.

A plataforma nasceu em 2012 para atender a demanda por novidades em tecnologia educacional no mercado privado. “A pressão aumentava a cada dia, especialmente à medida que se começou a falar de sala de aula invertida, competências do século XXI e novos papéis da Educação”, lembra a diretora de negócios Márcia Carvalho. Os primeiros objetivos traçados foram instalar equipamentos de ponta nas escolas, oferecer tecnologia embarcada nos livros didáticos e ensinar os professores a se relacionar com tudo aquilo em sala de aula.

O projeto começou efetivamente a rodar em 2013, quando a entrega dos primeiros tablets e projetores simbolizou o pontapé da inserção digital de 68 escolas parcerias naquele ano. “Os novos dispositivos não só substituíram o computador como levaram o conceito de mobilidade para dentro das instituições”, destaca Márcia.

Para ampliar a oferta de conteúdo, firmaram-se acordos com parceiros a partir de 2014. “Além de livros e enciclopédias digitais, trouxemos jogos pedagógicos do Xmile, livros-aplicativos em 3D da EvoBooks, avaliações e simulados para o Fundamental II e Ensino Médio, propostas de produção textual do EntreLetras, a plataforma LMS (Learning Management School) de gerenciamento de conteúdo, entre outros”, enumera.

Uma nova fase começou em 2016, quando se intensificaram as reflexões sobre o que significa estar inserido no universo digital. “Antes de mais nada, é reconhecer-se como parte de um ecossistema, no qual cada instituição desenvolve sua própria cultura digital”, comenta Anna Katarina. Ela explica que esta última tem relação direta com a forma como a comunidade escolar se organiza, os usos que faz dos dispositivos tecnológicos e da rede, o aproveitamento para fins pedagógicos, de entretenimento e socialização, entre outros fatores que acabam formando sua identidade digital.

No ano seguinte, o Moderna Compartilha inovou com os Chrome Books. “Além de ser uma evolução tecnológica, foi um caminho que adotamos para que os professores passassem a produzir conteúdo, em vez de só consumir”, conta Márcia.

Outra estratégia para aumentar o engajamento da comunidade escolar no aprendizado dos estudantes foi a criação de um portal específico para as famílias – o Compartilha em Família, com temas ligados à Educação contemporânea. “Formar os pais exige mais que informá-los. Requer o empoderamento deles com relação a tudo que gira em torno do aprendizado”, diz Solange. A iniciativa também visou ao alinhamento da família com a escola. “Os pais precisam entender o que é desenvolvimento de competências, como se avalia, o que se prioriza hoje na formação e compreender que tudo isso tem a finalidade de preparar os jovens para o desconhecido, um mundo em movimento.”

Em 2018, mais avanços deram novos contornos à plataforma. Um deles foi a parceria com o Google for Education, com ferramentas que facilitam a colaboração na sala de aula (por exemplo, Gmail e Documentos Google) e aplicativos como Google Earth e WeVideo. Outra evolução que marcou aquele ano – uma das mais ambiciosas até agora na história do Moderna Compartilha – foi a criação do programa de Desenvolvimento Gradativo para Professores, e a parceria global com o iste.

A voz das escolas

“O Moderna Compartilha facilitou a comunicação entre estudantes e professores por meio da plataforma interativa e do fórum. O projeto também ampliou a capacidade investigativa dos alunos graças aos materiais que favorecem a pesquisa antes das aulas, o que é essencial para a metodologia ativa aplicada na nossa escola.” Edmundo F. de Castilho Filho é vice-diretor do Colégio ISBA, Salvador (BA). 

“A possibilidade de saber, em tempo real, como os docentes estão trabalhando traz mais assertividade ao trabalho do gestor. Além disso, as novidades postadas a cada dia permitem ao coordenador pedagógico orientar projetos de incentivo ao professor, gerando mais interação e prática no dia a dia.” Teresa Cristina Hallal é coordenadora pedagógica na Associação Literária e Educativa Santo André, em São José do Rio Preto (SP). 

“A parceria com o Moderna Compartilha sempre foi agregadora, com muitas trocas de experiências e apoio dos coachings e consultores. Isso nos trouxe a oportunidade de rever práticas pedagógicas e introduzir, com mais eficiência, a tecnologia nas salas de aula. O resultado é uma maior conexão entre os professores e também com os alunos – estes inclusive passaram a compartilhar conhecimento e interagir mais para o crescimento de todos.” Karin Vianna é coordenadora pedagógica no Colégio SER, em Jundiaí (SP).

Saiba mais sobre cidadania digital em iste.org. Fontes: Porvir, Pew Research, Microsoft, Symantec e Association for Psychological Science. Dados Brasil: Banda Larga no Brasil: um estudo sobre a evolução do acesso e da qualidade das conexões à internet – nic.br / cetic.br

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Atualização prática para o professor
A formação do aluno começa sempre com o desenvolvimento do professor. Pensando nisso, criamos as Formações Educatrix,…
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A necessidade de resgatarmos na Educação a comunidade aprendente
Lidar com o cenário da pandemia principalmente na Educação tem sido desafiador ao mesmo tempo que nos apresenta maneiras diferentes de possibilitar novos caminhos a Educação.
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Diálogo: escola-família
Clique em Saiba mais para ler este E-Book na íntegra.
Artigo
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Os jogos sempre tiveram um lugar especial na educação

Transformação digital docente

Tornou-se uma fala vazia justificar a urgência da forma-ção continuada às atuais mudanças do mundo. Que o mundo mudou e continuará mudando todos já sabem, mas o que sua escola está fazendo para empoderar os principais agentes dessa transformação: os professores?

Em menos de quatro décadas, a transformação digital mudou completamente nossa forma de atuar no mundo. Revimos conceitos até então estabelecidos e vivenciamos novas experiências de interação, cooperação e compartilhamento. A forma de conviver se transformou, assim como a maneira de consumir informação, refiná-las e conectá-las. Reaprendemos todos os dias a viver no mundo em que nossos alunos já nasceram imersos.

Você deve estar acostumado com esses clichês e a ser tachado como “imigrante digital”, tentando aprender a língua do momento para adentrar o mundo dos “nativos digitais”. Estes conceitos foram propostos pelo escritor Mark Prensky, em 2001, e reverberados até hoje mundo afora. Dizia ele: “Se educadores imigrantes digitais realmente querem educar nativos digitais – ou seja, todos os seus alunos – eles precisarão mudar. É hora de eles pararem de resmungar e, como diz o slogan da Nike para a geração de nativos digitais, ‘Just do it!’ (simplesmente faça)”. Acontece que ao longo dos anos um grande número de trabalhos científicos chegou a conclusões diferentes, como o artigo “Os mitos do nativo digital e do multitarefas”, publicado em 2017 na revista Teaching and Teacher Education e endossado pela revista Nature, que afirma, com base em dados e pesquisas formais, que direcionar o ensino com base nesses fatos é “incorrer no erro de presumir que seus alunos possuem talentos e habilidades que os professores não possuem”. Com isso, assegura que, embora a forma como significamos o mundo tenha mudado, cabe ao professor e ao coordenador assumirem as rédeas e formalizarem a maneira como lidam com a informação on-line, tanto para as novas quanto para as gerações dos próprios profissionais, numa perspectiva de aprendizado contínuo.

O novo mundo, o mundo de hoje

A sociedade atual vem presenciando o que está sendo chamada Quarta Revolução Industrial ou Indústria 4.0, que se reflete em um mundo cada dia mais interconectado, complexo e incerto. Não é à toa que imaginar as profissões do futuro virou um exercício de alto risco. “Fugimos dos nomes de profissões e nos concentramos nas habilidades que serão necessárias. Estas são mais previsíveis, úteis e passíveis de serem desenvolvidas e praticadas – o que não é possível em se tratando de profissões que ainda nem sabemos como vão se chamar”, afirmou Amar Kumar, líder da pesquisa “O futuro das habilidades: empregabilidade em 2030”, em entrevista ao portal Porvir. De acordo com esse estudo, as habilidades ligadas à criatividade, originalidade, fluência de ideias e tomada de decisão estarão em alta no final da próxima década. A pesquisa também revela que o setor de Educação tende a ganhar mais eficiência com o avanço das tecnologias digitais, bem como expandir sua força de trabalho. Entre os nichos que devem se destacar, Kumar cita as mentorias individuais. “Haverá alta demanda tanto por aprender quanto por aprender como se aprende”, diz.

Educação 4.0

Impulsionada pela Indústria 4.0 e seus impactos sobre a economia e o mundo do trabalho, a Educação 4.0 vem ganhando força. Ela se apropria das tecnologias digitais – não só como ferramentas, mas como agentes de transformação – para repensar as experiências de aprendizagem nas escolas. Baseada no conceito de learning by doing (em português, aprender fazendo), sugere que o processo de aprendizado contemple vivências, projetos, experimentação e mão na massa. O objetivo da nova escola deve ser criar um espaço propício para que o aluno saia da condição de sujeito passivo e ocupe o eixo central da aprendizagem – por exemplo, em um ambiente de incentivo à inovação, invenção, resolução de problemas e colaboração. “Cabe ao professor conduzir tudo isso; afinal, ninguém melhor do que ele para entender as necessidades de desenvolvimento dos alunos de hoje”, afirma Anna Katarina Vasconcellos, gerente de Inovação e Projetos do Moderna Compartilha.

Frente aos novos papeis do professor, a formação docente adquire um caráter estratégico nas instituições de ensino. “Se queremos o aluno preparado para enfrentar os desafios deste século, precisamos ter a escola e o professor devidamente preparados para o que está por vir e empoderados como líderes desse processo”, explica Márcia Carvalho, diretora de Negócios do Moderna Compartilha. Esse é justamente um dos maiores desafios da Educação 4.0, que visa garantir a relevância dos educadores em um mundo hiperveloz, ambíguo e incerto.

As principais habilidades da era digital e os insights pedagógicos que os educadores precisam aprender e ensinar foram listados e são atualizados periodicamente pela organização sem fins lucrativos que é referência mundial em Tecnologia na Educação, o iste (International Society for Technology in Education).

Ele definiu sete padrões, ou standards, com as competências que os educadores precisam desenvolver para potencializar a adoção de boas práticas de inovação, integrando novas tecnologias. O objetivo é aprofundar a prática pedagógica, promover a colaboração entre colegas, repensar as abordagens tradicionais e preparar os alunos para impulsionar o próprio aprendizado.

As metas, com suas respectivas competências, são específicas para cada padrão. Em “Aprendiz”, por exemplo, os educadores devem aprimorar sua atuação enquanto aprendem e exploram práticas promissoras em prol da melhoria do aprendizado. Já em “Analista”, entendem e usam dados para orientar suas instruções, bem como ajudam os alunos a atingir suas metas de aprendizado. No standard “Cidadão Digital”, por sua vez, os educadores inspiram os estudantes a participar do mundo digital com responsabilidade e a contribuir de forma positiva. Em “Designer”, desenvolvem atividades em ambientes que sejam autênticos, acolham a diversidade e sejam voltados para o aprendiz. O foco no aluno também está presente no standard “Facilitador”, que privilegia o aprendizado com tecnologia para ajudá-lo a conquistar os standards que o iste elaborou especificamente para estudantes. Por fim, em “Líder” o desafio é identificar oportunidades de liderança para melhorar o ensino, a aprendizagem e o sucesso do aluno. 

Padrões iste no Brasil

Em parceria com o iste, o Moderna Compartilha — plataforma global de educação do Grupo Santillana que empodera o educador para viver na cultura digital – trouxe para o Brasil os padrões de formação profissional. Eles são referência para o recém-lançado programa de Desenvolvimento Gradativo para Professores Compartilha. “Nos baseamos nas descrições que o iste faz das competências do educador contemporâneo e montamos um programa alinhado à realidade do Moderna Compartilha nas escolas privadas do país”, explica Anna Katarina.

A nova iniciativa prevê a formação integral dos professores e o desenvolvimento gradativo de competências docentes específicas para atuar nas escolas hoje.

São propostos percursos formativos orientados por um coach presencial e um aplicativo de coach virtual, que trazem diferentes níveis de complexidade, bem como desafios e atividades para se colocar em prática as competências em fase de desenvolvimento. “O objetivo é tirar o professor do papel de ministrador da disciplina para elevá-lo à função de educador, com instrumentos para formar os alunos”, diz Anna. Ao fim de cada etapa, o professor recebe uma certificação do Instituto Crescer e, ao final de todo o percurso, é reconhecido como professor padrão iste.

O Desenvolvimento Contínuo de Professores começa a ser implementado nas escolas no primeiro semestre de 2019. “Será um divisor de águas para os parceiros do Moderna Compartilha. Além dos professores, que acompanharão seu próprio desenvolvimento conforme avançam nas trilhas de formação, a gestão pedagógica também poderá acompanhar e ter uma visão sistêmica do desenvolvimento do corpo docente”, comenta Sônia Marques, gerente comercial.

O Desenvolvimento Contínuo de Professores começa a ser implementado nas escolas no primeiro semestre de 2019. “Será um divisor de águas para os parceiros do Moderna Compartilha. Além dos professores, que acompanharão seu próprio desenvolvimento conforme avançam nas trilhas de formação, a gestão pedagógica também poderá acompanhar e ter uma visão sistêmica do desenvolvimento do corpo docente”, comenta Sônia Marques, gerente comercial.

Até dezembro, o Moderna Compartilha deve investir R$20 milhões em projetos e ações que incentivam a inovação no aprendizado. “Para os próximos anos, outros R$60 milhões já estão reservados para impulsionar mais etapas do programa de desenvolvimento docente, certificação dos nossos coaches pelo Instituto Brasileiro de Coaching, produção de conteúdo, criação de plataformas e novas iniciativas de formação”, revela Márcia Carvalho.

Competências contemporâneas

Diante do desafio de formar os alunos em todas as suas dimensões – cognitiva, socioemocional e digital –, as escolas buscam se consolidar como espaços de educação integral. “Trata-se de formar os alunos para enfrentar algo que ainda é desconhecido, mas para o qual precisam estar preparados e munidos de flexibilidade, organização, autonomia e espírito empreendedor”, afirma Solange Petrosino, gerente de Serviços Educacionais da Moderna.

Tamanha expectativa em relação às competências contemporâneas impulsiona a formação integral dos estudantes. “Em uma relação dialógica com a sociedade, as escolas se transformam para acompanhar as novas dinâmicas do mundo”, diz Solange. Ela explica que, além de favorecer o desenvolvimento de competências em todas as áreas, a formação integral também deve prever a avaliação desse processo. “Para muitas instituições, é um grande desafio, e os percursos formativos dão subsídios para que os profissionais estejam preparados.”

Ecossistema de evolução

A cultura da evolução e protagonismo está na essência do Moderna Compartilha, que privilegia o potencial de ação da comunidade escolar frente aos seus próprios desafios e necessidades de transformação. Isso se reflete nas estratégias e métodos que o projeto adota desde a sua concepção.

A plataforma nasceu em 2012 para atender a demanda por novidades em tecnologia educacional no mercado privado. “A pressão aumentava a cada dia, especialmente à medida que se começou a falar de sala de aula invertida, competências do século XXI e novos papéis da Educação”, lembra a diretora de negócios Márcia Carvalho. Os primeiros objetivos traçados foram instalar equipamentos de ponta nas escolas, oferecer tecnologia embarcada nos livros didáticos e ensinar os professores a se relacionar com tudo aquilo em sala de aula.

O projeto começou efetivamente a rodar em 2013, quando a entrega dos primeiros tablets e projetores simbolizou o pontapé da inserção digital de 68 escolas parcerias naquele ano. “Os novos dispositivos não só substituíram o computador como levaram o conceito de mobilidade para dentro das instituições”, destaca Márcia.

Para ampliar a oferta de conteúdo, firmaram-se acordos com parceiros a partir de 2014. “Além de livros e enciclopédias digitais, trouxemos jogos pedagógicos do Xmile, livros-aplicativos em 3D da EvoBooks, avaliações e simulados para o Fundamental II e Ensino Médio, propostas de produção textual do EntreLetras, a plataforma LMS (Learning Management School) de gerenciamento de conteúdo, entre outros”, enumera.

Uma nova fase começou em 2016, quando se intensificaram as reflexões sobre o que significa estar inserido no universo digital. “Antes de mais nada, é reconhecer-se como parte de um ecossistema, no qual cada instituição desenvolve sua própria cultura digital”, comenta Anna Katarina. Ela explica que esta última tem relação direta com a forma como a comunidade escolar se organiza, os usos que faz dos dispositivos tecnológicos e da rede, o aproveitamento para fins pedagógicos, de entretenimento e socialização, entre outros fatores que acabam formando sua identidade digital.

No ano seguinte, o Moderna Compartilha inovou com os Chrome Books. “Além de ser uma evolução tecnológica, foi um caminho que adotamos para que os professores passassem a produzir conteúdo, em vez de só consumir”, conta Márcia.

Outra estratégia para aumentar o engajamento da comunidade escolar no aprendizado dos estudantes foi a criação de um portal específico para as famílias – o Compartilha em Família, com temas ligados à Educação contemporânea. “Formar os pais exige mais que informá-los. Requer o empoderamento deles com relação a tudo que gira em torno do aprendizado”, diz Solange. A iniciativa também visou ao alinhamento da família com a escola. “Os pais precisam entender o que é desenvolvimento de competências, como se avalia, o que se prioriza hoje na formação e compreender que tudo isso tem a finalidade de preparar os jovens para o desconhecido, um mundo em movimento.”

Em 2018, mais avanços deram novos contornos à plataforma. Um deles foi a parceria com o Google for Education, com ferramentas que facilitam a colaboração na sala de aula (por exemplo, Gmail e Documentos Google) e aplicativos como Google Earth e WeVideo. Outra evolução que marcou aquele ano – uma das mais ambiciosas até agora na história do Moderna Compartilha – foi a criação do programa de Desenvolvimento Gradativo para Professores, e a parceria global com o iste.

A voz das escolas

“O Moderna Compartilha facilitou a comunicação entre estudantes e professores por meio da plataforma interativa e do fórum. O projeto também ampliou a capacidade investigativa dos alunos graças aos materiais que favorecem a pesquisa antes das aulas, o que é essencial para a metodologia ativa aplicada na nossa escola.” Edmundo F. de Castilho Filho é vice-diretor do Colégio ISBA, Salvador (BA). 

“A possibilidade de saber, em tempo real, como os docentes estão trabalhando traz mais assertividade ao trabalho do gestor. Além disso, as novidades postadas a cada dia permitem ao coordenador pedagógico orientar projetos de incentivo ao professor, gerando mais interação e prática no dia a dia.” Teresa Cristina Hallal é coordenadora pedagógica na Associação Literária e Educativa Santo André, em São José do Rio Preto (SP). 

“A parceria com o Moderna Compartilha sempre foi agregadora, com muitas trocas de experiências e apoio dos coachings e consultores. Isso nos trouxe a oportunidade de rever práticas pedagógicas e introduzir, com mais eficiência, a tecnologia nas salas de aula. O resultado é uma maior conexão entre os professores e também com os alunos – estes inclusive passaram a compartilhar conhecimento e interagir mais para o crescimento de todos.” Karin Vianna é coordenadora pedagógica no Colégio SER, em Jundiaí (SP).

Saiba mais sobre cidadania digital em iste.org. Fontes: Porvir, Pew Research, Microsoft, Symantec e Association for Psychological Science. Dados Brasil: Banda Larga no Brasil: um estudo sobre a evolução do acesso e da qualidade das conexões à internet – nic.br / cetic.br

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10 inspirações para incluir tecnologia nas suas aulas

10 inspirações para incluir tecnologia nas suas aulas

Estamos bem próximos de encerrar mais um ano letivo!

Não poderia deixar de começar agradecendo a Editora Moderna, pelo espaço e pela oportunidade, através da coluna Educação Inovadora de ter esse contato com você, querido (a) professor (a), conversando sobre maneiras e formas de inserir a tecnologia na sala de aula.

 

Este ano tivemos mudanças na educação, com a aprovação da Base Nacional Comum Curricular que definiu um norte a todo currículo brasileiro e a tecnologia como uma competência de ensino que deve atravessar todas as disciplinas.

 
 

Dentro deste cenário, ouvir os nossos estudantes é o primeiro passo para a mudança em sala de aula. Em 2016 uma pesquisa promovida pelo Porvir, chamada Reconstrução da Escola ouviu 132.000 alunos, que pedem mudanças no processo de ensino, entre elas, que a tecnologia seja inserida nas aulas.

Este é um momento de muita reflexão, avaliação e reavaliação do ano letivo. Com a chegada das férias, a todos nós professores, um momento de descanso e para muitos de estudo. A você quero antecipar o meu presente e deixar 10 inspirações para você incluir tecnologias em suas aulas.

Vamos lá!?

Livros

 
 

Gamificação na Educação

Esse e-book aborda vários aspectos da gamificação na educação. A organização é de Luciane Maria Fadel, Vania Ribas Ulbricht, Claudia Batista e Tarcísio Vanzin.

Novas Tecnologias e Mediação pedagógica

Nessa obra, José Manuel Moran, Marcos T. Masetto e Marilda Behrens abordam a revisão do papel do professor frente às tecnologias digitais e sua importância na construção de novas práticas pedagógicas.

Educ@ar – A (r)evolução digital na educação
Na publicação, Martha Gabriel se propõe a auxiliar os professores para acompanhar as tendências e possibilidades abertas pelos avanços da tecnologia na área educacional.

Séries

 

Black Mirror

A série britânica criada por Charlie Brooker retrata e satiriza a sociedade contemporânea e as possíveis consequências de sua relação com a tecnologia. Os episódios não são sequenciais, cada um conta uma história com início, meio e fim, o que permite que você assista na ordem que preferir.

Mr Robot

No filme, o hacker Elliot tem sérios problemas para se relacionar com outras pessoas. Ele trabalha numa empresa especializada em segurança digital durante o dia e combate ao crime usando suas habilidades de informática à noite. O vilão Mr Robot, personagem que dá nome à série, contrata Elliot para fazer parte de sua comunidade de hackers com o objetivo de destruir uma megacorporação. O enredo trata de espionagem digital, programação, softwares e o uso da tecnologia em nossas vidas.

 

Filmes

 
 

A Rede Social

O filme é baseado na história de Mark Zuckerberg, estudante da Universidade de Harvard que cria o Facebook. A rede social cresce e se transforma em um fenômeno, tornando os jovens sócios em bilionários. A disputa interna traz complicações legais e revela dramas pessoais

Metrópolis 

O filme é considerado uma obra-prima à frente de seu tempo. A história se passa em 2026 onde uma proprietária de indústrias, governa a cidade de Metrópolis. Entre os poderosos está Joh Fredersen, cujo filho se apaixona por Maria, uma jovem da classe trabalhadora que vive na cidade subterrânea, onde muitas pessoas operam as máquinas que fazem a cidade funcionar. Para tentar por um fim no romance, Joh pede a um cientista que crie um robô com as feições de Maria e acaba causando uma batalha entre as classes.

Documentários

 
 

On The Brink of a Networked Society

Esse documentário propõe uma reflexão de como as transformações trazidas pelas novas tecnologias afetaram nossa convivência com as pessoas.

Humans Need Not Apply

O documentário reflete sobre a presença de máquinas no cotidiano e projeta um futuro em que as pessoas terão menos funções – remetendo o espectador a pensar sobre o que vai mudar em sua vida.

Hackerspaces

Você já ouviu falar em um Hackerspace? É um espaço comunitário, que segue a ética hacker, em que o espírito inovador e livre. O lugar atrai pessoas com interesses comuns em socializar e colaborar em vários projetos. Eles usam o espaço como ponto de encontro para trocar conhecimento e experiências. Que tal aproveitar este período de férias para conhecer um hackerspace? Clique aqui para localizar o endereço mais próximo a você.

E você, possui alguma outra sugestão? Compartilhe aqui nos comentários, para que possamos nos inspirar e fazer a diferença em nossas escolas e aulas.

Desejo a todos ótimas festas e férias! Encontro vocês aqui no próximo ano.

Um grande abraço,

Débora

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Como a sala de aula invertida pode favorecer o aprendizado

Como a sala de aula invertida pode favorecer o aprendizado

A sala de aula invertida do inglês flipped classroom aborda inverter a lógica da sala de aula convencional, em que o aluno fará a internalização de conteúdos, temas, assuntos essenciais antes da aula. E o processo continua durante e depois, junto com as aulas, para discutir conhecimentos adquiridos, tirar dúvidas de conteúdo, promover debates, tecer reflexões e depois aprofundar novos conhecimentos, entrando em um ciclo.

 
 

Na sala de aula de aula invertida o foco principal é o estudante. Desta maneira é possível trazer autoria e protagonismo aos estudantes, mas também as aulas. É preciso dar o primeiro passo para iniciar, para começar e envolver os estudantes em uma nova cultura, ao compreender que esse processo leva um tempo até os alunos ganhem essa independência e possam internalizar a sala de aula de aula invertida.

Assim, os professores podem propor preferências e também criar conteúdo para que os estudantes tenham o contato inicial, como: videoaulas, gamespodcasts, pesquisas, textos, fóruns entre outros.

 

Por todo o exposto, a sala de aula invertida pode ser um importante aliado inclusive neste período de aprendizado emergencial, com aulas mediada por tecnologia, por oportunizar caminhos para que o estudante participe ativamente do processo de aprendizagem e se engaje nas atividades propostas, deixando que as aulas seja um momento para aprofundamento do que está sendo trabalhado e discutido entre os colegas, ao aprofundar no depois, com o conhecimento pleno do tema em que o professor proporciona assuntos complementares, desenvolvendo projetos específicos, atividades individuais e em grupos, no qual estará participando como protagonista da sua aprendizagem e o professor como um parceiro e um mediador essencial para que os alunos se guiem e busquem autoria na sua aprendizagem.

Para levar a sala de aula

 

Como vimos são muitos os benefícios para aprendizagem ao adotar a sala de aula invertida ao propor o trabalho com abordagem inovadora que torna a aprendizagem mais envolvente, prática e principalmente significativa, conheça algumas sugestões de como trabalhar com a sala de aula invertida.

 

Favoreça o trabalho com as habilidades: autonomia, capacidade de resolver problemas, senso crítico, criatividade, são algumas das oportunidades de trabalho com essa metodologia. 

Priorize o protagonismo juvenil: uma das vantagens da sala de aula invertida é que o estudante tem a oportunidade de ser ativo e responsável pela aprendizagem. No início é importante que o professor indique conteúdos. Com o tempo, os estudantes se tornarão curadores e poderão escolher o melhor conteúdo que ajudará a personalizar sua aprendizagem. 

Ao estudar previamente sobre um tema e ou assunto proposto, o estudante estabelece uma rotina de estudo, se organizando, controlando o seu tempo, seguindo o seu ritmo de aprendizagem e formato respeitando o seu processo de aprendizagem.

Tempo: a otimização do tempo é uma vantagem nesse modelo, já que ao abordar o tema nas aulas os estudantes já terão acesso ao assunto de maneira antecipada, potencializando, aprofundando e enriquecendo o aprendizado em sala de aula. 

Conteúdo prático: na sala de aula invertida o estudante acessa previamente o assunto a ser abordado nas aulas, chega melhor preparado e promove debates ricos com potenciais para trabalhar com soluções e situações reais e práticas. 

 

Enfim,  a sala de aula de invertida merece estar contemplada no seu planejamento!

Um abraço carinhoso e até a próxima,

Débora

Débora Garofalo é Assessora Especial de Tecnologias da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEE SP) e professora da rede pública de ensino de São Paulo. Formada em Letras e Pedagogia, mestranda em Educação pela PUC-SP, vencedora na temática Especial Inovação na Educação no Prêmio Professores do Brasil, Vencedora no Desafio de Aprendizagem Criativa do MIT e considerada uma das dez melhoras professoras do mundo pelo Global Teacher Prize, o Nobel da Educação.

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Tudo é inovação?

Tudo é inovação?

Usada à exaustão no âmbito educacional nos últimos anos, a palavra precisará buscar origens e caminhos para tentar não se tornar um termo vazio. 

Texto Cauê Cardoso Polla 

Um discurso que exalta a inovação parece ter invadido o cenário educativo. Hoje, é praticamente impossível não nos depararmos com a palavra nos mais diversos contextos: educação inovadora, escola inovadora, inovação digital, método inovador, gestão inovadora… A repetição incessante desses termos acaba, muitas vezes, por esvaziar o seu sentido. Expressões como “educação inovadora” e “método inovador” acabam se tornando slogans acríticos. Refletir sobre o significado da inovação nos ajuda a compreender os sentidos possíveis de uma educação inovadora.  

Como podemos pensar o significado da palavra inovação? Para tal, é preciso pensar o que significa “novo”. Em uma perspectiva atual, utilizamos a palavra “novo” quando nos referimos a moderno, algo que nunca foi usado, algo que apareceu agora e que não havia antes, recente. Na história, a ideia de novo ou novidade costumava ser usada para demarcar um distanciamento em relação a uma época passada. Outra perspectiva para compreendermos o significado é buscar a origem da palavra, seu sentido etimológico. Em latim, novus significava novo, jovem, res novae era uma expressão para dizer coisas novas, principalmente no campo político. Por sua vez, este termo deriva do verbo  grego neao, e este sentido primeiro se refere ao trabalho que o agricultor fazia no terreno para torná-lo mais fértil, técnica que hoje se chama alqueive. Ou seja: para renovar a sua plantação, primeiro o solo era deixado em repouso e, depois de um tempo trabalhado para receber uma nova cultura, há algo que permanece e algo que se modifica.  

Assim, não há nada que seja absolutamente novo ou inovador, pois há sempre algo anterior que originou o novo. Do mesmo modo, na educação não há nada que não tenha sua origem na tradição, seja como um desenvolvimento, um desdobramento ou uma contestação. 

As inovações na história da educação: uma constante 

A história da educação, das práticas educativas, é marcada por uma série de inovações. Para nós, nada é mais simples do que “abrir o caderno e anotar”. Mas o próprio uso do caderno só foi possível por conta de uma série de inovações. Para fazer suas anotações, os estudantes da região mesopotâmica, por volta do século VII a. C., utilizavam tabuinhas de cerâmica; segue-se, na Grécia e Roma antigas, o uso da tabuinha de cera, que pode ser reutilizada (a cerâmica, depois de seca, não pode ser modificada). Hoje temos os mais diversos tipos de cadernos e também tablets e laptops que estudantes podem usar em sala para “anotar”. O surgimento da lousa, algo tão comum como a conhecemos hoje, para ser escrita com giz ou caneta, ou mesmo a lousa digital, só foi aparecer no século XVIII. Como era antes? 

Não só o mundo material da educação passou por inovações. Também os discursos pedagógicos e sobre educação, em suas diferentes formas, mostram como é uma constante na história o conflito entre o ‘tradicional’ e o ‘novo’.  Tomemos o exemplo da Atenas clássica no século V a.C.. A educação aristocrática, herdeira da educação guerreira antiga, era o grande paradigma pedagógico. Com o progressivo surgimento da democracia e da democratização da educação, houve uma forte reação contra a forma antiga de educar, que era vista como ruim e decadente. O grande comediógrafo grego Aristófanes, em uma de suas comédias, As Nuvens, descreve esse conflito de modo magistral. Por um lado, há aqueles que defendem os “valores antigos”, que se posicionam a favor dos valores aristocráticos da excelência moral tradicional, do aprendizado de um conhecimento transmitido por gerações, das práticas esportivas nobres; por outro, os que defendem os “novos valores”, pautados por ideias democráticas e de um tipo de filosofia que se inicia com Sócrates. Toda mudança gera uma reação, mas isso não significa que toda mudança seja naturalmente boa. É fundamental que paremos para refletir sobre aquilo que já é muito óbvio e que consideramos natural. O que hoje podemos chamar de tradicional já foi um dia “produto de uma inovação”.

O problema do novo 

Os processos educativos são quase tão antigos quanto o surgimento dos primeiros indivíduos. A necessidade de sobreviver impulsionava a transmissão de alguns saberes, por mais elementares que pudessem ser. Podemos imaginar que os primeiros caçadores, quando geravam descendentes, ensinavam a eles a caçar e providenciar comida para sua sobrevivência. Mais tarde, quando a humanidade começou a cultivar os campos e a criar animais para sua alimentação, outros saberes foram criados e transmitidos. Do mesmo modo, com o avanço de formas de civilização que se desprendiam da necessidade de sobrevivência, com o surgimento de linguagens simbólicas e de culturas, outros saberes foram sendo criados e transmitidos. Nesse movimento de passar adiante ou transmitir, diversas questões surgem. O que transmitir? E como? Se eu transmito um saber novo, distinto do que havia antes, eu o faço do mesmo modo, seguindo o mesmo procedimento? Ou novos saberes demandam novos modos de transmissão?  

A educação é fundamental, pois há sempre novas gerações que surgem, que demandam inovações no processo educativo que parecem, muitas vezes, inevitáveis”.
Hannah Arendt 

Quando dizemos aqui transmissão, não queremos reduzir o processo educativo a um simples “passar adiante”. O elemento de construção e elaboração por partes daqueles que aprendem algo novo é fundamental, e é a mola propulsora de novas mudanças para novos saberes. Mas é também inegável que muitos saberes aumentam, justapõem-se, interpõem-se, por vezes se agregam a outros, por vezes negam outros. É importante notar, contudo, que neste processo – e aqui as divergências de como ele ocorre são inúmeras – sempre há um algo, um saber, uma técnica, um determinado tipo de conhecimento (aquilo que tão costumeiramente se chama de “conteúdo” de uma disciplina escolar, por exemplo – embora essa expressão seja muito inadequada) que é recuperado ou mantido vivo do passado, e então colocado adiante, ensinado (mostrado) aos novos indivíduos.  

“A educação é fundamental, pois há sempre novas gerações que surgem, que demandam inovações no processo educativo que parecem, muitas vezes, inevitáveis”. 

Para Hannah Arendt, importante filósofa do século XX, a educação é fundamental, pois há sempre novas gerações que surgem, que demandam inovações no processo educativo que parecem, muitas vezes, inevitáveis. Esse processo vive sob o signo de uma contradição constante: há um mundo já constituído (embora, é claro, ele nunca esteja “terminado”), mundo este de valores, normas, saberes, uma cultura estabelecida. É nesse mundo que nasce a criança… ora, o que fazemos então? Como preservar a liberdade de existir da criança e suas escolhas em um mundo já constituído? O surgimento de novas gerações é o grande desafio para o processo educativo, e é nessa constante “mudança” que a inovação tem papel fundamental. 

As inovações no século xx 

Não há propriamente “inovação”. Mais correto seria falar em inovações, pois cada novo modo de fazer algo, cada nova concepção, tem suas características próprias, isto é, não se inova do mesmo modo. No campo educacional, as inovações podem ser levadas a cabo em diversas dimensões. Há inovações no campo da teoria educacional, das práticas (desde a gestão escolar até a prática docente individual), inovações no campo legal. Aquele discurso que nos referimos acima, de que “é preciso inovar”, parte de uma falsa ideia. Muito se diz que a educação é ainda muito lenta e está atrasada. Este é um preconceito tolo e superficial, pois não considera o verdadeiro caráter da educação. Educar leva tempo. Buscar modos de encurtar esse tempo é muito mais ceder a pressões sociais de modelos econômicos que devem antes ser descontruídos do que obedecidos cegamente. A constante aceleração das mudanças sociais parece demandar modos de educar que se adequem a estas mudanças. Mas a questão de fundo é: essas mudanças são boas?

Mudanças não são “inevitáveis”, mas acontecem. Frente a elas, buscam-se novas formas de agir. Na educação não é diferente, ainda mais por se tratar de um campo em constante mutação. Muito se fala hoje do protagonismo do estudante, e se costuma acreditar que isto é algo novo. Também se enfatiza o papel ativo do aluno na construção do seu próprio conhecimento. Formas didáticas como o estudo do meio estão em alta. Certamente, durante o século XX estas inovações teórico-práticas ganharam corpo. Mas basta olharmos para a história da educação e encontramos, por exemplo, em um autor do século XVI, Michel de Montaigne – que é uma referência explícita de Edgar Morin, um dos apóstolos dos novos modos de pensar a educação – proposições muito similares ao que vemos hoje. Em um pequeno ensaio intitulado Sobre a educação das crianças, Montaigne elabora colocações como esta:

Os professores não param de gritar aos nossos ouvidos, como quem derramasse o conhecimento num funil: nossa tarefa seria apenas repetir o que nos disseram. Gostaria que ele corrigisse essa prática e que desde o início, segundo a capacidade do espírito que tem em mãos, começasse a pô-lo na raia, fazendo-o provar, escolher e discernir as coisas por si mesmo. Ora abrindo-lhe o caminho, ora deixando-o abrir. Não quero que só o professor fale: quero que, quando chegar a vez de seu discípulo, o escute falar.  

É certo que as considerações de Montaigne eram muito sofisticadas e que a prática da época estava longe de ser assim, mas o que fala sobre o conhecimento, o professor e o estudante são muito contemporâneos. Se o conhecimento não é algo que pode ser “derramado” (o que era já uma ideia presente em Platão!), é porque não se trata de encher algo vazio. Ora, não é esta toda a crítica que faz Paulo Freire ao esquema da educação bancária, aquela que considera os alunos como recipientes vazios que apenas recebem passivamente “conteúdos”? Já a relação professor-discípulo não deve ser autoritária, e o professor se mostra muito mais como um guia ou facilitador do que como uma enciclopédia: ele deve levar o aluno a descobrir por si mesmo, a conhecer por si mesmo, a abrir o seu caminho sempre que possível. Além disso, o professor deve escutar o aluno. Ao lermos esse pequeno ensaio, somos levados a reconhecer que, se a prática da época não era “inovadora”, muito do que foi pensado era. 

É certo que as considerações de Montaigne eram muito sofisticadas e que a prática da época estava longe de ser assim, mas o que fala sobre o conhecimento, o professor e o estudante são muito contemporâneos. Se o conhecimento não é algo que pode ser “derramado” (o que era já uma ideia presente em Platão!), é porque não se trata de encher algo vazio. Ora, não é esta toda a crítica que faz Paulo Freire ao esquema da educação bancária, aquela que considera os alunos como recipientes vazios que apenas recebem passivamente “conteúdos”? Já a relação professor-discípulo não deve ser autoritária, e o professor se mostra muito mais como um guia ou facilitador do que como uma enciclopédia: ele deve levar o aluno a descobrir por si mesmo, a conhecer por si mesmo, a abrir o seu caminho sempre que possível. Além disso, o professor deve escutar o aluno. Ao lermos esse pequeno ensaio, somos levados a reconhecer que, se a prática da época não era “inovadora”, muito do que foi pensado era. 

O que é característico do século XX é o surgimento da informática, dos primeiros computadores até os dias correntes. Qualquer inovação nessa área dificilmente encontrará um precedente em épocas anteriores. As novas tecnologias são, certamente, um desafio para a educação. Com o surgimento da internet, o cenário se torna mais e mais complexo. Contudo, algumas considerações são necessárias. Primeiramente, quanto ao caráter de inevitabilidade: “não há volta”, “agora essa é a realidade”, “não há como fugir disso” são frases comuns que ouvimos em relação à tecnologia digital. Embora ela tenha “vindo para ficar”, é fundamental que não esqueçamos que as formas atuais são transitórias, e que novas formas surgirão. Assim, se o ensino for direcionado apenas para as tecnologias de hoje “porque elas são fundamentais para o mercado de trabalho”, corre-se o risco de tornar obsoleta a educação, assim como se tornam obsoletas essas formas tecnológicas. 

Por que não nos preocupávamos tanto em fazer os estudantes entenderem o funcionamento da televisão, da linguagem televisiva, das operações editoriais por trás das imagens que vemos, e hoje a “linguagem da computação” é fundamental e não se pode viver sem conhecê-la, e por isso os estudantes deveriam aprender desde cedo a “programar”? Advogar o uso de computadores e da linguagem computacional na educação sem uma reflexão crítica é um erro. Não se pode ensinar algo só porque aparentemente este algo é “inevitável”, pois daí se perde toda a riqueza de possibilidades que pode se apresentar. 

Olhar para trás, olhar para frente  

A educação é um processo multidimensional. Se ela não acontece apenas na escola, é nela que tem seu espaço privilegiado, e seu maior potencial. Pensar novas formas, propor novos problemas, contestar o que é dado como natural e óbvio é fundamental no processo pedagógico. Quando novas gerações são educadas no conflito crítico com gerações anteriores, o novo acontece. Uma educação com perspectiva de futuro só pode ocorrer se não se apagar todo o passado que não deve pesar como tradição morta, mas como um passado rico de lugares para pensar. Para educar inovando, é fundamental que busquemos em discursos e experiências passadas o solo a partir do qual pensamos e experienciamos o presente.  

Cauê Cardoso Polla

É professor da Faculdade de Educação, no Departamento de Filosofia e Ciências da Educação, da Universidade de São Paulo.  

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O futuro da infância e da adolescência: oportunidades e responsabilidades para as escolas

O futuro da infância e da adolescência: oportunidades e responsabilidades para as escolas

Criar estratégias que contemplem o futuro é vital para antecipar problemas e enxergar novas oportunidades de crescimento para toda a sociedade. 

Texto Fernanda Furia

A infância e a adolescência são períodos de encantamentos, descobertas e desafios. Ao longo da história da humanidade, o olhar sobre as crianças e os adolescentes se transforma constantemente e nos força a atualizar a nossa visão sobre o que continua sendo adequado e o que deve ser reconsiderado em prol do bem-estar e dos direitos das novas gerações. O pesquisador social, Mark McCrindle, descreveu a geração Alpha, nascida entre 2010 e 2025, como a primeira a crescer envolvida com tecnologias inteligentes no cotidiano. 

Assistentes virtuais, brinquedos conectados à internet e robôs companheiros que instigam sentimentos de cuidado e proteção são alguns dos inúmeros exemplos que desenham uma nova infância. Mal começamos a navegar nas águas da Quarta Revolução Industrial e já vemos os sinais da Quinta Revolução vindo ao nosso encontro. Nesta era de transições múltiplas, escutamos tantos termos técnicos que ficamos atordoados com a gama de tecnologias que prometem nos ajudar e nos desafiar ao mesmo tempo. 

A Quarta Revolução Industrial é pautada pela convergência de tecnologias avançadas, pelo avanço da Indústria 4.0 e pela quebra de paradigmas até então inquestionáveis. Segundo Klaus Schwab, do Fórum Econômico Mundial, a Quinta Revolução, por sua vez, já está sendo considerada a era da retomada da confiança nas pessoas, dos valores humanos e da preocupação em salvar o planeta. O tsunami formado pela computação quântica e pela conectividade total gerada pela rede 5G nos forçará a conviver com as máquinas e a redefinir o conceito de ética para resgatar o sentido de “ser humano”. 

Na mesma linha da Quinta Revolução Industrial, o conceito de Sociedade 5.0 criado pelo governo japonês em 2016 propõe uma organização social alimentada por tecnologias altamente avançadas com o objetivo de criar soluções focadas nas necessidades humanas. Para a maior parte das pessoas, esse cenário ainda é bem difícil de ser entendido, por isso precisamos nos informar sobre esse contexto global para entender os seus impactos nas novas gerações.  

O futuro da infância e da adolescência 

A geração Alpha é a primeira geração que está, de fato, crescendo em um ambiente tecnológico capaz de moldar a formação cerebral, social e psicológica das crianças e dos adolescentes de forma inédita na história da humanidade. As tecnologias avançadas, em suas diferentes formas, prometem trazer conforto afetivo para os seres humanos e inauguram um novo fenômeno na cibersociedade: a relação de apego entre as pessoas e as máquinas inteligentes. As pesquisas que investigam os efeitos positivos e negativos desse cenário são ainda bastante contraditórias e oscilam entre perspectivas catastróficas e otimistas. E isso é só o começo. Imaginem em qual cenário a Geração Beta, nascida entre 2025 e 2039, viverá. Para Patrick Dixon, autor do livro The Future of (almost) everything, entraremos cada vez mais na “era da criança preciosa” na qual qualquer coisa que possa ameaçar a saúde ou o bem-estar emocional das crianças será fortemente rejeitada. Isso nos leva a um outro fenômeno que está ganhando força e que deve crescer nas próximas décadas: a coparentalidade entre pais e máquinas. Segundo a empresa Zion Market Research, a indústria baby tech movimentará em torno de US$ 108 bilhões até 2024 e contribuirá para o surgimento de novas formas de parentalidade. Produtos como cintas que envolvem a barriga da mãe e monitoram o batimento cardíaco do bebê, fraldas com sensores que detectam o estado da urina da criança, babá eletrônica com inteligência artificial, tecnologias de monitoramento em tempo real e tatuagens digitais alimentarão uma geração de pais orientados por dados.

Assim como as crianças pequenas, os adolescentes também são largamente influenciados pelos ambientes e pelas tecnologias. Redes sociais e jogos imersivos com realidade virtual e aumentada ganharão força e possibilitarão que os adolescentes se relacionem em diferentes plataformas simultaneamente à procura de aceitação, pertencimento, popularidade e autoexpressão. Um exemplo é o Facebook Horizon, que deve ser lançado em 2020. Experiências como essa terão um grande poder de engajar os adolescentes, uma vez que aumentam a sensação de presença real naquele ambiente virtual. O avanço tecnológico permitirá a criação de novas realidades com diferentes camadas de interação entre a realidade e o ambiente virtual. Além disso, no futuro, as gerações Alpha e Beta precisarão se responsabilizar ativamente por importantes desafios éticos como edição de DNA, vigilância e manipulação constante das pessoas, criação de cérebros biodigitais, entre outros. Por isso, é cada vez mais urgente criarmos leis e protocolos tendo em mente o bem-estar e os direitos das crianças e adolescentes. Richard Graham, psiquiatra da infância e da adolescência no Nightingale Hospital, em Londres, referência mundial na área de dependência tecnológica, acredita que “agora nós somos cyborgs emocionais. Estamos integrando essas tecnologias em nosso funcionamento mental, social e emocional”.

O futuro da infância e da adolescência transcende o ambiente escolar, mas afeta diretamente as estratégias aplicadas ao sistema educacional. Sendo assim, os educadores e as famílias precisam entender esse cenário amplo, pois somente dessa forma poderemos formar crianças e adolescentes com visão de mundo, consciência ética, motivação para agir e desejo genuíno de melhorar a vida das pessoas e do planeta.  

Educação inovadora: formando as novas gerações 

Toda a base da educação já vem sendo questionada em vários países e as inovações em educação não são um tema novo para a maioria dos educadores. Metodologias ativas, diferentes papéis do professor, maior ênfase nas habilidades socioemocionais e uso de tecnologias avançadas em sala de aula refletem como muitas instituições de ensino já estão repensando e reestruturando as suas práticas para se ajustar aos novos tempos. Mais do que nunca as escolas exercem funções múltiplas na nossa sociedade: acolher as crianças cujos pais trabalham, ensinar conteúdos, desenvolver competências, informar os adultos, orientar os alunos sobre questões digitais e ainda ajudar na formação ética das crianças e dos adolescentes. As próximas gerações verão suas diversas habilidades e talentos sendo abraçados por novas profissões, novos formatos de trabalho e por mais de uma atividade profissional ao mesmo tempo. Esta é uma quebra de paradigma importante para a formação dos jovens e, por isso, os projetos de vida direcionados a eles devem considerar tal pluralidade. Um dos sinais interessantes é o aparecimento de cursos universitários flexíveis, nos quais o aluno escolhe assuntos de diferentes áreas de conhecimento para estudar ao longo do curso, formando um mosaico personalizado de ensino. Um exemplo aplicado dessa flexibilização é a universidade cuny, em Nova York, onde os alunos têm à sua disposição uma variedade enorme de disciplinas e podem criar um plano de graduação interdisciplinar sob medida com seus mentores. Parte do papel das escolas e das universidades será inovar com ética e incentivar projetos que estimulem os alunos a refletir de forma crítica sobre a criação, a aplicação e o uso responsável das novas tecnologias. 

Ao mesmo tempo que as escolas tendem a incorporar tecnologias cada vez mais avançadas para apoiar diferentes práticas pedagógicas, será fundamental que elas também resgatem o brincar em diferentes formatos: mais tempo de recreio para todas as idades, mais jogos, mais esportes, mais atividades artísticas, mais vivências fora da escola e mais reflexões sobre o que motiva os alunos. É inquestionável que o brincar melhora a saúde mental, promove a autonomia, trabalha questões éticas, desenvolve inúmeras habilidades socioemocionais e aproxima as pessoas. Mais do que qualquer tecnologia, o futuro da infância e da adolescência depende da segurança emocional, do afeto e da interação entre os seres humanos.

Ao vislumbrar um horizonte tecnológico ainda mais contundente como o da Quinta Revolução Industrial, como as instituições educacionais podem se preparar para receber as gerações que estão por vir? Há algumas décadas foi criado um termo que caracteriza o contexto caótico, turbulento e instável no qual as organizações estão inseridas: o mundo V.U.C.A. O acrônimo em inglês nasceu das teorias sobre liderança estratégica e significa volatilidade (Volatility), incerteza (Uncertainty), complexidade (Complexity) e ambiguidade (Ambiguity). Porém, em 2007, Robert Johansen, do Institute for the Future, lançou um olhar complementar para esse termo e nos trouxe uma visão mais prática para combater os impactos negativos do mundo V.U.C.A apresentado anteriormente. Para ele, o conceito de “V.U.C.A. PRIME” significa visão, compreensão, clareza e agilidade (Vision, Understanding, Clarity e Agility) e serve como um guia para a construção de uma nova forma de pensar e agir. 

Modelo VUCA PRIME para escolas 

Por inspiração do conceito de vuca prime, é possível transpor as ideias de Robert Johansen para o contexto da Educação e desenhar caminhos aplicáveis à infância e à adolescência, considerando algumas responsabilidades e oportunidades para as escolas. Confira a proposta a seguir, baseada no conceito de Johansen e adaptada ao contexto escolar: 

Visão (vision) 

Para lidar com um contexto imprevisível, as escolas precisam refletir com profundidade sobre a sua própria existência daqui para frente e estabelecer uma visão comum sobre os próximos passos. Qual é o propósito de uma criança ir para a escola? Qual será de fato o papel da escola? Baseando-se nessas reflexões, será possível reunir as pessoas necessárias para esse processo de transformação e para traçar os caminhos que pavimentem tais avanços.  

Responsabilidades: envolver toda a comunidade escolar na construção dessa visão, considerando o horizonte futuro e trazendo exemplos práticos e éticos que sirvam de modelo para práticas sustentáveis ao longo do tempo. Fornecer uma visão de diversidade e inclusão para que pessoas de todos os backgrounds sejam contempladas. Ajudar os adultos a desenvolver uma mentalidade global voltada para inovação.

Oportunidades: fomentar discussões e ações para que os alunos identifiquem o propósito da escola e proponham caminhos alinhados ao contexto global e às necessidades locais. 

Entendimento (understanding) 

A capacidade de compreender os fatores externos, sejam eles sociais, políticos, tecnológicos e/ou ambientais, é fundamental para a formação dos educadores. Ser capaz de enxergar simultaneamente o contexto macro e micro se tornará uma habilidade cada vez mais importante. Entender os novos comportamentos e movimentos sociais e econômicos aproxima as diferentes gerações e, principalmente, sustenta a criação de projetos e iniciativas significativos para todos os envolvidos. 

Responsabilidades: promover a capacidade das novas gerações de olhar para determinada situação de forma equilibrada, em que todos os aspectos são considerados de forma sensata e sem radicalismos. Envolver os alunos na missão de colaborar e contribuir para a resolução de problemas globais, especialmente aqueles ligados à infância e à adolescência – base para uma sociedade saudável. Promover letramento digital aliado à inteligência emocional-digital. 

Oportunidades: oferecer formações de professores que vão além da capacitação para o uso de ferramentas educacionais e de metodologias aplicáveis em sala de aula. Desenvolver jogos e atividades lúdicas para ajudar na capacidade de analisar contextos macro e micro, identificar padrões de comportamento na sociedade e refletir eticamente sobre o que nos serve e o que deve ser desconsiderado.

Clareza (clarity) 

Em tempos complexos, ter clareza passa a ser um superpoder. Simplificar o pensamento e agir de forma prática e transparente, considerando ao mesmo tempo a profundidade das situações, é um desafio que precisaremos enfrentar. 

Responsabilidades: a falta de clareza de pensamento e de visão está muito ligada ao excesso de sofrimento e às consequências geradas por diversos transtornos emocionais. Fazer parcerias com iniciativas voltadas para a saúde mental dos alunos e da equipe educacional, além de criar uma sólida rede de apoio, passa a ser uma responsabilidade também das escolas. 

Oportunidades: estimular as crianças e os adolescentes a exercitar práticas que acessem a intuição e a criatividade por meio de meditação, mindfulness, contato com a natureza e processos variados de autoconhecimento. 

Agilidade (agility) 

Diante das inúmeras mudanças no mundo, as escolas precisarão ser capazes de se transformar constantemente para responder de forma mais rápida, se comunicar melhor e antecipar cenários. 

Responsabilidades: compromisso com a atualização constante da visão, propósito e clareza de objetivos. Reflexão, adaptação, colaboração e ação serão palavras-chave daqui para frente.

Oportunidades: integrar conhecimentos de diferentes áreas para aumentar a capacidade de transitar em contextos divergentes e de se adaptar às diversas realidades com mais eficiência. Promover agilidade emocional e fomentar inteligência emocional-digital. A crescente complexidade da evolução tecnológica afetará as relações humanas de forma nunca antes experimentada pela humanidade. Por essa razão, será necessária uma rede cada vez mais forte, integrada e colaborativa entre as pessoas e os sistemas para criar estruturas saudáveis sobre as quais as crianças e os adolescentes se desenvolverão. O futuro da infância e da adolescência é responsabilidade de todos nós. 

Fernanda Furia 

é mestre em Psicologia de crianças e adolescentes pela University College London, na Inglaterra. Fundadora do Playground da Inovação – consultoria de Inovação em Psicologia e Educação. Professora de Psicologia da Inovação na FIAP (SP) e do curso de pós-graduação Formação Integral, no Instituto Singularidades (SP). Foi professora assistente na The American School, em Londres. Foi mentora do Social Good Brasil, organização de tecnologia para transformação digital. Membro da The British Psychological Society da Inglaterra. Especialista em Psicoterapia de crianças e adolescentes pelo Instituto Fernandes Figueira (Fiocruz/RJ). Pós-graduada em Atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica pela PUC-RJ. Psicóloga pela PUC-RJ. Mais de 25 anos de experiência no universo relacionado à infância e à adolescência. 

Para saber mais 

  • DAVID, S. Agilidade emocional: abra sua mente, aceite as mudanças e prospere no trabalho e na vida. São Paulo: Pensamento Cultrix, 2018.
  •  
  • DIXON, P. The Future of (Almost) Everything. Londres:Profile Books, 2015.
  •  
  • FURIA, F. Inteligência emocional-digital: o que é e como desenvolvê-la? In Revista Educatrix 13, Moderna, 2017. p. 26-29. Disponível em www.moderna.com.br/educatrix. 
  •  
  • FURIA, F.; BALDESSAR, M. J. Crescendo com as máquinas inteligentes: as crianças e as novas formas de socialização na cibersociedade. Anais da II Jornada Ibero-Americana de Pesquisas em Políticas Educacionais e Experiências Interdisciplinares na Educação, 2017.
  •  
  • SCHWAB, K. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2018. 

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Minha escola, minhas escolhas

Minha escola, minhas escolhas

Na voz dos alunos, conheça os desafios da escola para reduzir o hiato entre o que se ensina e o que eles consideram fundamental para a vida adulta.

O que se aprende na escola, de fato, prepara os alunos para o que vem depois dela? Embora a questão seja velha conhecida da comunidade escolar, ela recobra fôlego na reta final rumo ao Novo Ensino Médio. Em teoria, a partir de sua implementação, o hiato entre as expectativas dos jovens e o que lhes é oferecido tende a diminuir. “Os currículos do Ensino Médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira que adote um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais”, assegura a MP 746/2016, que inseriu o artigo 36 no parágrafo 5o da LDB (Lei de Diretrizes e Bases). Na prática, fica a dúvida: o que os estudantes consideram essencial para o seu desenvolvimento e construção do projeto de vida? A Educatrix fez a pergunta para duas alunas do Ensino Médio.

De Jacundá (Pará), a 60 km de Marabá, Eilany da Silva, 15 anos, revela que sonha em cruzar as estradas da região — empoeiradas e danificadas pelo vaivém dos caminhões de minério — para morar no exterior. Antes, quer fazer faculdade no Brasil. A carreira ainda não está definida. De acordo com a aluna da 2a série do Ensino Médio na E.E.E.M. Maria da Glória Rodrigues Paixão, da rede pública paraense, o ideal seria ter psicólogos dentro da escola para apoiar os estudantes tanto na resolução de conflitos quanto na hora de fazer boas escolhas.

A mais de 4.200 quilômetros de distância, Luiza Murta Barbosa, 17 anos, faz o último ano do Ensino Médio no Colégio Stockler, na rede privada da capital paulista. É a filha caçula de uma família de engenheiros civis. Até o ano passado, ela achava que as Exatas também eram o seu destino. Tudo mudou quando, em 2019, se deparou com um professor que a incentivou a abrir o leque de possibilidades. O ponto de partida foi o desenvolvimento de novas competências e habilidades em Comunicação. 

Ainda que as duas jovens não se conheçam e vivam realidades bem diferentes, suas histórias ganham contornos semelhantes quando se trata da construção dos projetos de vida. Dúvidas, pressões por todos os lados e expectativas de sucesso são compartilhadas por ambas. No processo de descoberta de si e busca de oportunidades que transcendam os muros da escola, as duas atribuem aos professores um papel decisivo. Cabe a eles, por exemplo, fomentar o intercâmbio de saberes, a formação de repertório e até mesmo os sonhos e a realização deles. 

Ainda que as duas jovens não se conheçam e vivam realidades bem diferentes, suas histórias ganham contornos semelhantes quando se trata da construção dos projetos de vida. Dúvidas, pressões por todos os lados e expectativas de sucesso são compartilhadas por ambas. No processo de descoberta de si e busca de oportunidades que transcendam os muros da escola, as duas atribuem aos professores um papel decisivo. Cabe a eles, por exemplo, fomentar o intercâmbio de saberes, a formação de repertório e até mesmo os sonhos e a realização deles.

A seguir, confira os relatos de Eilany e Luiza, cujas vozes direcionam nossas atenções para os protagonistas desta história: os estudantes. 

 

A escola sob perspectiva do aluno 

A terceira edição da pesquisa Nossa Escola em (Re)Construção, promovida pelo Porvir e Rede Conhecimento Social, ouviu 258.680 estudantes de 11 a 21 anos por meio de uma plataforma de escuta on-line e gratuita. De acordo com os participantes, a escola ideal deve visar à preparação para a vida adulta. Se o foco fosse prepará-los para o mercado de trabalho, 36% dizem que seriam mais felizes. Outros 30% afirmam que aprenderiam mais. Já se o alvo fosse o Enem, 39% garantem que aprenderiam mais, e 32%, que seriam mais felizes. 

Os estudantes esperam encontrar na instituição de ensino um espaço propício para descobrir suas vocações e sonhos, bem como receber orientações para fazer boas escolhas. Não é à toa que 4 em cada 10 jovens afirmam que gostariam de contar com o apoio de um orientador vocacional na escola, seja para ajudá-los a definir a profissão que irão seguir ou a graduação que cursarão. Para 27%, as orientações poderiam ocorrer durante as aulas regulares. Outros 19% preferem aulas especialmente dedicadas ao tema na grade semanal, e 12%, atendimentos individuais de mentoria.  

Em relação aos professores, a maioria dos estudantes demonstra admiração e confiança. Por outro lado, 6 em cada 10 dizem que os colegas não respeitam ou não valorizam os docentes. O relacionamento que se estabelece é considerado regular ou ruim por 50% dos jovens.

Outra demanda que apresentam é por profissionais aptos a apoiá-los em seu desenvolvimento socioemocional e pessoal. Além da figura do professor, 60% dos alunos gostariam de ter psicólogos na escola. Isso não quer dizer que os jovens não zelem por sua independência e protagonismo na vida estudantil. Poder escolher parte das disciplinas que irão cursar é uma medida bem-vinda para 4 a cada 10 alunos. Ter a liberdade de escolher a totalidade delas, no entanto, só faria 20% dos estudantes mais felizes.

 

Luiza Murta Barbosa, 17 

“À primeira vista, pode parecer estranho estudar em um colégio pequeno como o Stockler, com poucos espaços para circular. Mas, na prática, é confortável. Lembra uma cidade do interior, onde todos se cumprimentam, se conhecem e se ajudam.”  

“As turmas têm de 25 a 30 alunos, o que contribui para criar um clima mais intimista nas aulas. Muitos professores fazem projetos interdisciplinares e adotam recursos como vídeos e experiências em laboratório para deixar a teoria menos maçante.”

“Até o ano passado, não tinha a mínima ideia da faculdade que queria fazer ou da profissão que iria trilhar. Se já é difícil escolher uma roupa, quem dirá tomar decisões que mudarão o meu futuro. “

“Mas se tinha uma coisa que eu sabia (ou achava que sabia) é que pertencia às Exatas. Minhas notas eram altas e, na família, tenho vários engenheiros. Por outro lado, sempre fui aberta às oportunidades. Não por acaso, participo da maioria das atividades extracurriculares que a escola oferece.”

“O divisor de águas que me fez descobrir a paixão pela Comunicação (especificamente pela Publicidade e Propaganda) foi uma oficina de teatro em que o professor Celso Solha propôs a montagem da peça O Capeta de Caruaru.”

“Na obra, eu interpretava os gêmeos Chico e Antônio Cipriano: dois personagens masculinos, nordestinos, com características totalmente diferentes entre si e contextos ainda mais diversos. Uma missão nada fácil e que me fez entender quão essencial é ter liberdade de expressão, habilidades de comunicação e ser competente para transmitir a mensagem ao público.”

“Dessa forma, entendi que a vida é um palco e que os sonhos podem ser alcançados mediante esforço, tempo e dedicação.”

“Confesso que fiquei assustada e com medo de apostar em algo que nunca tinha sido o meu forte. Mas contei com o apoio dos projetos de autoconhecimento proporcionados pela escola e o incentivo para transformar uma mera paixão em diferenciais competitivos.”

“Entre eles, destacam-se meu repertório e entendimento de questões sociais, políticas, econômicas e de cidadania – frutos das aulas de Atualidade e das ações intencionais do colégio para dar voz aos estudantes. Hoje entendo essas iniciativas como parte de uma estratégia para formar cidadãos mais conscientes, ativos e preparados para questionar e buscar melhorias no mundo.”

“Essa, porém, não é a realidade pelo Brasil afora. A maioria das escolas já cristalizou seu papel de preparar os jovens para uma prova final de cinco horas de duração e sem nenhuma condição de avaliar a capacidade de alguém. Isso ocorre porque, em geral, o ensino se baseia em conteúdos extremamente específicos e sem conexão com a faculdade que eles querem fazer.”

“Não restam dúvidas de que a maioria dos conteúdos é essencial para construir um conhecimento acadêmico de base. Mas, com o avançar das séries, a escola deveria incentivar o aluno a ir além das disciplinas básicas e perseguir a especialização na sua jornada de aprendizado. Isso nos aproximaria do campo do conhecimento em questão e ainda nos prepararia melhor para o mundo do trabalho.”

“Pensando em um futuro próximo, o mais adequado seriam escolas cujos objetivos transcendessem a futura vida universitária e focassem no presente, com mais preparo para enfrentar o mundo e a vida em sociedade. Os projetos socioemocionais deveriam ganhar mais espaço no currículo.”

“Outro aspecto imprescindível é o olhar atento para a figura do professor. Por mais fácil que seja ter acesso aos conteúdos on-line, o verdadeiro aprendizado se dá na interação com ele.” 

Aluna da 3ª série do Ensino Médio do Colégio Stockler, em São Paulo (SP).

 

Eilany almeida da silva, 15

“Ainda não me sinto preparada para enfrentar o mundo lá fora, ser independente e ter mais responsabilidades. Mas meu sonho é morar em Toronto, no Canadá. Por isso, desde já, faço aulas de inglês na empresa onde trabalho.”

“Antes de partir, quero fazer faculdade no Brasil. Só não estou certa de qual área escolher. Pensei em Medicina, mas tenho medo de sangue. Pensei em Direito, mas já tem muita gente na área. Cheguei a pensar em História porque gosto de estudar religiões. Mas o que me encanta mesmo é a Veterinária, apesar do medo que sinto de alguns animais.”

“Ingressei na E.E.E.M. Maria da Glória Rodrigues Paixão no ano passado, quando fiz a transição para o Ensino Médio. O espaço é grande, com uma quadra esportiva, 12 salas de aula e turmas que variam de 35 a 40 alunos.”

“A grade curricular contempla sete horas/aula por dia. É bastante, mas sinto falta de mais debates e diálogos nas aulas. Os professores preferem não fazer porque esse tipo de dinâmica sempre acaba em confusão – não há respeito à opinião do outro.”

“Na prática, o Ensino Médio é bem diferente do que eu imaginava. Tem muita pressão psicológica, e vejo que isso afeta muito os alunos. Bom mesmo seria não ter provas e, no lugar delas, ter atividades e projetos avaliativos para compor a nota final.”

“Seria importante também contar com psicólogos aos quais pudéssemos recorrer quando necessário. A maioria dos alunos tem problemas psicológicos, e muitos são causados no próprio contexto escolar.”

“Mesmo não sendo perfeita, a escola exerce grande influência sobre mim. Graças a alguns professores e projetos, me tornei uma pessoa melhor e mais compreensiva. Estou aprendendo a respeitar as opiniões dos demais e a perder o medo e o nervosismo de falar em público.”

“Entre os professores que me inspiram, está a Elsamar Emerique, de Arte. Recentemente, ela ganhou um prêmio nacional de arte-educação pelo projeto “Cores do Açaí”, com o qual nos desafiou a pintar telas, usando o açaí como matéria-prima para a confecção de tintas. A experimentação, a investigação e o trabalho em equipe foram algumas das competências que desenvolvi com essa iniciativa.”

“Para o futuro, gostaria que a escola tivesse mais projetos desse tipo, com aulas práticas e espaço para os alunos se expressarem, sem medo de ser julgados. Cada professor poderia elaborar o projeto de acordo com a sua matéria e intercambiar conhecimento com as demais, com a possibilidade inclusive de levar os alunos para apresentar os resultados em outros colégios.”

“Adoraria também que algumas aulas pudessem ocorrer ao ar livre e que as de Matemática e Física incluíssem jogos didáticos que nos ajudassem a aprender e gostar do conteúdo. Muita gente ainda acha essas matérias chatas, um bicho de sete cabeças.”

“Mas, acima de tudo, desejaria que os professores interagissem mais com os estudantes, se colocando à disposição para nos ajudar com qualquer dúvida e sem tanta pressão psicológica.” 

Aluna da 2ª série do Ensino Médio na E.E.E.M. Maria da Glória Rodrigues Paixão, Jacundá (PA).

Texto: Lara Silbiger

 

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Expedição 2030: o desafio certo de educar para um futuro incerto.

Expedição 2030: o desafio certo de educar para um futuro incerto.

Para qual mundo estamos formando nossas crianças e adolescentes? Quais serão as habilidades e competências exigidas para uma vida bem-sucedida?

Adivinhos e futurólogos nunca tiveram tamanha dificuldade para prever ou compreender o que o destino nos reserva. Diante da velocidade e profundidade das transformações que marcam este início de século XXI, não há nada mais certo em relação ao futuro do que a sua própria incerteza.

As mudanças climáticas transformam o planeta. As novas tecnologias redefinem a vida humana. Os processos migratórios e as mudanças de comportamento provocam choques culturais. A busca de competitividade modifica as relações econômicas e gera novos contextos políticos e sociais. E todas essas movimentações juntas aprofundam os níveis de insegurança e ansiedade dos indivíduos, que têm dificuldade de caminhar por terreno tão movediço e ameaçador.

No mundo atual, poucas são as garantias e muitos os desafios que nos afetam individual, local e globalmente, demandando novas capacidades, soluções e regulações. Simultaneamente, crescem as dúvidas e expectativas em relação à educação e seu poder de não apenas preparar as novas gerações para enfrentar uma realidade futura bastante nebulosa, mas também de capacitá-las para reduzir os impactos negativos e ampliar os benefícios trazidos por todas essas mudanças.

Conhecimentos tradicionais continuam sendo importantes, mas não se mostram suficientes para assegurar que as pessoas se realizem no âmbito pessoal, social e profissional, muito menos para que interajam com as questões próprias da contemporaneidade e participem da construção de um mundo melhor para si e para os demais. Cientes desse desafio, especialistas e organizações ao redor do globo apontam para a necessidade de revermos o que se ensina e se aprende nas escolas.

Como consequência, diversos países promovem reformas curriculares com o intuito de aproximar a educação do seu projeto de nação, de maneira que crianças e jovens sejam preparados para se orientar e se realizar em um mundo em constante mudança, bem como contribuir para o alcance de objetivos nacionais e globais de médio e longo prazo.

No Brasil, essa oportunidade surge com a construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e com a Reforma do Ensino Médio, que reabrem a discussão sobre o que todos os estudantes brasileiros precisam aprender. O propósito, nesse caso, para além de resolver problemas recorrentes relacionados à equidade e qualidade da Educação Básica, também se constitui em oportunidade para oferecer aos alunos brasileiros as aprendizagens que eles precisam para enfrentar os desafios da vida contemporânea, muitos dos quais ainda nem conhecemos. 

 

Desafio profissional

As tecnologias modificam cotidianamente os fazeres e ambientes de trabalho, dos mais simples aos mais complexos. Tarefas repetitivas passam a ser realizadas por máquinas, enquanto os profissionais se diferenciam por suas habilidades humanas. Criam-se novas profissões, muitas se transformam e outras deixam de existir. Em grande medida, formamos estudantes para desempenhar funções que ainda nem existem.
Diante dessa nova realidade, cabe às escolas desenvolver a capacidade dos indivíduos de continuar aprendendo ao longo da vida, para que adquiram novos conhecimentos conforme se fizerem necessários. Para tanto, é importante motivar os alunos a valorizar e buscar o conhecimento de forma cada vez mais autônoma, acessando as mais diversas fontes, bem como selecionando, contextualizando e aplicando as informações que obtêm. Os estudantes também precisam ser estimulados a pensar sobre a sua própria aprendizagem, para serem capazes de identificar o que precisam aprender e como aprendem melhor.
O domínio das tecnologias é outro requisito indispensável para que os alunos estejam preparados para um mundo do trabalho cada vez mais automatizado. Ainda que o seu diferencial seja justamente realizar o que não pode ser delegado às máquinas, o profissional do futuro precisa saber utilizá-las com inteligência e habilidade. O não desenvolvimento dessa competência desde a idade escolar compromete significativamente as chances dos indivíduos de se inserirem e progredirem profissionalmente. Portanto, torna-se vital assegurar que todas as escolas ofereçam essa oportunidade aos seus alunos. 
A rápida obsolescência de conhecimentos técnicos demanda ainda que os currículos das instituições de ensino contemplem competências mais transversais, que os apoiem a desempenhar qualquer profissão contemporânea, mesmo as que ainda não foram inventadas. Atributos como flexibilidade, criatividade, trabalho em equipe, resolução de problemas, inovação e empreendedorismo estão entre elas. Uma vez imbuídos dessas capacidades, as novas gerações terão mais facilidade de se adaptar às mudanças e de se inserir com mais dignidade, qualidade e sustentabilidade em um mundo do trabalho em constante mutação.
 
“O domínio das tecnologias é outro requisito indispensável para que os alunos estejam preparados para um mundo do trabalho cada vez mais automatizado.”
 

Realização pessoal  

Vivemos em um contexto de permanente instabilidade, marcado por ambiguidades e imprevisibilidade. A ausência de respostas únicas e a dificuldade de prevermos o que nos acontecerá potencializa o surgimento de tensões emocionais, que afetam crianças, adolescentes e jovens de forma cada vez mais precoce e aguda. Proliferam-se os casos de hiperatividade, apatia, agressividade, depressão, automutilação e suicídio.

Algumas dessas questões requerem tratamento psicológico ou psiquiátrico. No entanto, a escola que se propõe a preparar os estudantes para a vida também tem o papel fundamental de ensiná-los a lidar melhor com suas emoções e relações. Para tanto, os currículos, da Educação Infantil ao Ensino Médio, precisam desenvolver a capacidade dos alunos de conhecer, apreciar e cuidar de si mesmos, bem como de reconhecer, expressar e lidar com seus sentimentos. A proposta é oferecer aprendizagens que os ajudem a superar dificuldades e realizar toda a sua potência, respeitando e acolhendo a sua essência. 

Especialmente em relação aos adolescentes e jovens, é imprescindível que as escolas os estimulem a ter aspirações e a identificar caminhos e metas para alcançar os seus projetos de vida, seja por esforço próprio, seja lutando por seus direitos. As práticas pedagógicas e o ambiente escolar também precisam favorecer o desenvolvimento de competências como determinação – para que perseverem e vençam obstáculos; resiliência – para que saibam lidar com frustrações, insucessos e adversidades sem desistir do seu intento; e autoconfiança – para que acreditem em sua própria capacidade de aprender, progredir e realizar os seus sonhos.

Os avanços na ciência e medicina impactam na longevidade e aprofundam as discussões sobre qualidade de vida, estimulando a mudança de hábitos pessoais. O cuidado consigo mesmo, portanto, também passa pela capacidade dos estudantes de promoverem a sua própria saúde e bem-estar. Cresce a importância dos currículos incluírem aprendizagens que levem ao desenvolvimento físico, à incorporação de atitudes saudáveis e à prevenção de situações de risco. A expectativa é garantir que corpo e mente saudáveis contribuam para que as novas gerações tenham perspectiva, garra e vitalidade para superar as turbulências que encontrarão pela frente. 

 

Choque cultural  

O mundo será cada vez mais urbano e grande parte da população continuará se movendo em direção às grandes metrópoles. Paralelamente, processos migratórios em todo globo já estão mudando a face dos países. Assim como as seleções europeias que disputaram a última Copa do Mundo, nações, comunidades, empresas e até mesmo escolas serão cada vez mais multiculturais. Porém, ao contrário do que acontece no futebol, fora de campo, o aumento da diversidade tende a ampliar os níveis de estranhamento, intolerância e xenofobia. 

Conquistas civis e sociais também continuarão provocando transformações profundas na mentalidade e no comportamento de indivíduos e sociedades, muitas vezes se contrapondo a valores e tradições há muito estabelecidos. Mudanças de percepção e legislação em relação ao papel da mulher, identidade de gênero e orientação sexual, novos arranjos familiares, inclusão de minorias étnicas e raciais, legalização do aborto, descriminalização da maconha, entre tantas outras, seguirão desestabilizando o sistema de crenças e ameaçando os mais conservadores. Como consequência, prevê-se o acirramento dos preconceitos e da violência contra aqueles que, apesar de terem seus direitos garantidos por lei, ainda são percebidos como diferentes.

Vale lembrar que esses novos cenários modificam o próprio ambiente escolar, onde conflitos dessa natureza se intensificam. Diante dessa realidade, as instituições de ensino não têm como se eximir de abordar essas questões com seus alunos, muitos dos quais são vítimas cotidianas do preconceito e da exclusão. 

Faz-se necessário, portanto, educar as novas gerações para valorizar e conviver com a diversidade. Dessa forma, além de aprender a transitar por contextos culturalmente diversos com competência, respeito e apreciação, também se conscientizarão da importância de atuar como mediadores culturais, construindo pontes entre os diferentes e minimizando os impactos negativos gerados pelas mudanças em curso. 

 

Transformação social  

Ao contrário do que se imaginava, o aumento da riqueza produzida no mundo não foi capaz de acabar com a pobreza, nem reduzir as desigualdades. A bem da verdade, pesquisas demonstram que a distância entre ricos e pobres está aumentando, tanto em relação às pessoas, quanto aos países. Crescem também os níveis de violência que têm como origem as injustiças sociais. 

A reversão dessas tendências depende em grande medida da forma como educamos as nossas crianças e jovens. Currículos conectados com os principais desafios da humanidade se preocupam em desenvolver competências como empatia, diálogo e colaboração, imprescindíveis para que as novas gerações tenham uma atitude mais justa, inclusiva e solidária em relação aos demais.

Torna-se fundamental desenvolver nos estudantes a capacidade de pensar criticamente sobre as questões sociais locais e globais, perceber-se como agente de transformação e criar soluções para os desafios que se apresentam. A realização de pesquisas e projetos de intervenção sobre a realidade tem grande poder de sensibilizar, ampliar a compreensão e engajar os alunos em iniciativas voltadas a melhorar a vida de populações e comunidades vulneráveis, inclusive se fizerem parte delas. 

Importante ressaltar que se a educação não for capaz de fortalecer a coesão e a justiça social, colocaremos cada vez mais em risco a possibilidade de convivência entre os desiguais. 

 

Preservação ambiental  

O planeta também está se transformando de forma rápida e inequívoca, ainda que muitos tentem relativizar os efeitos das mudanças climáticas. O crescimento populacional e o impacto da vida humana na Terra exaurem recursos naturais, comprometem a qualidade de elementos vitais, como a água e o ar, e nos colocam o desafio de repensar a intensidade das nossas pegadas, sob pena de comprometermos a nossa própria existência.

Os prognósticos nessa área são críticos, mas não de todo irreversíveis. Ainda temos como utilizar a nossa inteligência e disposição para modificar a maneira como nos relacionamos com o meio ambiente. A mudança, no entanto, precisa começar desde cedo, para garantir a incorporação de atitudes e comportamentos mais sustentáveis.

A adoção de práticas associadas ao consumo consciente, à preservação de áreas ecológicas e à redução da emissão de poluentes, entre muitas outras, depende de uma mudança profunda de paradigma. E ainda que as legislações ambientais busquem regular esses processos, grande parte dessas decisões ainda acontecem no nível pessoal. 

Mais uma vez, as escolas têm papel preponderante na formação de crianças, adolescentes e jovens para que se conscientizem sobre o impacto de suas ações no planeta, adotem comportamentos ambientalmente responsáveis e sejam defensores e promotores da sustentabilidade. Cultivo de hortas escolares, campanhas de reciclagem de resíduos sólidos e visitas a parques e reservas continuam tendo valor. No entanto, é preciso ampliar a compreensão dos estudantes sobre grandes desafios ambientais, tanto os que fazem parte do nosso cotidiano – como o tempo debaixo do chuveiro -, quanto os dilemas de ordem global – como a escolha de nossas matrizes energéticas. 

 

Participação cidadã  

Em meio a todas essas mudanças, ampliam-se os questionamentos em relação aos sistemas vigentes, que se mostram incapazes de promover desenvolvimento econômico aliado a liberdades civis, direitos humanos, justiça social e preservação ambiental. Surgem novos arranjos, em geral acompanhados por divergências e polarizações, que se amplificam por meio de redes sociais. O cenário aprofunda o clima de instabilidade política e, ao mesmo tempo, potencializa a participação dos cidadãos na construção de novas alternativas.

Já no âmbito da ética, as ambiguidades se avolumam, colocando as normas vigentes em cheque e demandando mudanças importantes no campo da regulamentação. Novas legislações surgirão ou se modificarão para dar conta dos dilemas emergentes, muitos deles relacionados ao uso das tecnologias, especialmente as de informação e comunicação. 

Essas novas circunstâncias demandarão novos papéis e responsabilidades por parte da sociedade civil, cujas formas de participação na vida pública também vêm se modificando velozmente, levando à criação de novos formatos de organização, mobilização, controle social e envolvimento popular na solução de questões de interesse público. A demanda crescente para os próximos anos diz respeito à capacidade dos cidadãos de serem agentes do seu próprio destino e das transformações que aspiram para o seu entorno e para o mundo. 

Vale lembrar que grande parte desse empoderamento cívico e social tem seu início na escola, quando os estudantes dispõem de espaço para discutir e vivenciar a sua cidadania, aprendendo a tomar decisões éticas, a se envolver em processos democráticos e a se corresponsabilizar por desafios coletivos. 

Ainda nesse sentido, é fundamental que os currículos escolares desenvolvam a sua capacidade de compreender e refletir criticamente sobre os modelos políticos e econômicos vigentes, para que possam transitar por eles com propriedade e contribuir para a construção de propostas mais justas, inclusivas, democráticas e sustentáveis.

Em relação às tecnologias, os alunos precisam se conscientizar do impacto que geram na sociedade e aprender a utilizá-las de maneira ética e significativa, inclusive como instrumento de poder e participação. Além disso, devem se atentar para os riscos de manipulação e exposição, especialmente por parte das redes sociais.

Importante destacar que muitas das competências que passam a integrar os currículos escolares ao redor do mundo não são necessariamente novas, mas tornam-se cada vez mais indispensáveis apresentadas no século XXI. Mais relevante ainda constatar que redefinições em relação ao que os estudantes precisam aprender provocam mudanças diretas no como eles aprenderão. 

Assim sendo, as reformas curriculares devem vir acompanhadas de revisões igualmente profundas sobre práticas pedagógicas, materiais didáticos, ambientes escolares e sistemas de avaliação da aprendizagem. Foco no aluno, personalização, uso de tecnologias e metodologias ativas, aprendizagem mão na massa, mobilidade e flexibilidade de espaços dentro e fora da escola são algumas das tendências que dialogam com essa proposta. 

Uma vez que têm como foco a promoção do desenvolvimento dos estudantes em todas as suas dimensões (intelectual, social, emocional, física e cultural), os currículos contemporâneos também precisam ser compreendidos como um desafio que não se restringe às unidades escolares. Sua implementação demanda o esforço conjunto de diversos atores, incluindo-se as famílias, as comunidades do entorno, as áreas de saúde, cultura, esporte, tecnologia e desenvolvimento social, entre outras. 

Só assim conseguiremos preparar as novas gerações para se manter no rumo ao navegar por mares de imprevisibilidade e incertezas.

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Para qual mundo estamos formando nossas crianças e adolescentes? Quais serão as habilidades e competências exigidas para uma vida bem-sucedida?

Adivinhos e futurólogos nunca tiveram tamanha dificuldade para prever ou compreender o que o destino nos reserva. Diante da velocidade e profundidade das transformações que marcam este início de século XXI, não há nada mais certo em relação ao futuro do que a sua própria incerteza.

As mudanças climáticas transformam o planeta. As novas tecnologias redefinem a vida humana. Os processos migratórios e as mudanças de comportamento provocam choques culturais. A busca de competitividade modifica as relações econômicas e gera novos contextos políticos e sociais. E todas essas movimentações juntas aprofundam os níveis de insegurança e ansiedade dos indivíduos, que têm dificuldade de caminhar por terreno tão movediço e ameaçador.

No mundo atual, poucas são as garantias e muitos os desafios que nos afetam individual, local e globalmente, demandando novas capacidades, soluções e regulações. Simultaneamente, crescem as dúvidas e expectativas em relação à educação e seu poder de não apenas preparar as novas gerações para enfrentar uma realidade futura bastante nebulosa, mas também de capacitá-las para reduzir os impactos negativos e ampliar os benefícios trazidos por todas essas mudanças.

Conhecimentos tradicionais continuam sendo importantes, mas não se mostram suficientes para assegurar que as pessoas se realizem no âmbito pessoal, social e profissional, muito menos para que interajam com as questões próprias da contemporaneidade e participem da construção de um mundo melhor para si e para os demais. Cientes desse desafio, especialistas e organizações ao redor do globo apontam para a necessidade de revermos o que se ensina e se aprende nas escolas.

Como consequência, diversos países promovem reformas curriculares com o intuito de aproximar a educação do seu projeto de nação, de maneira que crianças e jovens sejam preparados para se orientar e se realizar em um mundo em constante mudança, bem como contribuir para o alcance de objetivos nacionais e globais de médio e longo prazo.

No Brasil, essa oportunidade surge com a construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e com a Reforma do Ensino Médio, que reabrem a discussão sobre o que todos os estudantes brasileiros precisam aprender. O propósito, nesse caso, para além de resolver problemas recorrentes relacionados à equidade e qualidade da Educação Básica, também se constitui em oportunidade para oferecer aos alunos brasileiros as aprendizagens que eles precisam para enfrentar os desafios da vida contemporânea, muitos dos quais ainda nem conhecemos. 

 

Desafio profissional

As tecnologias modificam cotidianamente os fazeres e ambientes de trabalho, dos mais simples aos mais complexos. Tarefas repetitivas passam a ser realizadas por máquinas, enquanto os profissionais se diferenciam por suas habilidades humanas. Criam-se novas profissões, muitas se transformam e outras deixam de existir. Em grande medida, formamos estudantes para desempenhar funções que ainda nem existem.
Diante dessa nova realidade, cabe às escolas desenvolver a capacidade dos indivíduos de continuar aprendendo ao longo da vida, para que adquiram novos conhecimentos conforme se fizerem necessários. Para tanto, é importante motivar os alunos a valorizar e buscar o conhecimento de forma cada vez mais autônoma, acessando as mais diversas fontes, bem como selecionando, contextualizando e aplicando as informações que obtêm. Os estudantes também precisam ser estimulados a pensar sobre a sua própria aprendizagem, para serem capazes de identificar o que precisam aprender e como aprendem melhor.
O domínio das tecnologias é outro requisito indispensável para que os alunos estejam preparados para um mundo do trabalho cada vez mais automatizado. Ainda que o seu diferencial seja justamente realizar o que não pode ser delegado às máquinas, o profissional do futuro precisa saber utilizá-las com inteligência e habilidade. O não desenvolvimento dessa competência desde a idade escolar compromete significativamente as chances dos indivíduos de se inserirem e progredirem profissionalmente. Portanto, torna-se vital assegurar que todas as escolas ofereçam essa oportunidade aos seus alunos. 
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Realização pessoal  

Vivemos em um contexto de permanente instabilidade, marcado por ambiguidades e imprevisibilidade. A ausência de respostas únicas e a dificuldade de prevermos o que nos acontecerá potencializa o surgimento de tensões emocionais, que afetam crianças, adolescentes e jovens de forma cada vez mais precoce e aguda. Proliferam-se os casos de hiperatividade, apatia, agressividade, depressão, automutilação e suicídio.

Algumas dessas questões requerem tratamento psicológico ou psiquiátrico. No entanto, a escola que se propõe a preparar os estudantes para a vida também tem o papel fundamental de ensiná-los a lidar melhor com suas emoções e relações. Para tanto, os currículos, da Educação Infantil ao Ensino Médio, precisam desenvolver a capacidade dos alunos de conhecer, apreciar e cuidar de si mesmos, bem como de reconhecer, expressar e lidar com seus sentimentos. A proposta é oferecer aprendizagens que os ajudem a superar dificuldades e realizar toda a sua potência, respeitando e acolhendo a sua essência. 

Especialmente em relação aos adolescentes e jovens, é imprescindível que as escolas os estimulem a ter aspirações e a identificar caminhos e metas para alcançar os seus projetos de vida, seja por esforço próprio, seja lutando por seus direitos. As práticas pedagógicas e o ambiente escolar também precisam favorecer o desenvolvimento de competências como determinação – para que perseverem e vençam obstáculos; resiliência – para que saibam lidar com frustrações, insucessos e adversidades sem desistir do seu intento; e autoconfiança – para que acreditem em sua própria capacidade de aprender, progredir e realizar os seus sonhos.

Os avanços na ciência e medicina impactam na longevidade e aprofundam as discussões sobre qualidade de vida, estimulando a mudança de hábitos pessoais. O cuidado consigo mesmo, portanto, também passa pela capacidade dos estudantes de promoverem a sua própria saúde e bem-estar. Cresce a importância dos currículos incluírem aprendizagens que levem ao desenvolvimento físico, à incorporação de atitudes saudáveis e à prevenção de situações de risco. A expectativa é garantir que corpo e mente saudáveis contribuam para que as novas gerações tenham perspectiva, garra e vitalidade para superar as turbulências que encontrarão pela frente. 

 

Choque cultural  

O mundo será cada vez mais urbano e grande parte da população continuará se movendo em direção às grandes metrópoles. Paralelamente, processos migratórios em todo globo já estão mudando a face dos países. Assim como as seleções europeias que disputaram a última Copa do Mundo, nações, comunidades, empresas e até mesmo escolas serão cada vez mais multiculturais. Porém, ao contrário do que acontece no futebol, fora de campo, o aumento da diversidade tende a ampliar os níveis de estranhamento, intolerância e xenofobia. 

Conquistas civis e sociais também continuarão provocando transformações profundas na mentalidade e no comportamento de indivíduos e sociedades, muitas vezes se contrapondo a valores e tradições há muito estabelecidos. Mudanças de percepção e legislação em relação ao papel da mulher, identidade de gênero e orientação sexual, novos arranjos familiares, inclusão de minorias étnicas e raciais, legalização do aborto, descriminalização da maconha, entre tantas outras, seguirão desestabilizando o sistema de crenças e ameaçando os mais conservadores. Como consequência, prevê-se o acirramento dos preconceitos e da violência contra aqueles que, apesar de terem seus direitos garantidos por lei, ainda são percebidos como diferentes.

Vale lembrar que esses novos cenários modificam o próprio ambiente escolar, onde conflitos dessa natureza se intensificam. Diante dessa realidade, as instituições de ensino não têm como se eximir de abordar essas questões com seus alunos, muitos dos quais são vítimas cotidianas do preconceito e da exclusão. 

Faz-se necessário, portanto, educar as novas gerações para valorizar e conviver com a diversidade. Dessa forma, além de aprender a transitar por contextos culturalmente diversos com competência, respeito e apreciação, também se conscientizarão da importância de atuar como mediadores culturais, construindo pontes entre os diferentes e minimizando os impactos negativos gerados pelas mudanças em curso. 

 

Transformação social  

Ao contrário do que se imaginava, o aumento da riqueza produzida no mundo não foi capaz de acabar com a pobreza, nem reduzir as desigualdades. A bem da verdade, pesquisas demonstram que a distância entre ricos e pobres está aumentando, tanto em relação às pessoas, quanto aos países. Crescem também os níveis de violência que têm como origem as injustiças sociais. 

A reversão dessas tendências depende em grande medida da forma como educamos as nossas crianças e jovens. Currículos conectados com os principais desafios da humanidade se preocupam em desenvolver competências como empatia, diálogo e colaboração, imprescindíveis para que as novas gerações tenham uma atitude mais justa, inclusiva e solidária em relação aos demais.

Torna-se fundamental desenvolver nos estudantes a capacidade de pensar criticamente sobre as questões sociais locais e globais, perceber-se como agente de transformação e criar soluções para os desafios que se apresentam. A realização de pesquisas e projetos de intervenção sobre a realidade tem grande poder de sensibilizar, ampliar a compreensão e engajar os alunos em iniciativas voltadas a melhorar a vida de populações e comunidades vulneráveis, inclusive se fizerem parte delas. 

Importante ressaltar que se a educação não for capaz de fortalecer a coesão e a justiça social, colocaremos cada vez mais em risco a possibilidade de convivência entre os desiguais. 

 

Preservação ambiental  

O planeta também está se transformando de forma rápida e inequívoca, ainda que muitos tentem relativizar os efeitos das mudanças climáticas. O crescimento populacional e o impacto da vida humana na Terra exaurem recursos naturais, comprometem a qualidade de elementos vitais, como a água e o ar, e nos colocam o desafio de repensar a intensidade das nossas pegadas, sob pena de comprometermos a nossa própria existência.

Os prognósticos nessa área são críticos, mas não de todo irreversíveis. Ainda temos como utilizar a nossa inteligência e disposição para modificar a maneira como nos relacionamos com o meio ambiente. A mudança, no entanto, precisa começar desde cedo, para garantir a incorporação de atitudes e comportamentos mais sustentáveis.

A adoção de práticas associadas ao consumo consciente, à preservação de áreas ecológicas e à redução da emissão de poluentes, entre muitas outras, depende de uma mudança profunda de paradigma. E ainda que as legislações ambientais busquem regular esses processos, grande parte dessas decisões ainda acontecem no nível pessoal. 

Mais uma vez, as escolas têm papel preponderante na formação de crianças, adolescentes e jovens para que se conscientizem sobre o impacto de suas ações no planeta, adotem comportamentos ambientalmente responsáveis e sejam defensores e promotores da sustentabilidade. Cultivo de hortas escolares, campanhas de reciclagem de resíduos sólidos e visitas a parques e reservas continuam tendo valor. No entanto, é preciso ampliar a compreensão dos estudantes sobre grandes desafios ambientais, tanto os que fazem parte do nosso cotidiano – como o tempo debaixo do chuveiro -, quanto os dilemas de ordem global – como a escolha de nossas matrizes energéticas. 

 

Participação cidadã  

Em meio a todas essas mudanças, ampliam-se os questionamentos em relação aos sistemas vigentes, que se mostram incapazes de promover desenvolvimento econômico aliado a liberdades civis, direitos humanos, justiça social e preservação ambiental. Surgem novos arranjos, em geral acompanhados por divergências e polarizações, que se amplificam por meio de redes sociais. O cenário aprofunda o clima de instabilidade política e, ao mesmo tempo, potencializa a participação dos cidadãos na construção de novas alternativas.

Já no âmbito da ética, as ambiguidades se avolumam, colocando as normas vigentes em cheque e demandando mudanças importantes no campo da regulamentação. Novas legislações surgirão ou se modificarão para dar conta dos dilemas emergentes, muitos deles relacionados ao uso das tecnologias, especialmente as de informação e comunicação. 

Essas novas circunstâncias demandarão novos papéis e responsabilidades por parte da sociedade civil, cujas formas de participação na vida pública também vêm se modificando velozmente, levando à criação de novos formatos de organização, mobilização, controle social e envolvimento popular na solução de questões de interesse público. A demanda crescente para os próximos anos diz respeito à capacidade dos cidadãos de serem agentes do seu próprio destino e das transformações que aspiram para o seu entorno e para o mundo. 

Vale lembrar que grande parte desse empoderamento cívico e social tem seu início na escola, quando os estudantes dispõem de espaço para discutir e vivenciar a sua cidadania, aprendendo a tomar decisões éticas, a se envolver em processos democráticos e a se corresponsabilizar por desafios coletivos. 

Ainda nesse sentido, é fundamental que os currículos escolares desenvolvam a sua capacidade de compreender e refletir criticamente sobre os modelos políticos e econômicos vigentes, para que possam transitar por eles com propriedade e contribuir para a construção de propostas mais justas, inclusivas, democráticas e sustentáveis.

Em relação às tecnologias, os alunos precisam se conscientizar do impacto que geram na sociedade e aprender a utilizá-las de maneira ética e significativa, inclusive como instrumento de poder e participação. Além disso, devem se atentar para os riscos de manipulação e exposição, especialmente por parte das redes sociais.

Importante destacar que muitas das competências que passam a integrar os currículos escolares ao redor do mundo não são necessariamente novas, mas tornam-se cada vez mais indispensáveis apresentadas no século XXI. Mais relevante ainda constatar que redefinições em relação ao que os estudantes precisam aprender provocam mudanças diretas no como eles aprenderão. 

Assim sendo, as reformas curriculares devem vir acompanhadas de revisões igualmente profundas sobre práticas pedagógicas, materiais didáticos, ambientes escolares e sistemas de avaliação da aprendizagem. Foco no aluno, personalização, uso de tecnologias e metodologias ativas, aprendizagem mão na massa, mobilidade e flexibilidade de espaços dentro e fora da escola são algumas das tendências que dialogam com essa proposta. 

Uma vez que têm como foco a promoção do desenvolvimento dos estudantes em todas as suas dimensões (intelectual, social, emocional, física e cultural), os currículos contemporâneos também precisam ser compreendidos como um desafio que não se restringe às unidades escolares. Sua implementação demanda o esforço conjunto de diversos atores, incluindo-se as famílias, as comunidades do entorno, as áreas de saúde, cultura, esporte, tecnologia e desenvolvimento social, entre outras. 

Só assim conseguiremos preparar as novas gerações para se manter no rumo ao navegar por mares de imprevisibilidade e incertezas.

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Educar cidadãos globais para manter a paz no mundo

A educação é a principal ferramenta para combater um mundo cada vez mais intolerante.

Texto: Fernando M. Reimers | Tradução: Rafael Spigel | Ilustração: Vinícius Matsuei

Em 1925, o professor Isaac Kandel, da Universidade Columbia, discursou para a associação de diretores de escolas do ensino médio e defendeu veementemente a educação para a cidadania global. Ele argumentou que se as escolas norte-americanas não preparassem seus alunos para uma compreensão global, os Estados Unidos não se tornariam um poder para a paz, mas sim um poder para a instabilidade no mundo. Kandel fez tal discurso apenas sete anos após o fim da Primeira Guerra Mundial e 14 anos antes do principal conflito global que estava por vir. Nascido na Romênia e tendo imigrado para os Estados Unidos, ele conhecia a dor e o sofrimento causados pela guerra e sentiu, à época de seu discurso, como a paz é frágil, como o conflito nunca está tão distante e como a paz requer o cultivo de disposições. Outros educadores que sobreviveram às duas guerras tiveram percepções semelhantes sobre a importância da educação para a paz. Em seu famoso discurso sobre Paz e Educação em 1932, Maria Montessori defendeu uma pedagogia que motivasse a criança a fazer escolhas e contestou a educação autoritária, que preparava o aluno para seguir governantes autoritários. Seu discurso foi publicado pelo Bureau Internacional de Educação da Unesco, do qual Jean Piaget era diretor. Anos mais tarde, o próprio Piaget escreveria uma biografia de Jan Amos Comenius, destacando o papel de Comenius na promoção da educação para a paz.

A conscientização da devastação e do sofrimento causados pela Segunda Guerra Mundial levou governos ao redor do mundo a procurarem condições para a paz sustentável, o que se refletiu na criação das Nações Unidas, na adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos e na inclusão da educação como um direito humano. A Declaração tinha como base os valores de liberdade, igualdade e solidariedade global, que foram o alicerce de boa parte do trabalho dos governos e das instituições globais criadas no pós-guerra. E não há um lugar no qual esses valores são melhor refletidos do que no relatório da Unesco sobre Educação para o século XXI, Educação: um tesouro a descobrir. No entanto, tais valores são cada vez mais contestados por movimentos populistas e nacionalistas, com nuances de xenofobia e intolerância.

Os atuais e crescentes desafios da educação para a cidadania global

Uma ideologia populista emergente desafia as aspirações do ensino público, em especial da educação para a cidadania global, bem como o trabalho de instituições que promovem os valores de liberdade, igualdade e solidariedade. Os populistas defendem mais poder para grupos locais definirem as metas da educação e menos ação das instituições governamentais e intergovernamentais. Além disso, contestam a ideia de direitos humanos universais. Se o nacionalismo é a nova força organizadora, a noção de pertencimento e não pertencimento é definida pela cidadania, e não por associação à humanidade, uma contestação à educação para a cidadania global. Tal questionamento aos direitos humanos universais leva à contestação dos direitos das minorias culturais e étnicas, por exemplo, o direito de se enxergarem representadas no currículo. Nos Estados Unidos, indivíduos e grupos pressionam escolas por mudanças no currículo que reduzem a ênfase em tópicos e conteúdos globais. Grupos conservadores discutem há muito tempo sobre o currículo e os livros didáticos nas escolas, e tais conflitos têm aumentado desde a última campanha presidencial, segundo relatos que ouvi de professores e diretores.

O populismo representa um risco ao enfrentamento dos desafios globais. Ao renegar uma ação conjunta para enfrentar desafios globais, como a mudança climática ou os direitos humanos, cria-se um contexto social no qual professores encontrarão cada vez mais dificuldade para lecionar sobre tais temas.

Um estudo do Southern Poverty Law Center, mostra que, além do nacionalismo e do populismo, há um aumento de grupos de ódio e manifestações odiosas em muitas partes do mundo. Nos Estados Unidos, cresceram os casos de intolerância, dentro e fora das escolas e universidades, na forma mais explícita de antissemitismo, supremacia branca, islamofobia e ódio a negros e imigrantes.

Nesse contexto, é imprescindível redobrar nossos esforços para educar os alunos para a cidadania global. A inclusão disso como uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável representa uma oportunidade. O comprometimento da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para incluir a avaliação da competência global nos estudos do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) trará muita da atenção necessária para esse domínio de competência do aluno, assim como os estudos comparativos internacionais sobre educação cívica conduzidos pela IEA (Associação Internacional para a Avaliação da Conquista Educacional).

Para contribuir com esses esforços a favor da educação para a cidadania global, publiquei recentemente três recursos curriculares, desenvolvidos com meus alunos da pós-graduação. O livro Empoderar Crianças e Jovens para a Cidadania Global defende que a educação deve auxiliar o aluno a entender e a promover os direitos humanos e oferece um rigoroso currículo para apoiar a educação para a cidadania global desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. O livro Empoderando Alunos Para Melhorar o Mundo: Um Guia Prático explica por que uma ênfase renovada sobre a cidadania global é essencial em face do crescente populismo e ódio. Ele oferece protocolos para ajudar os professores e diretores a desenvolverem estratégias escolares amplas que defendem a educação e o currículo para a cidadania global, alinhados com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável; e um complemento para a Declaração dos Direitos Humanos em que expõe nossas obrigações para alcançar um mundo que seja inclusivo, pacífico e sustentável.

O livro Learning to Collaborate for the Global Common Good é uma análise dos desafios que a democracia enfrenta ao redor do mundo e traz uma série de recursos para promover competências e habilidades para a participação cívica democrática. Os cinco princípios a seguir conduzem as três publicações:

01 – Planejar o currículo com o objetivo em mente

Uma abordagem eficiente para desenvolver o currículo é inicia-lo com os objetivos em mente. Embora a maioria dos planejamentos comece com a orientação em termos de conhecimento ou competências com às quais estão alinhados, eles raramente estendem tal meta a uma visão mais ampla que informe a seleção de tais competências. Como resultado, embora possa haver uma visão implícita de longo prazo que forneça orientação para as competências que conduzem o desenvolvimento do currículo, tal visão não é pública e, portanto, a hipótese central que conduz tal currículo (“se os alunos adquirem essas competências, eles serão capazes de alcançar as seguintes”) não é de conhecimento público e, dessa forma, não é avaliável. Proponho uma abordagem alternativa que torne pública as duas hipóteses-chaves que reforçam qualquer currículo: se envolvermos os alunos em experiências de aprendizagem específicas, eles vão adquirir certas competências; se eles adquirirem tais competências, serão capazes de alcançar resultados específicos a longo prazo, com consequências para eles e para as comunidades das quais fazem parte.

Esses recursos dão ao currículo uma visão pública, não partidária e que tem sido endossada por governos ao redor do mundo. Isso é o mais próximo que conseguimos chegar de um pacto público que reflita a aspiração compartilhada do “bem comum” da humanidade. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, incluídos na estrutura adotada por mais de 150 líderes mundiais na Assembleia Geral da ONU em 2015, oferecem uma visão otimista de um mundo que é inclusivo, pacífico e sustentável. Os objetivos conduzem uma série de metas específicas e mensuráveis. Por exemplo, o Objetivo 1 – Erradicação da Pobreza propõe a erradicação das formas mais extremas de pobreza no planeta e traz seis metas específicas:

 

1

Até 2030, reduzir pelo menos à metade a proporção de homens, mulheres e crianças, de todas as idades, que vivem na pobreza, em todas as suas dimensões, de acordo com as definições nacionais.

 

Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados, para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis. 

 

3

Até 2030, garantir que todos os homens e mulheres, particularmente os pobres e vulneráveis, tenham direitos iguais aos recursos econômicos, bem como o acesso a serviços básicos, propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, herança, recursos naturais, novas tecnologias apropriadas e serviços financeiros, incluindo microfinanças.

 

4

Até 2030, construir a resiliência dos pobres e daqueles em situação de vulnerabilidade, e reduzir a exposição e vulnerabilidade destes a eventos extremos relacionados com o clima e outros choques e desastres econômicos, sociais e ambientais.

 

5

Garantir uma mobilização significativa de recursos a partir de uma variedade de fontes, inclusive por meio do reforço da cooperação para o desenvolvimento, para proporcionar meios adequados e previsíveis para que os países em desenvolvimento, em particular os países menos desenvolvidos, implementem programas e políticas para acabar com a pobreza em todas as suas dimensões.

 

6

 

Criar marcos políticos sólidos em níveis nacional, regional e internacional, com base em estratégias de desenvolvimento a favor dos pobres e sensíveis a gênero, para apoiar investimentos acelerados nas ações de erradicação da pobreza.

Alcançar cada uma dessas metas requer ações específicas que, por sua vez, requerem capacidades específicas. Como essas metas globais só podem ser alcançadas se as comunidades locais fizerem a sua parte, elas necessariamente implicam em ações e escolhas feitas por muitas pessoas ao redor do mundo. Proporcionar às pessoas as capacidades para fazer escolhas e tomar atitudes é tarefa da educação.

Ao envolver os educadores na análise de quais competências são necessárias para alcançar as metas, e, por sua vez, discernir quais pedagogias e experiências ajudarão os alunos a adquiri-las, a abordagem que segui fez mais do que começar com o objetivo em mente. Ela proporcionou um nível de transparência e responsabilidade profissional e pública para as escolhas feitas em qualquer planejamento de currículo que raramente estão disponíveis em normas estatais ou com livros didáticos e recursos curriculares.

02 – Ativar redes de melhoria para projetar o currículo

O segundo princípio é que a tarefa de planejar o currículo, especialmente quando envolve domínios inovadores ou complexos, requer a colaboração de colegas. Embora possamos apreciar o ideal de que cada professor seja capaz de desenvolver o seu próprio currículo, na prática, o trabalho de ensinar é estruturado de tal forma que limita consideravelmente a quantidade de tempo dedicada ao planejamento do currículo. Não é surpresa que existem muitos recursos on-line para a ajudar o professor a compartilhar currículos e aulas e que, na prática, muitos docentes recorrem a recursos já existentes.

A razão pela qual os professores já criaram redes informais para compartilhar recursos, ou dependem de recursos existentes, é a complexidade do desenvolvimento curricular de alta qualidade. Tradicionalmente essa tem sido a vantagem das editoras de livros didáticos: a capacidade de envolver diversos editores especialistas, autores e outros profissionais, produzindo materiais de alta qualidade e distribuindo os custos necessários para financiar sua produção pelo grande número de usuários.

No entanto, existem limites para a forma convencional de alcançar economias de escala ao produzir materiais instrucionais, e um deles é que esses recursos devem ter como alvo algum grupo específico, razão pela qual muitos livros didáticos estão alinhados com as normas dos estados onde há mais alunos. Um dos méritos da ideia da Base Nacional Comum Curricular, um conjunto nacional de normas curriculares, é justamente o de capacitar tais economias de escala no desenvolvimento de recursos instrucionais de alta qualidade.

As redes profissionais têm uma nítida vantagem como forma de alavancar a inteligência coletiva. Elas podem se adaptar dinamicamente ao feedback decorrente dos ciclos rápidos da experimentação e podem aumentar o aprendizado decorrente de ciclos similares que ocorrem concomitantemente em diversos cenários. Nesse sentido, as redes profissionais têm um potencial inerente para aprendizagem e adaptação que foge das formas mais convencionais de produzir currículo e livros didáticos.

03 – Aprender fazendo

Os profissionais devem necessariamente experimentar como uma forma de criar novos conhecimentos. De fato, uma rede de desenvolvimento é um amplo laboratório para experimentações contínuas em busca de soluções para desafios complexos.

A epistemologia que reforça esse princípio é que o conhecimento profissional deve se valer da prática, não pode ser gerado na ausência de ou desprovido de prática. Ser professor é uma profissão não apenas porque aqueles que a praticam devem dominar o conhecimento especializado para conduzir seu trabalho, mas também no sentido de que aqueles que a praticam devem contribuir para o desenvolvimento de conhecimento especializado. Para tal conhecimento, baseado na prática, se tornar conhecimento profissional, disponível para outros, ele deve ser público, e não privado. Uma rede profissional é uma forma de fazer que o conhecimento oriundo da prática se submeta à análise essencial para se tornar público. Ademais, a confiança nos princípios de pensamento com base em planejamento e em redes de desenvolvimento proporciona um contexto para a experimentação sistemática e teste de hipóteses que estão implícitas em qualquer currículo.

04 – O poder de uma educação baseada em problemas

Algumas das competências necessárias para prosperar no século XXI são melhor adquiridas ao envolver os alunos em problemas reais e ao convidá-los a testarem soluções. Tal educação, baseada em problemas e projetos como esses, vale-se das tradições da educação progressiva desenvolvida por John Dewey e é consistente com o atual conhecimento sobre como defender um aprendizado mais profundo.

05 – O poder da colaboração em equipes diversas

A realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável exigirá colaboração sem precedentes em todos os níveis. Se há uma habilidade que todos os alunos precisarão desenvolver é a colaboração. Os recursos apresentados nesses livros sobre metodologias baseadas em projetos ajudam a desenvolver tais habilidades colaborativas. Mas se os professores devem ensinar os alunos a colaborar, eles próprios devem aprender a co- laborar profissionalmente.

A prática da educação global e o movimento da educação global

Ao alinhar o currículo à estrutura dos Objetivos de Desenvolvimento das Nações Unidas, pretende-se cultivar uma mentalidade entre os alunos para educá-los como cidadãos globais.

O projeto de educar todos os alunos é um movimento global que começou com a disseminação do ensino público. Esse movimento de educação global acontecia de duas formas: envolvia colaborações entre a fraternidade de educadores de várias nações e ensinava os alunos a compreender o poder de tais colaborações globais para promoverem as suas próprias, bem como desafios compartilhados.

Não é por acaso que o ensino público expandiu significativamente ao redor do mundo após o direito à educação ser incluído como um dos direitos na Declaração Universal adotada pelas Nações Unidas em 1948. Foi o resultado da solidariedade global e da cooperação mobilizada para promover a paz mundial e da estabilidade que fez o ensino público expandir o seu alcance para incluir metade das crianças do mundo que foram excluídas antes da adoção da Declaração.

De forma semelhante, a expansão do ensino público antes da adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos beneficiou-se também da cooperação e das trocas entre as fronteiras nacionais.

Tais interesses e esforços sempre contestaram (e foram contestados por) visões mais paroquiais da educação. Atualmente, um nacionalismo e isolacionismo intolerante e ressurgente desafia as colaborações globais e a própria aspiração de educar alunos a serem cosmopolitas. Vemos tal ascensão do nacionalismo intolerante, ao qual o ex-vice-presidente norte-americano Joe Biden denominou “populismo falsificado e nacionalismo falso”, como um perigo ao princípio democrático básico, tal como à ideia de igualdade fundamental de todas as pessoas ou à ideia democrática de que os indivíduos devem colaborar com os outros para o bem comum. Esses desafios aos valores democráticos são exatamente a razão para envolver os alunos na educação global.

A educação global é sempre um caminho para desenvolver um conjunto mais amplo de competências necessárias para a participação em um mundo em constante mudança, que alguns denominaram “habilidades do século XXI” ou “aprendizado mais profundo” (Reimers e Chung 2016 e 2018). Como professores buscam novas formas de aprendizagem para preparar os alunos para as exigências do século XXI, descobrir pontos eficazes de entrada para a renovação pedagógica é fundamental. Mudanças são desafiadoras. As noções de que os alunos deveriam se envolver em problemas reais, ou de que eles deveriam fazer isso de forma colaborativa, por exemplo, embora raramente novas, já provaram ser bem difíceis de serem traduzidas para novas abordagens pedagógicas que foram dimensionadas para servir a todos os alunos. A educação global, largamente ausente em muitas escolas, proporciona um conveniente ponto de entrada para a renovação pedagógica, de uma forma que não ameaça diretamente culturas escolares estabelecidas, mas que pode, gradual e fundamental- mente, modernizar a instrução.

Uma nova liderança para o ensino público

As instituições de ensino público estão sob ataque das mesmas forças que atacam a democracia e os direitos humanos. Manter escolas públicas vai exigir a mesma liderança eficaz que a manutenção da democracia exige. Professores e suas organizações têm um importante papel para cumprir ao liderar um movimento amplo em apoio às escolas públicas.

Se for para mobilizar um movimento democrático de apoiadores de forma bem-sucedida, tal liderança deve se concentrar nas necessidades dos estudantes. Ou seja, tal liderança deve estar no centro da prática profissional do educador, e não apenas em questões básicas do dia a dia. Construir essa liderança vai exigir novas abordagens que deverão começar no ensino e no aprendizado. A rede profissional que desenvolvemos é uma forma de construir uma liderança profissional em que os professores se envolvem com o desafio de reinventar o currículo e a pedagogia a fim de servir aos alunos, para prepará-los para um mundo de constantes e rápidas mudanças.

Ao fazer esse trabalho, esses líderes dos professores estão desenvolvendo as habilidades necessárias para a colaboração e para a liderança colaborativa. Como o processo que esses professores seguiram incluía a aproximação de colegas em suas escolas, persuadindo-os a experimentar as novas aulas e recursos, essa experiência desenvolveu a liderança e cultivou habilidades necessárias para exercer influência sem autoridade, apoiando-se em conhecimento profissional e no comprometimento com um processo aberto e sujeito à responsabilidade profissional e pública.

Quase um século depois de Isaac Kandel defender a promoção do entendimento internacional nas escolas norte-americanas, para educar cidadãos globais que poderiam ser emissários da paz, as ameaças crescentes do populismo e da intolerância fazem isso tão necessário hoje em dia quanto era naquela época. Devemos renovar nossos esforços ao avançar na educação dos direitos humanos, na educação para a paz, na educação para a sustentabilidade e no desenvolvimento para a cidadania global, mesmo que esse trabalho se torne ainda mais difícil de fazer e os riscos de fazê-lo se tornem maiores.

Fernando M. Reimers

Especialista na área de políticas educacionais globais e inovação. É professor de Práticas Internacionais de Educação da Fundação Ford, diretor da Global Education Innovation Initiative e do Programa de Políticas de Educação Internacional da Harvard University.

Para saber mais:

  • REIMERS, Fernando M.; CHOPRA, Vidur; CHUNG, Connie K.; HIGDON, Julia; O’DONNEL, E.B. Empoderar Crianças e Jovens para a Cidadania Global. Download em mod.lk/ed15empo
  •  
  • REIMERS, Fernando M. Empoderando alunos para melhorar o mundo: um guia prático. Download em mod.lk/ed15guia
  •  
  • 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Disponível em mod.lk/17objsus
  •  
  • Educação: um tesouro a descobrir (Unesco, 2010). Disponível em mod.lk/ed15ten1
  •  
  • Southern Poverty Law Center. Hate map. Disponível em mod.lk/hatemap

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Em 1925, o professor Isaac Kandel, da Universidade Columbia, discursou para a associação de diretores de escolas do ensino médio e defendeu veementemente a educação para a cidadania global. Ele argumentou que se as escolas norte-americanas não preparassem seus alunos para uma compreensão global, os Estados Unidos não se tornariam um poder para a paz, mas sim um poder para a instabilidade no mundo. Kandel fez tal discurso apenas sete anos após o fim da Primeira Guerra Mundial e 14 anos antes do principal conflito global que estava por vir. Nascido na Romênia e tendo imigrado para os Estados Unidos, ele conhecia a dor e o sofrimento causados pela guerra e sentiu, à época de seu discurso, como a paz é frágil, como o conflito nunca está tão distante e como a paz requer o cultivo de disposições. Outros educadores que sobreviveram às duas guerras tiveram percepções semelhantes sobre a importância da educação para a paz. Em seu famoso discurso sobre Paz e Educação em 1932, Maria Montessori defendeu uma pedagogia que motivasse a criança a fazer escolhas e contestou a educação autoritária, que preparava o aluno para seguir governantes autoritários. Seu discurso foi publicado pelo Bureau Internacional de Educação da Unesco, do qual Jean Piaget era diretor. Anos mais tarde, o próprio Piaget escreveria uma biografia de Jan Amos Comenius, destacando o papel de Comenius na promoção da educação para a paz.

A conscientização da devastação e do sofrimento causados pela Segunda Guerra Mundial levou governos ao redor do mundo a procurarem condições para a paz sustentável, o que se refletiu na criação das Nações Unidas, na adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos e na inclusão da educação como um direito humano. A Declaração tinha como base os valores de liberdade, igualdade e solidariedade global, que foram o alicerce de boa parte do trabalho dos governos e das instituições globais criadas no pós-guerra. E não há um lugar no qual esses valores são melhor refletidos do que no relatório da Unesco sobre Educação para o século XXI, Educação: um tesouro a descobrir. No entanto, tais valores são cada vez mais contestados por movimentos populistas e nacionalistas, com nuances de xenofobia e intolerância.

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Uma ideologia populista emergente desafia as aspirações do ensino público, em especial da educação para a cidadania global, bem como o trabalho de instituições que promovem os valores de liberdade, igualdade e solidariedade. Os populistas defendem mais poder para grupos locais definirem as metas da educação e menos ação das instituições governamentais e intergovernamentais. Além disso, contestam a ideia de direitos humanos universais. Se o nacionalismo é a nova força organizadora, a noção de pertencimento e não pertencimento é definida pela cidadania, e não por associação à humanidade, uma contestação à educação para a cidadania global. Tal questionamento aos direitos humanos universais leva à contestação dos direitos das minorias culturais e étnicas, por exemplo, o direito de se enxergarem representadas no currículo. Nos Estados Unidos, indivíduos e grupos pressionam escolas por mudanças no currículo que reduzem a ênfase em tópicos e conteúdos globais. Grupos conservadores discutem há muito tempo sobre o currículo e os livros didáticos nas escolas, e tais conflitos têm aumentado desde a última campanha presidencial, segundo relatos que ouvi de professores e diretores.

O populismo representa um risco ao enfrentamento dos desafios globais. Ao renegar uma ação conjunta para enfrentar desafios globais, como a mudança climática ou os direitos humanos, cria-se um contexto social no qual professores encontrarão cada vez mais dificuldade para lecionar sobre tais temas.

Um estudo do Southern Poverty Law Center, mostra que, além do nacionalismo e do populismo, há um aumento de grupos de ódio e manifestações odiosas em muitas partes do mundo. Nos Estados Unidos, cresceram os casos de intolerância, dentro e fora das escolas e universidades, na forma mais explícita de antissemitismo, supremacia branca, islamofobia e ódio a negros e imigrantes.

Nesse contexto, é imprescindível redobrar nossos esforços para educar os alunos para a cidadania global. A inclusão disso como uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável representa uma oportunidade. O comprometimento da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para incluir a avaliação da competência global nos estudos do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) trará muita da atenção necessária para esse domínio de competência do aluno, assim como os estudos comparativos internacionais sobre educação cívica conduzidos pela IEA (Associação Internacional para a Avaliação da Conquista Educacional).

Para contribuir com esses esforços a favor da educação para a cidadania global, publiquei recentemente três recursos curriculares, desenvolvidos com meus alunos da pós-graduação. O livro Empoderar Crianças e Jovens para a Cidadania Global defende que a educação deve auxiliar o aluno a entender e a promover os direitos humanos e oferece um rigoroso currículo para apoiar a educação para a cidadania global desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. O livro Empoderando Alunos Para Melhorar o Mundo: Um Guia Prático explica por que uma ênfase renovada sobre a cidadania global é essencial em face do crescente populismo e ódio. Ele oferece protocolos para ajudar os professores e diretores a desenvolverem estratégias escolares amplas que defendem a educação e o currículo para a cidadania global, alinhados com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável; e um complemento para a Declaração dos Direitos Humanos em que expõe nossas obrigações para alcançar um mundo que seja inclusivo, pacífico e sustentável.

O livro Learning to Collaborate for the Global Common Good é uma análise dos desafios que a democracia enfrenta ao redor do mundo e traz uma série de recursos para promover competências e habilidades para a participação cívica democrática. Os cinco princípios a seguir conduzem as três publicações:

01 – Planejar o currículo com o objetivo em mente

Uma abordagem eficiente para desenvolver o currículo é inicia-lo com os objetivos em mente. Embora a maioria dos planejamentos comece com a orientação em termos de conhecimento ou competências com às quais estão alinhados, eles raramente estendem tal meta a uma visão mais ampla que informe a seleção de tais competências. Como resultado, embora possa haver uma visão implícita de longo prazo que forneça orientação para as competências que conduzem o desenvolvimento do currículo, tal visão não é pública e, portanto, a hipótese central que conduz tal currículo (“se os alunos adquirem essas competências, eles serão capazes de alcançar as seguintes”) não é de conhecimento público e, dessa forma, não é avaliável. Proponho uma abordagem alternativa que torne pública as duas hipóteses-chaves que reforçam qualquer currículo: se envolvermos os alunos em experiências de aprendizagem específicas, eles vão adquirir certas competências; se eles adquirirem tais competências, serão capazes de alcançar resultados específicos a longo prazo, com consequências para eles e para as comunidades das quais fazem parte.

Esses recursos dão ao currículo uma visão pública, não partidária e que tem sido endossada por governos ao redor do mundo. Isso é o mais próximo que conseguimos chegar de um pacto público que reflita a aspiração compartilhada do “bem comum” da humanidade. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, incluídos na estrutura adotada por mais de 150 líderes mundiais na Assembleia Geral da ONU em 2015, oferecem uma visão otimista de um mundo que é inclusivo, pacífico e sustentável. Os objetivos conduzem uma série de metas específicas e mensuráveis. Por exemplo, o Objetivo 1 – Erradicação da Pobreza propõe a erradicação das formas mais extremas de pobreza no planeta e traz seis metas específicas:

 

1

Até 2030, reduzir pelo menos à metade a proporção de homens, mulheres e crianças, de todas as idades, que vivem na pobreza, em todas as suas dimensões, de acordo com as definições nacionais.

 

Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados, para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis. 

 

3

Até 2030, garantir que todos os homens e mulheres, particularmente os pobres e vulneráveis, tenham direitos iguais aos recursos econômicos, bem como o acesso a serviços básicos, propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, herança, recursos naturais, novas tecnologias apropriadas e serviços financeiros, incluindo microfinanças.

 

4

Até 2030, construir a resiliência dos pobres e daqueles em situação de vulnerabilidade, e reduzir a exposição e vulnerabilidade destes a eventos extremos relacionados com o clima e outros choques e desastres econômicos, sociais e ambientais.

 

5

Garantir uma mobilização significativa de recursos a partir de uma variedade de fontes, inclusive por meio do reforço da cooperação para o desenvolvimento, para proporcionar meios adequados e previsíveis para que os países em desenvolvimento, em particular os países menos desenvolvidos, implementem programas e políticas para acabar com a pobreza em todas as suas dimensões.

 

6

 

Criar marcos políticos sólidos em níveis nacional, regional e internacional, com base em estratégias de desenvolvimento a favor dos pobres e sensíveis a gênero, para apoiar investimentos acelerados nas ações de erradicação da pobreza.

Alcançar cada uma dessas metas requer ações específicas que, por sua vez, requerem capacidades específicas. Como essas metas globais só podem ser alcançadas se as comunidades locais fizerem a sua parte, elas necessariamente implicam em ações e escolhas feitas por muitas pessoas ao redor do mundo. Proporcionar às pessoas as capacidades para fazer escolhas e tomar atitudes é tarefa da educação.

Ao envolver os educadores na análise de quais competências são necessárias para alcançar as metas, e, por sua vez, discernir quais pedagogias e experiências ajudarão os alunos a adquiri-las, a abordagem que segui fez mais do que começar com o objetivo em mente. Ela proporcionou um nível de transparência e responsabilidade profissional e pública para as escolhas feitas em qualquer planejamento de currículo que raramente estão disponíveis em normas estatais ou com livros didáticos e recursos curriculares.

02 – Ativar redes de melhoria para projetar o currículo

O segundo princípio é que a tarefa de planejar o currículo, especialmente quando envolve domínios inovadores ou complexos, requer a colaboração de colegas. Embora possamos apreciar o ideal de que cada professor seja capaz de desenvolver o seu próprio currículo, na prática, o trabalho de ensinar é estruturado de tal forma que limita consideravelmente a quantidade de tempo dedicada ao planejamento do currículo. Não é surpresa que existem muitos recursos on-line para a ajudar o professor a compartilhar currículos e aulas e que, na prática, muitos docentes recorrem a recursos já existentes.

A razão pela qual os professores já criaram redes informais para compartilhar recursos, ou dependem de recursos existentes, é a complexidade do desenvolvimento curricular de alta qualidade. Tradicionalmente essa tem sido a vantagem das editoras de livros didáticos: a capacidade de envolver diversos editores especialistas, autores e outros profissionais, produzindo materiais de alta qualidade e distribuindo os custos necessários para financiar sua produção pelo grande número de usuários.

No entanto, existem limites para a forma convencional de alcançar economias de escala ao produzir materiais instrucionais, e um deles é que esses recursos devem ter como alvo algum grupo específico, razão pela qual muitos livros didáticos estão alinhados com as normas dos estados onde há mais alunos. Um dos méritos da ideia da Base Nacional Comum Curricular, um conjunto nacional de normas curriculares, é justamente o de capacitar tais economias de escala no desenvolvimento de recursos instrucionais de alta qualidade.

As redes profissionais têm uma nítida vantagem como forma de alavancar a inteligência coletiva. Elas podem se adaptar dinamicamente ao feedback decorrente dos ciclos rápidos da experimentação e podem aumentar o aprendizado decorrente de ciclos similares que ocorrem concomitantemente em diversos cenários. Nesse sentido, as redes profissionais têm um potencial inerente para aprendizagem e adaptação que foge das formas mais convencionais de produzir currículo e livros didáticos.

03 – Aprender fazendo

Os profissionais devem necessariamente experimentar como uma forma de criar novos conhecimentos. De fato, uma rede de desenvolvimento é um amplo laboratório para experimentações contínuas em busca de soluções para desafios complexos.

A epistemologia que reforça esse princípio é que o conhecimento profissional deve se valer da prática, não pode ser gerado na ausência de ou desprovido de prática. Ser professor é uma profissão não apenas porque aqueles que a praticam devem dominar o conhecimento especializado para conduzir seu trabalho, mas também no sentido de que aqueles que a praticam devem contribuir para o desenvolvimento de conhecimento especializado. Para tal conhecimento, baseado na prática, se tornar conhecimento profissional, disponível para outros, ele deve ser público, e não privado. Uma rede profissional é uma forma de fazer que o conhecimento oriundo da prática se submeta à análise essencial para se tornar público. Ademais, a confiança nos princípios de pensamento com base em planejamento e em redes de desenvolvimento proporciona um contexto para a experimentação sistemática e teste de hipóteses que estão implícitas em qualquer currículo.

04 – O poder de uma educação baseada em problemas

Algumas das competências necessárias para prosperar no século XXI são melhor adquiridas ao envolver os alunos em problemas reais e ao convidá-los a testarem soluções. Tal educação, baseada em problemas e projetos como esses, vale-se das tradições da educação progressiva desenvolvida por John Dewey e é consistente com o atual conhecimento sobre como defender um aprendizado mais profundo.

05 – O poder da colaboração em equipes diversas

A realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável exigirá colaboração sem precedentes em todos os níveis. Se há uma habilidade que todos os alunos precisarão desenvolver é a colaboração. Os recursos apresentados nesses livros sobre metodologias baseadas em projetos ajudam a desenvolver tais habilidades colaborativas. Mas se os professores devem ensinar os alunos a colaborar, eles próprios devem aprender a co- laborar profissionalmente.

A prática da educação global e o movimento da educação global

Ao alinhar o currículo à estrutura dos Objetivos de Desenvolvimento das Nações Unidas, pretende-se cultivar uma mentalidade entre os alunos para educá-los como cidadãos globais.

O projeto de educar todos os alunos é um movimento global que começou com a disseminação do ensino público. Esse movimento de educação global acontecia de duas formas: envolvia colaborações entre a fraternidade de educadores de várias nações e ensinava os alunos a compreender o poder de tais colaborações globais para promoverem as suas próprias, bem como desafios compartilhados.

Não é por acaso que o ensino público expandiu significativamente ao redor do mundo após o direito à educação ser incluído como um dos direitos na Declaração Universal adotada pelas Nações Unidas em 1948. Foi o resultado da solidariedade global e da cooperação mobilizada para promover a paz mundial e da estabilidade que fez o ensino público expandir o seu alcance para incluir metade das crianças do mundo que foram excluídas antes da adoção da Declaração.

De forma semelhante, a expansão do ensino público antes da adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos beneficiou-se também da cooperação e das trocas entre as fronteiras nacionais.

Tais interesses e esforços sempre contestaram (e foram contestados por) visões mais paroquiais da educação. Atualmente, um nacionalismo e isolacionismo intolerante e ressurgente desafia as colaborações globais e a própria aspiração de educar alunos a serem cosmopolitas. Vemos tal ascensão do nacionalismo intolerante, ao qual o ex-vice-presidente norte-americano Joe Biden denominou “populismo falsificado e nacionalismo falso”, como um perigo ao princípio democrático básico, tal como à ideia de igualdade fundamental de todas as pessoas ou à ideia democrática de que os indivíduos devem colaborar com os outros para o bem comum. Esses desafios aos valores democráticos são exatamente a razão para envolver os alunos na educação global.

A educação global é sempre um caminho para desenvolver um conjunto mais amplo de competências necessárias para a participação em um mundo em constante mudança, que alguns denominaram “habilidades do século XXI” ou “aprendizado mais profundo” (Reimers e Chung 2016 e 2018). Como professores buscam novas formas de aprendizagem para preparar os alunos para as exigências do século XXI, descobrir pontos eficazes de entrada para a renovação pedagógica é fundamental. Mudanças são desafiadoras. As noções de que os alunos deveriam se envolver em problemas reais, ou de que eles deveriam fazer isso de forma colaborativa, por exemplo, embora raramente novas, já provaram ser bem difíceis de serem traduzidas para novas abordagens pedagógicas que foram dimensionadas para servir a todos os alunos. A educação global, largamente ausente em muitas escolas, proporciona um conveniente ponto de entrada para a renovação pedagógica, de uma forma que não ameaça diretamente culturas escolares estabelecidas, mas que pode, gradual e fundamental- mente, modernizar a instrução.

Uma nova liderança para o ensino público

As instituições de ensino público estão sob ataque das mesmas forças que atacam a democracia e os direitos humanos. Manter escolas públicas vai exigir a mesma liderança eficaz que a manutenção da democracia exige. Professores e suas organizações têm um importante papel para cumprir ao liderar um movimento amplo em apoio às escolas públicas.

Se for para mobilizar um movimento democrático de apoiadores de forma bem-sucedida, tal liderança deve se concentrar nas necessidades dos estudantes. Ou seja, tal liderança deve estar no centro da prática profissional do educador, e não apenas em questões básicas do dia a dia. Construir essa liderança vai exigir novas abordagens que deverão começar no ensino e no aprendizado. A rede profissional que desenvolvemos é uma forma de construir uma liderança profissional em que os professores se envolvem com o desafio de reinventar o currículo e a pedagogia a fim de servir aos alunos, para prepará-los para um mundo de constantes e rápidas mudanças.

Ao fazer esse trabalho, esses líderes dos professores estão desenvolvendo as habilidades necessárias para a colaboração e para a liderança colaborativa. Como o processo que esses professores seguiram incluía a aproximação de colegas em suas escolas, persuadindo-os a experimentar as novas aulas e recursos, essa experiência desenvolveu a liderança e cultivou habilidades necessárias para exercer influência sem autoridade, apoiando-se em conhecimento profissional e no comprometimento com um processo aberto e sujeito à responsabilidade profissional e pública.

Quase um século depois de Isaac Kandel defender a promoção do entendimento internacional nas escolas norte-americanas, para educar cidadãos globais que poderiam ser emissários da paz, as ameaças crescentes do populismo e da intolerância fazem isso tão necessário hoje em dia quanto era naquela época. Devemos renovar nossos esforços ao avançar na educação dos direitos humanos, na educação para a paz, na educação para a sustentabilidade e no desenvolvimento para a cidadania global, mesmo que esse trabalho se torne ainda mais difícil de fazer e os riscos de fazê-lo se tornem maiores.

Fernando M. Reimers

Especialista na área de políticas educacionais globais e inovação. É professor de Práticas Internacionais de Educação da Fundação Ford, diretor da Global Education Innovation Initiative e do Programa de Políticas de Educação Internacional da Harvard University.

Para saber mais:

  • REIMERS, Fernando M.; CHOPRA, Vidur; CHUNG, Connie K.; HIGDON, Julia; O’DONNEL, E.B. Empoderar Crianças e Jovens para a Cidadania Global. Download em mod.lk/ed15empo
  •  
  • REIMERS, Fernando M. Empoderando alunos para melhorar o mundo: um guia prático. Download em mod.lk/ed15guia
  •  
  • 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Disponível em mod.lk/17objsus
  •  
  • Educação: um tesouro a descobrir (Unesco, 2010). Disponível em mod.lk/ed15ten1
  •  
  • Southern Poverty Law Center. Hate map. Disponível em mod.lk/hatemap

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