Expedição 2030: o desafio certo de educar para um futuro incerto.
- 17/04/2021
- 7:20 pm
- Artigo
Para qual mundo estamos formando nossas crianças e adolescentes? Quais serão as habilidades e competências exigidas para uma vida bem-sucedida?
Adivinhos e futurólogos nunca tiveram tamanha dificuldade para prever ou compreender o que o destino nos reserva. Diante da velocidade e profundidade das transformações que marcam este início de século XXI, não há nada mais certo em relação ao futuro do que a sua própria incerteza.
As mudanças climáticas transformam o planeta. As novas tecnologias redefinem a vida humana. Os processos migratórios e as mudanças de comportamento provocam choques culturais. A busca de competitividade modifica as relações econômicas e gera novos contextos políticos e sociais. E todas essas movimentações juntas aprofundam os níveis de insegurança e ansiedade dos indivíduos, que têm dificuldade de caminhar por terreno tão movediço e ameaçador.
No mundo atual, poucas são as garantias e muitos os desafios que nos afetam individual, local e globalmente, demandando novas capacidades, soluções e regulações. Simultaneamente, crescem as dúvidas e expectativas em relação à educação e seu poder de não apenas preparar as novas gerações para enfrentar uma realidade futura bastante nebulosa, mas também de capacitá-las para reduzir os impactos negativos e ampliar os benefícios trazidos por todas essas mudanças.
Conhecimentos tradicionais continuam sendo importantes, mas não se mostram suficientes para assegurar que as pessoas se realizem no âmbito pessoal, social e profissional, muito menos para que interajam com as questões próprias da contemporaneidade e participem da construção de um mundo melhor para si e para os demais. Cientes desse desafio, especialistas e organizações ao redor do globo apontam para a necessidade de revermos o que se ensina e se aprende nas escolas.
Como consequência, diversos países promovem reformas curriculares com o intuito de aproximar a educação do seu projeto de nação, de maneira que crianças e jovens sejam preparados para se orientar e se realizar em um mundo em constante mudança, bem como contribuir para o alcance de objetivos nacionais e globais de médio e longo prazo.
No Brasil, essa oportunidade surge com a construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e com a Reforma do Ensino Médio, que reabrem a discussão sobre o que todos os estudantes brasileiros precisam aprender. O propósito, nesse caso, para além de resolver problemas recorrentes relacionados à equidade e qualidade da Educação Básica, também se constitui em oportunidade para oferecer aos alunos brasileiros as aprendizagens que eles precisam para enfrentar os desafios da vida contemporânea, muitos dos quais ainda nem conhecemos.
Desafio profissional
Realização pessoal
Vivemos em um contexto de permanente instabilidade, marcado por ambiguidades e imprevisibilidade. A ausência de respostas únicas e a dificuldade de prevermos o que nos acontecerá potencializa o surgimento de tensões emocionais, que afetam crianças, adolescentes e jovens de forma cada vez mais precoce e aguda. Proliferam-se os casos de hiperatividade, apatia, agressividade, depressão, automutilação e suicídio.
Algumas dessas questões requerem tratamento psicológico ou psiquiátrico. No entanto, a escola que se propõe a preparar os estudantes para a vida também tem o papel fundamental de ensiná-los a lidar melhor com suas emoções e relações. Para tanto, os currículos, da Educação Infantil ao Ensino Médio, precisam desenvolver a capacidade dos alunos de conhecer, apreciar e cuidar de si mesmos, bem como de reconhecer, expressar e lidar com seus sentimentos. A proposta é oferecer aprendizagens que os ajudem a superar dificuldades e realizar toda a sua potência, respeitando e acolhendo a sua essência.
Especialmente em relação aos adolescentes e jovens, é imprescindível que as escolas os estimulem a ter aspirações e a identificar caminhos e metas para alcançar os seus projetos de vida, seja por esforço próprio, seja lutando por seus direitos. As práticas pedagógicas e o ambiente escolar também precisam favorecer o desenvolvimento de competências como determinação – para que perseverem e vençam obstáculos; resiliência – para que saibam lidar com frustrações, insucessos e adversidades sem desistir do seu intento; e autoconfiança – para que acreditem em sua própria capacidade de aprender, progredir e realizar os seus sonhos.
Os avanços na ciência e medicina impactam na longevidade e aprofundam as discussões sobre qualidade de vida, estimulando a mudança de hábitos pessoais. O cuidado consigo mesmo, portanto, também passa pela capacidade dos estudantes de promoverem a sua própria saúde e bem-estar. Cresce a importância dos currículos incluírem aprendizagens que levem ao desenvolvimento físico, à incorporação de atitudes saudáveis e à prevenção de situações de risco. A expectativa é garantir que corpo e mente saudáveis contribuam para que as novas gerações tenham perspectiva, garra e vitalidade para superar as turbulências que encontrarão pela frente.
Choque cultural
O mundo será cada vez mais urbano e grande parte da população continuará se movendo em direção às grandes metrópoles. Paralelamente, processos migratórios em todo globo já estão mudando a face dos países. Assim como as seleções europeias que disputaram a última Copa do Mundo, nações, comunidades, empresas e até mesmo escolas serão cada vez mais multiculturais. Porém, ao contrário do que acontece no futebol, fora de campo, o aumento da diversidade tende a ampliar os níveis de estranhamento, intolerância e xenofobia.
Conquistas civis e sociais também continuarão provocando transformações profundas na mentalidade e no comportamento de indivíduos e sociedades, muitas vezes se contrapondo a valores e tradições há muito estabelecidos. Mudanças de percepção e legislação em relação ao papel da mulher, identidade de gênero e orientação sexual, novos arranjos familiares, inclusão de minorias étnicas e raciais, legalização do aborto, descriminalização da maconha, entre tantas outras, seguirão desestabilizando o sistema de crenças e ameaçando os mais conservadores. Como consequência, prevê-se o acirramento dos preconceitos e da violência contra aqueles que, apesar de terem seus direitos garantidos por lei, ainda são percebidos como diferentes.
Vale lembrar que esses novos cenários modificam o próprio ambiente escolar, onde conflitos dessa natureza se intensificam. Diante dessa realidade, as instituições de ensino não têm como se eximir de abordar essas questões com seus alunos, muitos dos quais são vítimas cotidianas do preconceito e da exclusão.
Faz-se necessário, portanto, educar as novas gerações para valorizar e conviver com a diversidade. Dessa forma, além de aprender a transitar por contextos culturalmente diversos com competência, respeito e apreciação, também se conscientizarão da importância de atuar como mediadores culturais, construindo pontes entre os diferentes e minimizando os impactos negativos gerados pelas mudanças em curso.
Transformação social
Ao contrário do que se imaginava, o aumento da riqueza produzida no mundo não foi capaz de acabar com a pobreza, nem reduzir as desigualdades. A bem da verdade, pesquisas demonstram que a distância entre ricos e pobres está aumentando, tanto em relação às pessoas, quanto aos países. Crescem também os níveis de violência que têm como origem as injustiças sociais.
A reversão dessas tendências depende em grande medida da forma como educamos as nossas crianças e jovens. Currículos conectados com os principais desafios da humanidade se preocupam em desenvolver competências como empatia, diálogo e colaboração, imprescindíveis para que as novas gerações tenham uma atitude mais justa, inclusiva e solidária em relação aos demais.
Torna-se fundamental desenvolver nos estudantes a capacidade de pensar criticamente sobre as questões sociais locais e globais, perceber-se como agente de transformação e criar soluções para os desafios que se apresentam. A realização de pesquisas e projetos de intervenção sobre a realidade tem grande poder de sensibilizar, ampliar a compreensão e engajar os alunos em iniciativas voltadas a melhorar a vida de populações e comunidades vulneráveis, inclusive se fizerem parte delas.
Importante ressaltar que se a educação não for capaz de fortalecer a coesão e a justiça social, colocaremos cada vez mais em risco a possibilidade de convivência entre os desiguais.
Preservação ambiental
O planeta também está se transformando de forma rápida e inequívoca, ainda que muitos tentem relativizar os efeitos das mudanças climáticas. O crescimento populacional e o impacto da vida humana na Terra exaurem recursos naturais, comprometem a qualidade de elementos vitais, como a água e o ar, e nos colocam o desafio de repensar a intensidade das nossas pegadas, sob pena de comprometermos a nossa própria existência.
Os prognósticos nessa área são críticos, mas não de todo irreversíveis. Ainda temos como utilizar a nossa inteligência e disposição para modificar a maneira como nos relacionamos com o meio ambiente. A mudança, no entanto, precisa começar desde cedo, para garantir a incorporação de atitudes e comportamentos mais sustentáveis.
A adoção de práticas associadas ao consumo consciente, à preservação de áreas ecológicas e à redução da emissão de poluentes, entre muitas outras, depende de uma mudança profunda de paradigma. E ainda que as legislações ambientais busquem regular esses processos, grande parte dessas decisões ainda acontecem no nível pessoal.
Mais uma vez, as escolas têm papel preponderante na formação de crianças, adolescentes e jovens para que se conscientizem sobre o impacto de suas ações no planeta, adotem comportamentos ambientalmente responsáveis e sejam defensores e promotores da sustentabilidade. Cultivo de hortas escolares, campanhas de reciclagem de resíduos sólidos e visitas a parques e reservas continuam tendo valor. No entanto, é preciso ampliar a compreensão dos estudantes sobre grandes desafios ambientais, tanto os que fazem parte do nosso cotidiano – como o tempo debaixo do chuveiro -, quanto os dilemas de ordem global – como a escolha de nossas matrizes energéticas.
Participação cidadã
Em meio a todas essas mudanças, ampliam-se os questionamentos em relação aos sistemas vigentes, que se mostram incapazes de promover desenvolvimento econômico aliado a liberdades civis, direitos humanos, justiça social e preservação ambiental. Surgem novos arranjos, em geral acompanhados por divergências e polarizações, que se amplificam por meio de redes sociais. O cenário aprofunda o clima de instabilidade política e, ao mesmo tempo, potencializa a participação dos cidadãos na construção de novas alternativas.
Já no âmbito da ética, as ambiguidades se avolumam, colocando as normas vigentes em cheque e demandando mudanças importantes no campo da regulamentação. Novas legislações surgirão ou se modificarão para dar conta dos dilemas emergentes, muitos deles relacionados ao uso das tecnologias, especialmente as de informação e comunicação.
Essas novas circunstâncias demandarão novos papéis e responsabilidades por parte da sociedade civil, cujas formas de participação na vida pública também vêm se modificando velozmente, levando à criação de novos formatos de organização, mobilização, controle social e envolvimento popular na solução de questões de interesse público. A demanda crescente para os próximos anos diz respeito à capacidade dos cidadãos de serem agentes do seu próprio destino e das transformações que aspiram para o seu entorno e para o mundo.
Vale lembrar que grande parte desse empoderamento cívico e social tem seu início na escola, quando os estudantes dispõem de espaço para discutir e vivenciar a sua cidadania, aprendendo a tomar decisões éticas, a se envolver em processos democráticos e a se corresponsabilizar por desafios coletivos.
Ainda nesse sentido, é fundamental que os currículos escolares desenvolvam a sua capacidade de compreender e refletir criticamente sobre os modelos políticos e econômicos vigentes, para que possam transitar por eles com propriedade e contribuir para a construção de propostas mais justas, inclusivas, democráticas e sustentáveis.
Em relação às tecnologias, os alunos precisam se conscientizar do impacto que geram na sociedade e aprender a utilizá-las de maneira ética e significativa, inclusive como instrumento de poder e participação. Além disso, devem se atentar para os riscos de manipulação e exposição, especialmente por parte das redes sociais.
Importante destacar que muitas das competências que passam a integrar os currículos escolares ao redor do mundo não são necessariamente novas, mas tornam-se cada vez mais indispensáveis apresentadas no século XXI. Mais relevante ainda constatar que redefinições em relação ao que os estudantes precisam aprender provocam mudanças diretas no como eles aprenderão.
Assim sendo, as reformas curriculares devem vir acompanhadas de revisões igualmente profundas sobre práticas pedagógicas, materiais didáticos, ambientes escolares e sistemas de avaliação da aprendizagem. Foco no aluno, personalização, uso de tecnologias e metodologias ativas, aprendizagem mão na massa, mobilidade e flexibilidade de espaços dentro e fora da escola são algumas das tendências que dialogam com essa proposta.
Uma vez que têm como foco a promoção do desenvolvimento dos estudantes em todas as suas dimensões (intelectual, social, emocional, física e cultural), os currículos contemporâneos também precisam ser compreendidos como um desafio que não se restringe às unidades escolares. Sua implementação demanda o esforço conjunto de diversos atores, incluindo-se as famílias, as comunidades do entorno, as áreas de saúde, cultura, esporte, tecnologia e desenvolvimento social, entre outras.
Só assim conseguiremos preparar as novas gerações para se manter no rumo ao navegar por mares de imprevisibilidade e incertezas.